Segunda-feira, 21 de Dezembro de 2009

YESHUA BEN YOSSEF, O JUDEU

 

 

Todos os anos, quando da aproximação do dia 25 de dezembro, data que se comemora o nascimento de Cristo, há sempre uma pausa para reflexões de vida, atitudes e até mesmo uma análise dos dogmas. Mais de dois milênios depois do seu nascimento, Yeshua Ben Yossef (Jesus filho de José, em aramaico) ainda é uma das personagens mais enigmáticas da história. A começar pela própria data do seu nascimento, desconhecida dos registros históricos, a comemoração no dia 25 de dezembro foi herdada das festas pagãs da Roma antiga, conhecidas como saturnais, que ocorriam entre 17 e 24 de dezembro.
No decorrer de mais de vinte séculos, Jesus Cristo despertou paixões, controvérsias, ódios e polêmicas. No século XX a sua própria existência foi contestada, uma vez que só tínhamos registros históricos da sua vida além dos evangelhos, nas Antiguidades Judaicas e uma versão de História da Guerra dos Judeus, do historiador judeu Josefo, quase contemporâneo seu. Deixando a corrente cética sobre a sua existência, surge a pergunta, quem foi este judeu que mudou a história da humanidade e que, em seu nome, foram travadas as mais terríveis guerras, os mais calorosos discursos de fé?
Para entendermos o cristianismo e os seus dogmas, é preciso jamais esquecer as suas origens, ou a etnia a qual Jesus pertencia.

Os Filhos de Abraão

Conta a história que Abraão, nômade nascido em Ur, na Mesopotâmia, por ordem de Deus, migrou para o território habitado pelos cananeus, entre o rio Jordão e o Mediterrâneo 1800 anos antes de Cristo. Sua esposa Sara não lhe podendo gerar um filho, convenceu-o a se deitar com a escrava Hagar, que lhe gerou Ismael. Mas Deus concebeu a Sara o dom da maternidade já na velhice, e ela gerou Isaac aos noventa anos. Com o nascimento do filho, Sara convence Abraão a mandar Hagar e Ismael embora, assegurando assim, a herança de Isaac. Assim é feito, expulsos por Abraão, Hagar e o filho seguem para o deserto de Bersabéia. Deus guia os passos da escrava até a Arábia e promete-lhe que o seu filho seria pai de uma grande nação. De Ismael surgiria a linhagem do profeta Maomé, fundador do islamismo seiscentos anos depois do nascimento de Cristo.
Da linhagem de Isaac surgem os gêmeos Esaú e Jacó. Através de um ardil, Jacó compra a primogenitura ao irmão Esaú, tem a bênção de Isaac e torna-se Israel, pai de doze filhos, que dariam origem às 12 tribos dos israelitas e ao povo hebreu. A saga do povo judeu através dos séculos é voltada para as promessas de um povo eleito por Deus e separados dos outros povos, para que não se contaminem com falsas adorações e falsos deuses. O Deus de Israel é Único e não admite idolatria. Promete a Abraão uma descendência próspera e com ele faz a aliança, selada pela circuncisão dos seus varões, diferenciando-os das outras nações.
O pacto é renovado através de Moisés e da conquista da terra prometida e da criação de uma série de leis que o hebreu deve cumprir para que se mantenha puro e continue com o privilégio de ser o povo escolhido de Deus. Mas o povo israelita muitas vezes fugiu ao cumprimento das leis mosaicas. A cada traição às leis são castigados e entregues a diversos povos que os dominam através dos séculos. O pacto é renovado na casa do rei Davi, da sua linhagem cumprir-se-ia a profecia messiânica do rei dos reis, que surgiria e elevaria o povo de Israel diante dos seus opressores. Povo eleito de Deus, através do messias alcançariam a paz e a felicidade prometidas , e através deles se estenderia para toda a humanidade.

A Palestina na Época de Cristo

Jesus nasce na Palestina entre o ano 6 ou 7 a.C., numa época conturbada da dominação romana ao povo judeu. Por esta ocasião encontramos as facções dos saduceus, que controlavam o Templo e eram mais condescendentes em sua interpretação da Lei; dos fariseus, mais radicais e mais austeros, usavam a tradição oral para impor minuciosamente os aspectos da Lei na vida judaica, são radicalmente contra o domínio romano. Há ainda as seitas austeras e fanáticas, como os essênios e os zelotes. Os zelotes desprezavam não só os romanos, como os judeus que com eles colaboravam. Promoviam o terrorismo como forma de luta contra o domínio romano e os seus impostos e opressão. Enviavam assassinos conhecidos como sicários (homens do punhal), que mesclados à multidão, assassinavam os seus inimigos.
Durante os primeiros trinta anos da vida de Cristo, há poucas referências sobre as suas ações. Sua pregação começa justamente nessa idade. Após ser batizado por João Batista, apresenta-se como o Messias (ungido) vociferado pelos profetas. Profundo conhecedor da Lei, usa de metáforas e parábolas para se identificar como o ungido e expandir os seus pensamentos. Cristo contesta a mecanização da Lei, mas jamais a renega. Jamais renega a sua condição de judeu ou demonstra que veio para criar uma nova religião, ele veio para cumprir a função do judaísmo e às suas profecias. Chancela as leis mosaicas e acrescenta “amai-vos uns aos outros como a ti mesmo”. Critica a forma colaboracionista dos saduceus com as forças dominantes vigentes e como conduzem o Templo. Numa terra de convulsão política e religiosa, é visto pelas seitas como um homem carismático e de forte influência sobre os hebreus, e com isto, como aquele que vai conduzir Israel à liberdade e contra o domínio de Roma. Mas Cristo rejeita a idéia de conduzir o povo à guerra contra a opressão romana, separa o estado do da religião, “a César o que é de César”. A sua forma pacifista desagrada aos zelotes, sedentos pela revolução e extermínio dos romanos e seus domínios em terras israelitas. Com um idealismo considerado historicamente lunático, declara-se o mensageiro de um novo reino espiritual que viria a partir de então. É acusado de blasfêmia por se dizer o filho de Deus e vociferar a destruição do Templo. Em um acordo entre os saduceus e os romanos, é julgado e crucificado. Segundo a tradição, ressuscita em um corpo diferente, mas reconhecido por seus apóstolos, cumprindo todas as profecias.

O Cristianismo Depois de Cristo

Após a sua morte e à propagação das suas idéias por seus apóstolos, Yeshua torna-se Jesus, seu nome em grego, o Cristo (ungido em grego). Apesar do domínio romano, o grego é a língua mais difundida no mundo antigo, e os relatos sobre a vida de Cristo seriam escritos em aramaico ou grego. Quatro evangelhos são escritos para contar a saga de Jesus Cristo, três deles são sinóticos (Marcos – Mateus e Lucas), assim chamados porque é possível fazer deles uma sinopse única de grande parte do seu conteúdo, pois não diferem uns dos outros. O evangelho de João é o mais denso. Talvez por João ter sido o que atingiu a idade mais avançada dos apóstolos de Cristo, e por ter assistido à queda de Jerusalém, o cerco do povo hebreu, a tragédia que levou à morte de milhões de hebreus e à destruição do Segundo Templo pelos romanos no ano de 70, os seus escritos são vociferados em previsões catastróficas e na criação do próprio livro do Apocalipse.
Com a destruição do Templo em Jerusalém, há a diáspora judaica pelo mundo e o abandono da terra prometida. Os seguidores de Cristo surgem como uma nova seita no mundo antigo. Seguem os ensinamentos de Cristo e as leis mosaicas, com a crença em um só Deus e no Messias, rejeitam a idolatria e os sacrifícios aos deuses. Paulo de Tarso converte-se ao cristianismo e a partir dos seus conceitos, é o primeiro a rejeitar a idéia de que para ser cristão primeiro tem que se ser judeu, o que contraria os primeiros judeus que seguem os ensinamentos de Cristo. É neste momento que há uma ruptura com o judaísmo e a consolidação de uma seita cristã. Em Roma os judeus são vistos como uma nação, mas os cristãos como uma seita incômoda que se alastra. Começa a perseguição aos cristãos, o que gera a consolidação de uma nova religião.
Judeu praticante da Lei, Cristo surge para consolidar o judaísmo. A partir dele a religião hebraica perde a sua função, já não se justifica a existência de um povo eleito para evidenciar a profecia da vinda de um messias. Com certeza que o fator condenatório da religião e a própria ameaça da sua extinção pelo referido messias, e por não ver naquele que assim se apresentava as evidências do rei profetizado, foram as razões que influenciaram os saduceus a negociar com os romanos o julgamento e a condenação que resultaram na morte de Jesus Cristo, justificada pelo sumo sacerdote Caifás : “É de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda.” Sacrificando Cristo, os saduceus garantiram a sobrevivência do judaísmo como religião e do seu objetivo de esperar o cumprimento das profecias messiânicas que irão redimir a humanidade através dos filhos de Abraão.
Mais de dois mil anos depois, há a pergunta que encontra ecos, mas jamais uma resposta definitiva, Cristo queria fundar uma nova religião? Em nenhum momento ele renegou a Lei, pelo contrário, citou-as como exemplo a ser seguido. Também Paulo de Tarso, judeu considerado o fundador do cristianismo, todas às vezes que não encontrava nas palavras de Cristo respostas para os questionamentos, buscava-as na Lei e no judaísmo. Após a conversão de Roma e à romanização do cristianismo primitivo, e a sua adaptação às antigas religiões pagãs do continente europeu, como o fortalecimento da figura de Maria substituindo as deusas pagãs, o judaísmo foi desaparecendo da igreja que era erguida em Roma. A imagem de Cristo torna-se européia, é transformado em um homem louro, de olhos azuis ou verdes, longe da figura física de um semita. Muitos dos judeus que foram convertidos voltam ao judaísmo diante da romanização do cristianismo. Surgem os dogmas medievais como os da Santíssima Trindade. Cristo deixa de ser o Messias judeu para se tornar a encarnação de Deus na terra. Judaísmo e cristianismo se tornam inconciliáveis. Para os judeus Deus é único e superior, não se iria materializar na forma humana. A citação medieval “santa Maria mãe de Deus” é vista como blasfêmia, uma simples mortal jamais poderia ser mãe do Deus Único de Abraão. O cristianismo só voltaria a resgatar algumas das suas características judaicas com a Reforma no século XVI.
E novamente a pergunta: Proclamando-se o Messias, Cristo quis fundar uma nova religião ou cumprir o propósito do judaísmo? Se em nenhum momento Cristo deixou de auto-afirmar que era o Messias, provavelmente a segunda hipótese é a mais correta. Mas como há até os historiadores que duvidam que ele existiu, assim como duvidam da existência de Abraão, como não duvidar da sua condição messiânica? A história e a fé muitas vezes são inconciliáveis, cabe ao homem decidir por elas. Uma certeza é irrefutável, amado ou odiado, aceito ou rejeitado pelos homens e pela história, Yeshua Ben Yossef foi um dos mais ilustres judeus que Israel e as suas promessas de redimir o mundo geraram para a humanidade.

 
 
 

 
 
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Sábado, 14 de Novembro de 2009

O MUNDO E A CRISE DO PETRÓLEO DE 1973

 

 
Descoberto no início do século XX, o petróleo passou a ser o principal fornecedor de energia, gerando um progresso acelerado aos países que se industrializaram e formaram grandes potências econômicas.
Se o petróleo era o elemento principal da economia das grandes potências, originando progresso e riqueza, o mesmo não acontecia aos países que produziam o precioso ouro negro. O Oriente Médio tornou-se desde o fim da Primeira Guerra Mundial, o principal produtor de petróleo do mundo, o que levou à cobiça dos europeus, que dominaram a região por décadas, colonizando e explorando as suas riquezas. Aos poucos, os países do Oriente Médio foram adquirindo a sua independência política, mas sem ter o controle da sua principal riqueza, que até 1970, tinha mais de 90% da sua produção petrolífera controlada por sete companhias, as chamadas “Sete Irmãs”.
Nas décadas de 1960 e 1970, a economia mundial estava totalmente dependente do petróleo, sem ele não havia progresso. Cientes desta dependência, os países produtores decidiram unir suas forças, rompendo com o cartel das “Sete Irmãs”. Surgia a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP (OPEC, em inglês), e a luta contra as grandes companhias petrolíferas começou a ser travada, com vitórias lentas, mas definitivas, para os países produtores do óleo negro.
Não só interesses econômicos moveram esta luta, mas principalmente, políticos. O conflito entre árabes e israelenses, marcados pela Guerra dos Seis Dias, em 1967, e pela Guerra do Yom Kippur, em 1973, em que os árabes sofreram derrotas e humilhações indeléveis, foi o principal fator que fez do petróleo uma arma econômica. Para pressionar os Estados Unidos e a Europa, que apoiaram Israel nos conflitos, os árabes uniram-se, reduzindo a produção do petróleo, forçando o aumento drástico no preço do barril, originando a maior crise do petróleo, que afetou toda a economia mundial. A Europa e o Japão foram os que mais sofreram, sendo obrigados a racionar energia. Os Estados Unidos travaram o consumo e investiu nas suas reservas. Os países em desenvolvimento como o Brasil, foram os mais afetados, pois o encarecimento desta fonte de energia gerou um desequilíbrio nas suas frágeis economias. Com a crise petrolífera de 1973, encerrava-se o chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, e o país entraria em colapso econômico, crise que se veio a agravar, só encerrando depois do fim da ditadura militar.
A crise do petróleo de 1973 não seria a única, mais duas viriam, uma em 1979, com a queda do Xá Reza Pahlavi e a Revolução Islâmica Iraniana, outra em 1990, que deflagrou a Guerra do Golfo; mas seria a pior delas, pois só então o mundo apercebeu-se da dependência que tinha em relação ao petróleo e, de quem eram os verdadeiros donos do petróleo, ou seja, os países que o produziam e o exportavam. Desde então, os países buscaram alternativas ao petróleo, investindo em outras fontes de energia. E o mundo árabe passou a ter voz no cenário político internacional. A crise de 1973 pôs fim à fartura do petróleo, iniciando à consciência de que o ouro negro era finito, e que o a sua extinção é uma questão de tempo.

A Criação da OPEP

Quando descoberto no início do século XX, o petróleo passou a ser a fonte de energia mais utilizada pelas nações industrializadas. A sua produção estava restrita a poucos lugares do planeta, sendo o Oriente Médio, o principal produtor. Dominando pelos europeus, os países produtores não tinham direito algum sobre as suas riquezas naturais. Mesmo quando alcançaram a independência política, caíram no domínio absoluto das grandes companhias petrolíferas. Muitas vezes, menos de 10% do petróleo comercializado ficava no país produtor.
Somente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial é que os países produtores de petróleo vão tomar consciência da exploração a que se submetiam, e da necessidade de reter a riqueza que se esvaía, beneficiando apenas as grandes companhias. Iniciou-se uma luta progressiva dos produtores petrolíferos, com poucos avanços durante décadas.
Um fato marcante aconteceu em 1959, quando se reuniu na cidade do Cairo, no Egito, o Primeiro Congresso Árabe do Petróleo, contando com a participação da Venezuela. Durante o congresso, deliberou-se que os países produtores tivessem uma maior integração na indústria petrolífera e, que se criasse companhias nacionais que operariam ao lado das sociedades privadas. Naquele ano as grandes companhias impuseram uma redução de 18% sobre os preços de referência do petróleo do Oriente Médio.
Sete grandes companhias, chamadas de “Sete Irmãs”, controlavam a produção do petróleo no mundo, sendo elas cinco americanas, a Standard Oil of New Jersey (conhecida pelo mundo como Esso e Exxon nos EUA), a Standard Oil of California (hoje parte da Chevron), a Gulf Oil (também parte da Chevron), a Mobil Oil e a Texaco; uma britânica, a British Petroleum; e, uma anglo-holandesa, a Royal Dutch-Shell. Em agosto de 1960, a Esso tomou a iniciativa de impor uma outra redução de 18% sobre os preços do petróleo, fazendo com que o preço do barril chegasse a um patamar inferior ao ano de 1953.
Como reação à baixa no valor do barril do petróleo, os países produtores responderam com energia ao cartel dos consórcios internacionais, conclamando uma reunião em Bagdá, no Iraque, em 14 de setembro de 1960, da qual participaram representantes da Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela. Na reunião foi assinado o “Convênio de Bagdá”, documento que criou a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP). A organização definiu como objetivo principal do seu estatuto, a coordenação e unificação das políticas petroleiras dos países membros, determinando melhores meios de salvaguardarem seus interesses ante as companhias petrolíferas. Além dos cinco países fundadores, outros se juntaram a OPEP, constituindo 12 membros na época da crise, em 1973: Irã, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Venezuela, Líbia, Argélia, Indonésia, Emirados Árabes, Nigéria, Qatar e Equador. Atualmente, 13 países são membros da OPEP, sendo Angola o décimo terceiro membro, que entrou para a organização em 2007. O Gabão fez parte da OPEP de 1975 a 1994, sendo um ex-membro. O Equador, que se tornou membro em 1973, deixou a organização em 1992, voltando a fazer parte dela em 2007. A participação da Indonésia está em processo de revisão, pois já não é considerado pela OPEP um país exportador de petróleo líquido.
Com a formação da OPEP, uma nova página seria escrita na história do petróleo. Sua ascensão eliminaria futuramente, as tramas do monopólio das Sete Irmãs no mercado de energia. Também transformaria o petróleo em arma de negociação entre as nações, interferindo e influenciando em vários conflitos mundiais surgidos no Oriente Médio ao longo das décadas. Mas as vitórias econômicas da OPEP só viriam a partir de 1970. Até lá, nacionalizações do petróleo e pressões econômicas sobre o mundo definiram a consolidação da OPEP como organização de peso.

A Guerra de 1967, a OPAEP e o Acidente do Oleoduto de Tapline em 1970

Em maio de 1967, Síria, Jordânia e Egito lideraram uma invasão a Israel, para tirar o Estado judaico do mapa. Explodia uma guerra que duraria apenas seis dias, mas que deixaria conseqüências históricas definitivas. Israel infligiria aos árabes a mais humilhante derrota de todos os tempos. Na Guerra dos Seis Dias, os israelenses tomariam aos egípcios a península do Sinai e a Faixa de Gaza; aos sírios as colinas de Golã; e, aos jordanianos, a Cisjordânia e Jerusalém. A derrota mostrou a fragilidade dos exércitos dos países árabes ante ao exército israelense.
Além da derrota, o mundo árabe ressentiu-se do apoio explícito do mundo ocidental a Israel, excepcionalmente o apoio dos Estados Unidos. Em novembro, a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovou a Resolução nº 242, condenando a invasão dos israelenses aos territórios árabes, pedindo a retirada imediata da zona de ocupação, além de conclamar uma solução justa para a questão dos refugiados palestinos. Apesar da resolução da ONU, não foi aplicado esforço algum para que ela fosse cumprida.
No rebote da Guerra dos Seis Dias surgiu mais uma organização para defender os interesses dos produtores de petróleo, a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP). A organização foi fundada em 9 de janeiro de 1968, por um documento assinado entre países árabes, em Beirute, no Líbano. O acordo foi assinado pela Arábia Saudita, Líbia e Kuwait. Juntar-se-iam aos três países fundadores a Argélia, o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos e o Qatar, em 1970; a Síria e o Iraque, em 1972; o Egito, em 1973; e, a Tunísia, em 1982, que deixaria a organização em 1986. A OPAEP só admite países árabes como membros.
A 3 de maio de 1970, um pequeno acidente na Síria, que geraria a ruptura de um oleoduto, iniciaria a primeira retaliação dos árabes às grandes companhias petrolíferas, era o começo da grande crise petrolífera que culminaria em 1973.
Até 1970, dez anos passados da fundação da OPEP, os resultados obtidos pelos países exportadores de petróleo foram restritos a um pequeno aumento de impostos pagos pelas companhias estrangeiras, que continuavam a controlar 80% das exportações de petróleo bruto e 90% da produção do Oriente Médio e da África do Norte. Médio Oriente e África possuíam 60% das reservas mundiais de petróleo, estando vinculados a contratos das grandes companhias, que previam a estas, mediante o pagamento de determinadas quantias, a concessão sem limites da exploração do óleo extraído do subsolo árabe. 97% deste óleo iam para as mãos das concessionárias a preços que se mantinham praticamente inalterados desde a Segunda Guerra Mundial.
Naquele maio de 1970, um trator a operar na Síria, próximo ao oleoduto de Tapline (Trans Arabic Pipe Line), filial da Aramco (Arabian American Company), chocou-se contra as instalações por onde passavam, anualmente, 30 milhões de toneladas de petróleo, que vinham da Arábia Saudita com destino ao porto libanês de Sidon. O acidente parecia ser fácil de ser resolvido pelos diretores da Texaco, Standard Oil of Califórnia, Esso e Mobil Oil (as “quatro irmãs” sócias da Aramco), bastaria um pedido de autorização para entrar no território sírio e reparar o oleoduto, um procedimento rotineiro nos campos petrolíferos. Inesperadamente, a autorização foi negada pelo governo sírio, que manteve o veto ao acesso a seu território por nove meses. O transtorno atingiu à Europa Ocidental, que se viu subtraída de 60 mil barris de petróleo por dia, gerando grandes prejuízos econômicos.

