Domingo, 28 de Junho de 2009

LUA DE MEL COMO O DIABO GOSTA - ADORÁVEL PROVOCAÇÃO ROMÂNTICA

 

 

A década de 80 transformou Gal Costa na primeira dama da música popular brasileira. Tornou-se recordista de vendas e de público. A cantora mergulhou numa roda viva que culminou com o estrondoso sucesso do álbum “Bem Bom” (1985), no Brasil e no exterior. Após este sucesso contínuo, indo na contra-mão da roda viva e da imagem de pop star, Gal Costa tirou o ano de 1986 para dar uma lufada naquela década que lhe sorria e tragava no ápice do sucesso. Na sua inquietante carreira, 1987 foi marcado pelos encontros musicais com Tom Jobim, ano do antológico encontro da dupla em show no mítico Wiltem Theatre, em Los Angeles, que ficaria registrado no álbum “Rio Revisited”, lançado no exterior em 1987, no Brasil só chegaria em 1992. Este ano de silêncio discográfico de Gal Costa, o primeiro da década, trouxe uma grande expectativa. Crítica e público esperavam ansiosos o novo álbum da cantora, curiosos de ver o seguimento da sua carreira. É neste contesto que, em 1987, é lançado o álbum “Lua de Mel Como o Diabo Gosta”. O álbum reflete uma fase de paixão na vida particular de Gal Costa, como se estivesse em lua de mel com os sentimentos, a deliciar-se com os prazeres da paixão. No auge dos vocais e dos agudos, ela encerraria a década com aquele que seria o seu álbum mais incompreendido, o que sofreu o amargo desprezo da crítica. Mas “Lua de Mel Como o Diabo Gosta”, ao contrário do que se imaginou na época, mostrou-se um disco que sobreviveu aos anos 80, e mesmo com arranhões de um repertório excessivamente romântico para o que se esperava da inquieta Gal Costa, musa de todos os movimentos que dilaceraram os costumes no país, chegando aos tempos atuais sem o mínimo traço de ser um registro datado.

Dos Agudos Indomáveis às Baladas Românticas

A capa do álbum vinha provocativa, ousada, em que a cantora aparecia de costas, a fumar, com uma toalha a esconder os cabelos, a transpirar sensualidade dentro de uma piscina. Quem se atreveria a mostrar as costas na capa de um álbum? A ousadia não terminava na capa do disco, já na primeira faixa o tom é altíssimo, os agudos parecem selvagens, com uma ave tropical, é “Arara” (Lulu Santos). Ao contrário do que parece, Gal Costa tem aqui o controle perfeito dos seus agudos e do canto, sabe até onde ir ou se expor. A voz está no auge do domínio técnico. Em “Arara” ela já diz que não quer se pertencer, quer ser dos outros, dos fãs, dos críticos, do público, dos amores, das paixões, mas não lhe “azucrinem”, porque a arara indomável estava preste a aflorar.
Após esta faixa de sensualidade à flor da pele, há uma pausa para voarmos na delicadeza da interpretação de “O Vento” (Ronaldo Bastos – Djavan), de mergulharmos na beleza da canção e dos versos. O violão e assovio de Djavan encaixam-se à voz de sereia que se faz aqui, a embriagar, a voar com o vento sobre as casas, sobre telas de tons pastéis do amor. Temos aqui um momento definitivo do casamento (sempre bem sucedido) de Gal Costa e Djavan.
Tenda” (Caetano Veloso) traz a poesia inconfundível do poeta baiano e da sua musa eterna. Caetano Veloso tem nesta música uma sensibilidade diante da existência e do mundo, com momentos lúdicos de versos únicos:

“Que só sei dar vida à trama vã
Rei das belezas fugazes
Tu que trazes drama à vida sã”

Seguindo o ritmo das baladas românticas, Gal Costa transita em notas musicais por um antigo sucesso dos Beatles, “Viver e Reviver (Here, There and Everywhere)” (Paul McCartney – John Lennon – versão Fausto Nilo). A balada ressalta a doçura dos floreados que Gal Costa lhe empresta. É uma doce volta a época flower power, abandonada por ela definitivamente no álbum “Caras e Bocas” (1977), com uma roupagem delicada do fim da década de 80. Esta canção entraria para a trilha sonora da novela “Bebê a Bordo” (Globo) e marcaria a presença da cantora no programa “Globo de Ouro”.
Gal Costa encerra o lado A do disco com mais uma canção de amor, “Me Faz Bem” (Milton Nascimento – Fernando Brant). A canção é apaixonada e apaixonante. A preferida da cantora no disco, que confessou inspirar-se em Elis Regina e Angela Maria para interpretá-la. Um hino ao amor, quem não bebeu desta música pensando em alguém? Nesta canção viajamos entre os arrepios de se aninhar ao amor, nos mistérios de quem amamos e nos fazemos par. Chegamos ao fim da primeira parte do disco cheios de canções que usaremos como trilha sonora das paixões que vamos viver no nosso dia a dia.

A Última Provocação de Gal Costa na Década de 1980

Com mais ritmo, mas não menos romântica, vamos começar o lado B com “Morro de Saudade” (Gonzaguinha). Aqui sensualidade e romantismo rimam com perfeição, revela de vez a verve apaixonada pela qual passava Gal Costa. É também uma despedida entre Gal Costa e Gonzaguinha.
A canção mais esperada do disco, que dá título a ele, vem logo a seguir, “Lua de Mel” (Lulu Santos), aqui temos uma Gal Costa em sua mais completa explosão sensual. Literalmente ela mora, nesta canção, em um pedaço do céu. Nunca, em fase alguma da sua carreira, a cantora expôs tanto o romantismo, tanta vontade de cantar o amor saudável e erótico, a beleza da paixão na sua mais completa hipnose, do que neste álbum.
Lua de Mel Como o Diabo Gosta” tem um grande vencedor, Lulu Santos. Três canções em um único álbum da primeira dama da MPB, era a consolidação da sua carreira. “Creio” (Lulu Santos) é melancólica, existencialista, triste e bela. Os versos aqui advinham o que vai achar este álbum da crítica:

“Tudo é incerto
E por isso mesmo exato
Tudo que for pra ser, será”

E o incerto continua a tomar conta do álbum. Como se continuasse do ponto que deixara em “Musa de Qualquer Estação” (Roberto Carlos – Erasmo Carlos), do “Bem Bom”, Gal Costa entra em um tom mais alto e ousa a gravar novamente a dupla que entrara para o Guines como a que mais teve músicas interpretadas por cantores diversos: Michael Sullivan e Paulo Massadas, a canção é “Sou Mais Eu”, aqui Gal Costa afirma a proposta do álbum, arremata com esta última provocação que faria na década de 80. E para quem não acreditava, ela dizia “sou mais eu”.
Se o tom começou alto com “Arara”, não termina diferente. “Todos os Instrumentos” (Joyce) surge indomável, jazístico, quase a rimar um blues. Gal Costa encerra o álbum como começou, imprevisível.

“Está no sujo e no cristalino
Está na voz do cantor
Na loucura e no desatino”

Lua de Mel Como o Diabo Gosta” não correspondeu à expectativa que se fazia da volta de Gal Costa. Foi visto à época como um disco irregular e cheio de baladas românticas, algo inédito na discografia da musa da Tropicália e do desbunde. Teria sido o bis na interpretação da dupla Sullivan-Massada? Não. Na verdade o que a crítica não perdoou foi um disco de Gal Costa com três canções de Lulu Santos, na época visto como o eterno garotão surfista que debutava pela MPB. Visto à distância, o que faltou ao álbum? Quem pôde ver o show sabia. No show Gal Costa cantava “O Ciúme” (Caetano Veloso), música lançada por Caetano Veloso naquele ano, levando a platéia ao delírio. Trazia dos shows que fez com Tom Jobim uma interpretação ímpar de “Dindim” (Tom Jobim). Faltou esta bagagem para costurar tão ousada proposta, uma ode à paixão! Sobre o “Lua de Mel Como o Diabo Gosta” não prevalecerá o que disse a crítica da época, mas a longevidade das canções, que não envelheceram, não ficaram datadas e não foram recuperadas por nenhum aventureiro da MPB. Este álbum causou mais polêmica do que desagradou.

Ficha Técnica:

Lua de Mel Como o Diabo Gosta
BMG
1987

Direção artística: Guto Graça Mello e Gal Costa
Produzido por Guto Graça Mello
Coordenação de repertório: Miguel Plopschi
Engenheiros de gravação: Sergio Ricardo (G.G.M. Studios), Jackson Paulinho (G.G.M. Studios), Guilherme Reis (Multi-Studio), Cláudio Farias (Multi-Studio), Andy Mills (Mix) e Sergio Murilo (SINTH)
Assistentes de gravação: Celso Lessa (G.G.M. Studios), Magro (Multi-Studio) e Moleza (Multi-Studio)
Assistente de produção: Lia Sampaio e Celso Lessa
Engenheiros de mixagem: Eduardo Costa (Transamérica) e Vanderlei Loureiro (Transamérica)
Assistente de mixagem: Alcides (Transamérica), Edson Grandão (Transamérica), Fernando (Transamérica) e Paulo Campos (Transamérica)
Coordenação de mixagem: Sergio Ricardo (G.G.M. Studios) e Jackson Paulino (G.G.M. Studios)
Direção de mixagem: Guto Graça Mello
Corte: Oswaldo (RCA)
Voz gravada em sistema digital por Guilherme Reis
Capa: Noguchi
Concepção: Gal Costa
Fotos da capa: Márcia Ramalho
Produção: Marcelo Marinho
Make-up: Marlene Moura
Coordenação gráfica: Tadeu Valério

Faixas:

1 Arara (Lulu Santos), 2 O vento (Djavan - Ronaldo Bastos), 3 Tenda (Caetano Veloso), 4 Viver e reviver (Here, there and everywhere) (Paul McCartney - John Lennon - versão Fuasto Nilo), 5 Me faz bem (Milton Nascimento - Fernando Brant), 6 Morro de saudade (Gonzaguinha), 7 Lua de mel (Lulu Santos), 8 Creio (Lulu Santos), 9 Sou mais eu (Paulo Massadas - Michael Sullivan), 10 Todos os instrumentos (Joyce)
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Quarta-feira, 27 de Maio de 2009

LEGAL - EXISTENCIALISMO UNDERGROUND

 

 

Os anos 1970 começam com uma geração dividida pelos acontecimentos históricos. A juventude engajada nos movimentos políticos de esquerda é cada vez mais isolada, líderes juvenis e políticos estão presos, exilados ou na clandestinidade. A juventude Flower Power que surgiu com o manifesto de Scott McKenzie com a música San Francisco, em 1967, e teve o seu apogeu em 1969 com Woodstock, lança o lema “Faça Amor, Não Faça Guerra”, incitando ao amor livre e à emancipação sexual. Esta juventude após Woodstock, vê a decadência do movimento hippie, cada vez mais voltado para o rock n’ roll e às drogas. É justamente as drogas que ceifa logo no início da década os seus ícones, Janis Joplin, Jimi Hendrix... Os Mutantes resistiram à ditadura, mas não às drogas, que prejudica alguns dos seus componentes de forma indelével, fazendo-os deixar por anos o mundo musical. Os Beatles dão seus últimos suspiros juntos. A ditadura está cada vez mais dura e fortalecida graças ao boom econômico que dá origem ao chamado “milagre brasileiro”, e à conquista do tri-campeonato mundial de futebol. Nos seus porões há gente morta e torturada. Surge uma juventude intelectual que impedida de falar e não aderindo à radicalização da esquerda ou ao Flower Power, menos atuante e mais leve, é chamada de juventude do desbunde. Aquela que tem consciência do momento vivido, mas que prefere ouvir música e curtir as praias do Brasil enquanto a ditadura não passa.
Nas malhas do desbunde e da contra-cultura, após o grito de protesto à interrupção da Tropicália em 1969, com o radical “Gal 1969”, surge o existencialista e vanguardista Legal. Constitui um retrato vivo do início da década de 1970, o que lhe dá a condição de ser o álbum mais anos setenta de Gal Costa. Tem a cor daqueles tempos e consegue não ser datado! O que é bom prevalece, sem ficar preso à época que o gerou, destacando-se do modismo passageiro. Após o exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso e a agonia tropicalista, este disco pode ser classificado alegoricamente como parte de uma Tropicália Underground. Vanguardista quando posto no mercado, hoje histórico e definitivo. Underground quando lançado, hoje um luxo!

Do Grito das Ruas de Londres ao Gemido da Acauã

Legal foi lançado no segundo semestre de 1970. É resultado do show “Deixa Sangrar”, que teve estréia no Teatro Opinião naquele ano. Traz capa de Hélio Oiticica, um dos ícones da Tropicália, dividindo o rosto da cantora ao meio, sobre um fundo azul, transformando os seus longos cabelos numa miscelânea de personalidades. É considerada até hoje, pelos críticos, a capa mais artística de um álbum de Gal Costa.
O álbum começa com a versão rock de “Eu Sou Terrível” (Roberto Carlos – Erasmo Carlos), que parece continuar a radicalização do álbum psicodélico anterior. Temos a sensação de que a explosão registrada no segundo álbum de 1969 vai adentrar por este álbum, mas, aos vinte e cinco anos, a inquietude de Gal Costa é sempre uma surpresa.
Apesar do início rascante, o álbum vai seguindo outra vertente com o baião “Língua do P” (Gilberto Gil), uma moda adolescente da época para mandar recadinhos de amor, introduzindo a letra P entre as sílabas, e fugir ao controle dos mais velhos. Traz gírias da época, como bulhufas, que a faz uma música datada.
Love, Try And Die” (Lanny - Gal Costa - Jards Macalé), canção leve que insere uma Gal Costa cantando em estilo Janis Joplin, num ritmo bem anos setenta. A música traz uma letra sem pretensões, um joguete de palavras, a curiosidade é ter a assinatura de Gal Costa como uma das compositoras da canção.
Depois de “Carcará” e “Asa Branca”, é a vez de mais uma ave nordestina refletir o sertão seco e pobre: “Acauã” (Zé Dantas). Aqui os agudos de Gal Costa imitam lindamente o canto da acauã, não trazendo a força do carcará, mas o lirismo melancólico da acauã, beleza única de um céu rasgado pelo sol e pelo chão dilacerado pela seca.
Gal Costa passara o natal de 1969 em Londres, na companhia dos amigos exilados Gilberto Gil e Caetano Veloso. Trouxe de lá as canções “Mini Mistério” (Gilberto Gil) e “London, London” (Caetano Veloso), gravando-as em um compacto e inserindo-as no álbum. “London, London” tornou-se um grande sucesso nas rádios daquele ano, alcançando o primeiro lugar nas paradas nacionais. Esta música caracteriza bem o Caetano Veloso exilado, a desfilar perdido pelas ruas de Londres. Tornou-se uma das canções que se atrelaram definitivamente ao repertório de Gal Costa, e seria revisitada e regravada em 1997, no “Acústico MTV”. Uma das interpretações mais passionais de Gal Costa à música de Caetano Veloso, de uma singular beleza melódica de uma voz de revolta poética. Talvez por ter sido gravada com o amigo ainda distante, traz esta força interpretativa tão perenemente bela. É a canção que marca este álbum.
Mini Mistério” é a preocupação de uma juventude calada pela força bruta e mais atormentada por dúvidas existencialistas, onde tudo é mistério, do cemitério do Caju à Santíssima Trindade, avisando que tudo está por um fio labiríntico, até mesmo a vida.

As Angústias do Desbunde da Verdadeira Baiana


Mas é sem dúvida “Hotel das Estrelas” (Duda – Jards Macalé) a canção que mais descreve a juventude do desbunde da qual Gal Costa tornar-se-ia a musa no ano seguinte. A juventude que vê amigos mortos pela ditadura e pela droga. A juventude que se sente tolhida e ameaçada. Nem a ditadura nem a droga oferecem saídas, mas a segunda alivia um pouco mais os tormentos. É a solidão dos anos vista pela janela e pela distância:

“Dessa janela sozinha
Olhar a cidade me acalma
Estrela vulgar a vagar
Rio e também posso chorar
Oh, e também posso chorar...”

Ao contrário dos gritos de fúria do álbum anterior, aqui os gritos acontecem, mas são diluídos em cantos e desencantos melancólicos, assim é a canção “The Archaic Lonely Star Blues” (Duda – Jards Macalé), com letra em inglês e em português, formando um grande e atormentado poema existencialista, com gritos rascantes de uma cantora jopliniana em seu apogeu vocal de juventude.
Distraindo um pouco a angústia, mas sem perde-la de vista, temos o frevo “Deixa Sangrar” (Caetano Veloso), que vem com o sub-título Carnaval 1971, frevo composto em Londres por Caetano para o carnaval do ano seguinte. O nome da canção é uma paródia ao título do álbum Let it Bleed dos Rolling Stones.
Fechando o álbum, mais uma canção que faria parte para sempre dos shows e da carreira de Gal Costa, “Falsa Baiana” (Geraldo Pereira). Com uma interpretação mais recôndita, temos uma Gal Costa outra vez bossa-nova, que a remete ao álbum de estréia, Domingo, de 1967. “Falsa Baiana” iria persistir ainda nos álbuns “Fa-tal – Gal A Todo Vapor” (1971) e “Acústico MTV” (1997), além de ter como reposta a canção “A Verdadeira Baiana” (Caetano Veloso), que viria no álbum “Plural” (1990).
Você Não Entende Nada” (Caetano Veloso) tornou-se um imenso sucesso no show e foi lançado em compacto. A Philips tentou inseri-la às pressas nas prensagens do álbum Legal após o seu lançamento, o que explica certos LPs lançados na época conter a música.
Vendo o álbum como um todo é que percebemos uma Gal Costa mais tranqüila do que em 1969. Os cabelos já não são estilo hippie, mas compridos e partidos ao meio, que seria sua marca até os dias de hoje. É um álbum tipicamente dos anos setenta que, como já se disse, consegue não ser datado. É o alicerce do show que Gal Costa faria no ano seguinte, “Gal a Todo Vapor”, que se tornaria o espetáculo mais visto pela juventude da época. Com ele encerrar-se-ia a fase jopliniana de admiração e o início da desaceleração no cantar vanguardista.
Gal Costa nesta época é moda entre a juventude cabeluda. É imitada, idolatrada. Faz parte da cultura do país. Sobrevivente absoluta da Tropicália. E naquele estranho fim de ano de 1970 ela cantava para o carnaval seguinte:

"...Deixa o mar ferver, deixa o sol despencar
Deixa o coração bater, se despedaçar
Chora depois, mas agora deixa sangrar
Deixa o carnaval passar...”