Nacionalizações de Empresas Petrolíferas e Aumento dos Preços do Petróleo

Os reveses dos exploradores de petróleo estavam apenas a começar, duas semanas após o acidente do Tapline, Argélia, Iraque e Líbia enviaram os seus ministros do petróleo a um encontro em Argel, que se decidiram unir contra as companhias petrolíferas internacionais, trazendo exigências como a revisão dos contratos, o aumento de preços e impostos sobre o óleo extraído dos seus subsolos.
Os resultados do encontro surtiram efeito logo em julho, quando a Argélia aumentou os impostos sobre os lucros de uma das companhias francesas que exploravam o seu subsolo. No mesmo mês, a Líbia nacionalizou as companhias que distribuíam o seu petróleo, convocando a seguir, a Esso e a Occidental Petroleum a debaterem o aumento dos preços. O coronel Muammar Khaddafi, presidente líbio, intimidou a Occidental Petroleum a reduzir 100 mil toneladas diárias de petróleo.
A união dos paises produtores de petróleo contra o truste das companhias internacionais aumentou o poder de barganha. Os três maiores campos petrolíferos do mundo estavam no golfo Pérsico, em El Ghuar, na Arábia Saudita; Borkan, no Kuwait; e Kirkut, no Iraque. Os três países decidem aumentar os impostos sobre os lucros das concessionárias.
Em novembro de 1970, Houari Boumédienne, presidente da Argélia, nacionalizou a Mobil Oil e a Newmont. Em dezembro, a OPEP reuniu-se em Caracas, na Venezuela, decidindo que a partir de então, o preço do petróleo seria unificado, eliminando assim, as diferenças que haviam de um país produtor para o outro. Os preços foram alinhados pelo que era praticado mais alto, sendo aumentados. Na reunião, constituíram ainda, um comitê especial para negociar com as sociedades petrolíferas em nome dos países do golfo Pérsico. O petróleo tornou-se mais caro, conseqüentemente, os produtos nos Estados Unidos e na Europa.
Mas dois membros do comitê formado na reunião de Caracas, Ahmed Yamani, ministro saudita, e Jamshid Amouzegar, ministro iraniano; revelam à mídia do ocidente que vão moderar o debate a favor dos interesses dos norte-americanos. Irã e Arábia Saudita eram aliados tradicionais dos Estados Unidos, esta posição marcaria o inicio das divergências entre os países produtores de petróleo. As divergências entre os árabes, os conflitos árabe-israelense, e ganância das grandes potências em resolver os seus interesses, entrelaçavam-se de forma perigosa, começando a desenhar a crise do petróleo.

O Prelúdio da Crise de 1973

A derrota na Guerra dos Seis Dias, em 1967, deixou os países árabes feridos em seu orgulho, dispostos a uma revanche. Líderes egípcios como Gamal Abdel Nasser e o seu sucessor, Anwar Sadat, conclamavam que somente uma nova guerra poderia obrigar Israel a devolver os territórios anexados. Em 1971, Sadat vociferava que se os israelenses não deixassem a zona de ocupação até o fim do ano, deflagraria a guerra. As ameaças não se concretizaram naquele ano.
Em fevereiro de 1971, as companhias petrolíferas internacionais são obrigadas a ceder, fazendo uma oferta superior às pretensões dos produtores: 35 centavos de dólar como referência do preço do barril de petróleo, com dois aumentos anuais correspondentes à inflação e à demanda; contra os 12 e 17 centavos de dólar por barril que a OPEP esperava. As concessionárias garantiram assim, os investimentos e o controle da produção, indo buscar o lucro exorbitante aos principais compradores do golfo Pérsico, a Europa e o Japão, que reféns do petróleo, arcaram com os aumentos na sua economia, pagando um grande preço social. Esta crise travou o crescimento dos japoneses e dos europeus, favorecendo os Estados Unidos, ameaçados pela concorrência nipônica e européia. Esta garantia das grandes companhias fez com que elas reinvestissem os lucros com a venda do petróleo em pesquisas de novas fontes de energia, satisfazendo os norte-americanos.
As divergências entre os membros da OPEP precipitaram os acontecimentos. A Argélia e a Líbia foram as que mais protestaram contra as decisões, exigindo que as companhias fossem obrigadas a reinvestir maior parte dos lucros do petróleo nos países produtores. Diante do impasse, a Líbia terminou por privatizar a British Petroleum Company, composta pela Esso, Shell, Britsh Petroleum, Mobil Oil e Compagnie Française de Pétroles. A Argélia, por sua vez, nacionalizou as empresas petrolíferas francesas.
Em 1972, realizou-se o Congresso Árabe do Petróleo, em Argel, onde os participantes recomendaram à OPEP que o petróleo fosse posto a serviço da nação árabe. Era o prelúdio do uso do petróleo como “arma econômica”, que seria usada no próximo conflito árabe contra Israel. A consciência desse poderio atingia todos os países árabes, o incentivo às nações produtoras de petróleo de apropriarem-se progressivamente das suas próprias riquezas alastrou-se. Era preciso valorizar esta riqueza e através dela, consolidar maior participação dos árabes na política internacional. Estes objetivos começariam a ser testados em outubro de 1973, quando explodiu uma nova guerra entre árabes e israelenses.

Deflagrada a Guerra e a Crise

O ano de 1973 foi marcado por encontros diplomáticos entre vários líderes árabes. Um encontro no Cairo, entre o presidente da Síria, Hafez Assad; o rei Hussein, da Jordânia; e, o monarca saudita Faiçal Ibn Abdul Aziz al Saud; despertou a curiosidade da imprensa ocidental, que vislumbrava uma possível ação militar contra Israel. A iminência da guerra aumentou quando o presidente egípcio Anwar Sadat, o líder argelino Houari Boumédienne e o presidente da organização de libertação da Palestina, Yasser Arafat, encontraram-se. Sucessivas reuniões das lideranças árabes precediam uma imensa nuvem de guerra no Médio Oriente.
No dia 6 de outubro de 1973, as suspeitas são confirmadas, forças militares egípcias ocuparam, em seis horas, toda a margem oriental do canal de Suez. Simultaneamente, os sírios avançaram sobre as colinas de Golã. A luta bélica estava iniciada, era o feriado judaico do Yom Kippur, por isto o quarto conflito árabe-israelense ficou conhecido como a Guerra do Yom Kippur, ou a Guerra do Kippur-Ramadã. Os conflitos estenderam-se de 6 a 26 de outubro de 1973.
A Guerra do Yom Kippur ficou caracterizada por misturar a política internacional com o petróleo. Os Estados árabes tinham a consciência da importância do petróleo na economia mundial, e de que eram os maiores produtores do ouro negro. Esta evolução na relação dos produtores com o petróleo, levou-os a ter maior autonomia ante a exploração das companhias petrolíferas e, maior força política nas questões internacionais. Enquanto violentos combates eram travados nos campos de luta, o Iraque decretava a nacionalização dos bens da Mobil Oil e da Esso, na Barash Petroleum Company (consórcio com a mesma composição da já nacionalizada Iraq Petroleum Company), limitando parte dos interesses norte-americanos nas suas jazidas petrolíferas. A OPAEP, dez dias após o inicio da guerra, reuniu-se no Kuwait, decididos a usar o petróleo como arma de guerra. Na reunião foram tomadas medidas que reduziam a produção de óleo destinada aos Estados Unidos e demais países que apoiavam Israel. A decisão estava disposta a ir ao embargo total aos norte-americanos e aos países vistos pelos árabes como não amigos, como a Holanda, que apoiava abertamente Israel; a Rodésia; a África do Sul e Portugal.
O mundo ocidental, especificamente os EUA, apoiavam Israel, mas necessitavam do petróleo árabe. As companhias petrolíferas norte-americanas pressionaram o governo de Washington a mudar de tática em relação à diplomacia que tinham com o Oriente Médio. A decisão da OPAEP de usar o petróleo como barganha política, exigiu que o mundo e os EUA apoiassem os árabes na Guerra do Yom Kippur, algo diplomaticamente impossível para aqueles países. Era o início das mudanças no jogo político econômico do petróleo, mostrando ao mundo que as relações internacionais entre produtores e consumidores atingiam um outro patamar. Os produtores começavam a controlar as suas jazidas, há décadas exploradas pelas companhias internacionais, obtendo finalmente, maiores benefícios econômicos e poder de barganha política para os seus interesses. A disposição dos árabes em usar o petróleo como arma poderosa, levou o mundo a uma grande crise econômica, em 1973, que ficou conhecida como a crise do petróleo.

A Crise de 1973 e as Conseqüências para o Mundo

O uso do petróleo como arma de guerra teve conseqüências dramáticas para a economia dos paises que dele dependiam. A Europa consumia 80% do petróleo que provinha do Oriente Médio e o Japão 90%. Quando os árabes iniciaram o embargo do petróleo, reduzindo a produção até o limite oficial de 15% com variações de um produtor para o outro, os europeus foram obrigados a racionar combustível, impondo a proibição da circulação de veículos em dias definidos da semana; os japoneses fizeram reduções drásticas de consumo de energia, afetando a produtividade das suas indústrias.
A crise atingiu aos países em desenvolvimento, considerados amigos pelos árabes, de forma indelével, já que se utilizavam do petróleo como fonte de energia barata, tendo o seu valor aumentado bruscamente. O Brasil recorreu ao racionamento de combustível, viu a mentira do chamado “Milagre Econômico” esvair-se, entrando em um dos períodos mais difíceis da sua economia.
Curiosamente, o embargo que tinha como objetivo principal atingir os Estados Unidos, não consegue o propósito. Os Estados Unidos eram menos dependentes do petróleo árabe, tomando medidas de cautela relativas às reservas que possuíam e ao consumo. Foram beneficiados pelo freio nas economias européias e japonesa, concorrentes diretas dos seus produtos. O embargo aos norte-americanos foi suspenso em março de 1974. Um mês antes, Irã e Arábia Saudita, principais aliados árabes dos Estados Unidos, receberam uma considerável quantidade de aviões de guerra norte-americanos. Naquele ano, a Aramco aumentou os seus investimentos na Arábia Saudita de 500 para 800 milhões de dólares.
As companhias petrolíferas, conhecidas por “Sete Irmãs”, tiveram grandes lucros com a crise, pois eram as únicas com condições de fazer os maiores lances no mercado negro do petróleo, dominando a produção e o transporte do produto árabe, vendendo-o por preços exorbitantes aos consumidores. Com a crise, as “Sete Irmãs” viram os seus lucros, em 1973, a atingirem um aumento de 159%.
A alta explosiva nos preços do petróleo enriqueceu muitos países árabes, que viram a renda per capita subir para os 5 mil dólares anuais. Qatar, Kuwait, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Líbia, formaram o conjunto de paises novos ricos do Oriente Médio.
A crise do petróleo de 1973 afetou o mundo inteiro. As conseqüências, em princípio daninhas para a economia do mundo, foram, ao longo do tempo, benéficas e positivas. Foi a partir dela que se teve a consciência da dependência que a economia mundial tinha do petróleo, da fragilidade dessa dependência, e da necessidade de investir-se em outras fontes de energia. No Brasil, o desenvolvimento da utilização do álcool como combustível foi uma conseqüência da crise do petróleo.
Se a crise petrolífera de 1973 serviu para a busca de novas fontes de energia no mundo, ela conseguiu aumentar as diferenças econômicas entre os países ricos e pobres, fomentando um quadro de desigualdade social por todo o planeta. Não solucionou o conflito entre árabes e israelenses, que continuam a insurgir revoltas e guerras na região, ceifando milhares de vidas.Após 1973, o mundo testemunharia mais duas grandes crises do petróleo, que continuou a ser usado como arma política: a de 1979, originada pela deposição do Xá Reza Pahlavi e a Revolução Islâmica, no Irã; e, a de 1991, desencadeada pela Guerra do Golfo. O petróleo continua a ser um grande provedor de energia, conseguindo movimentar a economia mundial. Os esforços para substituí-lo por outras fontes exigiram investimentos em estudos, com o objetivo de oferecer outras alternativas quando o ouro negro for esgotado. Esta consciência só foi possível graças à crise de 1973 e as suas conseqüências históricas, que marcaram os últimos anos do século XX.
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Sexta-feira, 30 de Outubro de 2009

LIVROS SAGRADOS

 

 
Nos primórdios das grandes civilizações da humanidade, as religiões eram essencialmente politeístas. Eram passadas pelas gerações através de rituais considerados sagrados, sem uma tradição escrita. A partir do momento que o monoteísmo expandiu a sua fé, o registro das leis sagradas e dos princípios da fé começou a fazer parte destas religiões. A cultura escrita passou a ser a principal forma de não se deixar perder os ensinamentos das religiões. Surgiu a literatura sagrada, os livros sagrados.
Atualmente, as principais religiões do mundo, monoteístas ou politeístas, transmitem as suas tradições e ensinamentos através da escrita, com livros considerados sagrados, revestidos de grande cultura erudita, sabedoria existencial, doutrina, ecumenismo religioso e intelectual.
A Bíblia, o livro sagrado mais conhecido no mundo ocidental, é a literatura fundamental do cristianismo, sendo composto pelos livros judaicos (Antigo Testamento) e pelos princípios da doutrina cristã (Novo Testamento). Sobre o livro, conceitos fundamentais do islamismo foram estabelecidos, traduzidos pelo Alcorão, escrito sobre as recitações reveladas ao profeta Maomé. A Torá, gênese das religiões abraâmicas, é o livro sagrado dos judeus, sendo identificada na Bíblia cristã como Pentateuco. Religiões politeístas também trazem registros escritos dos seus ensinamentos, como o Bhagavad Gita, o livro mais influente do hinduísmo; e, o Dhammapada, que traz a essência dos ensinamentos básicos do budismo.
Sagrados, sábios, eruditos, históricos, os livros religiosos têm como função transmitir os ensinamentos milenares da fé humana, assegurando-a para as gerações futuras, evitando que se deturpe as tradições, e fazendo que se conheça a saga dos homens que, em um momento único de inspiração, receberam a palavra divina e os seus preceitos.

Torá, a Escrita Sagrada do Judaísmo

Torá, que em hebraico significa “Lei”, é um conjunto de cinco livros escritos originalmente em rolos, trazendo os preceitos principais da legislação mosaica. Segundo a tradição histórica, o texto de inspiração divina, foi transmitido diretamente por Deus a Moisés. Cada livro é denominado pela primeira palavra do texto em hebraico: Berechit, Chemol, Vayiqrá, Bammidbar e Elleh hadevarim. Na tradução grega das escrituras hebraicas, os livros passaram a ser chamados de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, respectivamente, de forma que sintetizasse o assunto dominante. Esta denominação passou para a versão latina, sendo assim chamados na Bíblia cristã, constituindo o Pentateuco do Antigo Testamento.
Os livros sagrados do judaísmo estão divididos em três partes: a Lei (Torá), os Profetas (Nebiím) e os Escritos (Ketubim). Juntando as iniciais destas três designações, forma-se o conjunto chamado em hebraico, de Tanak.
A Torá, responde aos questionamentos fundamentais da existência humana e das religiões, como a criação do mundo, a origem da morte. É o livro das promessas de Deus, do código da aliança entre Deus e Israel. Traz a história da origem do povo judeu, desde a criação do mundo, ao exílio e escravidão no Egito, o êxodo através do deserto, e a revelação das palavras divinas a Moisés, no Monte Sinai. Os cinco livros que compõem a Torá têm a sua origem e redação atribuída a Moisés, apesar de ser contestada. Há teorias que admitem que a sua composição foi feita oralmente e por escritos anteriores a Moisés, assim como adições posteriores a ele. Mas, tradicionalmente, Moisés é o autor e o legislador da Torá.
A partir deste livro sagrado, nasceu a religião monoteísta do mundo ocidental, dando origem ao judaísmo, cristianismo e islamismo. Os comentários e preceitos que envolvem a mística divina da Torá foram compilados em um conjunto de textos do judaísmo, o Talmude, um legislador e intérprete dos problemas judeus no seu dia a dia, harmonizando com a essência da Lei.

A Bíblia, o Grande Livro do Cristianismo

Bíblia, do grego byblos, significa “livro”, designado de “Livro por excelência”, tido como sagrado, quer pelos judeus, quer pelos cristãos.
A Bíblia reconhecida pelos judeus é dividida, como foi dito acima, em três partes (Torá – a Lei, Nebiím – os Profetas e, Ketubim – os Escritos), chamadas de Tanak.
A Bíblia cristã é formada pelo Antigo Testamento, ou seja, os escritos judaicos (Tanak), anteriores a Cristo; e pelo Novo Testamento, que traz os escritos sagrados a partir de Jesus Cristo. Os judeus não reconhecem Jesus Cristo como o profeta messiânico, portanto recusam o Novo Testamento.
Dentro dos livros do Antigo Testamento, sete não são aceitos pelos judeus, pelos cristãos evangélicos e ortodoxos russos: Tobias, Judite, Sabedoria, 1 Macabeus, 2 Macabeus, Eclesiástico e Baruc; sendo todos eles reconhecidos pela igreja católica e pela igreja ortodoxa. Estes livros são chamados de apócrifos, ou seja, não-inspirados por Deus, com um sentido apenas histórico.
Também a classificação judaica dos livros do Tanak diverge da classificação da Bíblia cristã. Depois do Pentateuco (os cinco livros atribuídos a Moisés), os judeus classificam seis livros chamados de Profetas Anteriores (Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis), seguindo-se-lhes os Profetas Posteriores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas menores). Os Escritos trazem, nesta ordem, os Salmos, os Provérbios, , Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, 1 Crônicas e 2 Crônicas.
O Novo Testamento traz os livros evangélicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), que contam a vida de Cristo, sua pregação, parábolas, ensinamentos, sua morte e a sua ressurreição; além de livros doutrinais e epístolas, que dão continuação à palavra de Cristo após a sua morte, formando um conjunto de preceitos essenciais para a base do cristianismo, nascido da velha profecia messiânica judaica, tendo como Cristo o cumpridor desta profecia. O Novo Testamento encerra-se com a visão apocalíptica do apóstolo João, e das revelações feitas a partir deste livro. Esta parte da Bíblia surgiu na segunda metade do século I, dando origem aos alicerces cristãos e ao rompimento com o judaísmo.
Grande parte do Antigo Testamento foi escrito em hebraico, com exceção de alguns trechos dos livros de Daniel e Ester, redigidos em aramaico. Na época que Cristo viveu, o aramaico havia suplantado o hebraico (confinado à liturgia) como língua falada na Palestina. Jesus ensinou em aramaico, mas a língua desapareceu diante da disseminação das línguas grega e latina. Os livros do Novo Testamento, com exceção do de Mateus, escrito em aramaico, foram todos redigidos em grego.
Os livros da Bíblia teriam sido escritos em 1300 anos, abrangendo um período de mais de 2000 anos de duração, sendo que mais de 3300 anos decorreram até os tempos atuais.
A Bíblia prega no seu todo, um Deus único e universal, tendo como mensagem fundamental os princípios do homem atrelados à Lei, aos ensinamentos, aos códigos morais, que traduzem da fraternidade, humildade, simplicidade e felicidade, nas promessas de uma ressurreição dos mortos e da vida eterna, perdidas pela desobediência de Adão, redimidas na promessa messiânica. Dentro desta obra monumental da literatura universal, encontramos vários gêneros literários: histórico, poético, épico, jurídico, sapiencial e de teor sagrado.

Alcorão, o Livro Sagrado do Islamismo

O Alcorão, que quer dizer recitação ou leitura, do árabe qur’ãn, teria sido composto a partir das revelações de Deus a Maomé, mediadas pelo arcanjo Gabriel. Abraçado pelo anjo, Maomé recitou uma primeira vez, continuando a fazê-lo por 23 anos, a cada vez que lhe falava o anjo. As palavras divinas recitadas por Maomé (Muhammad ibn Abdallah), foram reunidas versículo por versículo no livro sagrado do Alcorão.
O livro é composto por 114 capítulos (ou textos), designados de suras, que traz textos longos, seguidos de capítulos mais breves, ordenados por temas, não por uma narrativa cronológica como na Bíblia.
Todo muçulmano deve conhecer profundamente o Alcorão, em árabe, língua original do profeta Maomé e dos ensinamentos por ele proferidos. Apenas em árabe é que se reconhece o livro sagrado como Alcorão, sendo as suas traduções chamadas de “significado do Alcorão”. As palavras ganham musicalidade em árabe, tendo um estilo belíssimo entre a prosa e a poesia, sendo consideradas sagradas todas as palavras que nele se encontram.
No Alcorão, Deus é único e onipotente. Seu sentido monoteísta foi herdado do judaísmo, sendo Ismael, filho de Abraão e da escrava Agar, o pai de todos os árabes. O anjo que ditou as palavras a Maomé foi Gabriel, o mesmo que avisara Maria da sua gravidez. O livro admite que Abraão, Moisés e Jesus são profetas que tiveram inspiração divina. Assim, o islamismo, o judaísmo e o cristianismo, fazem parte das religiões monoteístas do grupo abraâmico.
Apesar das controversas históricas atuais, geradas principalmente, pelos conflitos entre árabes e judeus, onde muitos tentam atribuir a violência ao livro sagrado, o Alcorão traz como mensagens principais: a justiça, a generosidade, a bondade e igualdade entre os homens, sem lhes distinguir por raça, cor e condição social, sendo composto por preceitos universais, iguais para qualquer homem.
Além do livro sagrado do Alcorão, Maomé, ao morrer em 632, deixou seu exemplo de vida para ser seguido. Esta tradição é chamada em árabe de suna, sendo composta pelos atos e dizeres de Maomé, chamados de hadiths (ditos e feitos).

Mahabharata, o Grande Épico do Hinduísmo

Traduzido como “A Grande História dos Bharatas”, é um dos grandes épicos da literatura religiosa universal, o maior da civilização indiana, sendo ainda, considerado o maior poema de todos os tempos, com cerca duzentos mil versos. Segundo a tradição, originalmente bharatas queria dizer em sânscrito, “saqueadores”, termo que teria dado nome às tribos arianas que teriam ocupado a península da Índia por volta de 1700 a.C. Esta suposta invasão não é consenso para os historiadores atuais.
Acredita-se que a sua tradição oral seja bem mais antiga, e, que a maioria dos versos do livro foram compilados no século IV a.C., mas foi no século II d.C. que ganhou a sua estrutura definitiva. O Mahabharata, assim como outras escrituras sagradas do hinduísmo, como os Vedas e os Puranas, tem a sua coletânea creditada ao mítico sábio Vyasa.
O épico narra a guerra entre as famílias Karauvas e Pandavas, que apesar de laços próximos de parentesco, enfrentavam-se pela posse de um reino no norte da Índia. É o confronto final desta guerra, a Batalha de Kurukshetra, ocorrida na cidade deste nome, que dá origem ao Bhagavad Gita, o livro mais influente do hinduísmo. Parte essencial do Mahabharata, o Bhagavad Gita (Canção do Divino Mestre ou Canção do Senhor), narra as indagações de Arjuna, nos momentos que antecedem a uma batalha na Índia antiga. Arjuna, um príncipe que tem a consciência abalada por combater amigos e familiares, hesita em continuar a luta, dialogando com o deus Krishna o sentido da vida. O deus convence-o de que aquela guerra faz parte do destino do seu povo e não pode ser evitada. A narrativa centra-se na ética do guerreiro, que impelido pelo destino, trava uma sangrenta batalha final, que após 18 dias de conflito, deixa apenas cinco sobreviventes para perpetuar a dinastia dos Pandava.
Escrito em sânscrito, o Bhagavad Gita, traz como essência a alma como o verdadeiro eu, não o corpo físico. Incita o ascetismo, à devoção e à busca humana como caminho da evolução do indivíduo. É neste livro que aparece a teoria do Karma, fundamental para a compreensão do hinduísmo, e o grande diferencial das religiões politeístas para as monoteístas. O Bhagavad Gita teria sido escrito no século III a.C. Os hindus acreditam que a leitura dos seus versos é capaz de aniquilar todos os pecados e impurezas.

Dhammapada, os Provérbios de Siddharta Gautama

No budismo, vários livros são tidos como essenciais para a sua compreensão. O Dhammapada, que em língua páli pode ser traduzido como “caminho da virtude”, é um conjunto de ensinamentos básicos do budismo.
Segundo a tradição, o Dhammapada seria uma coletânea de provérbios proferidos por Siddharta Gautama, o Buda, durante os 45 anos da sua pregação espiritual pelo mundo. Está escrito em uma linguagem simples e sintética, elucidando que cada ser humano é o único que se pode ajudar, sendo a presença dos Budas apenas um sinal de orientação no meio dos esforços pessoais de cada um. Os escritos condenam tenazmente o ascetismo e grandes sacrifícios físicos. A força pessoal é o maior credo budista.
O Dhammapada debruça-se sobre temas como severidade, maldade, amizade, castigo e pensamento, e, essencialmente, a obra dedica-se à bondade que há em todos os seres, pregando a não violência entre os homens.A origem e autoria da obra jamais chegaram a ser estabelecidas, sendo a sua essência principal talhada na mensagem espiritual dos ensinamentos de Siddharta Gautama, o Buda, que viveu entre os anos 560 e 480 a.C.
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Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009

TORTURA E MORTE NOS CALABOUÇOS - PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE

 

 
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue


No dia 26 de maio de 1973, a USP recebia nos palcos do seu campus o cantor Gilberto Gil. Alunos e professores ainda estavam de luto pela morte do estudante de geologia, Alexandre Vannucchi Leme, torturado e assassinado pelos órgãos repressores do governo militar. Quando Gilberto Gil soltou a voz, cantando os versos acima, ecoava no Brasil o canto proibido, a voz silenciada de uma nação, o grito de dor de quem era torturado e morto nos calabouços da ditadura militar.
Cálice”, composição de Gilberto Gil e Chico Buarque, falava daquele momento obscuro da história do Brasil. Seus versos eram mais do que um sentido de protesto, era um grito sufocado, um alerta contra o horror das masmorras, um pedido de socorro dentro de um sistema cruel e truculento, uma denúncia aos assassínios praticados. A canção tinha sido proibida pela censura. Poucos dias antes do show na USP, entre os dias 11 e 13 de maio, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando, em um festival promovido pela gravadora Polygram, o “Phono 73”, tentaram cantar a música.
O show histórico de Gilberto Gil na USP selou um momento de ruptura e renascença do movimento estudantil. Ruptura porque os estudantes optavam por enterrar de vez a luta armada dentro das ideologias de esquerda aprendidas nas faculdades; renascença porque o movimento estudantil estava praticamente morto, desde o desfecho do congresso da UNE em Ibiúna, em 1968, que terminou com a prisão dos líderes estudantis, muitos exilados, outros mortos ou desaparecidos pela ditadura.
Gilberto Gil, um dos líderes da Tropicália, outrora vaiado e acusado de alienação por parte da esquerda engajada do movimento estudantil, fazia uma reconciliação histórica. O seu show era para durar trinta minutos, durou mais de três horas. E “Cálice” tornou-se o hino daquele momento. Tropicalista e estudantes selavam a paz, daquela vez, os aplausos venceram as vaias, música e movimento estudantil formavam uma só voz contra a ditadura militar.
A canção soava na voz do seu autor como um grito de desobediência à repressão, uma rebeldia civil. Os seus versos traziam a denuncia da tortura – “Quero cheirar fumaça de óleo diesel” -, alusão clara à morte de Stuart Angel Jones, torturado e executado em 1971, tendo o corpo arrastado pelo pátio de um quartel da aeronáutica, amarrado em um jipe, com a boca presa ao cano de escapamento. Quando cantada por Gilberto Gil no campus da USP, a canção homenageou Stuart Angel e Alexandre Vannucchi Leme, vítimas das suas ideologias e de um sistema repressivo sanguinário. Através dos versos de “Cálice”, traçamos um paralelo entre as mortes do filho de Zuzu Angel e do estudante de geologia da USP, ocorridas em 1971 e 1973, respectivamente. Um paralelo traduzido neste hino contra um tempo obscuro que se desenhou no céu de um Brasil despido dos sonhos de liberdade e democracia.

Stuart Angel e a Luta Armada

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta


Com a promulgação do Ato Institucional 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, que entre outras arbitrariedades repressivas anulava o direito de habeas corpus aos presos políticos, a ditadura militar entrou no seu período mais duro, suprimindo qualquer diálogo com os que se lhe faziam oposição. Tradicionais partidos de esquerda que se encontravam na clandestinidade, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), tiveram suas bases esfaceladas, transformadas em pequenas organizações de resistência à ditadura. Estas organizações de esquerda, após o AI-5, também endureceram as suas ações, optando pela luta armada como forma de combate ao regime dos generais. Esquerda e direita iniciaram uma guerra ideológica sangrenta, com vantagens para a direita, que detinha a máquina do Estado a seu favor, manipulando as leis através de atos institucionais, oficializando a repressão como forma de segurança do Estado, regido por uma ditadura escancarada. No auge da guerra repressiva dos militares, até a pena de morte entrou em vigor no Brasil, em 1969, promulgada por um ato institucional, prevendo a execução de terroristas e subversivos de esquerda.
Foi neste panorama turbulento da história brasileira que surgiu a figura de Stuart Edgard Angel Jones. Filho do norte-americano Norman Angel Jones e da brasileira Zuleika Angel Jones, Stuart Angel nasceu na Bahia, em 11 de janeiro de 1946. Sua vida poderia ter passado despercebida, ofuscada pelo brilho da mãe, a estilista de moda Zuzu Angel, dona de um grande prestígio dentro da alta costura e da moda brasileira na década de setenta; ou apoiada na proteção de uma expectativa burguesa, delineada nos moldes de uma classe média construída sobre as raízes de uma ditadura. Mas Stuart Angel rompeu com as amarras burguesas, tornando-se muito cedo, militante de organizações de esquerda, envolvendo-se com a luta armada, ideologias consideradas inimigas do regime de então, culminando com uma morte violenta, aos 26 anos de idade.
Stuart Angel teve uma vida curta e de intensa militância política. Estudante de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ingressou nos movimentos de resistência à ditadura ainda nos anos sessenta, através do movimento estudantil, ao lado da companheira Sônia Maria Morais Angel Jones, com quem se casara. Juntos, integraram a Dissidência da Guanabara (DI-GB), organização política de esquerda surgida em 1966, originada de uma ruptura com o PCB. Mais tarde, quando fez parte do seqüestro ao embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, em 1969, a DI-GB passou a usar o nome de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), organização que teve papel destacado nas guerrilhas urbanas.
Perseguido como terrorista pela ditadura militar, Stuart Angel deixou as salas de aula da sua universidade, passando a viver na clandestinidade. Fez parte de várias ações subversivas contra o regime repressivo, como assaltos a bancos, seqüestros e guerrilhas. Tornou-se o elo de ligação com o líder do MR8, Carlos Lamarca, que ao lado de Carlos Marighella, tornara-se o maior inimigo do governo. Diante de uma militância tão intensa, Stuart Angel, que usava o codinome de Paulo, passou a ter a sua imagem impregnada nos cartazes de “Terroristas – Procura-se”, espalhados por todo o país. Stuart Angel recusava de vez o mundo burguês e protegido que fora criado, assumindo os seus ideais revolucionários e a luta contra a ditadura que governava o país, luta traduzida naquele momento, na resistência armada.

Prisão e Desaparecimento

De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta


Quanto mais a esquerda mostrava-se ousada, como nos seqüestros efetuados a embaixadores e cônsules de outros países, mais a ditadura endurecia na resposta às ações subversivas, classificando-as de terroristas. Instituída a pena de morte para terrorista, a vida dos militantes de esquerda passou a não ter valor algum diante da polícia repressiva da ditadura. Atos de tortura tornaram-se comuns nos calabouços, adquirindo requintes sádicos e sanguinolentos. Apesar da banalidade da tortura, o regime militar jamais admitia a sua existência, temendo retaliações da comunidade internacional que lutava pelos direitos humanos.
Com a morte de Carlos Marighella, assassinado em uma emboscada em 1969, Carlos Lamarca passou a ser o inimigo número um do regime militar, que iniciou contra ele uma caçada intensa. Stuart Angel passou a ser o contacto de ligação entre Lamarca, sendo quem detinha a preciosa informação do seu paradeiro. Esta evidência foi determinante nas violentas torturas que sofreria, quando da sua prisão.
No dia 14 de junho de 1971, Stuart Angel caiu nas mãos da ditadura militar, sendo preso no Grajaú, Rio de Janeiro. Sua prisão teria acontecido após o militante Alex Polari de Alverga, preso dois dias antes, ter revelado sob tortura, o local que serviria de ponto de encontro entre eles. Segundo depoimento do próprio Polari, ao ser torturado e revelar o ponto final, tentara ludibriar os torturadores, apelando para uma ínfima tentativa de salvar Stuart Angel, antecipando o horário do encontro em duas horas, jogando com um local perto do combinado. Ainda, segundo esta versão, os agentes já iam embora, quando reconheceram Stuart Angel em um carro, rondando pelas redondezas, adiantado na hora prevista.
Na manhã daquele fatídico dia, pouco depois das oito horas, Stuart Angel dirigia um carro, próximo à Avenida 28 de Setembro, quando foi cercado por dois veículos de agentes da polícia política. Com armas em punho e apontadas, Stuart Angel foi retirado do seu carro, sendo enfiado em um dos veículos pelos agentes. Jamais voltaria a ser visto com vida por amigos e familiares.
Após a prisão, além do testemunho de Alex Polari de Alverga, que afirmaria ter presenciado a execução do companheiro, apenas um confuso relato do oficial Amílcar Lobo, um médico, que fizera parte de várias sessões de tortura no famoso Açougue Humano de Petrópolis, daria conta de que Stuart Angel tinha passado com vida pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro.
Stuart Angel, professor e estudante, 26 anos, porte de galã, engrossaria a lista dos desaparecidos da ditadura militar. Deixara o cotidiano burguês para fazer parte de uma vida clandestina, abandonara as salas de aula para pisar nos palcos das guerrilhas urbanas, deixara de ser o filho de uma estilista famosa, para ser filho da nação que o marginalizava e chamava-o de terrorista.

Com a Boca Presa ao Cano de Descarga de Um Jipe

Após ter caído nas mãos dos agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), Stuart Angel foi levado para as dependências da Base Aérea do Galeão,
onde foi duramente torturado, para que falasse sobre o paradeiro de Carlos Lamarca, de quem era o contacto. Não resistiu às torturas, mas não revelou uma única palavra sobre o paradeiro de Lamarca.
Stuart Angel sofreu inúmeras sessões de tortura durante todo o dia, resistindo a dizer qualquer palavra que denunciasse os companheiros, procedimento que irritou profundamente os seus algozes. Ao cair da noite, Stuart Angel trazia o corpo coberto de hematomas e esfolado, foi amarrado à traseira de um jipe militar e arrastado pelo pátio das dependências daquela base da Aeronáutica, tendo a boca colada ao cano de descarga do jipe, o que ocasionou sua morte por asfixia e intoxicação por monóxido de carbono. O seu corpo teria sido atirado ao mar, na restinga da Marambaia.

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça


Este relato de crueldade na morte de Stuart Angel foi feito por Alex Polari de Alverga (na fotografia em um ritual do Santo Daime), em carta enviada um ano depois para a sua mãe, Zuzu Angel. Polari teria assistido ao ato macabro através de uma janela da sua cela. Até os dias de hoje, o testemunho de Polari é contestado e desmentido pelos envolvidos no caso e por aqueles que defendem os atos da direita no período do regime militar, que justificam a tortura como necessária à defesa da nação, contra o terrorismo que ameaçava a segurança nacional. Alex Polari tornou-se um místico e adepto da seita do Santo Daime, uma conduta pregressa de vida é utilizada para desqualificar o seu testemunho. O próprio Polari sofreu torturas terríveis como choques elétricos, cadeira do dragão, pau-de-arara e tantas outras atrocidades, com certezas as mesmas que sofrera Stuart Angel. Se Polari inventou isto, teria que ter uma imaginação muito fértil, tamanha originalidade da crueldade imposta a um homem amarrado com a boca presa a um cano de escape de um veículo. Como o caso chegou aos tribunais norte-americanos (Stuart Angel tinha dupla nacionalidade, brasileira e estadunidense) através de denúncias de sua mãe, Zuzu Angel, e o governo militar sofreu forte pressão dos Estados Unidos para esclarecer os fatos, é natural que nunca assumissem o crime e tentassem amenizar as atrocidades vazadas para o mundo, demonstrado existir tortura, veementemente negadas, nos calabouços do regime; para isto, é perfeitamente normal que descaracterizassem o depoimento de Alex Polari, tornando-o absurdo e lunático aos olhos de todos.
Não é absurdo que o corpo de Stuart Angel tenha sido jogado no mar, visto que existia à época a idéia da utilização da Operação Parasar, concebida pelo brigadeiro João Paulo Burnier, em 1968, que consistia em eliminar lideranças políticas atirando-as ao mar de um avião; para isto utilizando a unidade Parasar da Aeronáutica, especialista em busca e salvamento. O plano foi denunciado pelo capitão Sérgio Miranda Ribeiro de Carvalho, que, por este motivo, foi punido. O brigadeiro Burnier foi quem comandou o interrogatório e as torturas a Stuart Angel.
Morto no mesmo dia que fora preso, Stuart Angel desaparecia para sempre da vida, dos olhos dos amigos e familiares, mas continuaria com o rosto estampado pelas ruas de todo o Brasil por vários anos, com as palavras “Procura-se” debaixo da sua fotografia, numa farsa que o governo militar insistia em manter, fazendo com que se acreditasse que estava vivo e foragido.
Na busca pelo corpo do filho e pela verdade nas circunstâncias de sua morte, Zuzu Angel iniciou uma longa jornada investigativa que incomodou profundamente os militares. Morreu em um obscuro acidente automobilístico, na saída do túnel Dois Irmãos (hoje túnel Zuzu Angel), na madrugada de 14 de abril de 1976. Em 1996 o Estado reconheceu a morte de Zuzu Angel como conseqüência das denúncias que fez contra o regime militar sobre a morte do filho, resultante de torturas.

Seqüestro, Tortura e Morte de Alexandre Vannucchi Leme

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa


Alexandre Vannucchi Leme teve a sua vida interrompida aos 22 anos, quando foi preso, torturado e morto pelo regime militar. Vannucchi Leme nasceu em Sorocaba, São Paulo, em 5 de outubro de 1950. Por ser muito magro, era carinhosamente chamado pelos amigos de Minhoca.
Vannucchi Leme entrou para o curso de geologia da USP, local de forte resistência estudantil ao regime militar. Desenvolveu uma engajada militância no movimento estudantil, integrando a Ação Libertadora Nacional (ALN). Tomado como subversivo, ele foi alvo da investigação de agentes da polícia de repressão do regime militar.
No dia 16 de março de 1973, Alexandre Vannucchi Leme caiu nas mãos da ditadura, sendo seqüestrado (não houve prisão oficial) e levado para o DOI-CODI, onde foi submetido a sessões de torturas que duraram horas consecutivas, sendo comandadas diretamente pelo comandante daquele departamento, o sanguinário major Carlos Alberto Brilhante Ulstra.
Vannucchi Leme foi visto por vários outros estudantes que se encontravam presos naquele centro de torturas. Segundo relatos, foi posto na solitária, chamada de X-Zero. No dia seguinte, 17 de março, foi retirado da solitária, voltando a ser torturado ininterruptamente até o meio-dia. Foi levado de volta à cela, já sem forças e a sangrar. Seu corpo foi encontrado morto na cela, por volta das dezessete horas. Quando foi retirado da solitária, tinha uma forte hemorragia no abdômen. Foi visto carregado morto pelos corredores, a esvair-se em sangue. A morte de Vannucchi Leme foi testemunhada pelo amigo e companheiro de faculdade e militância política, Adriano Diogo, preso ao lado da mulher, quase que simultaneamente com ele. Adriano Diogo foi quem mais tarde esclareceu alguns fatos daquele dia.
A família do estudante de geologia só soube da sua prisão através de um telefonema anônimo. Aos amigos e parentes, a notícia da morte de Vannucchi chegou noticiada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, que publicou, no dia 23 de março, uma matéria forjada pela ditadura militar, montando uma versão de que o estudante morrera atropelado por um caminhão, na altura da Rua Bresser com a Avenida Celso Garcia, em São Paulo. A farsa trazia um laudo assinado pelos médicos Isaac Abramovitch e Orlando Brandão.
Mesmo com a publicação da imprensa confirmando a morte do estudante, o seu corpo foi enterrado como indigente, em uma vala do cemitério de Perus. Somente em 1983, dez anos após o assassínio, José de Oliveira Leme e Egle Vannucchi Leme, seus pais, conseguiram trasladar o corpo para o cemitério de Sorocaba.
Revoltados, os estudantes da USP procuraram o cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, para que realizasse uma missa em homenagem a Vannucchi Leme. O clérigo aceitou e, em 30 de março, realizou a missa na catedral da Sé, ato que reuniu três mil pessoas, transformando-se no maior protesto popular contra a ditadura militar desde 1968.