Legal é poesia underground, marginal, existencialismo convulsivo. É o começo do namoro dos cabeludos do desbunde e o seu movimento cultural, que tomou o canto de Gal Costa como hino.

Ficha Técnica:

Legal
Philips
1970

Direção da produção: Manoel Barenbein
Técnicos de gravação: Ary Carvalhaes, João Moreira, Mazzolla
Estúdio: CBD
Arranjos de base: Lanny Gordin e Jards Macalé
Arranjos de orquestra: Chiquinho de Moraes
Baixo Elétrico: Cláudio
Bateria: Norival D'Angelo
Guitarra: Lanny Gordin
Acordeom: não creditado no disco
Piano e órgão: Chiquinho de Moraes
Violão: Gal Costa
Coro (na faixa “Love, try and die”): Erasmo Carlos, Jards Macalé, Lanny Gordin e Tim Maia Capa: Hélio Oiticica

Faixas:

1 Eu sou terrível (Erasmo Carlos - Roberto Carlos), 2 Língua do P (Gilberto Gil), 3 Love, try and die (Lanny - Gal Costa - Jards Macalé), 4 Mini mistério (Gilberto Gil), 5 Acauã (Zé Dantas), 6 Hotel das estrelas (Duda - Jards Macalé), 7 Deixa sangrar (Caetano Veloso), 8 The archaic lonely star blues (Duda - Jards Macalé), 9 London, London (Caetano Veloso), 10 Falsa baiana (Geraldo Pereira)


 
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Sexta-feira, 8 de Maio de 2009

A ORCHESTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES NO BRASIL

 

 
Em 2005 foi realizado o “Ano do Brasil na França”, com eventos culturais brasileiros que eclodiram por terras francesas, marcando momentos de grande sucesso no intercâmbio, Em 2009 chegou a vez do Brasil retribuir, assim, em abril, foi aberto o “França.Br 2009 - Ano da França no Brasil”, com uma programação de mais de 600 eventos culturais a acontecer por todo o país tropical.
Na leva do “França.Br 2009 - Ano da França no Brasil”, pôde ser visto, pela primeira vez em solo tupiniquim, a apresentação de uma das mais conceituadas e famosas orquestras da Europa e do mundo, a Orchestre des Champs-Élysées de Paris, sob a regência do genial maestro Philippe Herreweghe.
A orquestra é conhecida pela pluralidade da sua formação, comportando cerca de 172 músicos, com idades distintas e nacionalidades diversas, como franceses, bósnios, alemães, romenos, norte-americanos, italianos, colombianos, belgas, holandeses, e muitas outras, o que lhe traz esta atmosfera universal e de unidade musical sempre a surpreender e fascinar a platéia. Pela quantidade de músicos e instrumentos, torna-se difícil trazer uma orquestra deste porte. Este obstáculo foi possível de ser vencido devido à generosidade do maestro Philippe Herreweghe, que abriu mão de grande parte dos músicos, criando um concerto grandioso com apenas 81 componentes da orquestra original.
Os momentos da Orchestre des Champs-Élysées no Brasil foram marcados por quatro concertos, sendo três em São Paulo, dois na Sala São Paulo, iniciando a temporada da Sociedade Cultura Artística; e, um no Sesc Itaquera; e um em Brasília, no Teatro Nacional Cláudio Santoro. Com exceção das apresentações na Sala São Paulo, as demais tiveram entrada franca, sendo patrocinadas pelo “França.Br 2009 - Ano da França no Brasil”.
Mesmo com noventa músicos a menos, Philippe Herreweghe regeu um espetáculo monumental, com três concertos distintos, “Escocesa - Sinfonia nº 3 em La Menor, Op. 56”, de Felix Mendelssohn; “Sinfonia Fantástica – Episódios da Vida de um Artista, Op. 14”, e “Lélio ou Retorno à Vida - Op. 14”, criação de Hector Berlioz. A dimensão apoteótica dada pelo maestro, parecia que mais de uma centena de músicos enchiam as salas por onde passou a orquestra, como se os contrabaixos fossem mais de uma dúzia, e os violinos infinitos. O apogeu foi alcançado com a “Sinfonia Fantástica” de Berlioz, momento sublime de uma concepção que transcendia a platéia, fazendo-a ardorosa e emocionada. Grandiosa, eloqüente, emocionante, e vários adjetivos afins, são poucos para descrever as apresentações da Orchestre des Champs-Élysées no Brasil, deixando-nos com a perspectiva do porque de ser uma das maiores orquestras do mundo, e com a certeza do seu retorno em solo brasileiro.

A Orchestre des Champs-Élysées

A Orchestre des Champs-Élysées foi fundada em 1991, numa iniciativa de Alan Durel, diretor do Théâtre des Champs-Élysées, e de Philippe Herreweghe, que se fez desde então, o seu diretor musical e regente. Ao longo de quase duas décadas, a orquestra acumulou prestígio, sendo uma das mais conceituadas e admiradas no mundo.
Após a sua fundação, a orquestra esteve residente por muitos anos no Théâtre des Champs-Élysées em Paris, e, no Palais des Beaux-Arts de Bruxelas, na Bélgica. Tornou-se uma orquestra com características distintas, que se especializou na interpretação da música que se estende desde a metade do século XVIII ao início do século XX. Os instrumentos tocados pelos músicos são originais da época, com cordas especiais feitas das tripas de ovelhas, o que lhe concebe a originalidade garantida do som que se fazia pelos séculos passados. A dimensão musical tornar-se, através da Orchestre des Champs-Élysées, uma concepção única, que passa por um vasto repertório, de Mahler a Berlioz, de Haydn a Mendelssohn.
Formada por músicos de nacionalidades plurais, o que lhe confere uma lufada de constante renovação e aprimoramento vindos de várias partes do mundo, garantindo-lhe uma erudição internacional, a Orchestre des Champs-Élysées já se apresentou nas principais salas de concertos da Europa e do mundo, entre elas, a Musikverein de Viena, Gewandhaus de Leipzig, Alter Oper de Frankfurt, Barbican Center de Londres, Philharmonic Hall de Berlim e Munique, Concertgebouw de Amsterdã e tantas outras. Além do circuito europeu, a orquestra apresentou-se com exímio sucesso, no Lincoln Center de Nova York, no Teatro Nacional de Brasília, e diversos países como Austrália, Japão, China e Coréia.
Desde a fundação, a orquestra esteve sempre sobre a direção artística de Philippe Herreweghe, com o seu perfeccionismo caracterizado pela execução de um repertório tecido por instrumentos de época. A Orchestre des Champs-Élysées esteve, ocasionalmente, sob a regência de famosos maestros convidados, entre eles Louis Langrée, Daniel Harding, Christophe Coin, Christian Zacharias, René Jacobs e Bruno Weil.
A Orchestre des Champs-Élysées produziu, ao longo da sua trajetória, uma extensa obra discográfica, que incluí interpretações de Mozart (“Grande Messe en ut Mineur”, “Requiem”), Mendelssohn (“Elias”, “Paulus”), Beethoven (“Missa Solemnis”), Brahms (“Un Requiem Allemand”), Schumann (“Symphonie nº 2 e 4”), Bruckner (“Symphonie nº 7”) e Mahler (“Des Knaben Wunderhorn”), entre tantos.

Philippe Herreweghe, o Regente

Conheci Philippe Herreweghe em Lisboa, em fevereiro de 1994, em um concerto do Ensemble Musique Oblique, da qual ele era regente, e que marcava a abertura do evento “Lisboa Capital Européia da Cultura – 1994”, realizado no Centro Cultural de Belém (CCB). Na noite que precedeu ao concerto, estivemos em uma tertúlia no Bar Mahjong, no Bairro Alto, ao lado do músico e amigo Michel Maldonado, da assessora de imprensa Sylvia Vaez, e do fotógrafo Stanislas Kalimerov. Dono de um humor agradável e de uma erudição cultural despida de pedantismos, Philippe Herreweghe conquista com o seu carisma particular, às pessoas que o ladeiam, mostrando-se afável e generoso.
Nascido na Bélgica, na cidade de Ghent, Herreweghe traz a simpatia sofisticada e arraigada dos flamingos. Foi na sua cidade natal, na Flandres, que estudou piano no conservatório. Desviou-se da música para que se pudesse dedicar aos estudos de medicina, especializando-se em psiquiatria. Já na faculdade, Philippe Herreweghe fundou o Collegium Vocale de Ghent, chamando para si as atenções de Nikolaus Harnoncourt e Gustav Leonhardt, fascinados pela qualidade do conjunto vocal por ele fundado, convidando-o de imediato para que se unisse a eles e participasse da gravação completa das “Cantatas de Bach”.
Desde então, Philippe Herreweghe empenhou-se em trazer para a sua regência um amplo repertório que vai do Renascimento à música erudita contemporânea, o que o levou a criar várias orquestras (ensembles), com integrações distintas e plurais, com as quais fez cerca de sessenta gravações em disco. Entre os ensembles estão: Ensemble Vocal Européen, especializado na interpretação da música polifônica renascentista; o Collegium Vocale de Ghent, que há trinta anos dedica-se à música de Bach e seus precursores; a Chapelle Royale, dedicada à Música Barroca Francesa; a Orchestre des Champs-Élysées, especializada em música clássica e romântica, e a Ensemble Musique Oblique, especialista em música erudita contemporânea.
Além de ser um dos fundadores da renomada Orchestre des Champs-Élysées, em 1991, é desde então, o seu diretor artístico e regente. Philippe Herreweghe costuma reger como convidado, outras grandes orquestras de prestígio internacional, como a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã; a Orquestra Rotterdam Philharmonic, de Roterdã; a Orquestra da Gewandhaus de Leipzig; a Mahler Chamber Orchestra; a Stavanger Symphony Orchestra; a Royal Flandres Philharmonic Orchestra, da qual é diretor desde 1997. Dirigiu também, as orquestras Filarmônicas de Berlim e de Viena.
Philippe Herreweghe participou como diretor artístico do prestigiado Festival de Saintes, no sudoeste da França, no período de 1982 a 2002. Em 1990 foi agraciado com o título de Personalidade Musical do Ano; Músico Europeu do Ano, em 1991; Embaixador Cultural da Flandres através do Collegium Vocale de Ghent, em 1993. Foi-lhe outorgado, em 1994, a Orden de Officier des Arts et Letters; nomeado Doctor Honoris Causa da Universidade da Lovaina, em 1997. Em 2003, foi nomeado Cavalheiro da Legião de Honneur, sendo-lhe concedido um título nobiliárquico pelo rei da Bélgica.
Pelo talento, por todas as qualidades mencionadas, Philippe Herreweghe é hoje um dos maiores nomes da música clássica, erudita e contemporânea do mundo, sendo um dos maiores regentes das últimas décadas.

A Orchestre des Champs-Élysées em São Paulo

Apesar de ter se apresentado nas maiores salas de espetáculos do planeta, a Orchestre des Champs-Élysées só aportou no Brasil graças às comemorações do “França.Br 2009 - Ano da França no Brasil”. Com cerca de 172 músicos, o deslocamento da orquestra exige uma grande infraestrutura, tornando-se demasiadamente dispendiosa, o que necessita sempre de mecenas e patrocinadores.
A negociação com os organizadores do “Ano da França no Brasil” e a Orchestre des Champs-Élysées foram longas, feitas em mais de um ano. Graças à generosidade de Philippe Herreweghe, que aceitou cortar substancialmente no número de músicos e, principalmente, conseguiu manter o nível de qualidade erudita com uma orquestra desfalcada de mais de noventa dos seus membros integrantes, que o Brasil pôde, finalmente conhecer este imponente ícone da música erudita mundial.
Feitos os cortes, a Orchestre des Champs-Élysées chegou ao Brasil no fim de abril de 2009, com 81 músicos, o ator argentino Marcial Di Fonzo Bo, um grupo de bailarinas, o tenor Robert Getchell e o barítono Pierre-Yves Pruvot, todos sob a regência e direção de Philippe Herreweghe.
Na programação, a orquestra tinha a função de abrir oficialmente o “França.Br 2009” no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Mas os problemas de infraestrutura estavam longe de uma solução definitiva. Curiosamente, uma cidade como o Rio de Janeiro não ofereceu recursos para que se recebesse uma orquestra deste porte. O Teatro Municipal, uma das mais belas casas de espetáculos do país, foi fechado em outubro de 2008 para restauração. Como solução, chegou a ser anunciada a apresentação da orquestra no Teatro João Caetano, mas os organizadores chegaram à conclusão de que o teatro estava degradado, a necessitar de obras, não oferecendo condições para receber um concerto da grandiosidade da Orchestre des Champs-Élysées. Assim, uma cidade da importância do Rio de Janeiro, foi excluída do roteiro da orquestra, uma vergonha para os governantes e representantes da cultura carioca.
Em São Paulo, a orquestra apresentou-se ao ar livre, no Sesc Itaquera, brindando o paulistano com a belíssima apresentação de “Lélio ou Retorno à Vida - Op. 14", de Hector Berlioz. A apresentação contava com intervenções narrativas do ator argentino Marcial Di Fonzo Bo, dois cantores e um coro, tendo entrada franca, sendo registrada pela TV Cultura, que transmitiu o concerto ao vivo, alcançando grande sucesso e receptividade do público. A apresentação musical, a cenografia e a encenação foram complementadas por projeções em vídeo criadas por Jean-Philippe Clarac e Olivier Deloeuil. Foram feitas outras duas apresentações na Sala São Paulo, para um público pagante, iniciando a temporada da Sociedade Cultura Artística. Concebido exclusivamente para São Paulo, quando a Orchestre des Champs-Élysées deixou a cidade, o ator, os cantores e bailarinos não os acompanharam até o Distrito Federal, antecipando a volta para a França.

A Orchestre des Champs-Élysées em Brasília

Após o contratempo que excluiu a cidade do Rio de Janeiro do roteiro, e o grande sucesso em São Paulo, a orquestra partiu para o Distrito Federal, com 81 músicos, tendo o honroso compromisso de abrir oficialmente o “França.Br 2009” na capital do Brasil.
Já familiarizados com o país, os músicos sentiram-se confortáveis em Brasília, o que contribuiu para que se pudessem entregar sem medos à composição de um grande concerto, que conquistaria a platéia brasiliense.
Em Brasília, o concerto foi organizado com grande pompa, com a presença de Antoine Pouillieute, embaixador da França no Brasil, a discursar na abertura. Para esta apresentação, Philippe Herreweghe preparou um concerto dedicado a Félix Mendelssohn e a Hector Berlioz.
Na primeira parte da apresentação, Mendelssohn abria o espetáculo, com “Escocesa – Sinfonia nº 3 em Lá menor, Op.56”. O perfeccionismo de Herreweghe dilatava-se logo à entrada, com a sua obsessão perene pela autenticidade do som e dos instrumentos de época. O toque precioso da emoção contagiava o público da Sala Villa-Lobos, do Teatro Nacional de Brasília, que aplaudia com veemência a cada movimento encerrado. A “Sinfonia nº 3”, devidamente intitulada “Escocesa”, alcançou com Herreweghe a conotação precisa da mobilidade da música de Mendelssohn, um romântico que nos dá um à vontade em suas fugas.
Ao fim da primeira parte, um breve intervalo foi regado por um autêntico Champagne oferecido ao público. Apesar de longo, o intervalo não quebrou a atmosfera que se conseguiu durante a execução da obra de Mendelssohn.
Na segunda parte do concerto, estava o momento mais esperado, a “Sinfonia Fantástica – Episódios de uma Vida, Op. 14”, de Hector Berlioz. A sinfonia conta a história de um jovem compositor que, por amor, envenena-se com ópio, mas ao ingerir uma dose não suficiente para matar, faz com que ele mergulhe em um estado letárgico repleto de visões. As visões apresentam-se na sinfonia, originalmente chamada de “Episódio da Vida de Um Artista”, que se desenvolve em cinco movimentos.
A apresentação econômica da orquestra desaparece diante das mãos decididas de Philippe Herreweghe, que faz com que a dimensão sonora seja grandiosa, e que a platéia pense que ali estão mais de 40 violinos, quando eram apenas 24. Ao fim de cada movimento, novos aplausos eclodiam de uma platéia totalmente rendida à orquestra. Os instrumentos usados são os mesmos que Berlioz idealizou e tocou, em 1830, quando escreveu a Sinfonia. Ao final suntuoso, com o último movimento, “Sonho de Uma Noite de Shabat”, a platéia foi ao delírio. Quando o concerto foi encerrado, a generosidade do público mostrou os resultados de um grande trabalho, os aplausos eclodiram incessantemente por longos dez minutos, obrigando Philippe Herreweghe a voltar ao palco por duas vezes. Encerrava-se assim, de forma apoteótica, a vinda da Orchestre des Champs-Élysées ao Brasil, deixando um gosto de quero mais e a imensa expectativa de que ela retorne muitas vezes, e brevemente, quem sabe, com todos os músicos.
Ao fim dos concertos, uma grande excursão de músicos fez-se presente pelas ruas e pelos monumentos da cidade inventada por Oscar Niemeyer. Em um ano que se programou mais de 600 eventos artísticos vindos da França, a Orchestre des Champs-Élysées foi o presente de estréia, em um momento de puro êxtase cultural e reverências a Philippe Herreweghe e aos seus 81 músicos.