O Show de Gilberto Gil na Escola Politécnica

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade


A morte de Alexandre Vannucchi Leme conseguiu unir a sociedade brasileira contra um regime que já não conseguia esconder a sua face negra e opressiva, tomando caminhos que desagradavam os mais diversos setores.
Depois do ato ecumênico realizado na catedral da Sé, os estudantes da USP convidaram Gilberto Gil para um show em homenagem a Vannucchi Leme. O show foi realizado na Escola Politécnica. Vigiada por agentes policiais do regime, a apresentação do cantor baiano foi tensa, e mesmo diante de um momento de perigosa hostilidade, comoveu e alavancou os estudantes durante as três horas que durou, prevista inicialmente para ter uma duração de trinta minutos.
O ano de 1973 foi um dos mais difíceis para o movimento estudantil. Quarenta e três estudantes da USP foram presos naquele ano, sendo que dois deles, Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, jamais deixaram o calabouço. Também o presidente da praticamente extinta UNE, Honestino Guimarães, tinha sido preso em 1973, desaparecendo para sempre. Gilberto Gil conseguiu captar aquele momento delicado pelo qual passavam os estudantes. Seu show era de denúncia, a sociedade precisava saber das prisões que aconteciam aos estudantes e aos oposicionistas ao governo militar. Suas palavras soavam como epênteses de um discurso renascido, seu canto como um grito que já não podia ser calado.
Ao cantar “Cálice”, música vetada na apresentação do festival da Phonogram, acontecido nos dias 11, 12 e 13 de maio, Gilberto Gil fez do seu medo a audácia, à volta aos protestos calados em 1968. O cantor, que regressara do exílio em Londres em 1972, finalmente chegava ao Brasil. Era o momento de uma união histórica entre o tropicalista, vaiado nos festivais de 1968 pelos estudantes de então, e o movimento estudantil. Não só a música e o movimento estudantil deram as mãos, como também outros setores da sociedade aderiram aos protestos. Uma grande frente começou a ser formada contra a ditadura. O movimento estudantil reergueu-se dos escombros da repressão e mortes que assolara os seus líderes. Para alguns historiadores, a ditadura militar começou a perder a sua unidade ali, tendo o racha definitivo dois anos mais tarde, quando o jornalista Vladimir Herzog foi morto sobre tortura.
Se Stuart Angel era visto como um terrorista, assaltante de bancos e perigoso guerrilheiro da luta armada, o que justificava a morte pelos seus algozes, apesar de nunca assumida oficialmente pela ditadura, com Alexandre Vannucchi Leme isto não acontecia, pois ele era um estudante de esquerda, que não pertencia à luta armada. A sua morte fugiu ao controle, sendo tida pelos militares como um grande erro, que precisou ser explicada através da farsa de um laudo. No canto de Gilberto Gil, “Cálice” homenageava todos os presos políticos, mortos e torturados. Homenageava Alexandre Vannucchi Leme diante de um ato cultural visto por cerca de mil pessoas, e diante da letra que aludia ao martírio final de Stuart Angel. A resistência renascia, e os dois estudantes mortos deixavam de ser os terroristas na visão dos militares, para que se transformassem nos mártires da resistência à ditadura, como um sopro nas asas da democracia adormecida.

 
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Segunda-feira, 5 de Outubro de 2009

TEMPLÁRIOS EM PORTUGAL

 

 
A presença dos Templários em solo português confunde-se com a própria história de Portugal. A ordem militar ajudou dom Afonso Henriques, primeiro rei da história lusitana, a expandir o seu reino, expulsando os mouros e consolidando as fronteiras do que se iria chamar de Portugal.
Quanto mais ajudavam nas conquistas, mais eram dotados de privilégios forais e riquezas dadas pelos primeiros reis soberanos lusitanos. Os Templários tornaram-se uma potência, de um poder tão absoluto, que suscitaram sobre as suas cabeças a inveja e a cobiça dos nobres e clérigos. Esta perseguição colaborou para a queda e extinção da ordem, tendo os seus cavaleiros um fim humilhante, muitos sendo mortos nas fogueiras inquisitoriais.
Em Portugal, eles estiveram (segundo registros oficiais) de 1128 até o fim da ordem, declarada extinta em 1314, pelo papa Clemente V. Quando este papa ordenou a dom Dinis que fosse inquirida a conduta da ordem em terras lusitanas, o monarca cumpriu a determinação papal, mas em 1310, juntamente com os soberanos de Castela, declarou em um tribunal de Salamanca, que os Templários eram inocentes. Esta posição incomodou os perseguidores da ordem, mas não evitou a sua supressão definitiva. Para evitar que o grande patrimônio da ordem deixasse o reino português, a coroa conseguiu que em 1319, o papa João XXII criasse por meio de uma bula, a Ordem da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus, ou simplesmente, Ordem de Cristo, para onde migrou os cobiçados bens dos Templários.
A contribuição dos Templários na história de Portugal foi essencial, desde a expansão das fronteiras, à participação na economia do reino, nas ciências e na arquitetura. Esta presença ainda hoje pode ser vista na imponência dos castelos da cidade de Tomar; de Almourol, um belíssimo monumento situado no meio de um ilhéu do Tejo; no castelo de Soure ou ainda, no de Pombal. Esta beleza que resiste ao tempo, faz de Portugal um lugar especial no que restou da cultura dos valentes cavaleiros do Templo, muitas vezes vistos como malditos, outras vezes como heróis. Injustiçados ou não, Portugal deve muito à ordem, ainda que não seja, pelos belos monumentos deixados no seu solo, e que fazem parte da riqueza patrimonial da humanidade.

Os Templários no Condado Portucalense

No afã das Cruzadas, quando os cristãos conquistaram Jerusalém aos sarracenos, surgiu a necessidade de proteger os peregrinos que se dirigiam à Terra Santa, e que sofriam pelos caminhos, assaltos constantes às suas caravanas, feitos pelos muçulmanos. Para efetuar esta proteção, surgiu, em Jerusalém, em 1119, os “Pobres Soldados de Jesus Cristo”, que futuramente viriam a ser conhecidos como “Os Cavaleiros do Templo de Salomão”, ou simplesmente, “Os Templários”, ordem religiosa e de caráter militar, fundada pelos cavaleiros Hugo de Payns e Godofredo de Saint-Omer.
A ordem foi aprovada oficialmente no Concílio de Troyes, França, em 1129, sendo confirmada pelo papa Honório II, tendo as suas regras originais redigidas em 1127, pelo abade Bernardo, de Claraval. Trazia como principal função o apoio aos peregrinos cristãos que demandavam a Jerusalém. Os cavaleiros traziam um hábito branco com uma cruz vermelha no peito. O símbolo da ordem era um cavalo montado por dois cavaleiros, aludindo à pobreza. Tinham como lema o Salmo de David, “Non nobis, Domine, non nobis, sed Nomini Tuo da Gloriam” (“Não para nós, Senhor, não para nós, mas para Glória de Teu Nome”).
A presença dos Templários na península está documentada desde a época que a ordem foi aprovada no Concílio de Troyes. Segundo a tradição histórica, Raimundo Bernardo, que não se tem a certeza se era catalão ou francês, foi o primeiro cavaleiro do Templo a visitar as terras ibéricas, colhendo auxílios monetários para a ordem e alistando membros nativos.
Dona Teresa, regente do condado Portucalense, deu como doação à ordem a povoação da Fonte Arcada. Em 1128, a regente entregou o castelo de Soure aos cavaleiros do Templo, em troca do compromisso de que colaborassem na conquista de territórios islâmicos ao sul.
Longas negociações foram feitas entre a ordem e os soberanos dos reinos da península Ibérica, sendo em 1143, estabelecida entre Raimundo Berengário IV e Roberto de Craon, segundo grão-mestre da ordem, a definição da missão dos Templários naquelas terras.
As habilidades militares fundidas com a vocação religiosa, faziam dos Templários poderosos aliados dos nobres ibéricos na luta contra a ocupação islâmica naquelas terras. Dom Fernão Mendes e a sua esposa, a infanta dona Sancha Henriques, irmã de dom Afonso Henriques, doaram à ordem o castelo de Longróiva, em 1145. Por esta ocasião, o mestre dos Templários em terras portucalenses era dom Hugo Martónio.

Doações Régias à Ordem do Templo

Na saga de dom Afonso Henriques pela conquista das terras que formariam o reino de Portugal, os Templários ajudaram com os seus conhecimentos militares e com a força dos seus sacerdotes soldados. Em 1147, estão ao lado do primeiro rei português nos combates intensos que culminaram nas conquistas de Santarém e Lisboa aos mouros, que assegurariam a extensão das fronteiras portucalenses nas áreas da linha do Tejo. Como recompensa pela ajuda à vitória aos mouros, dom Afonso Henriques fez-lhes doações do eclesiástico das terras libertadas.
Em 1159, dom Gualdim Pais era o mestre da ordem em terras portucalenses. É nesta época que os Templários recebem o castelo de Ceras e todas as terras a ele adjacentes, num vasto território que ia do rio Mondego ao rio Tejo, correndo pela linha do rio Zêzere. São instalados na região por doação hereditario jure daquele ano, concedida por dom Afonso Henriques.
O castelo de Ceras foi entregue aos Templários em ruínas, o que levou dom Gualdim Pais a decidir edificar uma nova fortaleza em um morro sobranceiro às margens do rio Nabão. A edificação da fortaleza foi iniciada em 1 de março de 1160, no morro situado do lado direito das margens do Nabão. A partir de então, deu-se o princípio da vila de Tomar, que se desenvolveu ao redor do morro.
Mediante a grandes doações régias, os Templários passaram a ser donos de uma grande fortuna no jovem reino de Portugal. Sua expansão prosseguia, em 1165 recebiam os territórios de Idanha e de Monsanto. A partir de 1169, passaram a receber como doação, a terça parte de tudo que viessem a conquistar além do Tejo. Ainda naquele ano, foram confirmadas a posse da ordem aos castelos da Cardiga (na foz do Zêzere) e de Tomar. Por esta ocasião, o castelo de Almourol, uma fortaleza situada numa ilha escarpada no meio do Tejo, e conquistado aos mouros em 1129, foi entregue aos Templários, que o reedificou, fazendo com que assumisse a beleza arquitetônica que se vê até os dias de hoje.
No reinado de dom Sancho I, o emir do Magrebe, Ibne Iuçufe, empreende um grande cerco ao castelo de Tomar. O cerco aconteceu a 13 de julho de 1190, mas foi malogrado pela habilidade belicosa dos Templários, que defenderam com eficácia o reino. Desde então, a presença dos cavaleiros da ordem tornou-se indispensável em todo território português, formado na sua maior parte, por terras conquistadas aos mouros. Os cavaleiros garantiam a conquista desde a linha do Mondego ao Tejo. Em agradecimento a esta proteção, aumentavam as doações à ordem, vindas de particulares ou de cartas régias. Além de garantir a posse das terras, os cavaleiros ajudavam na fomentação dos povoamentos das regiões que defendiam.

Declínio da Ordem

No século XIII os Templários continuavam a exercer amplo poder sobre o mundo cristão e sobre o reino de Portugal. Dom Afonso II doava-lhes, em 1214, quando dom Pedro Alvites era o mestre da ordem, o termo de Cardosa, responsável por iniciar a formação do que é hoje a cidade de Castelo Branco. Registros históricos apontam ainda, a grande participação que os Templários tiveram na batalha de Alcácer do Sal, em 1217.
O declínio da proteção régia que os Templários tinham em Portugal, tem início no reinado de dom Afonso III (1245-1279). Conflitos e rivalidades marcam o período, sendo questionadas as terras doadas e a isenção de jurisdição episcopal de que gozavam. O poder e a fortuna da ordem tornava-os credores de nobres e papas, donos de privilégios régios maiores do que os que tinham os demais clérigos. Este poder é responsável não só pelo declínio da ordem em Portugal, como levaria à perseguição tenaz de que seriam alvos no reinado de Filipe IV, o Belo, rei da França de 1285 a 1314.
Difamados e perseguidos por Filipe IV, os Templários viram a ruína da sua ordem e o fim do seu prestígio. Decido a abater a ordem, Filipe IV acusou os cavaleiros do Templo de torpes condutas, heresia, sacrilégio, sodomia, usura e rituais satânicos. As acusações levaram à prisão e à tortura dos cavaleiros em toda a França, alastrando-se rapidamente pelos demais reinos cristãos. Pressionado pelo rei francês, o papa Clemente V, em 13 de outubro de1307, ordena a prisão em massa dos cavaleiros da ordem, inclusive a do seu Grão-Mestre, Jacques de Molay.

A Ordem de Cristo

Em 1310, a idéia de extinguir a ordem já estava selada. Mas, se na França a decisão de liquidar com a ordem era um fato irreversível, em Portugal e nos reinos da grande Espanha, havia uma forte resistência ao seu fim. No ano anterior, Clemente V ordenara ao rei de Portugal, dom Dinis, que inquirisse a conduta dos Templários em seu reino. A possível dissolução da ordem preocupava o monarca português, principalmente a grande fortuna que ela detinha em suas terras, que poderiam fugir para os cofres da igreja, que naquele momento, devido a uma cisma, tinha a sua sede em Avinnhão, França, e não em Roma.
Dom Dinis optou por obedecer às decisões papais, ordenando a instauração de processo aos Templários, e, ao mesmo tempo, resguardando os seus bens, passando-os de imediato à tutela régia. Com o fim iminente da ordem, o monarca português une-se aos soberanos de Castela, para que juntos assumam uma conduta que permita preservar os interesses do valioso patrimônio da ordem, sem que quebrem a solidariedade que sempre uniram o rei e os cavaleiros. Em 1310, em um tribunal de Salamanca, os reis ibéricos declaram os Templários inocentes em toda a península, das acusações que se lhe eram impostas. Este procedimento constrange Filipe IV e ao papa Clemente V.
A posição dos reinos ibéricos não evitou que, em 3 de abril de 1314, o papa lesse a bula Vox in excelso, que extinguia a ordem, tornando a ordem dos Hospitalários sucessora nos respectivos bens dos Templários. No dia 18 de março daquele ano, Jacques de Molay, o último grão-mestre dos Templários, tinha sido queimado na fogueira por se ter declaro inocente das acusações.
Diante do inevitável fim da ordem, o rei português fez grandes manobras para salvaguardar a unidade patrimonial templária, lançando mão de uma astuciosa interpretação jurídica, as Inquirições de 1314, que diziam ser os cavaleiros da ordem simples usufrutuários amovíveis de terras que pertenciam à Coroa.
A partir desta interpretação jurídica, o rei tinha como objetivo criar uma nova ordem vinculada às decisões régias, que sucedesse àquela extinta, para a qual transitaria a totalidade dos bens dos Templários. Com este propósito, surgiu, a pedido de dom Dinis, a Ordem de Cristo, instituída em 14 de março de 1319, pelo papa João XXII, através da bula Ad ea exquibus. A Ordem de Cristo (Ordem da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo) recebeu como doação, os bens dos Templários, tendo alguns desses bens, passados à posse da Coroa.
A Ordem de Cristo teve os seus estatutos e regras vindas da Ordem Militar da Calatrava, estabelecendo a sua sede na igreja de Santa Maria do Castelo, na vila de Castro Marim. A sede da ordem passaria para Tomar, em 1357, fixando-se no antigo castelo dos Templários. Mesmo ao findar, a ordem dos Templários deixara de vez as suas raízes na construção da nação portuguesa, sendo determinante na afirmação e consolidação das suas fronteiras e da sua identidade de pátria.

Castelos dos Templários em Portugal

Soure – O castelo foi levantado no vale inferior do rio Mondego, em um local anterior a ocupação dos romanos. Tinha como estratégia a defesa do acesso a Coimbra. Tornou-se o local de sede da ordem em terras portucalenses, que até então estava localizada em Fonte da Arcada. Foi dado o senhorio aos Templários, em 1128, por dona Teresa, regente do condado Portucalense. O senhorio da região à ordem do Templo, foi posteriormente confirmada por dom Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal. Com o fim da Ordem do Templo, passou para a posse da Ordem de Cristo, que o manteve até o fim do século XIX. Chegou aos tempos atuais apenas as ruínas do castelo, mas não se deixa de poder ver a sua imponência medieval.

Ceras – O castelo de Cera (Castrum Caesaris), atualmente chamado de Ceras, estava situado junto à ribeira de Ceras, na freguesia de Alviobeira, conselho de Tomar. Em 1159, dom Afonso Henriques doou a fortificação aos Templários, considerada de posição estratégica na linha do Mondego ao Tejo. Quando doada, a fortificação estava em ruínas. Um ano após ocupar o castelo, dom Gualdim Pais, diante da sua péssima conservação arquitetônica, decidiu pela construção de um novo castelo em um lugar mais apropriado. O castelo de Ceras, desaparecido ao longo do tempo, muitas vezes é erroneamente confundido com o de Tomar.

Tomar – Sua elevação começou a 1 de março de 1160, quando Gualdim Pais era o mestre da ordem em terras portucalenses. Foi erigido para suprir a fortificação de Ceras, que se encontrava em ruínas, no cimo de um morro à margem direita do rio Nabão. A partir do castelo, desenvolveu-se ao redor do morro, a vila de Tomar. Com o fim da ordem, o castelo de Tomar passou a ser chamado de Convento de Cristo, sofrendo ampliações e transformações que descaracterizaram boa parte da edificação templária. O castelo e o convento, fazem parte das belezas imprescindíveis de Portugal e dos patrimônios da humanidade, recebendo visitantes de todo o mundo. Do alto consegue-se uma vista panorâmica da cidade de Tomar e dos arredores.

Almourol – Exuberante castelo templário, reedificado sobre uma antiga fortificação tomada aos mouros, em 1129, situado solitário em uma ilha escarpada no meio do rio Tejo, fronteiro a Tancos. O castelo foi entregue aos Templários no ano de 1160. É um dos exemplos incontornáveis da exuberante passagem da Ordem dos Templários em solo lusitano. Conserva alguns traços da arquitetura militar templária. Uma placa em cima do portão principal do castelo dá a indicação de que a sua edificação foi concluída em 1171, sob a influência de Gualdim Pais. É um dos lugares mais míticos de Portugal, servindo de inspiração para várias lendas que se propagaram através dos tempos. Seu acesso pode ser feito apenas de barco, visto o isolamento no cimo da rocha, no meio do rio.

Pombal – O castelo foi fundado pelo mestre da ordem, dom Gualdim Pais, que aproveitou o local de uma fortificação romana e que teria sido ocupada pelos árabes até a reconquista cristã da península. Está edificado em posição dominante sobre um maciço rochoso, à margem do rio Arunca. Sua fundação deu-se posterior ao castelo de Tomar, em 1161, tendo importância expressiva na defesa da região à época das conquistas aos mouros e da afirmação e consolidação do condado Portucalense e da nação portuguesa. A localidade recebeu foral em 1174, concedida pelo próprio mestre templário. Com a extinção da Ordem do Templo, dom Dinis entregou o castelo à Ordem de Cristo, sendo doado mais tarde, ao conde Castelo Melhor, pelo rei dom João I.

Nisa – O castelo de Nisa foi edificado nas terras áridas e de planície do Alentejo, região fortemente dominada e influenciada pelos mouros por séculos consecutivos. Do antigo castelo medieval chegou aos dias atuais apenas duas portas, a principal da vila e de Montalvão. Sua edificação foi dirigida por dom Frei Lourenço Martins, por volta de 1290, no reinado de dom Dinis, já nos últimos anos de existência da ordem. Dom Dinis ordenou que fosse erguido depois que o antigo castelo e a povoação term sido arrasados pelo seu irmão, dom Afonso Sanches, como retaliação pela população de Nisa não apoiar a sua pretensão ao trono. A vila passou mais tarde para as mãos da Ordem de Avis.

 
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Segunda-feira, 21 de Setembro de 2009

RASPUTIN, O MONGE LOUCO

 

 

No inicio do século XX a monarquia russa entrou em vertiginosa decadência. A miséria que assolava o país, contrastada com a opulência de uma nobreza voltada para os seus próprios interesses, levaria à revolta popular que encerraria de vez o regime czarista, depondo Nicolau II, o último governante da dinastia Romanov. Foi nos momentos finais da agonizante monarquia russa que Rasputin, o “monge louco”, ascendeu para um poder efêmero, marcado por um misticismo grotesco e por uma profunda deterioração moral.
Rasputin, um monge camponês, vindo de uma estirpe de miseráveis da Sibéria, ladrão na juventude, tomado como homem santo e com poderes de cura na maturidade, iniciou uma trajetória de perambulação mística pela Rússia czarista, que culminaria na corte dos Romanov, em São Petersburgo, a capital do império.
Numa Rússia imersa na miséria econômica do seu povo e nas trevas culturais provocadas pela mesma, os monges de aldeia tornaram-se uma categoria respeitada e difundida. Rasputin, dono de um magnetismo vital, regido por uma pujança sexual quase selvagem, produziu um efeito primitivo inebriante dentro da corte czarista, já afetada pela degeneração de muitos dos seus nobres. Numa época em que a hemofilia, mal genético do qual padecia o filho do czar, o príncipe Aleksei, era considerada uma doença maldita e sem grandes tratamentos, Rasputin consegue controlar as crises hemorrágicas do herdeiro do trono, curando-o das dores e cicatrizes, de uma eficácia que até hoje não se consegue explicar cientificamente como o fez.
É através desse magnetismo vital, que sugere cura para males intratáveis pela ciência e poder de adivinhar o futuro, traduzido numa insólita potência sexual, que Rasputin conquista a corte do czar; obtendo a confiança, agradecimento e dedicação fiel da czarina Alexandra. Adquire poderes de estado, indicando e nomeando ministros, ao mesmo tempo em que a sua vida depravada, regada a sexo e álcool, escandaliza a Rússia, despertando a ira da nobreza e do clero. A ascensão de Rasputin gera-lhe a decadência e o tombo, culminando com o seu assassínio, repleto de lendas e mistérios que fascinaram a imaginação de todos nós. Rasputin, o monge louco, é a imagem eficaz da decadência da Rússia czarista, que levaria à mais famosa das revoluções do mundo contemporâneo, a bolchevique de 1917.
Rasputin é o símbolo do homem envolto na sua mais completa forma primitiva. A sua manipulação do poder, do sexo, da depravação moral, do misticismo; a violência da sua morte, todos estes fatos criaram um dos mais complexos enigmas do caráter humano já relatado pela história.

O Despertar Místico de Rasputin

Grigori Yefimovich Rasputin, nasceu na aldeia de Pokrovskoie, Tobolsk, Sibéria, no dia 22 de janeiro (10 de janeiro no antigo calendário Juliano, ainda utilizado na Rússia da época), o ano do seu nascimento é incerto, normalmente situado entre 1863 a 1873, sendo 1864 e 1872 as datas mais aceitas pelos historiadores. Documentos revelados mais recentemente apontaram ainda, para 1869 a data de nascimento. Segundo algumas versões, Grigori Yefimovich Novykh seria o nome original de Rasputin, trocado durante as suas peregrinações.
Oriundo de uma família camponesa siberiana, cuja pobreza deixou como herança a impossibilidade de ler e escrever, Rasputin tinha dois irmãos, Dmitri e Maria. A irmã teria morrido afogada durante uma crise epilética, e o irmão, teria sido salvo de um afogamento por Rasputin, mas não resistira a uma pneumonia provocada pelo tempo que permanecera na água gelada da lagoa.
Apesar de não se saber muito sobre a infância de Rasputin, reza a lenda que os seus poderes sobrenaturais manifestou-se ainda nesta fase da sua vida, quando ele identificou misteriosamente o homem que teria roubado um cavalo dos que o pai cuidava.
Os poucos dados da juventude de Rasputin apontam para um período que viveu como ladrão, construindo uma má reputação que jamais lhe deixaria, mesmo quando foi visto como um “homem santo” e de poderes místicos. Aos 18 anos, passou três meses no Mosteiro Verkhoturye, possivelmente para cumprir uma penitência por roubo. Este tempo no mosteiro muda-lhe a condução da vida, dizendo-se atingido por uma visão da “Mãe de Deus”, ele torna-se um homem místico, um religioso peregrino.
Após a saída do mosteiro, Rasputin visitou Macariy, um homem tido como santo, que vivia em um pequeno barraco próximo a Verkhoturye. Macariy vê em Rasputin uma santidade e poderes que deveriam ser desenvolvidos. O místico passa a exercer uma grande influência sobre Rasputin, fazendo com que ele começasse a administrar o seu magnetismo místico, despertando-o na essência.
Ainda na juventude plena, Rasputin teria feito parte da seita Khlysty (flagelantes), proibida e banida pela igreja ortodoxa por pregar que todos os desejos do homem deveriam ser realizados. Através desta seita, Rasputin teria combinado a sua religiosidade com a sexualidade, característica maior da sua personalidade. Os rumores eram de que durante os rituais, o êxtase sexual era provocado e alcançado. Nunca se teve a certeza de que Rasputin foi um Khlysty, sendo a versão contestada por muitos historiadores, mas a suspeita jamais lhe abandonou, assombrando-o quando já era o homem mais influente da corte do czar.
Em 1889 casou-se com Praskovia Fyodorovna Dubrovina, teria 19 anos na época, o que não se comprova quando não se sabe ao certo o ano do seu nascimento. Com a mulher teve três filhos, Varvara, Dmitri e Maria, tendo os dois últimos herdado os nomes dos irmãos mortos, uma homenagem intencional. Um quarto filho teria sido fruto com outra mulher.

Rasputin e o Príncipe Aleksei

Em 1901 Rasputin deixou a mulher e a sua casa em Pokrovskoie iniciando uma longa peregrinação por toda a Sibéria. Tornou-se um strannik (peregrino), indo além das terras geladas onde nascera, atingindo a Grécia, e depois Jerusalém. Finalmente, ele chega à capital do império, São Petersburgo, o maior centro urbano eslavo. É na cidade mais poderosa da Rússia que ele vai, aos poucos, adquirindo fama de curandeiro de poderes proféticos, passando a ser visto como starets (homem santo). Muito desta fama era propagada pelo próprio Rasputin.
Em São Petersburgo, o príncipe Aleksei definhava vitima de uma doença pouco explicada pela medicina da época, a hemofilia. A doença, geneticamente transmitida pela mãe somente aos filhos homens, era uma herança dos descendentes da rainha Vitória, que a transmitira para toda a nobreza masculina européia que dela descendia; Aleksei era bisneto dela. Em 1905, o herdeiro dos Romanov sofreu uma queda do cavalo, tendo uma hemorragia interna que o fez ser desenganado pelos médicos. Diante da fatalidade iminente, desamparada pelos médicos da corte, a czarina Alexandra decidiu recorrer ao sobrenatural, tinha ouvido falar na fama de Rasputin como curandeiro, numa tentativa desesperada de salvar a vida do filho, pediu ao czar que trouxesse o monge à presença do enfermo. Apesar de incrédulo, Nicolau II acedeu aos supostos poderes do curandeiro.
Levado à presença do czarevitz enfermo, Rasputin demonstrou total segurança de que iria curá-lo. Assim aconteceu, através de uma oração, que muitos dos médicos classificaram de hipnose, o monge conseguiu a recuperação física do príncipe herdeiro. À luz da ciência, é impossível curar a hemofilia através da hipnose, coincidência, obra do acaso ou poder de cura, o fato é que Rasputin recuperou várias vezes as crises hemorrágicas de Aleksei, tanto as externas como as internas, livrando-o do padecimento que lhe consumia a vida.
A presença de Rasputin tornou-se imprescindível na corte russa. Nicolau II chamava-o de “nosso amigo” e um “homem santo”, confiando-lhe a vida do herdeiro do trono. A gratidão de Alexandra fez dela uma devota de Rasputin, considerando-o um “mensageiro de Deus”. A influência do monge sobre a czarina estendeu-se não só em sua vida pessoal, como política. Alexandra chegou a acreditar que Deus lhe falara através de Rasputin. Há evidências históricas que o poder sedutor e sexual de Rasputin atingiu a czarina, e que ambos tiveram uma ligação amorosa. Verdade ou não, os rumores espalharam-se pela corte czarista, causando constrangimentos diante da população, que não percebia a presença de Rasputin junto à família real, posto que a doença de Aleksei era mantida no mais absoluto segredo.

O Atentado

Rasputin tornou-se um homem poderoso dentro da corte do czar, interferindo diretamente nas decisões políticas de um regime que se deteriorava. A ascensão de um homem considerado rude, praticamente analfabeto, de gostos duvidosos e vida depravada, incomodou grande parte da nobreza russa, ou pelo menos daqueles que não se renderam ao seu magnetismo pessoal.
Paralelamente ao poder adquirido na corte de Nicolau II, Rasputin continuou a levar uma vida mundana, regada à vodka e sexo. As suas orgias atraíam para si os mais diversos repúdios, da nobreza ao clero ortodoxo, dos políticos à população, Rasputin passou a ser o homem mais odiado da Rússia.
No início do verão de 1914, Rasputin foi visitar a mulher e os filhos em Pokrovskoie, na Sibéria. Nesta época deparou-se com a oposição do monge Iliodor, que escandalizado pela vida promíscua e depravada, incitara todas as mulheres que tinham sido por ele prejudicadas em suas reputações, que se juntassem em grupo. Atraído para a igreja, supostamente por um telegrama, ou simplesmente em visita, Rasputin foi atacado pela ex-prostituta Khionia Guseva, sua antiga amiga íntima, convertida em uma fervorosa discípula de Iliodor. Instigada por um sentimento de repulsa ao comportamento de Rasputin e ao seu modo desrespeitoso de falar da família real, Guseva esfaqueou-o profundamente no abdome. Ao ver as entranhas penduradas para fora do corpo do monge, Guseva convencera-se de que o ferira mortalmente, vociferando alto: “Eu matei o anticristo!
Submetido a uma cirurgia intensa, Rasputin recuperou-se do atentado que sofrera, tornando-se alvo da superstição popular, que o achava invencível, protegido pelos demônios. A partir de então, o czar mandou que fosse escoltado por uma guarda que o protegia todo o tempo, em todos os lugares, na tentativa de evitar novos atentados à vida de tão vital protetor da sua família.

Rasputin Torna-se o Homem Mais Odiado da Rússia

Quando explodiu a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rasputin foi contra que a Rússia entrasse no conflito. Teria previsto que se o czar não tomasse ele próprio a frente do seu exército, milhões de russos morreriam em combate, o que se confirmou quando cerca de meio milhão de soldados foram mortos em 1915, forçando o czar Nicolau II a partir para frente de batalha, o que se revelou um profundo desgaste para a monarquia.
Na ausência do czar, o poder de Rasputin aumentou sobre as decisões da corte. A czarina não fazia nada sem que o consultasse. Esta influencia refletia-se nas cartas que ela enviava ao marido, referindo-se sempre ao monge como “nosso amigo”, e relatando o que ele previa para o destino da Rússia. Rasputin passou a aceitar favores e subornos para indicar este ou aquele membro para o governo; usou da sua influência para afastar do poder aqueles que se lhe eram hostis. Os rumores de um romance com Alexandra, a ausência de Nicolau II, e a influência que o deixava cada dia mais poderoso, fez com que Rasputin fosse visto com desconfiança por uma população cada dia mais empobrecida, a chorar os seus mortos na guerra. O monge passou a ser visto como o culpado de todos os males da Rússia, sendo acusado de amigo dos alemães, acusação que respingou na czarina, posto que ela era de ascendência ariana.
A influência de Rasputin sobre os Romanov tornou-se alvo das críticas de políticos e jornalistas, que tinham como função enfraquecer a já combalida integridade da dinastia. O poder de Rasputin na corte voltou-se contra ele, que inconseqüentemente, gabava-se da capacidade que tinha de influenciar na decisão do casal Romanov. Pressionando pela Duma, Nicolau II afastou Rasputin, mas a czarina continuou a mantê-lo por perto, protegendo o monge decadente.
Mesmo afastado, Rasputin continuou a exercer o seu poder nos bastidores, mantendo-o principalmente, através da sua força sexual e magnetismo sobre as mulheres influentes da corte. Cada vez mais odiado, a decadência do monge e a sua queda eram inevitáveis.
Em 19 de novembro de 1916, Vladimir Purishkevich fez um discurso na Duma, acusando Nicolau II e os seus ministros de simples marionetes nas mãos de Rasputin e de Alexandra, evidenciando as raízes germânicas da czarina, inflamando o orgulho russo, ferido pelas baixas e derrotas sofridas na Primeira Guerra Mundial. O príncipe Felix Yusupov assistiu ao discurso de Purishkevich, aplaudindo-o. A seguir procurou o membro da Duma, com quem confabulou o assassínio do monge. A sorte de Rasputin estava lançada.

O Lendário Assassínio do Monge Louco

Se a vida de Rasputin foi coberta de lendas e mistérios, a sua morte tornou-o ainda maior, transformando-se em um ato lendário, que até os dias atuais causa curiosidade, admiração e arrepios em que a ouve contar. Fatos inusitados, muitos deles inventados pelos próprios assassinos, fizeram do assassínio de Rasputin um mistério que jamais será revelado em sua mais completa verdade.
Na segunda metade do mês de dezembro de 1916, membros poderosos da aristocracia russa concordaram que a influência que Rasputin exercia sobre a czarina era um perigo à soberania do império. A conspiração da morte do monge foi engendrada pelo príncipe Feliz Yusupov, pelo grão-duque Dmitri Pavlovich e por Vladimir Purishkevich. Na noite da morte do monge, juntaram-se aos três Estanislau de Lazovert e o capitão Suhotine.
Na noite de 29 para 30 (16 para 17 do antigo calendário Russo) de dezembro de 1916, Yusupov atraiu Rasputin à sua casa, o Palácio Moika. Trazido de carro por Lazovert, Rasputin mostrava naquela noite fatal um humor alegre. Foi recebido na biblioteca do palácio por Yusupov, enquanto os outros conspiradores ocultavam-se em outro compartimento. Para receber o monge, foram postos sobre a mesa bolos e vinhos raros, três tipos de vinho foram envenenados, assim como os bolos.
Rasputin pôs-se sentando sobre uma cadeira, a falar com eloqüência, enquanto devorava os bolos e bebia os vinhos envenenados. As horas foram passando, e, o cianureto ingerido pelo monge, suficiente para matar cinco homens, parecia não fazer efeito. Sem demonstrar quaisquer alterações, Rasputin intimidava o príncipe com os seus olhos negros e fixos, como se lhe adivinhasse os pensamentos. Yusupov começou a desesperar-se. O príncipe era um homem instável, admirado por sua beleza e conhecido pelos conflitos que tinha com a sua sexualidade. Rumores históricos apontam que as razões para Yusupov ter tramado e executado a morte de Rasputin iam além do seu amor pela Rússia. O monge era conhecido por ser possuidor de um grande falo, o que teria atraído o desejo de Yusupov, mas as preferências sexuais de Rasputin caíam apenas sobre as mulheres, o que lhe teria feito recusar o assédio do príncipe.
Com os nervos afetados pela resistência de Rasputin diante do veneno, Yusupov deixa-o sozinho por alguns instantes, indo falar com Purishkevich e o grão-duque. Volta empunhando uma arma, encontra Rasputin em pé, a ameaçar a ir embora. Yusupov desfere um tiro no peito de Rasputin, que depois de soltar um grito terrível, cai agonizante. Os outros dois conspiradores adentram à biblioteca. Ao ver o corpo caído de Rasputin, Vladimir Purishkevich desfere-lhe bastonadas e chutes.
Os demais conspiradores deixam a sala, para providenciar a retirada do corpo. Sozinho, Yusupov, por algum motivo, debruçou-se sobre o corpo inerte do monge. De repente os dois olhos negros de Rasputin abriram-se, a contemplar o príncipe. Tomando por uma força surpreendente, o monge falou ao príncipe: “você é um rapaz mau”, em seguida tentou estrangulá-lo.
Tomado por uma força surpreendente, Rasputin passou pela porta que o levou aos jardins do palácio, tentando alcançar o imenso portão de ferro que dava para fora do cenário macabro. No jardim, passou pelos outros conspiradores, que não acreditavam em vê-lo ainda vivo, parecendo trazer a imortalidade no corpo.
Mesmo cambaleante, com o sangue a manchar-lhe a roupa, Rasputin parecia, aos olhos dos conspiradores, que iria desaparecer na escuridão. Vladimir Purishkevich começou a disparar tiros no monge, atingindo-o duas vezes. O corpo de Rasputin tombou antes que ele atingisse os portões do palácio.
Os assassinos de Rasputin aproximaram-se do corpo caído, concluindo que ele ainda estava vivo, a lutar para se levantar. Por fim pareceu desmaiar. Inconformados e assustados, os seus algozes enfiaram-no em um saco, arremessando-o nas águas geladas do rio Neva, onde o seu corpo, quebrando o gelo que se formara sobre o leito, afundou.
Na manhã seguinte, muitos em São Petersburgo procuraram pelo monge, mas não foi encontrado. Por ordens da czarina, a polícia iniciou uma busca frenética pelas ruas da cidade, encontrando um objeto do monge próximo ao rio. As buscas intensas nas águas do rio Neva só foram encerradas quando o corpo foi encontrado. Uma autópsia revelou que a causa da morte do monge não tinha sido o veneno, tão pouco os ferimentos causados pelas balas, mas sim o afogamento. Rasputin morreu como os seus dois irmãos, afogado pelas águas.
Temendo a ira da czarina, os conspiradores e assassinos de Rasputin fugiram, com exceção do príncipe Yusupov, detido em prisão domiciliar no seu palácio. Yusupov seria posteriormente libertado devido à aprovação da população ao seu ato, considerado por todos como a libertação da Rússia do maior monstro e tirano da sua história.
A czarina prestou as suas homenagens a Rasputin, enterrando o seu corpo. Após a revolução de 1917, que pôs fim à Rússia czarista, a fúria dos revolucionários chegou ao túmulo do monge maldito. Desenterrado, o corpo de Rasputin foi queimado em local público. Reza a lenda que enquanto ardia na fogueira, o seu corpo deu estalos, como se fosse mover e levantar-se.

A Maldição de Rasputin

Mesmo após a sua morte, Rasputin continuou a suscitar as mais insólitas lendas. A fama de ter um imenso falo esteve sempre inerente ao monge. Maria, a filha que lhe herdara boa parte do dinheiro, e sobreviveu à revolução bolchevique, fugindo para o ocidente, declararia anos mais tarde que o pai tinha sido castrado antes de ter o corpo arremessado às águas do rio Neva. Embora a autópsia não tenha deixado registro da amputação da genitália de Rasputin, espalharam-se rumores de que seu o pênis tinha sido conservado em poder de muitos, como um amuleto que trazia potência sexual aos homens e desejo às mulheres; tendo reaparecido em 1967, em poder de uma senhora idosa de Paris. Esta senhora teria vendido o falo de Rasputin ao urologista e sexólogo russo, Igor Kniazkin, por oito mil dólares. Atualmente, Kniazkin exibe a relíquia, em exposição permanente, no Museu Erótico de São Petersburgo. O suposto pênis de Rasputin, conservado em um grande vidro com álcool, chama a atenção por seu tamanho desproporcional. Ao lado do vidro, pode-se ler a descrição do objeto de contemplação:
Pênis de Rasputin, assassinado em São Petersburgo na madrugada de 16 a 17 de dezembro de 1916. 28,5 cm”.
Outra evidência da figura lendária de Rasputin seria uma carta profética que ele teria escrito ao czar poucos dias antes de morrer, onde previa não somente o seu assassínio, como o de toda a família real. Esta carta foi apresentava por seu secretário, Simonovich, contendo terríveis profecias:
“Escrevo esta carta em São Petersburgo. Sinto que irei deixar a vida antes de 1 de janeiro. Gostaria de dar a conhecer ao povo russo, ao Papa, à Mãe Rússia o que eles devem entender. Se eu for morto por assuntos comuns e, especialmente pelos meus irmãos camponeses, você, Czar da Rússia, nada tem a temer por seus filhos, eles reinarão o país por centenas de anos. Mas se eu for morto por políticos, nobres, e se o meu sangue for derramado, por vinte e cinco anos permanecerão as mãos sujas do meu sangue. Eles vão deixar a Rússia. Irmãos matarão irmãos, e eles vão matar uns aos outros, ascenderá o ódio uns aos outros, e por vinte e cinco anos não haverá nobres no país. Czar da terra da Rússia, se você ouvir o som da campainha que lhe irá dizer que Grigori foi morto, você deve saber o seguinte: se foi das suas relações os que forjaram a minha morte, ninguém na sua família, isto é, nenhum dos seus filhos ou os das suas relações permanecerá vivo por mais de dois anos. Eles vão ser mortos pelo povo russo...”
Como sugere a carta, Rasputin foi morto em dezembro de 1916. Pouco tempo depois da sua morte, a terrível profecia foi realizada, em fevereiro uma grande revolução assolou a Rússia, levando o czar a abdicar em março de 1917. Juntamente com toda a família, Nicolau II foi levado aprisionado para Ecaterimburgo, nos Montes Urais. Na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, o czar, a czarina, suas quatro filhas e o príncipe herdeiro, foram executados pelo exército revolucionário russo. A maldição de Rasputin concretizara-se quinze meses depois da sua morte.
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Domingo, 20 de Setembro de 2009

A REVOLUÇÃO ISLÂMICA DO IRÃO

 

 

Em outubro de 1978 o Irã foi assolado por uma grande onda de protestos, culminando em greves e invasão de fábricas. Governado pela monarquia do Xá Reza Pahlavi, o Irã era o segundo produtor de petróleo da região, e ao lado da Arábia Saudita, o maior aliado dos Estados Unidos no mundo árabe. O xá era tido como um governante opressivo, que encarcerava todos os opositores às suas idéias, sendo o seu governo constantemente denunciado pela Federação Internacional dos Direitos Humanos pela tortura praticada aos presos políticos.
Mesmo diante da fama internacional de monarca ditatorial, Reza Pahlavi eliminou o feudalismo do Irã no início dos anos 1960, ação chamada pela população de “Revolução Branca”. Sua fortuna pessoal contrastava com um país de população pobre e fervorosamente arraigada às tradições religiosas islâmicas. A tentativa do xá de ocidentalizar o Irã, foi um dos principais motivos da elevação do povo iraniano.
Uma grande aliança entre líderes religiosos, organizações de esquerda e grupos liberais estava determinada a derrubar o xá. Deslocando-se da cidade “santa” de Quom, o movimento revolucionário alcançou os distritos petrolíferos de Abadan e chegaram à capital, Teerã, suscitando violentos confrontos com a polícia do xá e muitos mortos pelo caminho. A adesão de setores da defesa, a deserção de tantos outros à revolta, fizeram com que Reza Pahlavi deixasse o país no dia 16 de janeiro de 1979. No dia 1 de fevereiro chegava em solo iraniano o aiatolá Khomeini, principal líder de oposição ao regime do xá. A 11 de fevereiro estava consolidada a revolução. Com a chegada dos aiatolás ao poder, encerrava-se 2500 anos de monarquia na Pérsia, criando-se uma república teocrática islâmica, baseada nos conceitos da religião muçulmana.
A Revolução Islâmica, como foi aclamada, aparentemente uma insurreição local, transformou não só a história do Irã, como de todo o planeta. Desde então, o mundo árabe mudou totalmente as relações com o ocidente, fortalecendo os princípios islâmicos tão ameaçados pela ocidentalização dos seus costumes. O rompimento do Irã com os Estados Unidos deixou cicatrizes profundas entre esta nação e a sua diplomacia com os países islâmicos. A revolução serviu como inspiração de como o Estado Islâmico deveria ser implantado, permitindo a proliferação de diversos movimentos radicais, chamados pelo ocidente de fundamentalismo islâmico. Para defender a revolução de um possível golpe do ocidente, o Irã elegeu os Estados Unidos como o grande inimigo, e adotou medidas extremas para sobreviver ao gigante. Neste estreitamento de relações, o mundo árabe muitas vezes incompreendido pelo ocidente, gerou mártires fervorosos, defensores dos seus princípios, muitas vezes travestidos de terroristas, com ataques trágicos ao ocidente. Depois da Revolução Islâmica do Irã, realizada em 1979, os árabes e as grandes potências ocidentais jamais conviveram pacificamente, na radicalização de ambas as partes, o mundo ficou menos seguro e o sangue de inocentes, tanto árabes como ocidentais, continua a ser derramado em nome das contradições e intolerâncias de cada mundo estabelecido, política e teologicamente.