Orchestre des Champs-Élysées – Composição

Original

Regente: Philippe Herreweghe

Violinos: Alessandro Moccia (violino solo), Roberto Anedda, Assim Delibegovic, Virginie Descharmes, Philippe Jegoux, Marion Larigaudrie, Corrado Lepore, Baptiste Lopez, Martin Reimann, Nicole Tamestit, Enrico Tedde, Marie Viaud, Bénédicte Trotereau, Marieke Bouche, Adrian Chamorro, Isabelle Claudet, Federica della Janna, Jean-Marc Haddad, Pascal Hotellier, Clara Lecarme, Corrado Masoni, Giorgio Oppo, Andreas Preuss, Sebastiaan van Vucht, Catherine Arnoux, Marieke Blankestijn, Alessandro Braga, Karine Crocquenoy, Ilaria Cusano, Maud Giguet, Elisabeth Glab, Charlotte Grattard, Solenne Guilbert, Peter Hanson, Alexander Janiczek, Matilda Kaul, Thérèse Kipfer, Bérénice Lavigne, Catherine Montiers, Liesbeth Nijs, Aki Saulière, Henriette Scheytt, Kio Seiler, George Willms

Violas: Jean-Philippe Vasseur, Marie-Elsa Bretagne, Maïlyss Cain, Brigitte Clément, Delphine Grimbert, Lika Laloum, Lucia Peralta, Catherine Puig, Silvia Simionescu, Bonoit Weeger, Agathe Blondel, Mathilde Bernard, Laurent Bruni, Blandine Faidherbe, Jean-Charles Ferreira, Laurent Gaspar, Dorothée Leclair, Luigi Moccia, Wendy Rymen

Violoncelos: Vincent Malgrange, Ageet Zweistra, Hilary Metzger, Michel Boulanger, Arnold Bretagne, Andrea Pettinau, Gesine Queyras, Harm-Jan Schwitters, Hager Spaeter-Hanana, Florent Audibert, Julien Barre, Fabrice Bihan, Claire Giardelli, Jennifer Morsches

Contrabaixos: Michel Maldonado, Joseph Carver, Elise Christiaens, Damien Guffroy, David Sinclair, Christine Sticher, Massimo Tore, Axel Bouchaux, Clothilde Guyon, Marion Mallevaes, James Munro, Francis Palma-Pelletier, Alessio Povolo, Jean-Baptiste Sagnier, Miriam Shalinsky, Maria Vahervuo

Flautas: Mathias von Brenndorff, Amélie Michel, Giulia Barbini, Laura Colucci, Oeds van Middelkoop, Jane Mitchell, Takashi Ogawa, Jan de Winne

Oboés: Marcel Ponseele, Taka Kitazato, Pier-Luigi Fabretti, Christian Moreaux, Rafaël Palacios, Antoine Torunczyk, Stefaan Verdegem

Clarinetes: Nicola Boud, Daniele Latini, Benjamin Dieltiens, Luca Luchetta, Markus Springer, Marc Withers

Fagotes: Julien Debordes, Jean-Louis Fiat, Philippe Miqueu, Robert Percival, Margreet Bongers, Alain de Rijckere, Jani Sunnarborg, Javier Zafra

Trompas: Rafaël Vosseler, Christiane Vosseler, Jean-Emmanuel Prou, Frank Clarysse, Luc Bergé, Jeroen en Billiet, Mark De Merlier, Miek Laforce, Ursula Monberg, Martin Mürner, Martin Roos

Trompetes e Cornetas: Steven Verhaert, Andreas Bengtsson, Leif Bengtsson, Alain de Rudder, Guy Ferber, Patrick Henrichs, Femke Lunter, Thibaud Robinne, Geerten Rooze

Trombones: Dennis Close, Wim Becu, Charles Toet, Guy Hanssen, Saman Maroofi, Harry Ries

Oficleides, Tuba, Serpent: Marc Girardot, Stephen Wick, Erhard Schwartz

Tímpanos 1: Marie-Ange Petit, Peppie Wiersma

Tímpanos 2: Hervé Trovel, David Joignaux

Percussão: François Garnier, Antoine Siguré, David Joignaux, Hélène Brana, Bernard Heulin, Hervé Trovel

Harpas: Pascale Schmitt, Aurélie Saraf

No Brasil

Regente: Philippe Herreweghe

Primeiros Violinos: Alessandro Moccia (violino solo), Roberto Anedda, Assim Delibegovic, Virginie Descharmes, Philippe Jegoux, Marion Larigaudrie, Corrado Lepore, Baptiste Lopez, Martin Reimann, Nicole Tamestit, Enrico Tedde, Marie Viaud

Segundos Violinos: Bénédicte Trotereau, Marieke Bouche, Adrian Chamorro, Isabelle Claudet, Federica della Janna, Jean-Marc Haddad, Pascal Hotellier, Clara Lecarme, Corrado Masoni, Giorgio Oppo, Andreas Preuss, Sebastiaan van Vucht

Violas: Jean-Philippe Vasseur, Marie-Elsa Beaudon, Maïlyss Cain, Brigitte Clément, Delphine Grimbert, Lika Laloum, Joël Oechslin, Lucia Peralta, Catherine Puig, Silvia Simionescu, Bonoit Weeger

Violoncelos: Vincent Malgrange, Ageet Zweistra, Hilary Metzger, Michel Boulanger, Arnold Bretagne, Andrea Pettinau, Gesine Queyras, Harm-Jan Schwitters, Hager Spaeter-Hanana

Contrabaixos: Michel Maldonado, Joseph Carver, Elise Christiaens, Damien Guffroy, David Sinclair, Christine Sticher, Massimo Tore

Flautas: Mathias von Brenndorff, Amélie Michel

Oboés: Marcel Ponseele, Taka Kitazato

Clarinetes: Nicola Boud, Daniele Latini

Fagotes: Julien Debordes, Jean-Louis Fiat, Philippe Miqueu, Robert Percival

Trompas: Rafaël Vosseler, Christiane Vosseler, Jean-Emmanuel Prou, Frank Clarysse

Trompetes: Steven Verhaert, Andreas Bengtsson

Cornetas: Leif Bengtsson, Alain de Rudder

Trombones: Dennis Close, Wim Becu, Charles Toet

Oficleides: Marc Girardot, Stephen Wick

Tímpanos: Marie-Ange Petit, Hervé Trovel

Percussão: François Garnier, Antoine Siguré, David Joignaux

Harpas: Pascale Schmitt, Aurélie Saraf

Discografia da Orquestra

1992 – Wolfgang Amadeus Mozart – Grande Messe en ut Mineur
1993 – Felix Mendelssohn – Elias
1994 – Felix Mendelssohn – Le Songe D’Une Nuit D’Été
1995 – Hector Berlioz – Nuits D’Été Herminie
1995 – Ludwig van Beethoven – Missa Solemnis
1996 – Felix Mendelssohn – Paulus
1996 – Johannes Brahms – Un Requiem Allemand
1997 – Wolfgang Amadeus Mozart – Requiem
1997 – Wolfgang Amadeus Mozart – Gran Partita K. 361 / Sérénade pour Vents K. 388
1997 – Robert Schumann – Symphonie nº 2 / Symphonie nº 4
1997 – Robert Schumann – Concerto pour Violoncelle / Concerto pour Piano
1997 – Hector Berlioz – L’Enfance du Christ
1998 – Robert Schumann – Scènes de Faust
1999 – Ludwig van Beethoven – Symphonie nº 9
2002 – Gabriel Fauré – Requiem (Version pour Grand Orchestre) / César Franck – Symphonie en Ré
2002 – Franz Schubert – Messe en La Bémol / Feliz Mendelssohn – Psaume 42
2004 – Anton Bruckner – Symphonie nº 7
2006 – Anton Bruckner – Symphonie nº 4 “Romantique”
2006 – Gustav Mahler – Des Knaben Wunderhorn
2007 – Robert Schumann – Symphonie nº 1 “Printemps” / Symphonie nº 3 “Rhénane”
2008 – Anton Bruckner – Messe nº 3 en Fa Mineur
2009 – Anton Bruckner – Symphonie nº 5
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Sábado, 25 de Abril de 2009

CANTAR - SOFISTICADA BOSSA NOVA DE GAL COSTA

 

 

Após o show Temporada de Verão, que culminou com o lançamento do álbum Temporada de Verão – Ao Vivo na Bahia, Gal Costa lançaria, em maio de 1974, o álbum Cantar. Este álbum confirmava o que apenas tinha sido sugerido no Temporada de Verão, ou seja, uma Gal Costa contida, usando a emoção do canto de forma que dava uma nova cor à Bossa Nova. O repertório do disco parece ter sido esboçado nos shows daquele verão na Bahia, pois traz além de Caetano Veloso e Gilberto Gil, faixas de outros compositores que participaram do álbum ao vivo: João Donato, Jorge Mautner e Péricles R. Cavalcanti. Com produção de Caetano Veloso e Perinho Albuquerque, o disco que trazia na capa fotografias de Tereza Eugênia, numa imagem do perfil da cantora, coberta pelos cabelos e com uma flor perdida entre eles, e forte presença de João Donato; não agradou aos que se tinham acostumado com Gal Costa como a musa do desbunde ou como a leoa roqueira de “Meu Nome é Gal”.
1974 foi um ano de intensa produção discográfica da cantora. Começou com o compacto lançado para o carnaval, que trazia as músicas “Sem Grilos” (Caetano Veloso – Moacyr Albuquerque) e “Acorda Pra Cuspir” (Haroldinho Sá), ainda sob a vertente do desbunde. Depois veio o lançamento do álbum Temporada de Verão – Ao Vivo na Bahia, com Caetano Veloso e Gilberto Gil, além do compacto com as canções “Saia do Caminho” (Custódio Mesquita – Ewaldo Ruy) e “De Amor Eu Morrerei” (Dominguinhos – Anastácia), sendo esta última gravada para fazer parte da trilha sonora da novela Os Inocentes, da TV Tupi. Ao contrário do primeiro compacto, estes dois trabalhos mostram Gal Costa totalmente distanciada do desbunde, trazendo um canto cool, que atingiria o seu apogeu com o álbum Cantar.

Um Gosto de Bossa Nova

O álbum começa com a alegre “Barato Total” (Gilberto Gil), canção que arrematava os “baratos” de Gal Costa, surgidos nas dunas que levaram o seu nome nas praias do Rio de Janeiro. Se o barato começara modesto, agora ele era total. Letra que transita entre a leveza bicho grilo-hippie de Gilberto Gil e a suavidade da beleza da voz da cantora. O disco começa alegre e leve, mostrando uma Gal Costa tranqüila após o vendaval tropicalista, que terminara com prisões, revolta e exílio dos amigos. Gal Costa que até então se apresentava séria, introspectiva, mesmo quando cantava roque, começa a mudar a performance e a cantar com um grande sorriso no rosto, que se tornaria sua marca registrada. A canção de Gilberto Gil, apesar de trazer uma linguagem tipicamente dos anos setenta, torna-se atemporal, fazendo parte das indispensáveis do acervo da cantora.
Se o disco começa “bicho grilo”, ele continua com a proposta, com a panteísta “A Rã” (Caetano Veloso – João Donato). O panteísmo da canção é diluído em um som totalmente bossanovista, que se consegue manter distante das praias cariocas, onde surgiu o movimento, dando à canção o tropicalismo de uma bossa baiana.
Lua, Lua, Lua, Lua” (Caetano Veloso) é interpretada ao som de violões, a voz da cantora é acompanhada da voz de Caetano Veloso, que cria um efeito de pulsação, dando a sensação de coração e voz a baterem suavemente, quase ao ritmo da vida.
O lirismo atinge um apogeu na voz de Gal Costa quando ela interpreta “Canção Que Morre no Ar” (Carlos Lyra – Ronaldo Bôscoli), a cantora experimenta um timbre jovial, como uma menina-mulher a cantar docemente o amor, conduzindo as notas em labirintos emocionais que explodem na beleza única da sua voz. Poucas vezes uma canção encontra uma delicadeza tão emotiva como esta interpretação de “Canção Que Morre no Ar”.
Flor de Maracujá” (João Donato – Lysias Enio) dá um tom de eterno verão nas paixões. A canção é um delicioso convite para mergulharmos na brisa das paixões, no gosto do mar, nas flores espalhadas pelos cabelos da cantora, girando e rodando nas paisagens do amor, na evolução da delicadeza dos sentimentos:

"Dia de sol
Cheiro de flor
Gosto de mar, amor
A tua cor
Luz do luar”

Se nos perdemos no cheiro da flor de maracujá, uma nova flor nos é apresentada: “Flor do Cerrado” (Caetano Veloso). A letra da música é uma espécie de juízo final implícito de Caetano Veloso, que apesar de negar, estava a pensar nas previsões de um lunático que dizia que ele morreria em 1975.

“Todo fim de ano é fim de mundo e todo fim de mundo é tudo que já está no ar
Tudo que já está
Todo ano é bom todo mundo é fim
Você tem amor em mim”

Se o tema é presságio, o compositor baiano transforma a canção de apocalíptica a total bossa nova, participando da faixa com “Garota de Ipanema” (Vinícius de Moraes – Tom Jobim) de música incidental. Escancara-se de vez a tendência bossa nova do disco.

Momentos de Delicada Beleza

Bem tropicalista é “Jóia” (Caetano Veloso), uma canção sob medida para a dupla Gal Costa-Caetano Veloso, cantora-autor, musa-poeta. Apesar de ser interpretada de forma contida, a canção não deixa de ser resquício do movimento do desbunde, que já não se afirma apenas no underground, mas na evolução que a década de setenta ia propondo. “Jóia” mistura Copacabana com Coca-Cola, ou seja, um símbolo nacional com o grande símbolo do capitalismo da guerra fria.
Até Quem Sabe” (João Donato – Lysias Neto) é mais um momento intimista do álbum, com Gal Costa cantando o findar do amor com a precisão sedutora e trágica de uma voz de sereia. Piano e voz, o amor e o adeus, a perda da vida compartilhada e a identidade solitária recuperada.
No Temporada de Verão – Ao Vivo na Bahia, Gal Costa abria o disco com a música “Quem Nasceu”, de Péricles R. Cavalcanti. Uma nova faixa do mesmo autor surge em Cantar: “O Céu e o Som”. Se na primeira canção falava-se do templo do pai, da mãe natureza, o tema continua o mesmo em “O Céu e o Som”, desta vez segue-se o caminho do mar, onde a cantora pede que “me ensine a cantar, me ensine a voar”, como se ela não soubesse fazer tão bem as duas coisas.
Lágrimas Negras” (Jorge Mautner – Nelson Jacobina) é um grande momento do disco. Canção melancólica, triste, visceral, de uma beleza ímpar. 1973 tinha sido o ano do fim do milagre brasileiro, da grande crise mundial do petróleo. Não se falava em outra coisa naquele ano se não no “ouro negro”. Num paradoxo poético, recheado de eufemismos, a música dá às lágrimas a cor e densidade do petróleo. Lágrimas negras inundavam o mundo, o fim dos sonhos flower power. Como num cortejo fúnebre, a voz de Gal Costa esvai-se da melancolia da letra, dando um tom triste, definitivo, que contrasta com a leveza de várias faixas, se ela começou “contente” com “Barato Total”, ela termina triste, densa, com “Lágrimas Negras”, são nestes contrastes que a Gal Costa tropicalista sobressai à Gal Costa bossanovista:

Belezas são coisas acesas por dentro
Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento
Belezas são coisas acesas por dentro
Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento
Lágrimas negras caem, saem Dói”

Mas Gal Costa suaviza os contrastes, terminando, imprevisivelmente, o disco com uma linda e pequena canção de ninar: “Chululu” (Mariah Costa), singela homenagem à sua mãe, a autora, dividindo com o público a canção que muitas vezes a fez dormir.

Intimismo e Sofisticação Criticados na Época

Cantar foi visto por alguns críticos como saudosista da Bossa Nova, desatualizado para aquele 1974 tão fustigado pela ideogenia. O álbum recupera o que a Tropicália havia interrompido, ou seja, é como se viesse cronologicamente depois do álbum Domingo (1967). Não há como não comparar os dois álbuns. Se Domingo é o início, Cantar é a concretização deste início. É como se entre um e outro não tivesse existido a turbulência da Tropicália, o desbunde, talvez esta negação não proposital, tivesse refletido na crítica. Se Cantar foi criticado na década de setenta, quando relançado na década de oitenta, tornou-se um álbum cult e dos mais elogiados da discografia da cantora. Faltaram no disco duas canções imprescindíveis do show: “Me Deixe Mudo” (Walter Franco) e “Teco Teco” (Pereira da Costa – Milton Vilella). A ausência de “Teco Teco” foi reparada com o lançamento de um compacto duplo trazendo três faixas do Cantar e a música. Curiosamente, a canção que se tornou hit de Gal Costa naquele ano foi “Teco Teco”.
Cantar apresentou uma Gal Costa mais amadurecida e sofisticada nas interpretações, distanciada dos arroubos juvenis e dos cabeludos de então. E para quem ainda duvidava até onde ela poderia chegar, o coro da canção “O Céu e o Som” professava claramente:

Quem foi que disse que essa mulher não voa?”

Ficha Técnica:

Cantar
Philips
1974

Direção de produção e estúdio: Caetano Veloso e Perinho Albuquerque
Estúdio: Phonogram
Arranjos: João Donato, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Perinho Albuquerque
Técnico de som: João Moreira
Assistente: Paulinho Chocolate
Capa: Rogério Duarte
Fotos: Tereza Eugênia

Músicos Participantes:
Piano: João Donato e Aloísio Milanês
Violão: Gilberto Gil e Perinho Albuquerque
Baixo: Rubão Sabino, Novelli, Milton Botelho e Luís Alves
Bateria: Tuty Moreno e Enéas Costa
Guitarra: Chiquito e Perinho Albuquerque
Percussão: Ariovaldo Peninha e Bira da Silva
Tumba: Hermes Contesti
Bordão: Perinho Albuquerque
Regência: Mário Tavares
Efeito de voz: Caetano Veloso (Lua,Lua, Lua, Lua)
Efeito de mesa: João Moreira (Lua, Lua, Lua, Lua)

Faixas:

1 Barato total (Gilberto Gil), 2 A rã (Caetano Veloso - João Donato), 3 Lua, lua, lua, lua (Caetano Veloso), 4 Canção que morre no ar (Carlos Lyra - Ronaldo Bôscoli), 5 Flor de maracujá (Lysias Ênio - João Donato), 6 Flor do Cerrado (Caetano Veloso), 7 Jóia (Caetano Veloso), 8 Até quem sabe (Lysias Ênio - João Donato), 9 O céu e o som (Péricles Cavalcanti), 10 Lágrimas negras (Nelson Jacobina - Jorge Mautner), 11 Chululu (Mariah Costa)

 
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Segunda-feira, 23 de Março de 2009

GAL CANTA CAYMMI - O ENCONTRO DE DOIS BAIANOS

 


O Brasil perdeu Dorival Caymmi em 16 de agosto de 2008, aos 94 anos, vítima de um câncer com o qual lutou durante nove anos. No momento de dor e tristeza que a partida de um cantador do Brasil e, particularmente, da Bahia, deixa em nós, é tempo de revisitarmos a sua imensa obra, um acervo com mais de 100 canções. Nada mais agradável do que começar pelo álbum “Gal Canta Caymmi”, de 1976, um dos mais belos e definitivos registros da obra do grande compositor baiano. O universo de Dorival Caymmi traduzido no canto de Gal Costa revela-nos a pluralidade da Bahia, que presenteou o Brasil com tão soberba e talentosa dupla. Gal Costa e Dorival Caymmi, duas vezes Bahia, duas vezes emoção, mil vezes Brasil.
Em 1975 a Rede Globo decidiu adaptar o romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, para uma das suas telenovelas. Começava uma grande corrida das atrizes para conseguir o papel de Gabriela. O todo poderoso da emissora carioca, Daniel Filho, tinha em mente um nome, Gal Costa. Mas a cantora, mesmo diante da insistência de Daniel Filho, declinou do convite, por não se achar uma atriz. Após intensa seleção, Sonia Braga, então atriz de papéis secundários na emissora, foi a escolhida para protagonista de “Gabriela”. Dorival Caymmi compôs o tema de abertura da novela, “Modinha Para Gabriela”. A canção foi dada a Gal Costa, que com uma interpretação sensual e mítica, fincaria de vez a sua voz na personagem de Jorge Amado.
Apesar de conhecer a obra de Caymmi do avesso e cantar suas canções nos seus shows, até então, Gal Costa só tinha gravado do compositor a música “Oração de Mãe Menininha”, em 1973, e mesmo assim em dois registros de shows, lançados em 1973, nos álbuns “Phono 73 - O Canto de Um Povo”, dueto com Maria Bethânia, e “O Banquete dos Mendigos”, numa interpretação a solo.
Com o grande sucesso da novela “Gabriela”, a Bahia ficou em grande evidência, tornando-se moda no país inteiro. Jorge Amado, Gal Costa e Dorival Caymmi tornaram-se os grandes protagonistas desse modismo. O resultado deste momento, foi um show histórico de Gal Costa e Dorival Caymmi, que percorreria apenas quatro cidades do país. O suficiente para que a química musical entre ambos contagiasse o Brasil. Estava lançada a semente para um encontro entre Gal Costa e Dorival Caymmi em um disco. Ainda no calor do sucesso de “Modinha Para Gabriela”, e do show que teve gosto de pouco, em dezembro de 1975, Gal Costa entrou em estúdio para gravar um disco só com canções de Dorival Caymmi. Em março de 1976 era lançado o mítico “Gal Canta Caymmi”, um dos mais belos registros musicais da essência baiana no cenário da MPB.

Gal Canta Caymmi, o Álbum

Gal Canta Caymmi”, álbum de 1976, trazia na sua capa uma Gal Costa fotografada por Tereza Eugênia, com cabelos e bocas sensuais, a lembrar uma Gabriela de todos nós. Na contra-capa, Gal Costa e Dorival Caymmi estão abraçados, ambos com um sorriso luminoso, a mostrar a admiração recíproca e o carinho que sentiam um pelo outro. O álbum foi produzido por Perinho Albuquerque. Trouxe músicos como João Donato, Roberto Menescal e Dominguinhos, com quem a cantora já trabalhara anteriormente.
Gal Canta Caymmi” nasce do grito da Bahia milenar, folclórica, com sua eterna pulsação geradora de arte e de artistas. Começa com uma vinheta trazendo o toque dos tambores (infelizmente cortados da versão do LP para o CD). O show vai começar. O tempero baiano está no ar, apimentado e pincelado pela receita de “Vatapá”. É a simplicidade de Caymmi na voz de Gal Costa, que de pequenos momentos, como fazer um vatapá, gera uma poesia com cheiro do Brasil africano que há em todos nós. Se alguém procurava uma nega baiana que soubesse mexer esse vatapá, encontrou-o no tempero certo da voz de Gal Costa.
Depois de saborearmos o vatapá, o violão traz a voz de Gal Costa, quase em capela, a introduzir “Festa de Rua”, que nos transporta para o sincretismo religioso da Bahia, retratado na tradicional procissão marítima pela Baía de Todos os Santos, levando a imagem de Bom Jesus, que sai da Conceição da Praia no primeiro dia do ano. A voz de Gal Costa começa doce, lenta, explodindo em agudos, como uma festa de rua.
Nem Eu” mostra a maturidade no cantar de Gal Costa, o controle da voz, que transforma um intimismo velado em uma apoteótica canção de amor. Nesta faixa a cantora cresce como intérprete, distanciando-se da época que cantava o amor para a geração do desbunde. Aqui ela canta o amor para toda a MPB, levando-nos a compará-la com uma Dalva de Oliveira ou Ângela Maria. Gal Costa já não era a menina rebelde dos gritos da Tropicália, era senhora do seu canto e sabia onde poderia chegar.
Pescaria (Canoeiro) mostra o mar da Bahia, os pescadores de “Mar Morto” de Jorge Amado, a gente simples que vive do peixe pescado no recôncavo baiano. Gal Costa usa de seus agudos como nunca. O final é belíssimo, como o chamado de uma sereia. Os agudos da cantora contrastam com as ondas do mar baiano. Nesta canção Gal Costa mostra porque é uma das maiores vozes do Brasil. Técnica e emoção fundem-se, perdendo-se em agudos embriagantes.
O Vento” chega manso, é chamado pela cantora e pelo violão. Soltam-se as velas, içam-se os arranjos, e viajamos atrás do curimã para a moqueca baiana, atrás da voz cada vez mais embriagante da cantora, que com “O Vento” encerrava o lado A do vinil, dando-nos fôlego para o que viria a seguir.
O álbum, feito nos moldes dos LPs, começava o lado B (a lógica bem trabalhada dos lados A e B foi eliminada pelos CDs) com “Rainha do Mar”. O eterno casamento entre a poesia de Dorival Caymmi e o mar imenso, folclórico, repleto de lendas. O canto da sereia, temido e admirado por todos os pescadores:

“Minha sereia, rainha do mar
Minha sereia, rainha do mar
O canto dela faz admirar”

E se o temido canto que enfeitiçou os pescadores era de Iemanjá, aqui ele é de Gal Costa, que vai, faixa a faixa, quase sem esforço, transformando o repertório de Dorival Caymmi em uma extensão da sua obra.
O clímax do álbum é atingido em “Só Louco”. Gal Costa faz uma interpretação intimista, solitária, lírica e definitiva, repleta de armadilhas sedutoras que prendem os ouvintes. A música foi escolhida pela Rede Globo para ser tema da abertura da novela “O Casarão”, de Lauro César Muniz. Devido ao sucesso da telenovela, torna-se a canção mais tocada nas rádios de todo o álbum, e também a mais conhecida, ganhando um clipe histórico no programa “Fantástico”.
São Salvador” é a homenagem de Dorival Caymmi e Gal Costa à cidade que os viu nascer. Com simplicidade, é a canção dentro da MPB, que melhor retrata a geografia humana de Salvador nos versos “a terra do branco, mulato” e “a terra do preto doutor”. Na voz de Gal Costa a canção torna-se doce, quase um sussurro.

“São Salvador
Bahia de São Salvador
A terra do Nosso Senhor
Pedaço de terra que é meu”

Dois de Fevereiro” fecha o álbum com a grande homenagem à maior festa de Salvador e, conseqüentemente, da Bahia. É a homenagem à Bahia eclética, de várias cores e sons, traduzida na devoção a Iemanjá. A força baiana de Gal Costa supera o piano bossa nova de João Donato e a canção encerra a homenagem da cantora ao mestre e pai de todos os cantores baianos.
Resta falar sobre a penúltima canção, “Peguei um Ita no Norte”. É a história do próprio Dorival Caymmi, que quando jovem veio da Bahia em um navio a vapor pertencente à Companhia Nacional de Navegação Costeira, designados por Itas, devido aos nomes que tinham: Itapagé, Itanagé, Itapé... É a história comum de várias gerações de baianos, nordestinos, nortistas do Pará, que diante da miséria da sua região, eram obrigados a migrar para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Caymmi veio de Ita para o sudeste e jamais voltaria à Bahia para viver. Gal Costa e a sua geração de baianos vieram da Bahia, para conquistar o Brasil. A canção canta a saudade da terra natal, não importa se de Salvador ou de Belém, a saudade de quem venceu nos grandes centros do sudeste, mas nunca esqueceu as origens. Caymmi jamais esqueceu a Bahia. Retratou-a por toda a sua obra. Gal Costa, ao gravar este álbum, voltava às origens, trazendo a sua essência baiana à flor do canto.
Dez canções depois, os tambores dos terreiros voltam a tocar em vinheta, encerrando o encontro mágico de Gal Costa e Dorival Caymmi, deixando uma emoção perene e o completo fascínio de todo o Brasil pela Bahia aqui cantada.
Gal Canta Caymmi” anulava a proposta cool de interpretação do álbum anterior, “Cantar”, para mostrar uma cantora que sabia mesclar emoção e técnica, dosar os agudos, ampliando as extensões de voz. Neste álbum, a interpretação intimista de “Domingo”, indomável na época da Tropicália e do desbunde, cool e elegante em “Cantar”, dá passagem para o domínio perfeito e maduro no canto de Gal Costa, pronta, finalmente, para interpretar qualquer fase ou estilo da MPB.

Ficha Técnica:

Gal Canta Caymmi
Philips
1976

Direção de produção: Perinho de Albuquerque
Arranjos: João Donato e Perinho Albuquerque
Técnicos de gravação: João Moreira, Ary Carvalhaes, Luigi Hoffer e Luiz Cláudio
Assistente de produção: Luciano Maia Bartholo
Assistentes de gravação: Paulo “Chocolate” Sérgio, José Guilherme e Rafael Isaac
Montagem: Jairo Gualberto
Estúdio: Phonogram
Mixagem: Luigi Hoffer
Capa: Lobianco
Fotos: Tereza Eugênia

Músicos Participantes:
Piano: João Donato e Antonio Adolfo
Violão: Chiquito Braga, Roberto Menescal e Perinho Albuquerque
Órgão: Zé Roberto
Viola e Guitarra: Chiquito Braga
Bateria: Enéas Costa e Paulinho Braga
Baixo: Fernando Leporace, Luizão, Novelli, Gabriel e Perinho Albuquerque
Acordeom: Dominguinhos
Percussão: Bira da Silva e Aladim

Faixas:

1 Vatapá (Dorival Caymmi), 2 Festa de rua (Dorival Caymmi), 3 Nem eu (Dorival Caymmi), 4 Pescaria (Canoeiro) (Dorival Caymmi), 5 O vento (Dorival Caymmi), 6 Rainha do mar (Dorival Caymmi), 7 Só louco (Dorival Caymmi), 8 São Salvador (Dorival Caymmi), 9 Peguei um ita no norte(Dorival Caymmi), 10 Dois de fevereiro(Dorival Caymmi)

Adeus a Dorival Caymmi

O Brasil ficou mais triste em agosto de 2008. Morreu Dorival Caymmi. O mestre de voz grave, sorriso bonachão, ar indolente, figura doce e sensível, calou-se.
Dorival Caymmi era o último representante dos desbravadores da nova Bahia que se deslumbra nos dias atuais. Nasceu em 1914, em uma Salvador negra na cor e na população, branca no preconceito e nas minorias, mas pulsante nos seus sons e imagens. A Bahia do jovem Dorival Caymmi era aquela que proibia os tambores dos terreiros, chegando mesmo a prender quem ousasse a praticar ou professar as religiões africanas. Foi das letras de Jorge Amado e do canto de Dorival Caymmi que a Bahia negra emergiu, que a Bahia e o candomblé tornaram-se moda, e hoje são conhecidos em todo o país.
Dorival Caymmi foi buscar no mar a inspiração para a sua poesia. Porque o mar é de uma imensidão aparentemente simples, mas é nele que se reflete a promessa de uma alma e de que não estamos sós, que deuses de um Deus acenam na quebrada das ondas na praia. A MPB deve muito a este homem, que percorreu com a sua música décadas da nossa história, foi cantado por Carmem Miranda, esteve presente no primeiro disco de João Gilberto, no arremate da carreira de Gal Costa, na voz de Maria Creuza, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso, e tantos outros baianos. Ele era o pai de todos eles, o senhor das melodias da sua Bahia. Traduziu o mar de Jorge Amado nas notas da sua música. Rimou “Gabriela, Cravo e Canela” com a MPB. Mesmo longe, era na sua Bahia que encontrava a inspiração.

“Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia
Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia
Bem, não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão"

Mas a Bahia inspiradora tornou-se pequena para este homem, estava escrito que ele conquistaria o Brasil. E foi o que fez, desceu do nordeste para o Brasil. Conquistou com as suas canções do mar, as suas mulheres sensuais e a cheirar a um universo colorido, quem não se apaixonou por sua “Marina” de rosto pintado? Ou pela sua “Dora” a deslumbrar quando passava e acendia os clarins de todos nós. Voz grave, de uma época em que o cantor precisava ter mais do que conhecimentos vocais e produção de marketing para vingar na MPB. Voz poderosa, quase agreste, olhar sorridente, homem gentil, Caymmi era mais que um cantor, era um cantador, que nos deixa, tal qual Elvis Presley, em um 16 de agosto.

Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer

Caymmi foi enterrado longe da sua Bahia, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, o cemitério das estrelas do Brasil. Estará ao lado de Carmem Miranda. Com certeza no céu já fazem, juntos, uma grande roda de samba, pois doente do pé é que não eram. Foram 94 anos por aqui. Muito pouco para um homem da grandeza artística de Dorival Caymmi, quase nada no vão da existência. Sua música está para sempre cravada na MPB, no imaginário do brasileiro, registrada em mais de 100 canções.
Espreguiça-se Caymmi, segue a imensa lua que se fazia no céu no dia que você partiu, iluminando o mar da sua poesia. Nós só temos a agradecer e aplaudi-lo. Que toquem todos os tambores dos terreiros!
Palmas para Dorival Caymmi!