A Dinastia dos Pahlavi

Em 1901 foi descoberto o petróleo no Irã, conhecido internacionalmente como Pérsia. Desde então, a dinastia Qajar, que reinava sobre o país, aceitava a divisão do mesmo em áreas de influência estrangeira, sem uma centralização do poder, desde que pudesse ser soberana.
No fim de 1920, a Rússia, recém transformada no regime socialista bolchevique, ensaiou uma marcha até Teerã, com o objetivo de anexar o país às futuras repúblicas soviéticas. Esta ameaça latente de invasão e outros transtornos, criaram uma crise aguda sobre o país, favorecendo a simulação de um golpe de estado engendrado por Tabatabaee e o militar Reza Khan, em 1921. Tabatabaee tornou-se primeiro ministro e Reza Khan emergiu como ministro da guerra.
A ascensão de Reza Khan ao poder deu-se rapidamente, em 26 de outubro de 1923 ele derrubou a dinastia Qajar, obrigando o jovem monarca Ahmad Shah Qajar a exilar-se na Europa, tornando-se primeiro ministro. Reza Khan impôs a sua supremacia em 1925, submetendo todas as tribos do país. Após forçar o parlamento a depor o jovem Qajar, foi declarado xá (shah) por uma Assembléia Constituinte convocada em 12 de dezembro de 1925. Em 15 de dezembro daquele ano, Reza Khan fez o juramento imperial, mudando o nome para Reza Pahlavi, sobrenome que até então não existia na Pérsia, tornando-se o primeiro xá da dinastia. Em 25 de abril de 1926, recebeu a coração imperial sobre a cabeça.
Reza Khan manter-se-ia no poder até 1941, quando a Grã-Bretanha e a União Soviética invadiram o Irã, obrigando-o a abdicar em favor do seu filho, Mohammed Reza Pahlavi. Esta invasão deveu-se às relações do Irã com a Alemanha nazista. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha era o principal país com o qual o Irã tinha relações comerciais. O medo dos aliados de que o petróleo iraniano servisse para abastecer os nazistas, fizeram com que os invasores garantissem o precioso ouro negro para eles; pesou a simpatia do xá pela causa nazista, apesar de ter declarado o Irã neutro, e, principalmente, a sua recusa de deixar que as forças aliadas usassem o território iraniano como corredor para transportar armas para a União Soviética, fortalecendo-a contra os alemães. Diante da irredutibilidade do xá, os aliados optaram em pôr o seu filho no poder, achando-o mais sensato e mais confiável diante das questões políticas com o ocidente. Reza Khan, ao abdicar, seguiu para o exílio, onde morreu em 1944. Apesar de analfabeto, derrubou uma dinastia, implantando a sua própria, foi responsável por mudanças substanciais no Irã, país que governou com mão pesada e de forma ditatorial.

A Primeira Fase do Governo de Reza Pahlavi

Mohammed Reza Pahlavi tornou-se xá do Irã em 16 de setembro de 1941. Seria o último xá da sua dinastia e da história da Pérsia. O seu reinado teve duas fases: de 1941 a 1953, quando fugiu para Roma, exilando-se por uns dias, até retornar ao poder com a ajuda dos americanos; e, de 1953 a 1979, quando foi deposto pela revolução iraniana.
Reza Pahlavi ascendeu como xá do Irã depois da abdicação do seu pai, Reza Khan, com 22 anos ainda incompletos. A primeira fase do seu governo resumiu-se em aumentar a sua fortuna pessoal, uma das maiores do mundo, graças aos royalties do petróleo. O porte atlético e carisma sedutor fizeram dele um homem com fama de playboy internacional, que aparecia constantemente nos lugares mais badalados de Paris ou nos cassinos de Monte Carlo, enquanto o Irã definhava na pobreza e no analfabetismo.
Em 1951 Mohammed Mossadegh, um político nacionalista influente, que no passado fora veementemente contra o governo de Reza Khan, sendo preso por alguns anos, foi eleito como primeiro ministro. Por causa da imensa popularidade de Mossadegh, Reza Pahlavi teve que aceitar a sua eleição. Em 1 de maio de 1951 o nacionalismo do primeiro ministro vingou, conseguindo aprovar no parlamento a nacionalização do petróleo e da Anglo-Iranian Oil Company, o que deixou a Grã-Bretanha irritada. Como retaliação, os britânicos tentaram embargar o petróleo iraniano nos mercados internacionais, na tentativa de levar a economia do país, movida pelo óleo negro, ao colapso. Os Estados Unidos, temendo a aproximação do Irã com a União Soviética, pôs-se contra o embargo britânico.
Após a nacionalização do petróleo, Mossadegh viu-se cada vez mais fortalecido, ambicionando ter mais poderes como primeiro ministro, instaurando uma crise entre ele e o xá. No cenário político internacional, voltava o fantasma da União Soviética desejar controlar o Irã, transformando-o em uma república soviética. Este argumento convenceu os Estados Unidos a apoiar a Grã-Bretanha no plano de afastar Mossadegh do poder.
Em 15 de agosto de 1953, instigado pelos americanos, o xá demitiu o primeiro ministro, provocando uma grande crise popular no seu governo, assolado por tumultos em favor de Mossadegh. Diante da revolta popular, Reza Pahlavi foi obrigado a deixar o Irã, refugiando-se em Roma. Mossadegh permaneceu no poder até o dia 19 de agosto. Reza Pahlavi, com a ajuda da CIA, que desencadeou um movimento estratégico chamado de Operação Ájax, retornou triunfante ao país, depondo Mossadegh do cargo de primeiro ministro.

O Último Xá do Irã

Ao voltar dos poucos dias de exílio, Reza Pahlavi mudou totalmente a sua postura como líder do Irã. Assumiu uma autoridade plena que até então não tinha, tornando-se um monarca dinâmico, que chegava a trabalhar 18 horas por dia. Estava decidido a transformar o Irã em uma grande civilização e potência industrial, como costumava declarar. A partir de então, revelou-se um autêntico seguidor do seu pai, Reza Khan, decidindo executar um programa de grandes reformas internas.
Durante o governo do xá, o Irã tornou-se um grande aliado dos Estados Unidos, mantendo excelentes relações com os americanos. Reza Pahlavi não hesitou em romper com a organização tradicional do Islã em assuntos como a jogatina, o consumo de álcool e as relações sexuais antes do casamento, recusando-se a banir tais práticas do Irã. Foi qualificado de demagogo pela direita nacionalista, tornando-se incompreendido pelos conservadores.
Em 1960 promoveu a “Revolução Branca”, que aboliu o feudalismo do Irã, referendada pela população, instalando um clima de euforia que se espalhou pelas vilas camponesas que começavam a executar as reformas. Mas o xá freou as ações populares, impondo pessoalmente o plano de ação das reformas, aplicado por agentes governamentais, salvaguardando os interesses de outras classes sociais. Foram criados grupos de trabalhos chamados de “exército do saber, da higiene e do desenvolvimento”, que envolviam médicos, professores e técnicos que levavam às vilas os serviços que não possuíam, evitando assim, a participação popular nas questões políticas e sociais.
Em 1963, o regime de monarquia parlamentar foi instituído no país, mas o xá continuou governando absoluto, com o seu retrato espalhado pelos quatro cantos do país. A sua imagem de pé, junto à família real, atravessaria os anos setenta colada nas paredes, nos hotéis, nos restaurantes e nas vitrines públicas.
Reza Pahlavi também era conhecido pelos tantos amores que viveu com belas mulheres. Casou-se pela primeira vez em 1939, com Fawzia, irmã do rei Faruk do Egito. A mulher deu-lhe uma filha, como não lhe deu um herdeiro, divorciou-se dela em 1948. Voltou a casar com Soraya Esfandiari, numa cerimônia que atraiu todos os holofotes da imprensa mundial, tida como digna das mil e uma noites. Soraya, a princesa dos olhos tristes, construiu uma imagem que conquistou não só o Irã, mas o mundo. O drama de Soraya, que era estéril, foi acompanhando pelos jornais e revistas do mundo inteiro, terminando com o divórcio, em 1958, já que a bela monarca não aceitou uma segunda esposa para o marido, costume perfeitamente admissível nas leis islâmicas. Casou-se pela terceira vez com Farah Diba, que lhe deu, em 1960, o herdeiro esperado, Ciro Reza. Do terceiro casamento, Reza Pahlavi teve três filhos, dois meninos e uma menina. Em 1967, com a dinastia assegurada duas vezes, Reza Pahlavi foi coroado xainxá e, pela primeira vez na história da Pérsia, uma mulher tornou-se imperatriz, com direito a sucessão. Farah Diba acompanharia o marido até a sua morte no exílio, em 1980.

O Poder do Irã do Xá

Com o decorrer dos anos, o governo de Reza Pahlavi passou a ser conhecido como opressivo e corrupto. Qualquer pessoa que se lhe opunha era mandado para o cárcere, originando denúncias de atentados aos direitos humanos e à liberdade, que adquiriam eco dentro do país e na comunidade internacional. Para fiscalizar o território, o xá instalou a polícia secreta Savak, que a tudo controlava, proibindo os estudantes, os intelectuais e os oficiais do governo de participarem de qualquer discussão pública.
Todo governo opressivo gera oposição e revolta. O do xá não foi exceção. Uma crescente oposição, sempre esmagada pela polícia secreta, tornou-se cada vez mais organizada. A oposição religiosa era a principal, oriunda desde a época de Reza Khan, quando líderes religiosos foram presos e até mesmo mortos. A comunidade de estudiosos das leis islâmicas, a Ulema, condenava a opressão do regime, assim como as prisões e a violência física contra os seus opositores; assumiam compromissos de luta contra a pobreza e às diferenças sociais e, principalmente, tentavam preservar a “contaminação” da população pelo modo de vida ocidental, resguardando os princípios islâmicos seculares. Quanto mais o governo reprimia as manifestações contra os costumes ocidentais, mais a oposição religiosa aumentava, espalhando-se por diversos setores da sociedade iraniana.
Um dos maiores opositores do regime do xá era o aiatolá Khomeini, que propagava para os seus seguidores ser Reza Pahlavi um grande tirano demagogo. Khomeini foi preso e enviado para o exílio no Iraque, em 1964, desencadeando uma onda de protestos dos líderes religiosos. O xá enfrentou com violência os protestos dos clérigos, prendendo e matando manifestantes.
A partir da “Revolução Branca”, a economia do Irã cresceu consideravelmente. Os aumentos constantes do petróleo e a exportação de aço foram os principais responsáveis por esse crescimento. Reza Pahlavi gastava grande parte do dinheiro do petróleo adquirindo armas do ocidente. Localizado em uma região estratégica do Oriente Médio, o Irã sempre despertara a cobiça das grandes nações. Numa época de Guerra Fria, o xá achava fundamental investir em armamento para proteger a soberania do país. Em 1974 aplicou 26% da renda nacional em defesa, transformando o exército iraniano no segundo maior da região, perdendo apenas para o de Israel, além de possuir uma marinha moderna e flexível.
Na primeira metade dos anos setenta, Reza Pahlavi emprestou 3 bilhões de dólares para a Itália, 1,2 bilhão para as indústrias britânicas, 7 bilhões de dólares aos povos subdesenvolvidos da África e da Ásia, além de aplicar 4 bilhões de dólares em empresas americanas de comunicações, depositou 1 bilhão no Banco Mundial; comprou 25% das ações da Krupp, empresa alemã de aço. Em março de 1975 o xá contratou aos Estados Unidos a construção de seis usinas nucleares, pelas quais pagaria 15 bilhões de dólares. Paradoxalmente, os Estados Unidos armou o seu futuro grande inimigo, sendo hoje o principal opositor de o Irã ter armas e usinas nucleares.
Em 1975 a renda nacional do Irã chegou a 30 bilhões de dólares. Apesar do grande crescimento econômico, a distribuição de renda não atingiu à população pobre, a classe média urbana não alcançou grandes saltos e melhoras. Contrastando, a elite aumentava cada vez mais a sua riqueza, os estrangeiros que trabalhavam para as companhias ocidentais eram os maiores privilegiados da riqueza iraniana. Os excessos do xá eram vistos como uma afronta à população carente. Um exemplo foi em 1971, quando os 2500 anos de monarquia no Irã foram comemorados com um fausto jamais visto no país. Em Persépolis, primeira cidade real do império aquemênida, onde subsistem vestígios do palácio de Dario I, 250 limusines vermelhas Mercedes-Benz estavam à disposição dos convidados; Lavin desenhou os uniformes dos empregados; o Maxim’s de Paris forneceu os chefs e os cardápios, com exceção do caviar iraquiano, toda a comida das comemorações viera da França. Havia helicópteros para que se pudesse deslocar de um para o outro dos cinco palácios que havia no Irã. A despesa da festa ficou avaliada em 200 a 300 milhões de dólares. O xá convidou todos os poderosos do planeta. Esqueceu-se de convidar o povo iraniano.

Agitações e Revoltas Antecedentes à Revolução

Se a economia iraniana crescia, o país era visto com desconfiança pelo mundo árabe, principalmente na crise gerada pelo embargo de petróleo pelos árabes em 1973, que afetou a economia mundial. Em protesto ao apoio do ocidente à guerra de Israel contra os países da região, os árabes decidiram diminuir a produção de petróleo no mundo, fazendo com que os preços subissem ao topo. O Irã do xá foi contra o embargo, continuando a negociar o seu petróleo com os ocidentais, alegando na época: “... o Irã tem 32 milhões de habitantes... os que se negam a vender petróleo ao ocidente, mas possuem uma população de apenas 700 mil habitantes e tanto dinheiro que poderiam viver três ou quatro anos sem vender uma gota...
Em 1975 o xá aumentou o controle sobre o povo iraniano, tentando diminuir a oposição de líderes religiosos, ressaltando a propaganda a favor da civilização persa antes do islamismo. No ano seguinte alterou o calendário lunar islâmico, trocando-o pelo calendário solar. Ao acabar com o feudalismo iraniano, terras dos líderes religiosos foram divididas, diminuindo o poder das suas rendas. O direito de voto dado às mulheres afrontou os mais conservadores.
Numa época em que imperava a guerra fria, juntou-se à insatisfação dos líderes religiosos os opositores da esquerda iraniana, entre eles o Tudeh, Partido Comunista Iraniano, patrocinado pela União Soviética; os grupos organizados Fedayin do Povo (maoístas) e os Mujahedin do Povo (marxistas islâmicos), muitos dos quais treinados em campos de guerrilha cubanos e palestinos. A estes grupos juntou-se a população pobre do país, principalmente os que viviam nos campos e nos bairros pobres de Teerã.
A população que se educava, o silêncio imposto aos estudantes e aos intelectuais, fizeram com que o regime do xá fosse visto como autoritário e corrupto. A crescente pressão da imprensa internacional às atrocidades do regime, o apoio de intelectuais internacionais à oposição de Khomeini no exílio, tudo isto criou um processo de propaganda negativa ao governo de Teerã. Estava formada a situação de insurreição que antecederia à revolução.

A Queda do Xá

No decorrer da segunda metade dos anos setenta, a população pobre e descontente voltou-se cada vez mais para os valores básicos do islamismo, opondo-se às modernidades ocidentais que não lhes acrescentava melhora de vida, além de distanciá-los dos códigos morais da sua fé. Por outro lado, a repressão da Savak era cada vez mais intensa, tornando as reformas do xá desacreditadas e vazias. A política da reforma agrária atingira os líderes religiosos, enfurecendo-os de forma indelével.
A repressão do regime à medida que se tornava intensa, atraiu para si a curiosidade dos ocidentais, que passaram a denunciar na imprensa internacional o governo autocrata do xá. Vários movimentos dos direitos humanos opuseram-se à opressão do regime de Teerã, fazendo denúncias constantes, foram tantas que obrigaram o governo de Jimmy Carter a ameaçar com embargo, as armas que vendia ao xá. A pressão internacional resultou em um abrandamento na repressão aos opositores do xá, em 1977. 300 presos políticos foram libertados, a censura às idéias oposicionistas foi relaxada, havendo reformas no sistema judicial.
Mas o abrandamento da opressão do regime do xá chegara tarde. Muitas cicatrizes haviam sido criadas. Uma vez abrandada a repressão, os protestos tantos anos calados, aumentaram em voz e expressão. Pensadores, intelectuais, escritores e jornalistas uniram-se em protestos para obter a liberdade de expressão e de pensar.
O fantasma de Khomeini assombrava o regime do xá. Os ataques da imprensa oficial do país ao líder, a pressão do xá para que o governo do Iraque expulsasse Khomeini do seu território, obrigando- a exilar-se em Paris, enfureceram a oposição, deflagrando, em 1978, uma onda crescente de protestos a favor do aiatolá. A partir de então, um vasto movimento dirigido pela hierarquia xiita e por populares, começou em Quom, considerada cidade santa, lugar onde Khomeini era teólogo na época do seu exílio em 1964. De Quom, a revolta ecoou para os campos petrolíferos de Abadan, culminando em uma greve geral em outubro daquele ano.
O movimento de protestos seguiu dos distritos petrolíferos, atingindo Teerã, a capital do império. A pressão contra o xá fortalecia à medida que usava métodos de greve, ocupação de fábricas, mobilizando organizações religiosas e de esquerda, unindo em uma só voz os operários dos pólos petrolíferos e do cinturão industrial de Teerã.
No dia 12 de dezembro de 1978, cerca de dois milhões de pessoas marcharam sobre Teerã, em protesto contra o xá. Diante de tanta gente, setores do exército iraniano negaram-se a atirar contra os manifestantes, outros desertaram, fazendo com que as forças armadas entrassem em colapso, desintegrando-se.
Acossado, Reza Pahlavi passou a fazer concessões, concordando em implementar uma constituição mais moderada, garantindo maior liberdade de expressão. As promessas de mudanças no cenário político da monarquia iraniana vieram demasiadamente tarde. De Paris, sob o apoio de intelectuais europeus e sob os holofotes da imprensa internacional, Khomeini orientava a insurreição do seu povo. A maioria da população iraniana já lhe era fiel. Quando o aiatolá pediu o fim completo da monarquia, não restou alternativa ao xá, senão deixar de vez o Irã, o que aconteceu em 16 de janeiro de 1979.
Antes de deixar o Irã, Reza Pahlavi nomeou Shapour Bakhtiar, da Frente Nacional, antiga oposição burguesa ao Xá, como primeiro ministro. Mas os movimentos operários não permitiram as manobras do regime, suspeitando que uma nova constituição não passasse de uma farsa para conseguir uma passagem pacífica do velho regime para um novo que incluísse algumas frações da burguesia até então preteridas, garantindo uma monarquia constitucional revestida de nova. Khomeini considerava-o traidor e colaboracionista do regime. Bakhtiar esteve no poder por 36 dias, extinguindo a Savak e os jogos de cassino. Temendo o ódio popular e retaliações de Khomeini, partiu para o exílio, em Paris.
No dia 1 de fevereiro de 1979, Ruhollah Khomeini retornou do exílio na França, sendo recebido com honras e euforia pela população iraniana. Convidado pelos revolucionários que puseram o xá em fuga, Khomeini consolidou a revolução no dia 11 de fevereiro de 1979.