Se a noite é de lua
A vontade é contar mentira
É se espreguiçar
Deitar na areia da praia
Que acaba onde a vista não pode alcançar
E assim adormece esse homem
Que nunca precisa dormir pra sonhar
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra.
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Quarta-feira, 25 de Fevereiro de 2009

GAL 1969, O PSICODÉLICO

 

 

Gal, de 1969 é o mais ousado disco da carreira de Gal Costa. Em nenhum outro momento a cantora repetiu o que ouvimos neste álbum. Gal, mais conhecido como o álbum psicodélico, a começar pela capa, com um desenho típico dos vôos sem céu do fim dos anos 1960. Na contra capa aparece uma imagem desfocada da cantora, com o seu cabelo “juba de leão”, já anunciando a sua fúria. O momento é de raiva. Seus amigos e companheiros da Tropicália, Gilberto Gil e Caetano Veloso, após a prisão em dezembro de 1968, seriam libertados na quarta-feira de cinzas de 1969, sendo escoltados até Salvador, de onde partiriam em Julho para o exílio em Londres. Gal Costa ficava sozinha com a sua raiva. Da menina bossa nova de “Domingo” (álbum de lançamento da sua carreira, em 1967) não resta nada. Suas interpretações e posturas, até então intimistas e contidas, tornam-se mais agressivas. A cantora junta-se a Jards Macalé e à guitarra de Lanny Gordin, o resultado é este álbum único, com apenas nove faixas, mas que não houve outro registro igual na música brasileira.

Do Rock Psicodélico ao Grito de Protesto

O álbum começa com “Cinema Olympia“ (Caetano Veloso), onde, sem maiores rodeios, ela já nos avisa:

Não quero mais
Essas tardes mornais, normais


Na década de 60 todas as grandes cidades tinham o seu cinema Olympia (Belém, São Paulo, Rio, Salvador – talvez o cinema que Caetano se refere, seja o Olympia da Baixa dos Sapateiros, famoso por suas matinés para a burguesia local, que nos anos 1960 passava filmes de westerns dos anos 40 de Tom Mix e Buck Jones). Caetano Veloso deixou esta música em demo, com o seu exílio nunca a gravou, sendo lançado recentemente um álbum com a versão demo e com inéditas do autor numa caixa comemorativa. Ao cantar “Cinema Olympia”, a voz jovial da cantora não nos indica a leoa enfurecida que está por vir.
Tuareg” (Jorge Ben) parece nos levar para oásis e desertos orientais, mas o ano é de 1969, a guerrilha urbana está no auge, assaltos a bancos, o seqüestro do embaixador norte-americano pela resistência guerrilheira, assassínio nas ruas de São Paulo de Carlos Marighela. Os versos de Jorge Ben não soam tão ingênuos, mas provocativos:

“Pois ele é guerreiro
Ele é bandoleiro
Ele é justiceiro
Ele é mandingueiro
Ele é um tuareg”

Seria um tuareg dos desertos? Ou um guerrilheiro das ruas das cidades brasileiras? A música fez parte da trilha do filme "O Diamante Cor-de-Rosa", de Roberto Farias, 1969, com Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
É a partir de “Cultura e Civilização” (Gilberto Gil) que começam os gritos, as mixagens sujas, o canto rascante da leoa enfurecida.

“Contanto que me deixem meu cabelo belo
Meu cabelo belo
Como a juba de um leão


Com Medo, Com Pedro” e “Objeto Sim, Objeto Não” (aqui se registra o ápice da viagem psicodélica) são as outras duas canções de Gilberto Gil que entram no álbum. Gilberto Gil deixara as canções em demo no dia que embarcou para o exílio, para que Gal Costa pudesse saber como cantá-las.
O ano de 1969 também é o ano do festival de Woodstock, que reuniria em um sítio mais de 300 mil hippies e entraria para a história. A influência de Janis Joplin no início da carreira de Gal Costa é literalmente gritante nas faixas “The Empty Boat” (Caetano Veloso) e “Pulsars e Quasars” (Capinam – Jards Macalé), esta última encerra o álbum e mostra a insatisfação da cantora com os acontecimentos políticos, que a transformam na última representante da Tropicália, a sua fúria é refletida nas distorções da guitarra ácida de Lanny Gordin, nos versos que chamam e clamam pelos amigos exilados:

O inverso, um ser mutante universal
Meu ingresso para as touradas do mal
Dos sóis, Cá e Gil me mandem notícias logo
A sós, pulsos abertos, eu volto
Sem voz, ye ye, sem voz


Há tempo para aquela que seria por muitos anos, a música mais lembrada de Jorge Ben, “País Tropical “, numa participação especial de Gilberto Gil e Caetano Veloso. Resta a pergunta, esta participação foi feita em estúdio? Provavelmente não, pois desde que saíram da prisão Gilberto Gil e Caetano Veloso foram escoltados até Salvador, até o embarque para o exílio não pisaram mais no Rio de Janeiro e nem em São Paulo. Apesar de ser uma das mais belas e contundentes interpretações de “País Tropical”, a canção explodiu não com Gal Costa e seus convidados, mas através de Wilson Simonal, sendo esta versão durante anos conhecida apenas pelo público da cantora, recuperada bem mais tarde pela MPB.
O destaque do álbum vai para “Meu Nome é Gal” (Roberto Carlos – Erasmo Carlos), a dupla maior da Jovem Guarda fazia para Wanderléa músicas românticas, ingênuas. Para Gal era diferente, refletia uma mulher contestando a sua época, mostrando o amor livre de então, não importando cor, crença ou tradição. A canção mostra uma Gal Costa libertária, com seus ruídos vocais, os agudos aqui indomáveis diante da guitarra, mudando as oitavas. A cantora encerrava o lado A do disco com esta canção, rasgando a música na metade e se apresentando:

"Meu nome é Gal, tenho 24 anos
Nasci na Barra Avenida, Bahia
Todo dia eu sonho alguém pra mim
Acredito em Deus, gosto de baile, cinema
Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo,
Macalé, Paulinho da Viola, Lanny,
Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat,
Waly, Dircinho, Nando,
E o pessoal da pesada
E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar
Não precisa sobrenome
Pois é o amor que faz o homem
"

Ao fechar o lado A do LP, ninguém mais se esqueceria daquela que gritava “Meu Nome é Gal”.
Na época Gal Costa refletia os dois lados da sociedade brasileira: a mulher que era reverenciada por uma juventude massacrada pela ditadura, remanescentes dos ventos vindos do Maio de 1968, de Paris, que trazia cabelos e roupas exóticas, que ousava confrontar os costumes e abraçar as novas tendências do mundo, que era convidada para fazer o show de moda Stravaganza, ao lado de Raul Cortez, na Fenite, e a mulher odiada pelos conservadores, que falavam para as suas filhinhas bem-comportadas: “Se não pentear os cabelos vai virar uma juba que nem os da Gal Costa”.
Gal”, o psicodélico, é tropicalista? É. É rock? É. É o Woodstock tupiniquim? É. É hippie, jopliniano? É tudo isto e mais um pouco. É Gal. O que faz o álbum “Gal”, o psicodélico, diferente do primeiro álbum solo da cantora? O romantismo. Nele não há tempo para as músicas românticas. É tempo de sobreviver, de gritar, contestar, portanto não há espaço para as músicas românticas. É a grande diferença dos dois álbuns de 1969 de Gal Costa.
Gal” 1969 é a intervenção mais radical da carreira de Gal Costa. Mostra uma cantora ímpar e sem limitações de carreira. No distanciamento do tempo, é um álbum amado ou odiado, sem meios termos. De uma atualidade incondicional. Virou o álbum mais cult da carreira da cantora. Depois deste álbum nada mais fez sentido na Tropicália. Encerrou-se aqui!

Release do Disco – Por Caetano Veloso

Você precisa saber que Gal Costa é um dos acontecimentos mais importantes da música brasileira de hoje. Na Bahia havia a Graça e uma sala profunda, enraizada, recôncava de cachoeiras mortas, uma voz guardada apenas ali, absoluta. Gal nunca teve medo. Eu não tenho medo de saber que é difícil para o artista assumir sua própria grandeza. Ela ouviu João Gilberto mais e melhor do que ninguém. Não acredito que alguém ainda tenha medo de guitarras elétricas. WOW! Acho que o nosso trabalho não estabelece um universo para Gal que o nosso experimentalismo necessariamente desorganizado... SNIF, SNIF, tudo é perigoso, "Why Each time Superman appears at that window, Clark Kent is not at his desk?", Janis Joplin, Jackson do Pandeiro, Cool, Paulinho da Viola, a legião dos Sub- heróis. Mas Gal EXPLODIU sozinha, muito acima de tudo. João Gilberto havia se comovido com a Graça, descobrindo sua voz guardada. Ninguém pode deplorar nosso Vale-Tudo: quando Gal canta, ele vale-nada. Gal EXPLODIU sozinha. Só vale Gal.
Eu sei que é assim
Caetano Veloso

Ficha Técnica:

Gal
Philips
1969

Direção da produção: Manuel Barenbein
Arranjos e direção musical: Rogério Duprat
Técnicos: João Kibelkstis e Stélio Carlini
Estúdio: Scatena - SP
Fotos da contracapa: Freitas
Capa: Dicinho

Músicos Participantes:
Baixo, guitarra solo e guitarra base: Lanny Gordin
Bateria: Eduardo Portes de Souza e Diógenes Burani Filho
Violão: Jards Macalé
Baixo: Rodolpho Grani Júnior

Faixas:

1Cinema Olympia(Caetano Veloso),2 Tuareg(Jorge Ben),3 Cultura e civilização(Gilberto Gil),4 País tropical(Jorge Ben)Participação: Caetano Veloso / Gilberto Gil,5 Meu nome é Gal(Erasmo Carlos - Roberto Carlos),6 Com medo, com Pedro(Gilberto Gil),7 The empty boat(Caetano Veloso),8 Objeto sim, objeto não(Gilberto Gil),9 Pulsars e quasars(Capinan - Jards Macalé)

 


 

 
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Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2009

A MÚSICA E A CENSURA DA DITADURA MILITAR

 

 
Quando o golpe militar foi deflagrado, em 1964, ironicamente o Brasil tinha na época, os movimentos de bases político-sociais mais organizados da sua história. Sindicatos, movimento estudantil, movimentos de trabalhadores do campo, movimentos de base dos militares de esquerda dentro das forças armadas, todos estavam engajados e articulados em entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o PUA (Pacto da Unidade e Ação), etc, que tinham grande representatividade diante dos destinos políticos da nação. Com a implantação da ditadura, todas essas entidades foram asfixiadas, sendo extintas ou a cair na clandestinidade. Em 1968, os estudantes continuavam a ser os maiores inimigos do regime militar. Reprimidos em suas entidades, passaram a ter voz através da música. A Música Popular Brasileira começa a atingir as grandes massas, ousando a falar o que não era permitido à nação. Diante da força dos festivais da MPB, no final da década de sessenta, o regime militar vê-se ameaçado. Movimentos como a Tropicália, com a sua irreverência mais de teor social-cultural do que político-engajado, passou a incomodar os militares. A censura passou a ser a melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho que pudesse extrapolar a moral da sociedade dominante e amiga do regime. Com a promulgação do AI-5, em 1968, esta censura à arte institucionalizou-se. A MPB sofreu amputações de versos em várias das suas canções, quando não eram totalmente censuradas.
Para censurar a arte e as suas vertentes, foi criada a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), por onde deveriam previamente, passar todas as canções antes de executados nos meios públicos. Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério, os censores poderiam vetar tanto por motivos políticos, ou de proteção à moral vigente, como por simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo. A censura além de cerceadora, era de uma imbecilidade jamais repetida na história cultural brasileira.

Os Perseguidos do Pré-AI-5

Antes mesmo de deflagrado o AI-5, alguns representantes incipientes da MPB já eram vistos pelos militares como inimigos do regime, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandré.
A intervenção de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra o regime militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Mas os militares não souberam identificar esta diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam. Na época da prisão dos dois cantores, em dezembro de 1968, os militares tinham de concreto contra eles, a acusação de que tinham desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata, e uma ação que queria mover um grupo de católicos fervorosos, ofendidos pela gravação do “Hino do Senhor do Bonfim” (Petion de Vilar – João Antônio Wanderley), no álbum “Tropicália ou Panis et Circenses” (1968). Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do natal de 1968, ao cantar “Noite Feliz” no programa de televisão “Divino Maravilhoso”, apontando uma arma na cabeça. O resultado foi a prisão e o exílio dos dois baianos em Londres, de 1969 a 1972.
Ainda do repertório do álbum mítico “Tropicália ou Panis et Circenses” , a música “Geléia Geral” (Gilberto Gil – Torquato Neto), sofreu o veto da censura por ser considerada de conteúdo política contestatória, além de segundo os censores, fazer um retrato equivocado da situação pela qual passava o país.
Ao retornar do exílio, Caetano Veloso e Gilberto Gil sofreram com a perseguição da ditadura e da censura. Em 1973, Caetano Veloso teve a sua canção “Deus e o Diabo”, vetada por causa do último verso “Dos bofes do meu Brasil”. Diante do veto, a gravadora solicitou recurso, foi sugerido pelo censor que o autor substituísse a palavra “bofes”. Mas um segundo censor menciona os versos “o carnaval é invenção do diabo que Deus abençoou” e “Cidade Maravilhosa/ Dos bofes do meu Brasil”, como ofensivos às tradições religiosas. Em 1975, o álbum “Jóia” trazia na sua capa Caetano Veloso, sua então mulher Dedé e o filho Moreno, completamente nus, com o desenho de algumas pombas a cobrir-lhe a genitália. Censurada, o álbum foi relançado com uma nova capa, onde restaram apenas as pombas.
Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do regime militar. A sua canção “Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores)”, que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a ditadura militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta canção, afirmam alguns analistas de história, foi uma das responsáveis pela promulgação do AI-5. Ficou proibida de ser cantada e executada em todo país. Só voltaria a ser ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora Simone a cantou em um show, no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da ditadura militar. Calava-se uma expressiva carreira emprestada ao combate à ditadura.
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da ditadura militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum “Carne e Osso”. Em 1973 teve 11 músicas proibidas. Perseguido pela censura, Taiguara teve muitas das suas músicas assinadas por Ge Chalar da Silva, sua esposa na época. Exilado em Londres, Taiguara gravou o álbum "Let the Children Hear the Music", em inglês. O disco foi proibido de ser lançado, pela EMI, por decisão da polícia federal brasileira. O compositor recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o disco finalmente liberado.

Chico Buarque, o Alvo Predileto da Censura Militar

Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, os militares elegeram o seu novo inimigo do regime: Chico Buarque de Hollanda. No período que durou a censura e o regime militar, Chico Buarque foi o compositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todas as vertentes, tanto nas canções de protesto, quanto nas que feriam os costumes morais da época.
Os problemas de Chico Buarque com a censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música “Tamandaré”, incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da marinha. Era o começo de um longo namoro entre a censura e a obra de Chico Buarque.
Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém chegado do exílio, o compositor enviou a música “Apesar de Você” para a aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada. Inesperadamente a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto, tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinha vendido mais de 100 mil cópias, quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici. Revelado o ardil, o exército brasileiro invadiu a fábrica da Philips, apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir a matriz.
Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras possíveis. A peça “Calabar, ou o Elogio à Traição”, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As conseqüências da proibição viriam no seu álbum, “Calabar”, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar” pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título. O disco trazia o registro das canções da peça vetada, por isto teve várias músicas (todas elas em parceria com Ruy Guerra) que amargaram nas malhas da censura. “Vence na Vida Quem Diz Sim” teve a letra totalmente censurada, sendo gravada no disco uma versão instrumental; “Ana de Amsterdam” teve vários trechos censurados. “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, que fazia parte deste disco, alcançaria grande sucesso quando gravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura da novela da tevê Globo “Pecado Rasgado”, na versão original da música o verso "Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor", foi substituído por "Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor". “Fado Tropical” teve proibido parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue brasileiro. “Bárbara”, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um relacionamento homossexual entre elas. Tanto “Ana de Amsterdam” quanto “Bárbara”, já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum “Caetano e Chico Juntos Ao Vivo”, ali substituídos por palmas. Ainda no registro do encontro de Chico Buarque e Caetano Veloso, além da censura às duas canções citadas, “Partido Alto” (Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso, sofreu alterações na letra, sendo substituídas as palavras “brasileiro” por “batuqueiro” e “pouca titica” por “pobre coisica”.
Diante de tantas mutilações da censura, o álbum “Calabar”, com capa branca, de Chico Buarque, foi um fracasso de vendas. Após o fracasso comercial , a Philips decidiu recolher o disco com capa branca, relançando-o semanas depois, com uma nova capa, trazendo apenas com uma fotografia do artista, de perfil, com o título “Chico Canta”.
Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Em 1974 a censura não dá tréguas ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, Chico Buarque lança um disco, Sinal Fechado (1974), com composições de outros autores. Diante de tantas canções vetadas, a sofrer uma perseguição acirrada, Chico Buarque cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo do Julinho da Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à ditadura, lidas nas entrelinhas: “Jorge Maravilha”, que trazia o verso “Você não gosta de mim mas sua filha gosta”, que era lida como uma referência ao então presidente Geisel, cuja filha Amália Lucy, teria dito em entrevista, que admirava as canções do Chico Buarque. “Acorda Amor”, outra canção liberada do Julinho da Adelaide, era uma referência clara aos órgãos da repressão, que vinham buscar cidadãos suspeitos de subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura, desaparecendo com eles. Diante da polícia repressiva, ele chamava pelo ladrão. “Milagre Brasileiro” também levou a assinatura de Julinho da Adelaide.
Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi “Atrás da Porta” (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.
Outra canção vetada de Chico Buarque foi “Tanto Mar”, uma homenagem do artista à Revolução dos Cravos em Portugal. Por ter sido uma revolução considerada socialista, a canção foi proibida. Seria gravada no álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo” (1975), numa versão instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com uma outra letra. Curiosamente, a versão original, sem cortes e cantada de “Tanto Mar”, consta no mesmo álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo” lançado em Portugal.
Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como "Folhetim", que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.