A Revolução Islâmica

Já como líder supremo do Irã, Khomeini afastou os elementos mais moderados, transformando o Irã em uma república islâmica, voltada para os princípios básicos dos ensinamentos seculares do islã. À revolução, passou a chamá-la de “Revolução Islâmica”.
Para que se criasse uma república islâmica, a revolução, uma das poucas manifestações incontestáveis da vontade popular contra um regime político, sofreu algumas mudanças em sua trajetória. O novo governo estabelecido proporcionou o regresso do Irã aos valores tradicionais do Islã. Costumes ocidentais difundidos na cultura iraniana durante o regime do xá foram proibidos, entre eles a proibição às mulheres do uso de maquiagem e de mini-saias; música pop e rock; cinema; jogos e jogatinas. Velhos códigos morais foram ressuscitados, como o açoite e castigos corporais aos que praticassem adultério, aos que praticassem sexo fora do casamento e aos que consumissem álcool.
Para garantir a Revolução Islâmica, muitos dos que a apoiaram foram executados, entre eles os marxistas, os grupos maoístas e de esquerda, por defenderem o estado laico, uma ameaça aos princípios teocráticos do islã. Também foram executados os considerados doentes ou escórias da sociedade, como os homossexuais e as prostitutas. Condenados à morte seriam os defensores do xá e do antigo regime, além dos seus ministros; a execução estendeu-se a membros de outras religiões, como os judeus. Os comitês islâmicos dirigidos por Khomeini iniciaram a repressão aos nacionalistas curdos e turcomanos.
Assim, ao realizar-se um plebiscito (fraudulento segundo alguns historiadores), foi legitimada a implantação de uma república islâmica, fator inédito na história dos povos árabes contemporâneos.

A Revolução Islâmica e o Ocidente

Ao fim da revolução, o regime fechado que se implementou no Irã foi propagado para o ocidente como retrógrado e opressivo, a volta aos costumes islâmicos era pouco ou nada compreendido pelos valores ocidentais.
Mesmo ao perder o seu maior aliado no Oriente Médio, refletido na figura do xá, o Estados Unidos manteve representação diplomática na nova República Islâmica. Mas devido ao passado, em que os americanos proporcionaram a volta do xá em 1953, depondo Mossadegh, as relações com Washington sempre foram vistas com desconfiança.
Exilado e perseguido pelo governo dos aiatolás, Reza Pahlavi e a sua família perambularam por vários países, sendo que a maioria, temendo à retaliação de Teerã, negavam-lhe asilo político. Minado por um câncer, doença que o consumia desde 1974, mas mantida em segredo, o xá entrou em fase terminal. Exilado no México, onde não havia tratamento para a doença, Pahlavi pediu permissão aos americanos para que se pudesse tratar nos Estados Unidos. Após uma grande hesitação, Jimmy Carter concordou em receber o xá, gerando uma crise com Teerã. A desconfiança de que a CIA estaria promovendo a volta do xá e o fim da revolução, fez com que estudantes iranianos invadissem a embaixada americana em Teerã, em 4 de novembro de 1979, tomando como reféns os 52 funcionários que lá se encontravam. Esta crise minou de vez a relação entre os Estados Unidos e o Irã. Esgotadas as negociações diplomáticas, o governo americano decidiu por uma tentativa de invasão aérea à embaixada, mas as operações foram um fracasso, humilhando a mais poderosa nação do planeta.
No decorrer das negociações, apenas 14 reféns foram libertados, os demais permaneceram presos por 444 dias, só sendo libertos quando Ronald Reagan venceu Jimmy Carter nas eleições de 1980, e tomou posse em 1981. A esta altura, Reza Pahlavi já havia morrido, exilado no Egito, em julho de 1980.
Desde a invasão da embaixada em Teerã, os Estados Unidos declarou a República Islâmica do Irã como inimiga da paz e dos americanos. A partir da Revolução Islâmica, o mundo árabe emergiu nos noticiários ocidentais não só pelo poder do petróleo, como pela volta aos princípios islâmicos, numa contraposição à influência corrosiva dos costumes ocidentais.
O modelo de implantação de uma república islâmica feita pelo Irã, serviu de inspiração para o surgimento de vários movimentos de grupos islâmicos radicais. A luta desses grupos gerou hostilidades entre o ocidente e o mundo árabe, que tomou como expoente o conflito entre Israel e os palestinos. Das hostilidades sofridas, as mais terríveis vieram em forma de terrorismo, sendo os Estados Unidos o principal alvo, não só pelo seu apoio ao Estado de Israel, mas por sua política maniqueísta, que teima em ver nos preceitos islâmicos e na sua concretização como força política, uma ameaça à paz e à sua democracia arraigada, transformando em inimigos todos que se lhe opõem, classificando-os como nação do bem ou do mal.
A partir da Revolução Islâmica, o fim da Guerra Fria e da União Soviética, os radicais islâmicos, chamados de fundamentalistas, tornaram-se o novo inimigo dos americanos. Movimentos como a Al-Qaeda de Osama bin Laden, o GIA argelino, o Wahhabismo da Arábia Saudita, o Hamas da Palestina, ou Gama’at Islamiya do Egito, foram responsáveis por ataques terroristas ao ocidente, ou por guerras civis no norte da África. Todos eles são vistos como um perigo às nações ocidentais, e como heróis da causa islâmica por grande parte dos árabes.
Por sua vez, para assegurar a revolução islâmica de um golpe das nações ocidentais, os iranianos fecharam o regime, empunharam armas, radicalizando contra todos os fantasmas possíveis. Hoje, três décadas depois da Revolução, após longas guerras com o Iraque, o Irã é um país solitário no contexto político internacional, sobrevivente das potências e dos conceitos que estabeleceram como forma de governo. Quanto ao destino do regime estabelecido pela revolução de 1979, somente o povo iraniano poderá responder até onde irá e até quando o legitimará. Quanto ao ocidente, há de se aprender a conviver com as diferenças culturais, que se sobrepõem ao poder econômico, seja ele emanado do petróleo ou da força das armas.
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Quinta-feira, 17 de Setembro de 2009

AS DUAS MORTES DE ELIS REGINA

 

 

Na manhã de 19 de janeiro de 1982 o brasileiro tinha o seu almoço interrompido por uma trágica notícia, a cantora Elis Regina estava morta! Emissoras de rádios e televisão interromperam a programação normal para cobrir a tragédia. Elis Regina, 36 anos, no auge da sua vitalidade, com uma carreira de sucesso longe de se esgotar, morria de parada cardíaca no seu apartamento nos Jardins, em São Paulo. A notícia comoveu o Brasil, tendo uma repercussão que surpreendeu muita gente, já que a cantora tinha um público restrito, um repertório denso, apesar de vários sucessos de grande alcance popular. Pobres, ricos, intelectuais, gente humilde, todos choraram Elis Regina. O Brasil vestiu-se de luto.
À tarde, o corpo da cantora foi levado para o Teatro Bandeirantes, onde uma multidão de pessoas fazia uma gigantesca fila na porta, esperando o momento de prestar uma última homenagem. A fila estender-se-ia noite dentro, sendo ainda visível às cinco horas da manhã do dia 20. Diante do grande fluxo de pessoas, a família chegou a pedir à polícia que retirasse a multidão espalhada pelos palcos do teatro, mas a mãe, dona Ercy, abriu mão de velar a filha mais intimamente, cedendo o lugar da família para os fãs. Admiradores e amigos, aglomerados nos palcos do teatro, entoaram músicas da cantora, despedindo-se com “Está Chegando a Hora” (Rubens Campos - Henricão), momento de maior emoção.
No dia seguinte, mais de mil pessoas juntaram-se ao cortejo fúnebre, percorrendo lentamente as ruas da capital paulista, conduzindo o corpo de Elis Regina até o cemitério do Morumbi, onde foi enterrado ao som de “Canção da América”, cantada pela multidão: “... Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”. Era a última homenagem ao ídolo morto.
Ainda a recuperar-se da comoção da tragédia, o Brasil foi surpreendido, 48 horas depois, pela notícia de que a causa da morte tinha sido ingestão de cocaína. Os resultados do laudo ecoaram pelo país. A família, na esperança de preservar a imagem da cantora, negou veementemente o laudo. Eram criadas teorias da conspiração envolvendo o namorado da cantora Samuel Mac Dowell Figueiredo e o médico que emitira o laudo, o obscuro Harry Shibata. Iniciava-se a caça às bruxas, tendo como resultado a difamação da cantora. A imprensa não se limitou a informar as causas de tão súbita morte, mas a fazer uma condenação moral velada da vida de Elis Regina. O Brasil tornou-se moralista. Assim, após a comoção, as lágrimas e o enterro dramático, iniciava-se a depredação da imagem. Elis Regina teve em 1982, duas mortes, a morte física, que lhe tirou a vida, levando milhares de brasileiros às lágrimas; e a morte moral, promovida por uma imprensa preconceituosa e um país de costumes hipócritas. Com o passar do tempo, o mito superou às duas mortes, e Elis Regina continuou mais viva do que quando respirava, cantava e emocionava o Brasil, transpirando sangue nos palcos.

Os Últimos Momentos de Vida

Os últimos momentos de vida de Elis Regina foram tensos, com discussões ao telefone e regados de álcool e droga. Após a separação do músico César Camargo Mariano, a cantora passou por um período de romances fugazes, até que estabeleceu uma relação sólida com o advogado Samuel Mac Dowell, com quem construiu planos de casamento.
Elis Regina tinha planos de entrar em estúdio nos próximos dias, para gravar o seu novo disco, já com repertório definido. Jantou com amigos músicos e com o namorado. Nada fazia crer que ela vivia os seus últimos momentos. No fim da noite, já os amigos tinham ido embora, discutiu com Samuel Mac Dowell. Despediram-se em clima de rancor, embora o advogado negasse futuramente qualquer rusga. Com a briga, a cantora entrou em depressão, bebendo toda a noite. Sem dormir, pela manhã atendeu a um telefonema do namorado, pôs-se então, a discutir com ele. Enquanto falava, consumia Campari e cocaína, até que o seu coração não agüentou. Elis Regina silenciou a voz, não só ao telefone, como para a vida. Diante do silêncio repentino, Samuel Mac Dowell, do outro lado da linha, percebeu que alguma coisa de muito grave acontecera. Deixou o seu escritório e rumou para o apartamento da cantora. Foi encontrá-la trancada no quarto, sem responder aos chamados. Desesperado, derrubou a porta do quarto, encontrando-a caída, com o telefone fora do gancho.
Elis Regina foi levada de táxi para o Hospital das Clínicas, mas já estava sem vida. Aos 36 anos de idade, Elis Regina de Carvalho Costa, uma das maiores cantoras do Brasil, encerrava a sua carreira. Deixava três filhos e vários álbuns. Morria a mulher, nascia o mito.

O Adeus de Milhares de Pessoas a Elis Regina

Passado o primeiro impacto da morte da cantora, era hora de preparar a cerimônia final e prestar-lhe a última homenagem. Naquele instante uma enorme dúvida pairava no ar, o que levara uma mulher jovem e de uma vitalidade estonteante a ter uma parada cardíaca? Por que a médica que a recebera no Hospital das Clínicas não pôde ou não quis, fornecer o atestado de óbito, dizendo-se impossibilitada de afirmar ter sido morte natural? E ainda, diante desta dúvida, porque o cadáver foi remetido para o Instituto Médico Legal (IML) para ser autopsiado? Para os preparativos do adeus, as perguntas foram proteladas, mas não esquecidas.
Como local da última homenagem à cantora, foi decidido que o velório seria no Teatro Bandeirantes, no centro de São Paulo, palco do seu mais famoso show, “Falso Brilhante”, de 1976. Seria aberto para familiares e amigos, mas o corpo ainda lá não chegara, e uma grande multidão fazia fila na porta do teatro, à espera de poder dar o último adeus ao ídolo. A fila não parou de crescer, mantendo-se até o dia seguinte, quando seria o enterro.
Numa última homenagem, ficou estabelecido que a cantora vestiria em seu repouso final, uma camiseta branca com a bandeira do Brasil, que no centro trazia escrito “Elis Regina” no lugar da frase “Ordem e Progresso”. A camiseta de malha fora confeccionada para o show “Saudades do Brasil”, de 1980, mas a cantora tinha sido proibida pela censura militar de usá-la durante o espetáculo, que considerara um acinte à bandeira nacional.
Feitos os devidos preparativos, o corpo de Elis Regina chegou ao Teatro Bandeirantes à tarde. Entre a tarde do dia 19 e a manhã do dia 20 de janeiro, mais de vinte e cinco mil pessoas acederam ao velório da cantora, entoando músicas do seu vasto repertório. O corpo seguiu do centro de São Paulo para o cemitério do Morumbi. Mil pessoas acompanharam a cerimônia. Entre aplausos e os versos de “Canção da América” (Milton Nascimento – Fernando Brant), Elis Regina foi enterrada.

Amigos Defendem a Imagem da Cantora Morta

Dois dias depois, os rumores de que a morte da cantora tinha sido provocada por drogas espalharam-se pelo país. Samuel Mac Dowell e a família de Elis Regina, tentaram evitar que lhe fosse feita autópsia, tentando preservar a sua imagem. Esta recusa em esclarecer os fatos, contribuiu para que se aumentassem as suspeitas de uma morte obscura. Também as últimas palavras de Elis Regina ao telefone com Samuel Mac Dowell, suscitaram a imaginação de todos. A briga entre o casal só seria revelada muito tempo depois. Persistindo as dúvidas de que a cantora não morrera de causa natural, não se podia emitir um atestado de óbito, e por lei, a autópsia tornava-se obrigatória.
Entrava em cena a figura do médico Harry Shibata, que declarava ter sido ingestão de barbitúricos ou cocaína com álcool a causa da morte de Elis Regina, descartando a hipótese de morte natural. Uma dúvida punha em questão o laudo de Shibata, se cocaína era ingerida diluída em álcool, já que tradicionalmente era aspirada pelo nariz.
Mas o que pesou realmente foi a credibilidade do legista. Harry Shibata entrou para a história brasileira como colaborador do regime militar e da tortura que se praticou na época. Para justificar as mortes nos calabouços da ditadura, médicos legistas forneciam falsos laudos que apontavam morte natural, jamais tortura. Harry Shibata foi um desses legistas, tendo assinado o histórico laudo da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, que atestava suicídio e não morte por tortura. Na época, Samuel Mac Dowell foi um dos advogados que condenaram a União pela morte de Herzog, escancarando a farsa assinada por Shibata.
Na tentativa de defender Elis Regina, vários amigos, entre eles Edu Lobo, diziam que o laudo de Shibata era uma vingança a Samuel Mac Dowell, o que levantou grande polêmica na época.
Apesar da contestação do laudo, os estragos na imagem da cantora morta tinham sido feitos. Um pernicioso processo moralista assolou o Brasil, trazendo uma tempestade sem fim de preconceito contra a memória de Elis Regina, atingindo inclusive aos seus filhos, então crianças, que tinham que ouvir o escárnio dos colegas da escola. Diante desta difamação e depredação de memória, os amigos mais próximos da cantora partiram em sua defesa. Jair Rodrigues pediu pela preservação dos filhos da amiga, foi à televisão defendê-la com arroubos de emoção, apontando o dedo para “muitos” no meio artístico que se drogavam e ninguém dizia nada. As declarações do cantor criaram polêmicas, e vários famosos sentiram-se ameaçados, iniciando contra ele o tradicional patrulhamento ideológico, responsável pelo fim de tantas carreiras no país. Mas Jair Rodrigues não se intimidou, defendendo a inocência da amiga em relação às drogas até o fim.
Henfil, outro grande amigo de Elis Regina, defendeu-a no programa “TV Mulher”, da Rede Globo, onde tinha o quadro “TV Homem”, no qual apresentava os seus desenhos de animação. Na defesa, ele apresentou um quadro em que se propagava a difamação de Elis Regina pela imprensa, sempre com o tema da cocaína como pano de fundo, no meio da difamação, uma mulher do povo abraçava a fotografia da cantora, enquanto que se ouvia a voz da mesma a cantar “Maria, Maria”(Milton Nascimento - Fernando Brant). A mensagem era clara, enquanto a imprensa difamava Elis Regina, o povo brasileiro abraçava o seu mito e mostrava o seu amor e dor diante da perda.

O Mito Elis Regina

Mas as contestações e afirmações de que Elis Regina não costuma usar drogas não se sustentou por muito tempo, tão pouco a teoria da conspiração que envolvia Harry Shibata e Samuel Mac Dowell foi adiante. O laudo final, divulgado pelo delegado Geraldo Branco de Carvalho, assinado pelos legistas Chibly Hadad e José Luiz Lourenço, deixou claro, no cadáver autopsiado tinha sido encontrado álcool etílico e cocaína, o que lhe revelava embriaguez e estado tóxico, que em combinação tinham sido letais. Além dos três legistas citados, a autópsia foi feita também, pelo médico da família, Álvaro Machado Jr.
Confirmada a verdadeira causa da morte, vários depoimentos começaram a surgir, apontando que nos últimos tempos Elis Regina consumia excesso de álcool e drogas. Que experimentara cocaína e maconha em uma viagem aos Estados Unidos, um ano antes da sua morte. Contraditoriamente, Elis Regina foi a “careta” que morreu de overdose.
O “Fantástico”, TV Globo, levou ao ar o clipe da música “Me Deixas Louca” (A. Manzonero – Paulo Coelho), que a cantora gravara especialmente para tema de Luiza (Vera Fischer), personagem central da novela “Brilhante”, de Gilberto Braga, estreada nos últimos meses de 1981 em horário nobre, somente após a sua morte. O programa justificou que o clipe, última gravação da cantora, feita em 3 de dezembro de 1981, não tinha ido antes ao ar por não ter agradado à direção da emissora, que considerou a cantora visivelmente entorpecida. Visto depois da morte, o clipe emocionou, e percebeu-se que o estado etéreo de Elis Regina corria do sublime ao desespero, não só anunciava o fim da mulher, mas ao grito de um ser humano denso, que se explicava somente através da sua arte.
Elis Regina, carinhosamente chamada de Pimentinha pelos amigos, gaúcha nascida em 17 de março de 1945, atirou-se cedo ao mundo da música. Aos 11 anos já se apresentava no programa de rádio Clube do Guri, em Porto Alegre. Aos 16 anos, em 1961, já tinha o seu primeiro álbum gravado, “Viva a Brotolândia”. Já longe de Porto Alegre, Elis Regina ganhou o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, numa interpretação monumental de “Arrastão” (Edu Lobo), onde movimentava os braços como um moinho de ventos selvagens. Era a cantora na sua essência. Continuou emocionando o Brasil com grandes sucessos. Em vida não vendeu muitos discos, enquanto Maria Bethânia e Gal Costa chegavam ou ultrapassavam as 500 mil cópias, o último álbum em vida, “Elis”, vendeu pouco mais de 52 mil cópias. Mesmo com pouca vendagem, era uma das cantoras mais bem pagas no palco, além de assediada por músicos e emissoras de televisão, estando sempre presente na mídia de então ou em trilhas de novelas. Elis vendeu mais discos depois de morta, e até hoje, é a única cantora brasileira que nunca deixou de ter os seus álbuns comercializados em período algum.
O impacto da morte de Elis Regina pôde ser sentido pela comoção que trouxe milhares de pessoas ao seu velório e enterro. A perda da cantora em 1982 deixou um grande vazio na MPB, justamente quando esta voltava a ter grande força no cenário político e social da nação. A abertura política possibilitou a volta da canção de protesto, tirando das gavetas muitas das que foram censuradas. No álbum “Elis, Essa Mulher” (1979), a cantora gravava a música “O Bêbado e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), que se iria tornar o hino da Anistia. No grande show de MPB, o primeiro programado depois do atentado à bomba do Rio Centro, em 1981, que se daria poucos dias após a sua morte, o momento programado para ela cantar foi preenchido pela apresentação de João Bosco, com a sua fotografia ao fundo.
O vazio deixado por Elis Regina na história da MPB criou o mito, que por sua vez apagou para sempre o período que se seguiu à revelação das causas da sua morte. Período negro da história da intolerância no Brasil. Hoje parece confuso um momento como este, mas à altura, ser drogado no regime militar representava o que havia de mais vil na sociedade repressiva e hipócrita de então. A repressão aos entorpecentes levou Gilberto Gil e Rita Lee à prisão em 1976. O Brasil de 1982 ainda trazia os resquícios do preconceito que levou distintas senhoras de família às ruas, de rosários nas mãos, em 1964, a abraçar o golpe militar. Quase três décadas depois da morte de Elis Regina, ficou na lembrança apenas o carinho e a tristeza do povo brasileiro diante da trágica perda da cantora. A sua segunda morte, movida pelo preconceito ao pó que a matou, foi totalmente apagada, ficando apenas na memória daqueles que viveram o drama na época. Elis Regina, a mulher, deu passagem para o mito, perfeito e intocável na extensão da sua voz e do seu talento.
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Segunda-feira, 14 de Setembro de 2009

A ÉTICA DAS VIRTUDES

 

 

O fim do século XX tornou o mundo globalizado, cada vez mais estreitado em suas relações através da tecnologia avançada das comunicações em massa. Várias sociedades interligam-se não só economicamente, mas culturalmente, fazendo com que costumes morais diferentes confrontem-se diante da globalização. É neste contexto que os valores morais do ocidente e do oriente são objetos de estudos, e a questão da Ética torna-se essencial para a conduta de uma sociedade mais justa e unida, quer queira-se ou não, através de uma globalização cada vez mais contundente.
No mundo contemporâneo, ser ético tornou-se um elemento de profunda estratégia de convivência pacífica entre as pessoas, quer no trabalho, quer na sociedade, ou mesmo no país que se vive. Ser ético é buscar princípios e valores morais que garantam a própria sobrevivência do homem e do planeta do qual ele explora para satisfazer o seu conforto. Cada vez mais grandes empresas adotam códigos de ética como garantia de conduta exemplar e para sobreviver às concorrências de um mercado volátil e feroz.
O estudo da Ética é tão remoto quanto à evolução dos tempos, surgindo na Grécia clássica, através dos estudos de Aristóteles, considerado o pai da filosofia da Ética. No século atual dividimos a Ética em antiga e moderna. A antiga, ou Aristotélica, é a Ética das Virtudes, do principio máximo da eudaimonia; a moderna é a ética dos deveres, do bem estar coletivo, da deontologia.
Neste artigo vamos percorrer a Ética Aristotélica, que favorece as escolhas e decisões voltadas para o homem como o seu valor máximo, tendo como objetivo a felicidade do indivíduo dentro de uma sociedade justa, tornando-o um ser virtuoso dentro da Ética das Virtudes.

Ética e Moral

Mas o que é a Ética? E o que é a moral? São palavras sinônimas, mas de significados muitas vezes paralelos, que se encontram na essência vital que o homem tem em sua consciência de valores. A moral traduz-se em um conjunto de normas, costumes, princípios e preceitos dos quais se veste determinados povos, ou determinadas sociedades. Ela transforma-se diante da evolução do tempo e do pensar do homem, conforme as necessidades de sobrevivência do clã. Quando a moral torna-se injusta, obrigando o homem a pensar na mudança dos seus princípios normativos, surge a consciência ética, que traduz a rebelião contra a injustiça, instaurando-se a indignação ética.
É a partir da conscientização e questionamento dos costumes morais, que surge a Ética, a teoria da moral, o seu estudo, que busca de forma filosófica compreender, explicar, justificar e criticar a moral ou as morais vigentes em uma determinada sociedade. A Ética torna-se filosófica e cientifica, enquanto que a moral é o retrato fiel dos costumes que defendem a sociedade diante da sua própria consciência.
Diversas foram as morais através dos tempos, modificadas quando falidas, quando ameaçavam a própria existência de uma sociedade. Um exemplo de mudança substancial nos valores morais da sociedade ocidental foi a abolição da escravatura, que até o século XIX era vista como um mal necessário e perfeitamente justificado moralmente. A indignação ética tornou possível o fim de tão execrável costume entre os povos.
Se os princípios morais mudam de sociedade para sociedade, a Ética, que torna possível a sua compreensão, é universal. Se para o ocidente a poligamia é crime, sujeita a punições penais, entre os povos islâmicos ela é aceita e serve para proteger a mulher, já que o marido é quem a dignifica diante do clã, sendo assim, cada homem pode ter quatro esposas, desde que tenha condições econômicas de manter a todas elas por igual.
Se uma pessoa caminhar nua pela avenida principal da sua cidade, não estará ferindo a consciência ética, mas desrespeitando contundentemente às normas e às morais vigentes, o que não aconteceria se fizesse o mesmo diante de uma tribo de índios do interior da floresta amazônica.
“Aquilo que numa época parece mau, é quase sempre um retolho daquilo que na precedente era considerado bom.” (Nietzche)
Portanto, a moral de cada sociedade é justificada por ela mesma, diferindo entre os costumes de cada uma, continuando vigente até que atendam à sobrevivência de um povo ou de um grupo, vigiada por uma consciência ética perene.

Filósofos Morais Antes de Aristóteles

A sociedade ocidental tem os seus princípios éticos construídos nas bases dos conceitos gregos e judaico-cristãos. A Ética dos povos ocidentais está classificada filosoficamente em cinco grandes tradições: Ética Aristotélica, Ética do Utilitarismo, Ética Kantiana, Ética do Contratualismo e Ética do Relativismo.
Se filosoficamente situamos a Ética dentro das cinco linhas acima, historicamente a Ética ocidental pode ser dividida em Ética grega, Ética judaico-cristã medieval, Ética moderna e Ética contemporânea. Não se pode esquecer que a Ética na história é bem reduzida, pequena diante da moral, que se torna infindável através dos tempos. Cronologicamente a moral modifica-se constantemente, mudando o curso da própria história, enquanto que a Ética permanece mais como filosofia.
Na Grécia antiga encontramos em diversos filósofos a abordagem de reflexões sobre os problemas morais. Aqui surgem os princípios das chamadas éticas humanísticas, que tomam o ser humano como a medida de todas as coisas, seguindo o conhecido axioma do antigo pensador sofista Protágoras (485-410 a.C).
Mas será em Sócrates (470-399 a.C) que nos vamos deparar com reflexões de caráter ético e de preocupação no entendimento do caráter humano. Sócrates põe a Ética como sendo a disciplina na qual deveriam girar as reflexões filosóficas. Considerava a virtude um princípio da inteligência humana; somente o ignorante pratica o mal, pois desconhece o bem. Ao praticar o bem, o homem torna-se naturalmente feliz. As virtudes seriam identificadas pela inteligência, decodificadas por ações fundamentadas nos valores morais da sociedade.
Além de Sócrates, temos outro grande filósofo grego, Platão (427-347 a.C), que indaga os princípios éticos que conduzem o homem na sociedade em que está inserido. Platão associa a sua Ética à metafísica. O homem possui corpo, que o filósofo divide em cabeça, peito e baixo-ventre; e alma, o princípio que o anima, dividida em razão, vontade e desejo. As virtudes são determinadas pela natureza da alma, concentradas na divisão das suas partes. A alma é elevada através da contemplação final do bem, purificando-se e libertando-se da matéria. Alma e matéria relacionam-se em suas divisões, a razão é manifestada na cabeça; a vontade ou ânimo, flui do peito; o desejo, ou apetite, emana-se do baixo-ventre. Quando as três partes do corpo e da alma agem como um todo, o homem torna-se harmônico, constituindo a justiça.

A Ética Aristotélica

A Ética como princípio filosófico tem a sua origem formal com Aristóteles (384-322 a.C), que a organiza como disciplina, formulando os maiores problemas que serviriam de estudos futuros para os filósofos morais. É através de Aristóteles que surge a relação entre a norma e o bem, entre a vida teórica e a prática, entre a ética individual e a social. O princípio aristotélico classifica a virtudes, privilegiando a justiça, a caridade e a generosidade. É a Ética das Virtudes, através das quais o homem alcança a paz e alegria da sua existência, beneficiando com isto a sociedade onde está inserido.
A Ética das Virtudes harmoniza a natureza do homem e a moralidade da sociedade. O homem ético é um homem virtuoso, sendo a virtude uma força vital. O mais virtuoso é o mais capaz de realizar-se como homem, atingindo a felicidade absoluta. A Ética Aristotélica é a Ética da Eudaimonia, palavra grega que quer dizer felicidade, bem-estar e sucesso, derivadas da harmonia entre os componentes da alma.
Aristóteles une a sua Ética à política. O homem é um ser pensante, que para ser feliz precisa do ar, da comida; precisa viver em sociedade e em ambiente político para que possa exercer os princípios morais, portanto é um animal social e político. O homem só pode viver na cidade ou em comunidades, somente os deuses e os animais selvagens não precisam da comunidade política para viver.
A Ética das Virtudes tem a sua concepção na Grécia antiga, cuja religião é politeísta e os seus deuses têm características humanas. O homem está voltado para a sua natureza.
A Ética das Virtudes tem em paralelo, várias filosofias morais, como o Estoicismo, nome herdado do local onde Zenão de Cítio (340-264 a.C.) costumava fazer os seus encontros filosóficos, a stoá, a parte coberta do mercado de Atenas. No Estoicismo o homem é feliz quando aceita o seu destino com resignação, sem perturbar a harmonia estabelecida. O homem virtuoso é aquele que sabe moderar os seus desejos e aceita o seu destino.
O Epicurismo foi outra filosofia moral que surgiu já na decadência do antigo mundo grego. Sua escola propagava que o homem só alcançaria sentido e significado à vida, se buscasse o que lhe desse prazer ou felicidade. Este movimento filosófico teve como mestre o ateniense Epicuro (341-270 a.C). A partir das suas idéias surgiu o Hedonismo (do grego hedoné, prazer), concepção filosófica moral que assume o prazer como principio dos costumes normativos.
Com a cristianização de Roma no século IV, e conseqüentemente, do mundo ocidental, a Ética Aristotélica, ou das Virtudes, passará a ser conhecida como Ética Antiga. Os deuses greco-romanos são extintos. Deus torna-se único, ser supremo e sem traços da imperfeição humana, sendo apenas Ele digno da adoração humana. O cristianismo concretiza o monoteísmo judaico e dá passagem para a Ética dos Deveres. A exigência moral deixa de questionar como o homem deve viver para atingir a eudaimonia, passando a perguntar como deve fazer para atingir os princípios morais. O critério moral já não é a virtude, mas o dever, e a prioridade intelectual já não é o bem, mas o justo.
publicado por virtualia às 17:35
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Sexta-feira, 28 de Agosto de 2009

SÃO PAULO, SÃO PAULO

 

 

A cidade de São Paulo nasceu modesta, mantendo-se como uma vila pobre e sem atrativos por séculos. Sua fundação, oriunda da construção de um barracão de pau-a-pique coberto de sapê, que servia ao mesmo tempo, de capela e de abrigo aos jesuítas. No dia 25 de janeiro de 1554, data que se festeja na igreja católica a conversão do apóstolo Paulo de Tarso ao cristianismo, o sacerdote Manuel de Paiva celebrada uma missa neste barracão construído entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí; na sua presença estavam os padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, João Ramalho e a sua esposa Bartira e os índios Caiubi e Tibiriçá. Nascia a povoação de São Paulo de Piratininga, aquela que estava destinada para ser a maior metrópole do Brasil.
A vida pulsante da cidade de São Paulo traz o poder, o dinheiro, os sonhos e as esperanças para os seus quase vinte milhões de habitantes, formados por imigrantes de todas as partes do Brasil e de grande parte do planeta. A metrópole assusta no seu gigantismo de concreto, fascina nas milhares de pessoas que transitam por suas ruas e por sua ebulição constante, fazendo dela o principal centro financeiro, cultural, corporativo, político e mercantil não só do Brasil, mas de toda a América Latina. São Paulo em sua veia urbana e universalidade vincada, é a décima quarta cidade mais globalizada do planeta, sendo a décima mais rica.
Caminhando para quase cinco séculos da sua fundação, a São Paulo do século XXI nada lembra a aglomeração de padres, índios e bandeirantes humildes que se constituiu em torno do Pátio do Colégio Jesuíta, muito menos aquela cidade pobre e esquecida pelo progresso por tantos séculos. A Paulicéia atual fascina, atrai e seduz não só os seus habitantes, mas todo o Brasil. Na data de aniversário da cidade, ela recebe os beijos apaixonados dos cidadãos brasileiros, que prestam homenagens a mais amada, idolatrada ou odiada das suas cidades. E o nome da cidade ecoa pela poluição perene que cobre seu o céu. São Paulo, São Paulo! Este artigo é um convite para uma visita pitoresca às várias fases da cidade, em imagens de ontem, numa São Paulo para sempre gravada no coração da memória.

Vila Pobre e Adormecida

Quando os padres jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta ergueram um barracão de taipa entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, tinha por finalidade catequizar os índios que habitavam naqueles vales longe do litoral. A primeira missa no humilde barracão, que se transformaria no colégio jesuíta, foi realizada no dia 25 de janeiro de 1554, um dia quente dos verões dos trópicos, em que se comemorava a conversão de Paulo de Tarso ao cristianismo. Em homenagem ao apóstolo, a vila que ali nascia, foi chamada de São Paulo de Piratininga.
Em 1560 o governador geral da colônia, Mem de Sá, ordenou que a população da vila de Santo André da Borda do Campo fosse para os arredores do Colégio de São Paulo de Piratininga. Com a transferência da população, a vila de Santo André da Borda do Campo foi extinta, e São Paulo de Piratininga foi elevada à condição de vila, expandindo finalmente, o seu povoamento.
Por encontrar-se longe do litoral, a vila permaneceu pobre e isolada do resto da colônia por dois séculos consecutivos. Com a expansão para o interior do país, a cidade passou a servir de entroncamento para os que vinham do litoral e que se adentravam na mata. Homens pobres, em busca de fortunas, transformaram-se nos bandeirantes, que a partir da vila de São Paulo de Piratininga, conquistaram o interior do Brasil colônia, caçando e escravizando índios, descobrindo diamantes e ouro. São Paulo transformou-se na capital dos bandeirantes.
A intensidade das bandeiras, a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, aumentou a importância da vila no cenário da colônia, já que ela era o ponto principal de partida para o interior, fazendo com que fosse elevada à categoria de cidade em 1711.

O Despertar do Progresso Paulistano

Com o fim do ciclo do ouro, São Paulo continuou a ser uma cidade pobre e pouco desenvolvida, tendo como principal objetivo ecoar a produção de açúcar para o porto de Santos, que seguia para a capital da colônia, em Lisboa.
No século XIX São Paulo é uma cidade pacata e provinciana, cercada por várzeas alagadiças, ribeirões e brejos. Vista ao longe, mantinha a sua estrutura de fundação sobre uma colina, o que lhe dava um aspecto de acrópole. Trazia inúmeras igrejas, parcos sobrados e inúmeras casas baixas, apoiadas umas às outras, com grandes beirais.
Em 1823, já o Brasil era uma nação independente, e o imperador Dom Pedro I conferiu à cidade o título de “Imperial Cidade”. Pouco depois, em 1827, seriam criados cursos jurídicos no convento de São Francisco, que iria originar a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. São Paulo, aos poucos, tornar-se-ia um burgo de estudantes, que juntamente com os professores, dariam um grande impulso de crescimento cultural à cidade.
Mas o grande despertar da cidade, dantes pobre e sossegada, deu-se com o cultivo do café, que encontrou no interior paulista solo ideal e clima propício. No interior paulistano passam a proliferar grandes plantações cafeeiras, que produziam grãos de qualidade apreciados pelo mundo inteiro. O ciclo do café era inaugurado, transformando-se no século XIX, na principal riqueza do país, condição que iria prevalecer até os anos vinte do século seguinte.
A grande produção do café gerou grande necessidade de mão-de-obra, obrigando o governo a abrir as suas fronteiras para os imigrantes. São Paulo passou a receber milhares de imigrantes, principalmente italianos, que dali eram encaminhados para as lavouras cafeeiras do interior paulista.
Com o dinamismo do comércio do café, era preciso ecoar o produto, transpondo a difícil barreira que se impunha através da Serra do Mar. Para esta finalidade deu-se início à construção de ferrovias, que interligariam São Paulo ao interior paulista e ao litoral santista. Em 1860 o Barão de Mauá associa-se a capitalistas ingleses, organizando a Estrada de Ferro Inglesa, The São Paulo Railway, unindo Santos a Jundiaí, que inauguraria em 16 de fevereiro de 1867, a primeira Estação da Luz, um prédio arquitetonicamente modesto. Nas proximidades da estação foram desenvolvendo-se, aos poucos, pequenas indústrias e bairros operários como o Brás e o Bom Retiro. Em 1901, foi inaugurada a imponente Estação da Luz, em um prédio estilo neoclássico, inspirado na estação de Sidney, Austrália. Este prédio é o mesmo dos dias atuais, tendo, ao longo dos anos, apenas o acréscimo de um pavilhão, quando da sua reinauguração em 1950, após uma reforma que apagou as marcas de um incêndio acontecido em 1946.
Na década seguinte à inauguração da Estrada de Ferro dos Ingleses, viriam a Estrada de Ferro Sorocabana, que servia de ligação entre São Paulo e as províncias do sul, e, a Central do Brasil (ou Estação do Norte), que a partir de 1887, comunicava São Paulo ao Rio de Janeiro. Com as ferrovias, São Paulo tornou-se um grande nó viário, trazendo para a cidade indústrias e um progresso cada vez mais latente.

Novos Bairros e Ruas

Adormecida durante dois séculos, com a explosão do comércio cafeeiro, São Paulo viu-se subitamente invadida por um compulsivo progresso e grande riqueza. A face da antiga e pobre vila bandeirante mudou, adquirindo um desenho arquitetônico de feição européia, e um estilo de vida nos mesmos moldes. Proprietários rurais, enriquecidos com o café, passam a ser chamados de “barões do café”. São eles que vão gerar a riqueza da cidade e transformar de vez a sua paisagem urbana. Os barões do café passam a viver na capital, construindo grandes casarões e imponentes palacetes, inaugurando novas artérias na cidade, como a elegante Avenida Paulista.
Com a ida dos barões para a capital, foram instaladas fábricas, necessárias ao atendimento da crescente demanda de insumos manufaturados. Com as novas indústrias, foi gerada uma necessidade de mão-de-obra especializada, logo ocupada pelos imigrantes, excepcionalmente pelos italianos. Antigas regiões de chácaras foram transformadas em bairros industriais e operários, como o Brás, a Mooca, Belém e Ipiranga. Imigrantes italianos e espanhóis estabeleceram nestes bairros.
Com o progresso, uma nova cidade forma-se aos poucos, expandindo-se para locais ainda rurais, como o Morro do Chá, sítio de cultivo de chá, onde as crianças iam caçar pequenos pássaros e os adultos pescar lambaris. Em 1888, após a expropriação do sobrado do Barão de Tatuí, foram iniciadas as obras do Viaduto de Chá, que seria inaugurado em 1892, dando um imponente ar de modernidade à cidade.
O que foi chamado de Bairro do Chá, tinha como proprietário da área o Barão de Itapetininga, que cedeu parte do terreno na encosta, para a construção da Rua Formosa. Posteriormente, a viúva do barão permitiu em suas terras a abertura de novas ruas, como as atuais Xavier Toledo, Barão de Itapetininga e 7 de Abril, formando o que foi chamado de Cidade Nova.
Com a Cidade Nova (ou Centro Novo), o tradicional centro econômico de São Paulo deixa de ser exclusivamente nas ruas do Triângulo (Rua Direita, Rua São Bento e Rua 15 de Novembro), mudando-se para áreas a oeste. Surge a imponente Avenida Paulista, que com o decorrer do século XX, deixa de ser local de palacetes de barões e banqueiros, para dar passagem aos prédios e a tornar-se um importante centro econômico.

São Paulo, Uma Cidade Que Não Pode Parar

Com o fim do ciclo do café, São Paulo transformou-se em uma cidade de grandes indústrias, atraindo para si um imenso número de migrantes de todo o país, especialmente nordestinos, que participaram da vertiginosa verticalização da cidade, gerando grandes arranha-céus que mudaram de vez a paisagem da Paulicéia. Aos poucos, os casarões são demolidos, substituídos por prédios cada vez mais altos, e uma população urbana cada vez maior.
Transformada em metrópole no século XX, São Paulo passa a ser conhecida como a cidade que não pode parar. Em 1916 foi criado o brasão oficial da cidade, que seria oficializado em 8 de março de 1917. O brasão traz o lema em latim “Non ducor, duco” (Não sou conduzido, conduzo), que traduz a imagem exata da Paulicéia como capital de Estado e maior metrópole do Brasil.
Desde que fundada, em 1554, a cidade assumiu vários aspectos. Nascida de um colégio de jesuítas, com a finalidade de catequizar os índios da Serra do Mar, passou a ser uma vila pobre e tacanha, gerando ferozes e ambiciosos caçadores de índios e de pedras preciosas, os bandeirantes, que se adentraram pelo interior das matas brasileiras, derrubando o Tratado de Tordesilhas e alargando as fronteiras da colônia portuguesa. Construída por modestas casas de barro, por dois séculos esteve adormecida, até que sucessivamente, passou a ser a cidade do burgo dos estudantes, a capital dos barões do café, a cidade dos imigrantes (italianos, portugueses, espanhóis, alemães, judeus, japoneses...), a cidade modernista do Brasil, a capital da indústria, o coração econômico do Brasil. Para assumir as várias faces da sua história, São Paulo foi inteiramente construída e demolida várias vezes.
São Paulo da garoa, do trânsito caótico, da poluição institucionalizada, da cultura latente, que transformou o Brasil do século XX, do poder objetivo do concreto das suas construções, dos sonhos realizados e desfeitos dos que ousaram tentar domar a metrópole. São Paulo é a concretização mais perfeita do sonho brasileiro de ser um país do futuro, exercendo este sonho perenemente no presente.

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