1973, o Ano Negro da Censura às Músicas da MPB

Chico Buarque não teria sido o único cantor da MPB a sofrer mutilações na sua obra naquele opressivo ano de 1973. O endurecimento deve-se à volta das manifestações estudantis, nos últimos anos bruscamente combalidas, resultado das perseguições aos líderes do movimento, que estavam em sua maioria presos, exilados ou desaparecidos. Outro disco mutilado pela censura naquele ano foi “Milagre dos Peixes”, de Milton Nascimento, lançado em LP e compacto simples. Do álbum seriam vetadas as canções: “Hoje é Dia d’El Rey” (Márcio Borges – Milton Nascimento), “Os Escravos de Jó” (Milton Nascimento – Fernando Brant) e “Cadê” (Milton Nascimento – Ruy Guerra). Uma das faixas proibidas teria a participação de Dorival Caymmi, com a sua exclusão, não aconteceu esta participação. “Diálogo Entre Pai e Filho” teve uma única frase que não foi proibida: “Meu filho”. Diante da censura, Milton Nascimento gravou apenas as melodias das canções vetadas.
Foi no tumultuado ano de 1973, que a banda Secos & Molhados explodiu, conquistando o país inteiro. O público dos Secos & Molhados, devido à proposta inovadora e ao seu carisma, era composto por todas as idades, inclusive por crianças e por adolescentes. Os três integrantes da banda eram Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo, que se apresentavam com os rostos pintados. Ney Matogrosso além de trazer a cara pintada, tinha uma voz de timbre totalmente diferente da de um homem cantor, um aspecto andrógeno e apresentava-se entre plumas, sem camisa. Os pêlos do peito do cantor e os seus frenéticos rebolados, incomodaram à censura, à moral e aos seus bons costumes vigentes, que proibiu que as câmeras da televisão focassem o cantor de perto, sendo permitido apenas aparecer o rosto em close. Assim apareceriam os Secos & Molhados em um clipe do recém estreado “Fantástico”, programa da Rede Globo.
Além da capa de “Calabar”, também em 1973, Gal Costa teve censurada a capa do disco “Índia”, por trazer um close frontal da cantora vestida de uma tanga minúscula, e na contra-capa fotografias da mesma de seios nus, vestida de índia. A gravadora Philips comercializou o álbum coberto por um envelope opaco, de plástico azul. Do mesmo álbum, a música “Presente Cotidiano”, de Luiz Melodia, foi proibida de tocar em rádios e locais públicos. Em 1984, já no fim da ditadura, pós Diretas Já, Gal Costa teria outra canção proibida pela censura de ser tocada em público: “Vaca Profana” (Caetano Veloso), do álbum “Profana”.
Ainda naquele tenso 1973, uma reportagem da revista Veja, dava conhecimento de que o álbum de Gonzaguinha, “Luiz Gonzaga JR.” (1973), era resultado do corte feito pela censura de 15 músicas.
Ainda em 1973, Raul Seixas teria 18 composições vetadas pela censura. Luiz Melodia, além de ter “Presente Cotidiano” proibida de ser executada nas rádios, teve várias palavras excluídas ou alteradas das canções do seu disco de estréia, e várias músicas vetadas na íntegra.

Linguagem Poética e Coloquial Sofrem Censuras

Na ignorância cega da censura, sem uma lógica que a sustentasse, até o poeta Mário de Andrade foi vetado. O fato inusitado aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25 anos da morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas. Após ser submetido à censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre eles “Ode ao Burguês” e “Lira Paulistana”. Os vetos foram justificados pelos censores como estéticos, “falta de gosto”. O que se concluía era que, os censores jamais tinham ouvido falar em Mário de Andrade, confundindo-o com um autor vulgar do Brasil da época.
Outro exemplo eloqüente da ignorância e do despreparo dos censores, foi com o compositor e cantor Adoniran Barbosa. Conhecido como o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos. Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinqüenta. Inesperadamente, cinco das suas canções foram vetadas, mesmo não sendo inéditas. Diante da linguagem coloquial de “Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Móis fumo/ Num encontremo ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”, o censor só liberaria a música se ele regravasse cantando assim: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”. Na letra da música “Tiro ao Álvaro” (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), a censora faz um círculo nas palavras “tauba”, “revorve” e “artormove”, concluindo que a “falta de gosto impede a liberação da letra”. Para que pudessem ser aprovadas, “Samba do Arnesto” e “Tiro ao Álvaro”, teriam que virar “Samba do Ernesto” e "Tiro ao Alvo”. Tiveram o mesmo destino “Já Fui uma Brasa” (Adoniran Barbosa – Marcos César), "Eu também um dia fui uma brasa. E acendi muita lenha no fogão" e “O Casamento do Moacir” (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), "A turma da favela convidaram-nos para irmos assistir o casamento da Gabriela com o Moacir". “O Casamento do Moacir” foi considerada de "péssimo gosto" pela censora Eugênia Costa Rodrigues. Diante da censura, Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as músicas mais tarde, quando a burrice já tivesse passado.
Outro poeta que teve problemas com a censura foi Vinícius de Moraes. Sua música “Paiol de Pólvora” (Vinícius de Moraes – Toquinho), feita para a trilha sonora de “O Bem-Amado”, foi proibida de ser o tema de abertura da novela, em 1973, por causa do verso “estamos sentados em um paiol de pólvora”, sendo substituída na abertura pela música “O Bem Amado” (Vinícius de Moraes – Toquinho), interpretada pelo coral da Orquestra Som Livre. Também a belíssima canção “Valsa do Bordel” (Vinícius de Moraes – Toquinho), sobre a vida de uma velha prostituta, esteve proibida por dez anos. Vinícius cantava esta música em shows, ironicamente chamando-a de “A Valsa da Pura”, por causa da censura.
Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu álbum “Paulinho da Viola”, duas canções proibidas: “Chico Brito” (Wilson Batista – Afonso Teixeira), música composta em 1949, e “Um Barato, Meu Sapato” (Paulinho da Viola – Milton Nascimento), ambas vetadas sob a alegação de que evidenciavam o clima marginal do samba.

Outros Tantos Vetos

Vale registrar, ainda, que em 1972, Jards Macalé teria que reescrever sete vezes a letra de Revendo Amigos” (Jards Macalé – Waly Sailormoon), do álbum “Movimento dos Barcos”.
Sérgio Bittencourt, jornalista e compositor, filho de Jacob do Bandolim, em 1970, teve a sua música “Acorda, Alice”, proibida pela censura da ditadura militar por causa do verso “Acorda, Alice/ Que o país das maravilhas acabou”. Esta canção seria gravada por Waleska já na época da abertura política.
Rita Lee teve as músicas “Moleque Sacana” (Rita Lee e Mu) e “Gente Fina” (Rita Lee) censuradas, a primeira por causa da palavra sacana, considerada obscena, a segunda porque poderia ferir os bons costumes da época.
Carlos Lyra sentiu o gosto da censura com a sua música “Herói do Medo”, proibida por causa dos versos "odeio a mãe por ter parido" e "o passatempo estéril dos covardes". Carlos Lyra não alterou o conteúdo da letra, preferiu sair do país.
Belchior, que durante muito tempo foi considerado autor marginal, teve a música “Os Doze Pares de França” (Belchior – Toquinho) censurada, porque para os censores, os autores vangloriavam a França, fazendo dele um país melhor para se viver do que o Brasil. Também a canção “Pequeno Mapa do Tempo” (Belchior), de 1977, uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos "eu tenho medo e medo está por fora" e "eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião", uma alusão ao exílio, os censores concluíram que a música trazia mensagem de protesto político.
Ao contrário do que se pensa, o cantor e compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a ditadura militar. A sua música “Quem Eu Devo é Que Deve Morrer”, tem como tema uma dívida pessoal que só será paga se Deus quiser. Também a dívida externa brasileira encontrava-se nessas condições. Luiz Ayrão faz um samba provocativo. Diante da afirmação do verso “quem eu devo é que deve morrer", a canção é vetada, sendo a proibição justificada pela censura porque a letra era um incentivo ao homicídio, com uma mensagem de caráter negativo.
Sueli Costa deu a canção “Cordilheira” (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro) para Erasmo Carlos gravar. Feito o registro, a canção jamais saiu, sendo proibida. Os autores chegaram a ir a Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontram o silêncio dos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: “Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas”. “Cordilheira” é uma das mais belas canções de teor contestatório já feita no Brasil. Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no álbum “Pedaços”. O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de cds comemorativos à carreira do cantor. Outra canção censurada de Sueli Costa foi “Altos e Baixos” (Sueli Costa – Aldir Blanc), que cantava de forma densa uma cena de agressão entre um casal, que trazia um casamento desgastado. A música falava de uísque, Dietil, Diempax, e foi justamente por ter citado o nome do ansiolítico Diempax, que a canção foi censurada. Elis Regina conseguiria a liberação da música, gravando-a no seu álbum “Essa Mulher” (1979).

O Brega ou Popularesco, Nada Escapa à Censura

Como já se pôde observar , a censura da ditadura militar não obedecia a nenhum critério. Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o regime militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender à moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral. Em um mesmo contesto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da censura. “Tanto Mar” (Chico Buarque), “Pare de Tomar a Pílula” (Odair José) e “Severina Xique Xique”, apesar de canções antagônicas, de vertentes diversas dentro da música brasileira, oscilando entre a canção política e a considerada “brega” ou “pimba”, eram consideradas pela censura um perigo latente ao regime e à moral que se construía naquela época. Em 1975, já Genival Lacerda tinha transformado a sua música “Severina Xique Xique” (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da polícia federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília, mantém a liberação da música e afirma que a canção "é um veículo de integração da nacionalidade". Este fato prova que a censura não vinha só do regime militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.
Dentro do popularesco da canção brasileira, Odair José foi um dos compositores que mais sofreu com a censura. “O Motel” (Odair José), teve só pelo seu título, o veto da censura. Revelar a intimidade de um casal naqueles preconceituosos anos setenta era inconcebível para a censura militar. Outra música de Odair José vetada pela censura foi “A Primeira Noite”, considerada inconveniente para ser consumida pelo público jovem e adolescente da época. O autor mudou o título da canção para “Noite de Desejos”, conseguindo liberá-la e gravá-la. A mais polêmica música de Odair José foi “Pare de Tomar a Pílula”, onde ele pedia para a namorada deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravidá-la. Vista à ótica do tempo, a canção chega a ser ingênua, de uma simplicidade quase grotesca, absolutamente inofensiva para um público atual, mas aviltante para as velhas senhoras que em 1964, saíram às ruas de rosários nas mãos, saudando, em nome da família brasileira, os golpistas militares.
Dentro da corrente popularesca, a censura não poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da repressão, com uma música que exaltava a nação, tornando-se o hino da ditadura: “Eu Te Amo, Meu Brasil”. O motivo que levou o regime a interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção “A Árvore”, os censores desconfiaram do trecho “venha, vamos penetrar”. Além de imaginar que o tema que falava de árvores, seria supostamente sobre a canabilis (planta da maconha). A música foi proibida, apesar de ter uma gravação da banda Os Incríveis, nunca foi lançada. A esta altura, a incoerência da censura já dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou razão.
Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas decisões pessoais dos censores. Para manter as necessidades de uma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podava a liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos princípios da democracia.

 

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Domingo, 25 de Janeiro de 2009

PEDAÇOS - O ÁLBUM DE CONSOLIDAÇÃO DE SIMONE

 

 

Dentro da Música Popular Brasileira, há álbuns que se tornaram fundamentais não só pela sua qualidade musical, ou pela beleza das suas canções, mas por ter sido lançado em um determinado momento histórico do país, e as suas canções fizeram parte da trilha sonora deste momento. “Pedaços”, da cantora Simone, é um desses álbuns. Lançado no ano de 1979, teve faixas que acompanharam a construção da história que se fazia naquele momento, tanto política como social. 1979 era o ano da consolidação da abertura política dentro da ditadura militar, que culminou com a Anistia, lei promulgada naquele ano, que possibilitou à volta dos exilados políticos.
Em 1978, o Ato Institucional número 5 (AI-5), teve o seu fim decretado pelo então presidente Ernesto Geisel, em seu último ano de mandato. Com o fim do AI-5, várias canções proibidas durante a ditadura puderam, finalmente, ser gravadas e lançadas, entre elas “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil). A MPB volta a ganhar uma força de conotação política que teve durante os festivais, no fim dos anos sessenta, pré-AI-5. Assim, os álbuns lançados no fim de 1978 e no ano de 1979, já mostram esta nova vitalidade contestatória da MPB. “Chico Buarque 1978”, de Chico Buarque ou “Álibi”, de Maria Bethânia, são exemplos desta nova tendência. “Pedaços” faz parte desses álbuns. Traz Simone, uma cantora com seis anos de carreira, que apesar de muito prestigiada pelos colegas da MPB, nos primeiros anos era pouco conhecida do grande público. Simone teve a sua primeira explosão popular quando gravou “O que Será?”, de Chico Buarque, para a trilha sonora do filme “Dona Flor e os Seus Dois Maridos”. Com “Pedaços” a cantora assume lugar de destaque na MPB, rumando à ascensão meteórica de uma carreira brilhante, que só declinaria no início dos anos noventa. “Pedaços” é um dos álbuns que, a partir de 1978, transformariam a nossa MPB em vozes femininas, tendo até os dias atuais, esta característica.
 

Pedaços, o Álbum
 

Simone chegava ao ano de 1979 numa grande fase da sua carreira. Os dois últimos álbuns, “Face a Face” (1977) e “Cigarra” (1978), traziam uma consistência inequívoca ao trabalho da cantora, com canções belíssimas e bem interpretadas, além de uma boa aceitação pelo público. Um ano fértil para a MPB e fundamental para a história do Brasil, 1979 seria o ano em que Simone seria elevada definitivamente, à categoria de grande estrela da MPB. Já no início do ano, a TV Globo inseriu “Jura Secreta” (Abel Silva – Sueli Costa), faixa do álbum “Face a Face”, na abertura da novela “Memórias de Amor”. O sucesso da canção levou o grande público a querer conhecer melhor a obra da cantora. Era só o começo. Em maio, a Globo lançou o seriado “Malu Mulher”, com Regina Duarte como protagonista. Maria Bethânia, recém-elevada à categoria de estrela máxima da MPB, pelo surpreendente “Álibi”, que bateu todos os números de vendas, não aceitou gravar o tema de abertura do seriado, a canção “Começar de Novo” (Ivan Lins – Vitor Martins), feita para este fim. Simone gravou a música. O seriado foi o grande sucesso da televisão brasileira de 1979, e, conseqüentemente, “Começar de Novo” explodiu, tocando em todas as rádios e mídias da época.
O sucesso de “Começar de Novo” antecipou o lançamento do álbum “Pedaços”, um dos mais belos e consistentes álbuns da cantora Simone. “Pedaços” trazia onze faixas. Iniciava-se com “Começar de Novo”, música que virou hino da liberação feminina proposta pelo seriado “Malu Mulher”. Vista através do tempo, “Começar de Novo” chegou aos dias atuais sem muita relevância, como mais uma bela canção de amor, desgastada pelo tempo. Em 1979 a canção era um hino. “Malu Mulher” trazia no seu conteúdo não só temas tabus à época, como o divórcio, a emancipação feminina, a masturbação da mulher oi o homossexualismo, como também inaugurava uma nova linguagem para as personagens femininas no universo da teledramaturgia brasileira. “Começar de Novo”, na voz de Simone, estava imarcescivelmente ligada ao seriado e àquele momento de transformação na conduta social da mulher brasileira. O seriado originou ao mítico “Mulher 80”, especial dirigido por Daniel Filho, que foi ao ar no fim do ano de 1979, tendo a presença de grandes cantoras como Gal Costa, Elis Regina e Maria Bethânia, além de Simone, a interpretar “Começar de Novo”, a canção principal do programa, que servia para lançar em disco, a trilha sonora do seriado.
Começar de Novo” é uma das mais belas parcerias de Simone com Ivan Lins. O compositor tem no canto da Cigarra, um apogeu da sua obra. Além desta canção, “Pedaços” traz outra canção belíssima de Ivan Lins, “Saindo de Mim (Dois Gumes)" (Ivan Lins – Vitor Martins), ao contrário de “Começar de Novo”, que traz o rompimento dos sentimentos através da determinação de um dos lados, que decide sobreviver ao amor, a viver sem ele, “Saindo de Mim” é o abandono, a constatação de que o amor foi embora sorridente, sem deixar avisos, mas certo de que não mais voltaria, deixando as lembranças, a dor rasgada pela faca de dois gumes. Magnífico momento de Simone, literalmente em pedaços diante das dores do amor.
Ainda sob a pulsação das dores do amor, e das suas lembranças perenes, Simone regrava um grande sucesso do repertório de Roberto Carlos: “Outra Vez” (Isolda), a música foi lançada pelo rei em 1977. Foi o primeiro sucesso de Isolda sem a parceria do irmão Milton Carlos, morto em acidente de automóvel, no fim de 1976. A interpretação de Simone é econômica, mas sincera. Não acrescenta ao clássico, mas também não lhe causa estragos, pelo contrário. Arremata brilhantemente a proposta do álbum.
Deixando um pouco as angústias do amor, o álbum segue com um dos seus momentos mais altos: “Sob Medida” (Chico Buarque), música feita para a trilha sonora de “A República dos Assassinos”, de Miguel Faria Jr, cantada no filme pela bela e inesquecível Sandra Bréa. Fafá de Belém gravou esta música. Há versos diferentes na versão de Simone e na de Fafá de Belém, como “eu sou seu incesto", cantado apenas pela segunda. A interpretação de Fafá de Belém traz uma sensualidade lasciva que prejudica a ironia a letra. Simone consegue dar o tom vingativo da música, é a melhor interpretação que esta canção tem. A Globo aproveitou a canção para fazer parte da trilha sonora da novela “Os Gigantes” (1979/1980), o que, reza as lendas de bastidores, gerou ciúmes de Fafá de Belém, que queria exclusividade sobre a música. Para compensar a cantora paraense, a Globo fez um clipe com ela no “Fantástico”, na época da novela, em vez de fazê-lo com Simone.
Povo da Raça Brasil” (Milton Nascimento – Fernando Brant), traz uma brasilidade pulsativa, muito comum na época, quando já se via a ditadura militar em seu limiar. Uma brasilidade que Milton Nascimento perdeu com o tempo, quando deixou a musicalidade jazistica americana tomar conta da sua obra. A música retrata o povo além do litoral, cheio de tradições e esperanças. Simone, que tinha participado de um festival cubano de música em 1979, engajava-se na proposta política que a MPB de então tomou como bandeira. Mais do que um retrato político, “Povo da Raça Brasil” é um retrato do brasileiro.
Itamarandiba” (Milton Nascimento – Fernando Brant) é uma viagem solitária através das cidades mineiras com nome de pedras. A canção começa com uma versão da famosa frase de Carlos Drumond de Andrade “No meio do meu caminho sempre haverá uma pedra”. A letra segue pelas cidades das pedras: Turmalina, Diamantina, Pedra Azul, retratando o rosto da gente e da vida que as paisagens da canção nos mostra. Delicada interpretação de Simone dentro de um universo de Milton Nascimento que já não existe.
Vento Nordeste” (Sueli Costa – Abel Silva) é uma canção intimista, introspectiva, que se encaixa com perfeição no repertório bem costurado do álbum, sem lhe impregnar de melancolia. Talvez este seja o grande segredo de “Pedaços”, tocar nas feridas do amor e da existência, sem impregnar-se de melancolia.
Condenados” (Fátima Guedes), canção de uma sensualidade à flor da pele, traz uma Simone safada, sedutora, verve que ela exploraria à exaustão nos anos oitenta. Fátima Guedes tornar-se-ia uma jovem compositora muito prestigiada, tendo canções gravadas no ano seguinte por Elis Regina. Esta canção jamais foi revisitada, é uma das mais belas da sua autora. Simone deixa aqui, os males do amor, para deliciar-se nos seus prazeres, na sua beleza, sem medo de ser censurada.
Cordilheira” (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro), é o grande momento do disco. Música de um impacto poético poucas vezes revelado na MPB, a sua inclusão no álbum é resultado do fim do AI-5, pois ela esteve anos proibida pela censura da ditadura militar. A canção foi tocada pelas FMs da época, mas não atingiu as AMs, que eram as rádios mais populares.

“Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas
Eu quero crer na solução dos evangelhos, obrigando os nossos moços ao poder dos nossos velhos
Eu quero ler o coração dos comandantes, condenando os seus soldados pela orgia dos farsantes


Com os seus versos pungentes, refletindo uma rebeldia latente, “Cordilheira” retratava a juventude que conquistara a Anistia e estava pronta para derrubar definitivamente, a ditadura militar. É um hino cáustico, de uma beleza quase cruel.
Tô Voltando” (Maurício Tapajós – Paulo César Pinheiro), agradável samba, foi outra canção que fez parte da trilha sonora da história do Brasil da época. Com a consolidação da anistia, tornou-se o hino dos anistiados:

"Pode ir armando o coreto
E preparando aquele feijão preto
Eu tô voltando
Põe meia dúzia de Brahma pra gelar
Muda a roupa de cama
Eu tô voltando"

Permeada de símbolos nacionais, como o feijão preto, o defumador, a marca da cerveja, a canção caía como uma luva aos sofridos exilados, que obrigados pela ditadura, estavam espalhados pelo mundo. Curiosamente, com o tempo, esta canção, hino da anistia, foi esquecida, preterida à “O Bêbedo e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), graças à grande popularidade de Betinho (o irmão do Henfil da canção) e à morte de Elis Regina.
Pedaço de Mim” (Chico Buarque), canção que deu nome ao disco, escolhida para encerrá-lo, é o momento mais frágil do álbum. Esta mesma canção, no mesmo ano, além do álbum de Simone, deu título ao álbum de Zizi Possi “Pedaço de Mim”. Canção da peça “A Ópera do Malandro”, feita para ser cantada em dueto, tem, em 1979, as interpretações solitárias de Zizi Possi e Simone. A primeira dá uma interpretação lírica à canção, de uma beleza ímpar. Simone optou por uma interpretação dramática, ao som de sinos e de um órgão, dá a sensação de estarmos em uma igreja, a assistir a um funeral do amor. Torna-se pungente. É o único momento de pouco brilho de “Pedaços”.
Pedaços” deu origem ao famoso show que Simone estrearia no Canecão, no fim de 1979. O show seria registrado no álbum “Simone Ao Vivo” (1980). Além de grande parte das canções citadas, no show Simone ressuscitou um velho sucesso proibido pela ditadura militar: “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” (Geraldo Vandré). No seio da ditadura, a abertura política estava consolidada, já não tinha volta. A MPB tornar-se-ia a porta-voz da abertura. A carreira de Simone estava consolidada. Com “Pedaços” nascia a superestrela Simone, que depois de “Pedaços”, trocou o pingo do i do nome por uma estrela.

Ficha Técnica:

Pedaços
Emi-Odeon
1979

Direção de produção: Renato Corrêa
Foto: Fernando Carvalho
Capa: Noguchi
Produtor Fonográfico: EMI-ODEON
Arranjos e Regências: Nelson Ayres e Gilson Peranzzetta
Guitarra: Alemão (Olmir Stocker)
Percussão: Chico Batera
Piano: Gilson Peranzzetta
Baixo Elétrico: Ivani Sabino
Violinos: Pareshi (Spala), Vidal, Walter Hack, Carlos Eduardo Hack, Lana, Francisco Perrotta, Piersanti, Luiz Carlos, Astrogildo, Marcelo Pompeu, Wilson Teodoro, Virgílio Arraes
Violas: Penteado, Nelson Macedo, Stephany, Nathércia
Cellos: Watson, Alceu de Almeida Reis, Iura, Bariola

Faixas:

1 Começar de Novo
(Ivan Lins-Vitor Martins)
2 Sob Medida
(Chico Buarque)
3 Povo da Raça Brasil
(Milton Nascimento - Fernando Brant)
4 Condenados
(Fátima Guedes)
5 Cordilheira
(Sueli Costa - Paulo César Pinheiro)
6 Outra Vez
(Isolda)
7 Vento Nordeste
(Sueli Costa - Abel Silva)
8 Saindo de Mim (Dois Gumes)
(Ivan Lins - Vítor Martins)
9 Tô Voltando
(Maurício Tapajós - Paulo César Pinheiro)
10 Itamarandiba
(Milton Nascimento - Fernando Brant)
11 Pedaço de Mim
(Chico Buarque)

 
 

 
 
 
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Terça-feira, 30 de Dezembro de 2008

GAL COSTA 1969, O ÁLBUM QUE FECHOU 1968

 

 

Caetano Veloso e Gal Costa lançaram em 1967, o álbum “Domingo”, iniciando assim, duas das mais belas carreiras da história da MPB. Álbum delicado, de canções intimistas, de uma poesia que lembrava a Bossa Nova. “Domingo” não acenava para a explosão que viria pouco tempo depois do seu lançamento, quando os cantores mergulharam nas águas turbulentas da Tropicália.
1968 foi o ano do lançamento do primeiro álbum a solo de Caetano Veloso, mas o primeiro disco solo de Gal Costa só iria sair em 1969, devido às agitações políticas e sociais que assolaram o país naquele ano, envolvendo os tropicalistas na roda viva e na ventania histórica que se vivia intensamente. O álbum Gal Costa, que trazia o esplendor da Tropicália, foi todo produzido e feito em 1968, o atraso em seu lançamento, em 1969, oxigenou o movimento tropicalista, estrangulado pela prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Este primeiro álbum solo da carreira de Gal Costa transformou-a em uma solitária musa do tropicalismo, cantando para os seus mestres, exilados ou calados pela ditadura militar. A diva Gal Costa nascia para o Brasil, perpetuando-se até os dias atuais.

Divino Maravilhoso, o Programa dos Tropicalistas

A apresentação de Gal Costa no IV Festival da Record, no dia 14 de novembro de 1968, foi o momento de ruptura total da sua imagem até então comportada, sempre de cabelos curtos e de estirpe bossa nova. A cantora surgiu nos palcos do festival vestindo roupas de hippie, cabelos black power e a ousar a soltar os agudos em gritos de protestos. Gal Costa defendeu a música "Divino, Maravilhoso" (Caetano Veloso - Gilberto Gil), que ficou em 3º lugar no festival, a vencedora foi "São Paulo Meu Amor", de Tom Zé, também ele um tropicalista.
1968 foi o ano dos maiores festivais da música brasileira, que se tornara porta-voz de uma juventude engajada politicamente, querendo derrubar a ditadura militar instaurada no país em 1964. As manifestações estudantis em Paris, em maio, a Primavera de Praga (movimento contra o socialismo soviético na Tchecoslováquia), a prisão dos estudantes da UNE em Ibiúna, todos estes acontecimentos refletiram no festival que Gal Costa cantou “Divino, Maravilhoso”.
Divino Maravilhoso” tornou-se o nome de um programa semanal de televisão da extinta Tupi, dirigido por Fernando Faro e Antonio Abujamra. Apresentado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, o programa foi ao ar de outubro a dezembro de 1968. Um programa totalmente anárquico, com cenas antológicas de Caetano Veloso preso em uma jaula comendo bananas ou plantando bananeira. “Divino Maravilhoso” apresentou nomes de cantores então debutantes no cenário brasileiro, como Jorge Ben, Jards Macalé.
No dia 13 de dezembro, o governo militar decretou o Ato Institucional 5 (AI-5), que dava direito a dissolver o congresso, prender sem hábeas corpus, cassar mandatos e impor a censura, entre outras tragédias. Com o AI-5 a ditadura endureceu ainda mais. Na antevéspera do natal “Divino Maravilhoso” foi ao ar pela última vez, mostrando um provocante Caetano Veloso a cantar “Noite Feliz” com uma arma apontada na cabeça. A apresentação irritou aos militares e à família conservadora que sustentava o regime militar, após tirar o programa do ar, a polícia repressiva do governo prendeu, no dia 27 de dezembro, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Os cantores só seriam libertados na quarta-feira de cinzas de 1969, quando são escoltados pela polícia até Salvador, de onde partem para o exílio em Londres. Termina o tropicalismo.
Para não comprometer os apresentadores, as fitas do programa são totalmente destruídas por seus diretores, ficando apenas registrado na memória de quem o assistiu na época. “Divino Maravilhoso” era uma resposta aos bem comportados programas da TV Excelsior: “O Fino da Bossa”, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, que foi ao ar de 1965 a 1967, e “Jovem Guarda”, comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, de 1965 a 1969. Com “Divino Maravilhoso” o Brasil assistiu à ascensão e à queda do Tropicalismo.

Gal Costa 1969, a Tropicália Pós-1968

Apesar de ter sido lançado em 1969 com o nome de “Gal Costa”, este álbum deve tomar como referência o ano de 1968, pois sua gravação e o seu repertório só poderiam ter acontecido naquele tumultuado ano.
1968 trouxe a Tropicália para o cenário musical. Um movimento que mudou a estética bem-comportada da nossa MPB, sendo uma alternativa à Jovem Guarda e à Bossa-Nova, mesclando as duas e o que havia de mais antigo e de mais novo na nossa MPB. O movimento repercute na era dos festivais, levando uma juventude militante contra a ditadura ao delírio. Caetano Veloso romperia com esta esquerda militante ao apresentar "É Proibido Proibir", no teatro TUCA, no meio de uma grande vaia, urros e protestos ele é impedido de cantar e faz um discurso histórico, definitivo, rompendo de vez com a chamada "caretice" da juventude engajada que queria tomar o poder.
O álbum de Gal Costa foi gravado meses antes de ser lançado, pois o clima de insegurança provocado em 1968 adiou esse lançamento. A cantora havia mudado os cabelos curtos, trocou os vestidos tubinhos bem comportados por plumas e um visual hippie. Deixou os agudos tomar conta da voz intimista.
Ainda em 1968 participou do lançamento do álbum manifesto "Tropicália ou Panis et Circenses", nome tirado de uma tela de Hélio Oiticica, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes e Nara Leão, participando de três faixas, entre elas a mítica "Baby".
O álbum “Gal Costa”, lançado em 1969, trazia em seu repertório toda a essência da Tropicália, agonizante naquele momento. Inesperadamente o álbum venderia mais de 100 mil cópias, um grande feito para a época, transformando Gal Costa na única representante da Tropicália. A direção musical do disco é de Rogério Duprat.
O álbum traz a mesma versão gravada no "Tropicália Panis Et Circenses" da canção urbana "Baby" (Caetano Veloso), com a participação de Caetano Veloso, tornando-se a canção mais tocada do disco, revelando a jovem cantora para todo o Brasil, transformando-se no seu primeiro grande sucesso. "Baby" tinha sido feita para Maria Bethânia, que não quis gravá-la. “Baby” fez parte da trilha do filme "Copacabana me Engana", de Antonio Carlos Fontoura.
No álbum, Caetano Veloso participa ainda da balançada e doce "Que Pena - Ela Já Não gosta Mais de Mim" (Jorge Ben), dueto eloqüente, que nada lembra o encontro intimista da dupla nas faixas de “Domingo”.
Também Gilberto Gil participa em duas faixas: no alegre e provocante xaxado "Sebastiana" (Rosil Cavalcanti), e na adolescente "Namorinho de Portão" (Tom Zé), canção regravada pelo Pato Fu que de tão atual, poderia ser tema da novela adolescente “Malhação”.
Gal Costa grava duas canções da dupla que se tornara fundamental nos bastidores da MPB, Roberto Carlos e Erasmo Carlos: o roque "Se Você Pensa" e a reflexiva "Vou Recomeçar", que estrategicamente terminava o lado A e começava o lado B do LP, respectivamente.
Um dos pontos altos do álbum é "Não Identificado" (Caetano Veloso), numa época em que o homem estava preste a descer na Lua, uma bela canção na voz de Gal Costa, confirmando aqui o título de maior intérprete de Caetano Veloso. Momento sublime da cantora "caetaneando".
Na Tropicália há espaço para o protesto, a palavra de ordem, como na provocante "Divino, Maravilhoso" (Gilberto Gil - Caetano Veloso), que por si só daria teses de discussão e, ao mesmo tempo, para canções cantadas em inglês como a pré Flower e Power "Lost in The Paradise" (Caetano Veloso).
Um ícone do álbum é a bossa-tropical "Saudosismo" (Caetano Veloso), que Gal Costa canta com a voz de uma musa da Bossa Nova. Aqui há alusões a várias músicas da Bossa Nova: "Eu, você, nós dois", verso que alude ao começo de "Fotografia" (Tom Jobim). Os refrões da canção são referências explícitas aos sucessos da Bossa-Nova ("Lobo Bobo", "A Felicidade"), e João Gilberto girava na vitrola, mas a voz era da embriagante Gal Costa.
Uma das mais belas canções do álbum é a urbana "A Coisa Mais Linda Que Existe" (Gilberto Gil - Torquato Neto), uma viagem romântica pela cidade de uma juventude que fazia "...festa e comício" numa época que o grito era encerrado pelo Ato Institucional 5 (AI-5), deixando a Tropicália agonizante.
"Gal Costa", de 1969, é a Tropicália que ressurge das cinzas com, segundo Eduardo Logullo: "canções de temáticas urbanas, doces reflexões anarquistas, constatações, citações, provocações, balanço.."
Como era preciso ter atenção, tudo era perigoso, já nada era tão divino ou maravilhoso. Os iconoclastas Gilberto Gil e Caetano Veloso deixavam o Brasil. Sem os amigos, Gal Costa ficava solitária na representação da Tropicália, e encerrava o mais tropicalista de seus álbuns com a confiante e espiritualista "Deus é o Amor" (Jorge Ben):

“Todo mundo vai embora
Mas a chuva não quer parar
Ninguém mais quer ficar
Só eu, sozinho, vou me molhar
Mas eu tenho fé que a chuva há de passar
E aquele sol tão puro
De manhãzinha bem quentinho há de chegar
E os passarinhos vão cantar
Pois a alegria vai voltar
E todo mundo que foi embora vai voltar
Agradecendo a Deus todo mundo vai rezar e cantar
Deus é a vida, a luz e a verdade
Deus é o amor, a confiança e a felicidade
Deus é a vida, a luz e a verdade
Deus é o amor, a confiança e a felicidade."

Ficha Técnica:

Gal Costa
Philips
1969

Direção musical: Rogério Duprat
Estúdios: Scatena e Reunidos
Arranjos: Rogério Duprat, Gilberto Gil e Lanny
Layout: Gian
Direção de produção: Manuel Barenbein

 
Faixas:

1 Não identificado (Caetano Veloso), 2 Sebastiana (Rosil Cavalcanti) Participação: Gilberto Gil, 3 Lost in the paradise (Caetano Veloso), 4 Namorinho de portão (Tom Zé) Participação: Gilberto Gil, 5 Saudosismo (Caetano Veloso), 6 Se você pensa (Erasmo Carlos - Roberto Carlos), 7 Vou recomeçar (Erasmo Carlos - Roberto Carlos), 8 Divino, maravilhoso (Caetano Veloso - Gilberto Gil), 9 Que pena (Jorge Ben) Participação: Caetano Veloso, 10 Baby (Caetano Veloso) Participação: Caetano Veloso, 11 A coisa mais linda que existe (Gilberto Gil - Torquato Neto), 12 Deus é o amor (Jorge Ben)
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Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2008

TEMPORADA DE VERÃO - AO VIVO NA BAHIA: TRÊS VOZES DO BRASIL

 

 

A Tropicália estava no seu auge, quando foi interrompida, em dezembro de 1968, pela prisão de Gilberto Gil e Caetano Veloso, depois exilados em Londres. Na época o movimento caminhava para uma fase psicodélica, cada vez mais voltada para o rock, como refletiu o álbum “Gal”, de Gal Costa, de1969. O exílio duraria de 1969 a 1972, quando primeiro retornou Caetano Veloso, depois Gilberto Gil. Havia uma imensa expectativa do público, dos críticos e dos curiosos, para uma possível retomada da Tropicália. Mas os tempos eram outros, e as carreiras do trio tropicalista tinham passado por várias fases.
A grande expectativa era ver novamente Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil juntos em um mesmo palco, que à exceção de uma apresentação de improviso, fora da programação, no festival da ilha de Wight, na Inglaterra, em 1970, e do grande evento do “Phono 73”, não acontecia desde os tumultuados idos de 1968. Quando voltaram do exílio, Gilberto Gil fez shows com Gal Costa e com Caetano Veloso, que por sua vez fez shows com Chico Buarque, além de um encontro histórico com João Gilberto e Gal Costa, em um programa de televisão que se deu pouco antes da volta de Londres, em 1971. Esta expectativa de ver os três juntos foi vislumbrada quando, em janeiro e fevereiro de 1974, foi gravada uma seqüência de shows individuais dos três cantores, em datas diferentes, feitas em um mesmo palco, no auge do verão, no Teatro Vila Velha, em Salvador, que se transformaria no álbum "Temporada de Verão – Ao Vivo na Bahia".
Temporada de Verão” é um registro à parte na carreira de Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, pois longe da psicodelia final do Tropicalismo, inaugura uma nova fase nas carreiras dos cantores, principalmente nas carreiras de Gal Costa e Caetano Veloso. Traz nove faixas, com interpretações únicas e definitivas na carreira de cada um. É um disco que reflete um momento de expectativa, que decepciona não pelo conteúdo, mas por não haver um encontro entre os três em nenhum momento do registro dos shows, também não há duos, são interpretações solitárias, de shows individuais, mas que se interligam, formando um conceito de disco próprio para a época. Gal Costa participa de duas faixas, Caetano Veloso de três e Gilberto Gil é contemplado com quatro faixas. “Temporada de Verão” em momento algum traz o saudosismo da época tropicalista dos cantores, mas consolida as carreiras que atingiriam o ápice nas próximas décadas, aqui com um gosto jovial de quem ainda não tinha dez anos de estrada, mas que já deixara marcas indeléveis na história da MPB.

Ao Vivo, Em Pleno Verão na Bahia

No verão de 1974, o Brasil ainda se recuperava do rescaldo que deixara o furacão Secos e Molhados, banda que, com a sua proposta irreverente vendera 800 mil cópias no álbum de estréia, feito que à época, era exclusividade de Roberto Carlos. Antes de o ano chegar ao fim, outra surpresa aconteceria no cenário musical brasileiro, o lançamento do álbum “Gita”, de Raul Seixas, que venderia 600 mil cópias.
É no meio desse turbilhão pelo qual passa a MPB, que surge o “Temporada de Verão”, de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, álbum lançado em abril de 1974, gravado em Salvador, no Teatro Vila Velha, de janeiro a fevereiro daquele ano, com produção de Perinho Albuquerque e Guilherme Araújo. O álbum teve faixas gravadas na casa de Caetano Veloso, por não ter ficado tecnicamente boas na gravação ao vivo no Teatro Vila Velha. Para não perder a atmosfera do ao vivo, nessas faixas foi usado o som dos aplausos no final.
O álbum traz uma capa belíssima, com um horizonte laranja sob o mar, indicando um verão quente, no meio do horizonte, a cobrir o sol, surgem os rostos opostos de Caetano Veloso e Gilberto Gil, no meio do rosto dos dois, surge em três tiras de fotografias verticais, o rosto de Gal Costa, como o centro daquele sol. Na contra-capa, um texto sucinto de Guilherme Araújo revela o que é aquele álbum histórico:
Mais uma vez, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa juntos, como sempre, para deleite de seus inúmeros fãs e admiradores queridos, gravados ao vivo, na Bahia, no Teatro Vila Velha, no período de 10 de janeiro a 22 de fevereiro de 1974.”

Três Faixas com Caetano Veloso

Caetano Veloso vinha de um retumbante fracasso, o álbum “Araçá Azul”, lançado em 1973, considerado excessivamente experimental, tinha sido devolvido por várias lojas e tirado de catálogo. Só nos anos oitenta o álbum seria redimido e relançado. Esta fase da carreira do cantor transitava entre o que fora a época da Tropicália e a época do exílio, que resultara em grande produção de canções escritas em língua inglesa, refletidas nos álbuns “Caetano Veloso” (1971) e “Transa” (1972). Ainda não se conseguia ver qual o caminho que um dos inventores da Tropicália seguiria. A resposta viria neste disco.
Com a genial “De Noite na Cama” (Caetano Veloso), Caetano Veloso inicia a sua intervenção no álbum (é a segunda faixa do disco), canção já gravada por Erasmo Carlos, e que seria um grande sucesso na voz de Marisa Monte nos anos noventa. Com esta música, ressurge um Caetano Veloso despido da melancolia dos fogs londrinos (apesar da canção ter sido feita em Londres), pronto para retomar a sua carreira no Brasil não como experimental, mas definitiva. A música é agradável, sensual, existencial, jovial, mostra um compositor em sua essência, irreverente, apaixonado e apaixonante.
O Conteúdo” (Caetano Veloso) é a segunda intervenção de Caetano Veloso no álbum. A canção traz um ritmo que lembra as músicas de Jorge Ben, aqui homenageado, juntamente com outros dois Jorges (Mautner e Salomão). Alude à profecia que um vidente baiano tinha feito: que o autor morreria em 1975. Reflexiva, misto de existencialismo com a ironia do desbunde, em que tudo se pensa, mas nada se conclui. Caetano Veloso voltaria a fazer algo parecido em “Ele me Deu Um Beijo na Boca”, do álbum “Cores, Nomes” (1982). Os versos abaixo, traduzem a essência da canção:

Tudo vai bem, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo
E o divino conteúdo
A íris do olho de Deus tem muitos arcos


Felicidade” (Lupicínio Rodrigues), encerra a intervenção de Caetano Veloso, e também o disco (é a última faixa do álbum). Belíssima canção, é a surpresa do disco, torna-se um grande sucesso radiofônico, trazendo a voz do cantor de volta às rádios do país. Com duração de mais de seis minutos (6:29), era impossível prever a sua execução pelas rádios. Triste, poética, melancólica, a música às vezes parece que se irá transformar na clássica “Luar do Sertão” de Catulo da Paixão Cearense, numa intervenção incidental. Esta canção parece conciliar Caetano Veloso com o público brasileiro, saudoso do autor de “Alegria, Alegria”. Finalmente ele parece ter chegado ao Brasil, iniciando uma nova fase após a findada em “Transa” e a incompreendida em “Araçá Azul”.

Gilberto Gil, a Apoteose do Show

Gilberto Gil vinha de um grande sucesso em 1973, a canção do lado B de um compacto, “Xodó (Eu Só Quero Um Xodó)", de Dominguinhos e Anastácia. Um sucesso popular que o cantor não tinha desde “Aquele Abraço”, canção de 1969, hino da sua despedida quando rumou para o exílio. O movimento estudantil voltara a tomar fôlego em 1973, e com ele o endurecimento da ditadura, que resultou nas mortes por tortura, do presidente da UNE Honestino Guimarães e do estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca). Os estudantes convidaram Gilberto Gil para um show na Politécnica. O show que teria 30 minutos, durou 3 horas, e Gil apresentou a sua nova canção de protesto feita em parceria com Chico Buarque “Cálice”. Esta canção foi proibida pela ditadura militar e Gilberto Gil e Chico Buarque não a puderam cantar no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram. É desse ano tumultuado que Gilberto Gil chega ao verão de 1974. Suas intervenções ao lado dos estudantes são claramente refletidas no show e no álbum “Temporada de Verão”.
Terremoto” (Paulo César Pinheiro – João Donato), inicia a intervenção espetacular, alegre, jovial e bicho grilo de Gilberto Gil. O cantor só entra a partir da quarta faixa, seguindo consecutivamente até a sétima faixa. Como o título sugere, Gilberto Gil entra como um terremoto, apagando as intervenções contidas de Gal Costa e Caetano Veloso. Após o exílio, a barra pesada que se vivia no país, aqui o cantor avisava, que diante da confusão dos tempos, por onde que andasse, deveria trazer os pés no chão.
O Relógio Quebrou” (Jorge Mautner), segue o aviso que o cantor dera no início. Divertida, interpretada por um Gilberto Gil cáustico, enérgico, que mostra os ratos nos porões das nossas mentes enquanto ela é silenciada pelo sistema, pelo mundo à nossa volta, preso nos ponteiros de um relógio quebrado, numa época da história em que não se sabe se a meia-noite era o meio-dia da existência. Gilberto Gil termina a canção perguntando para a platéia “Sacou o meu recado?”.
O Sonho Acabou” (Gilberto Gil) começa com Gilberto Gil assoviando “Carinhoso” e a chamar pelo nome de Pixinguinha, que naquele verão completava um ano de sua morte, e pelo nome de Clementina de Jesus. A música foi inspirada no que o cantor viu no mítico festival de Glastonbury, no interior da Inglaterra, feito na concepção esotérica para ser o festival dos festivais da era de aquário. Entre uma pirâmide, três palcos e gurus, por lá passaram todos os grupos alternativos, regados de ácidos lisérgicos. Para Gilberto Gil, ao ver o festival findar, as barracas desmontadas, era a certeza de que a frase de John Lennon “The dream is over”, da música “God”, fazia sentido, encerrando o fascínio do psicodelismo. A canção, ao contrário do que sugere o título, não é saudosista ou triste, é alegre, bicho grilo, quase que a fugir para um pseudo-psicodelismo.
Cantiga do Sapo” (Jackson do Pandeiro – Buco do Pandeiro) encerra a intervenção de Gilberto Gil, numa apoteótica interação com o público. É uma canção alegre, divertida, bucólica, que se intercala com “O Sonho Acabou”. Incisiva, alegre, a trazer uma dúbia interpretação entre o sistema vigente e a ideologia flower power, a intervenção de Gilberto Gil chega ao fim de uma forma contundente, mas com uma leveza que só um poeta como o cantor sabia galgar diante de um verão lacerante, sob uma ditadura militar.

Gal Costa, Nova Fase em Duas Canções Perenes

Gal Costa chegava em 1974, despida totalmente da imagem do auge do desbunde, quando fora eleita a sua musa. A cantora vinha do bem sucedido show “Índia”, com o qual excursionara por umas 40 cidades brasileiras e resultara em um álbum do mesmo nome. O show trazia uma atmosfera folk-glitter, a distanciar-se do sucesso de “Gal a Todo Vapor”, de 1971-72. O dueto que fizera com Maria Bethânia “Oração de Mãe Menininha”, de Dorival Caymmi, na apresentação do “Phono 73”, tornara-se um grande sucesso radiofônico.
No show do Teatro Vila Velha, Gal Costa começava a sua intervenção com a música “O Dengo que a Nega Tem”, de Dorival Caymmi, e terminava com a inédita “Flor do Cerrado”, que Caetano Veloso fizera para ela. Nenhuma das interpretações da cantora destas músicas foram registradas no álbum “Temporada de Verão”. A omissão de “Flor do Cerrado” compreende-se, pois foi guardada para o álbum que Gal Costa lançaria em maio daquele ano. Mas a subtração de “O Dengo Que a Nega Tem” é imperdoável. No álbum a cantora teria apenas duas músicas registradas.
Quem Nasceu” (Péricles R. Cavalcanti), é a canção escolhida para abrir o álbum, que se inicia com uma voz feminina. A canção nos traz uma Gal Costa já com uma interpretação contida, cool, que se refletiria no seu próximo álbum, o “Cantar”. A canção é doce, como a voz da cantora, que aqui é quase transformada em um templo colorido, traz um existencialismo com resquícios da filosofia dos hippies e da geração flower power, que busca a sua mística nas metáforas da natureza:

O sol nasceu, a lua nasceu
O dia nasceu, o sol nasceu
É tudo figura
É tudo mentira
Quem nasceu fui eu
Quem nasceu foi você
E a gente não sabe bem como
E nem sabe por que”

Acontece” (Cartola), é a segunda e última intervenção de Gal Costa no álbum “Temporada de Verão”. Um feliz encontro da cantora com o mestre Cartola. Todas às vezes que Gal Costa visitou o repertório deste compositor (“Cordas de Aço”, “As Rosas Não Falam”), produziu grandes obras-primas na sua carreira. “Acontece” é uma música melancólica, que traz a face final do amor, o triste reflexo de quando uma das partes já não tem paixão, quando o coração gela e já não há como fazê-lo renascer para o sentimento esgotado. A interpretação cool de Gal Costa acentua a melancolia de se esquecer da paixão pela estrada, e a dor de quem é esquecido. Com a gravação bem sucedida desta música por Gal Costa, o Brasil ganhou dois presentes: a belíssima interpretação da cantora e o primeiro disco gravado por Cartola, aos 65 anos de idade. O álbum “Cartola”, de 1974, produzido por Marcus Pereira, foi possível a partir desta redescoberta do mestre naquele verão da Bahia.
A forma considerada cool, de Gal Costa cantar a partir deste álbum, desagradaria totalmente aos que estavam acostumados com a fase visceral de “Fa-tal – Gal a Todo Vapor”, ou ainda com o folk-glitter de “Índia”. Aqui Gal Costa inaugura claramente uma nova fase, resgatando o que tinha sido proposto em “Domingo” (1967) e concretizado em “Cantar” (1974). O que parece cool é apenas o conter da leoa libertada em “Gal” (1969), a cantora torna-se mais intimista nos agudos, mas acende um lirismo mais doce, mais quente na voz de agudos domados, mas jamais esquecidos.
Temporada de Verão”, visto à luz de muitos verões que se passaram desde que foi lançado, é um álbum fundamental na carreira de Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Deixou-nos órfãos dos duetos que se esperava dele, mas registrou uma proposta de carreira que os cantores iriam seguir por algum tempo, até novas rupturas. Ele foi o embrião para a realização do refulgente “Doces Bárbaros”, de 1976, que acrescentaria Maria Bethânia ao trio, e presentear-nos-ia com duetos inesquecíveis, concretizando o que foi apenas sugerido no álbum de 1974.

Ficha Técnica:

Temporada de Verão - ao vivo na Bahia
Polygram
1974

Direção de produção: Guilherme Araújo e Perinho Albuquerque
Direção de estúdio: Perinho Albuquerque
Técnicos de gravação: Val Aliperti (ass. técnica)
Estúdio: Gravado ao vivo na Bahia
Arranjos: Gilberto Gil e Perinho Albuquerque
Corte: Joaquim Figueira
Capa: José Roberto Aguilar
Fotos: Tereza Eugênia

Gravado ao vivo na Bahia, Teatro Vila Velha, em janeiro e fevereiro de 1974


Caetano Veloso – Gal Costa – Gilberto Gil – Temporada de Verão - ao vivo na Bahia

1 - Quem nasceu
(Péricles R. Cavalcanti)
Interpretação: Gal Costa
2 - De noite na cama
(Caetano Veloso)
Interpretação: Caetano Veloso
3 - O conteúdo
(Caetano Veloso)
Interpretação: Caetano Veloso
4 - Terremoto
(Paulo César Pinheiro - João Donato)
Interpretação: Gilberto Gil
5 - O relógio quebrou
(Jorge Mautner)
Interpretação: Gilberto Gil
6 - O sonho acabou
(Gilberto Gil)
Interpretação: Gilberto Gil
7 - Cantiga do sapo
(Buco do Pandeiro - Jackson do Pandeiro)
Interpretação: Gilberto Gil
8 - Acontece
(Cartola)
Interpretação: Gal Costa
9 - Felicidade (Felicidade foi embora)
(Lupicínio Rodrigues)
Interpretação: Caetano Veloso

 
publicado por virtualia às 15:32
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