Quarta-feira, 18 de Março de 2009

AS PONTES DE MADISON COUNTY

 

 

A cinematografia de Clint Eastwood como diretor de filmes é densa, rica e repleta de surpresas agradáveis. Seus filmes normalmente trazem uma realidade pungente, crua, coberta de paradoxos, onde transitam personagens vulneráveis às fatalidades da vida e à condição social que faz do homem um ser menor diante de uma sociedade de heróis, que quando confrontado com a subversão dos costumes, consegue ser sempre maior do que o sistema onde está inserido. Em “As Pontes de Madison County” (“The Bridges of Madison County”), de 1995, Clint Eastwood deixa o seu universo amargo e de moral intrínseca, para contar, atrás e na frente das câmeras, uma sensível história de amor. Baseado no romance homônimo de Robert James Waller, o filme retrata de forma delicada, o amor na maturidade da vida. É daquelas histórias que, se já não aconteceu a todos que assistem ao filme, pelo menos desperta o desejo e a esperança de que um dia acontecerá. É o amor marcando de forma indelével a vida do ser humano. O amor envolvido pela paixão, que depois de realizado, deixa as suas lembranças para os que sobreviveram a ele.
Clint Eastwood já tinha visitado esta temática antes, em 1973, quando dirigiu o belíssimo filme “Breezy”, com William Holden a viver um homem que se vê surpreendido na maturidade da vida, com a chegada do amor intenso por uma jovem, a inquieta Breezy (Kay Lenz). Entre “Breezy” e “As Pontes de Madison County” passaram-se 22 anos, o que lhe deu uma maturidade e sensibilidade para desta vez, trazer o amor na maturidade do casal principal.
Meryl Streep, ao viver a dona de casa Francesca Johnson, tem o seu melhor papel no cinema na década de 1990, trazendo a performance dramática que nos acostumamos a ver nas personagens míticas que ela viveu na década anterior. Por esta interpretação, a atriz recebeu a sua décima indicação ao Oscar.
As Pontes de Madison County” é essencialmente, o trabalho de dois grandes atores. Clint Eastwood e Meryl Streep emocionam com interpretações definitivas, eles conduzem, através de gestos, olhares, diálogos e emoções à flor da pele, quase toda a trama, não dando espaço para outras personagens. Conseguem arrancar a emoção exata da platéia, transformando o filme em um elogio ao amor e à vida, nem sempre duas coisas conciliáveis.

Um Encontro de Amor na Maturidade da Vida

O casal de filhos de Francesca Johnson (Meryl Streep), volta à casa da mãe para enterrá-la. Após a cerimônia fúnebre, descobrem um baú onde Francesca guardava os seus “detalhes” de vida. Encontram anotações que vão desvendar a eles uma mulher completamente diferente daquela que acostumaram a ver como mãe.
A partir dos pertences e do manuscrito de Francesca, a história começa a ser contada em flashbacks. Somos transportados para uma tarde quente do verão de 1965. Francesca, uma dona de casa do Iowa, despede-se do marido e dos dois filhos, ainda crianças, que partem para uma feira, que duraria todo o fim de semana.
Sozinha em sua fazenda, Francesca é surpreendida pela chegada de Robert Kincaid (Clint Eastwood), um jornalista fotográfico da revista National Geographic, que bate à sua porta à procura de informações sobre o caminho para as pontes de Madison County. Entre ambos surge uma cordialidade, que diante da formalidade, não revela a eles, de imediato, o emaranhado de emoções que a vida lhes reservava. Robert só quer uma informação, Francesca só quer ser hospitaleira como costumam ser as pessoas do campo. Mas a vida quer bem mais para os dois. No meio da sua gentileza de mulher bucólica, Francesca oferece-se para mostrar o caminho a Robert. Ao entrar na caminhonete do fotógrafo, ela embarcará no verdadeiro sentido da sua vida, muito além da maternidade e da simplicidade de uma mulher casada com um homem do comum.
Francesca e Robert já tinham passado dos 50 anos, já tinham uma vida estruturada e presumivelmente definida. O momento das surpresas já se tinha acabado para eles. Sonhos juvenis davam passagem para a segurança da maturidade, tanto financeira, como emocional. Nenhum deles procurava uma aventura.
Francesca acompanhou Robert mais de uma vez às pontes. Assistiu ao seu trabalho atrás das câmeras. Aquele mundo tão diferente do seu despertou-lhe a curiosidade. Surpreendentemente, ela foi descobrindo mais afinidades com o mundo incerto de Robert, do que com a sua bucólica vida sem brilho, ao lado do marido e dos filhos, supostamente feliz.
Aos poucos Francesca interessa-se pelo mundo de Robert, ouve a sua história de andarilho sem raízes, sem amarras. Assim como ela, o fotógrafo já abraçava o crepúsculo das ilusões de juventude, como se a vida fosse linear, e as expectativas pertencessem ao passado. Mas quanto mais são gentis e cordiais um com o outro, uma atração inexplicável vai tomando conta de ambos, trazendo uma atmosfera agradável e um brilho novo no olhar dos dois.
Quanto mais sabe da vida de Robert, mais Francesca recupera a sua. De repente quem fala ao estranho não é a mulher mãe de dois filhos, casada e isolada na sua pacata vida rural; é Francesca italiana, nascida em Bari, que sofrera os preconceitos de ser imigrante. Esta Francesca está além das limitações do seu cotidiano simplório. Ela aos poucos, compartilha com Robert o amor pela beleza e pela aventura. Ela vê através das andanças do fotógrafo pelo mundo, reflexos dos do que imaginara em seus sonhos.
Se no primeiro dia Robert vai dormir na cidade, no segundo Francesca, após ajudá-lo a fotografar as pontes cobertas, especialmente a Ponte Roseman, convida-o para jantar em sua casa. No limiar dos acontecimentos, Robert conhece em um bar da pequena cidade, uma mulher triste, isolada por toda a comunidade. Fica a saber que ninguém lhe dirige a palavra por ter sido adúltera com o marido. Preocupado que as pessoas possam vir a falar o mesmo de Francesca, Robert telefona para ela, disposto a recusar o convite, caso ela assim ache melhor. Francesca conhece a história da mulher. Não se intimida. Confirma o convite. A atração intelectual que ambos sentem um pelo outro já se tornara irresistível, emocional e física. Francesca compra um vestido novo e ousado para jantar com Robert. O Amor parecia chegar, quando a vida parecia terminar as aventuras.

Quatro Dias de Amor

Um dos momentos mais sublimes e delicados do filme, é quando o diretor conduz a nudez tênue dos apaixonados, mostrando a beleza madura dos corpos dos dois atores, sob uma luz suave, de um erotismo romântico, revelando o amor que transcende das personagens, fazendo com que se esqueçam, por uma noite, todas as barreiras da moralidade e do convencional. Do jantar à luz de duas velas à dança de rosto colado, do primeiro toque de Francesca em Robert, quando fala ao telefone com a sua realidade ao momento de ludismo sensual do banho, é desenhada no cinema uma das mais belas histórias de amor, tão arrebatadora quanto à interpretação dos atores.
Após a entrega à felicidade efêmera da paixão, vem o momento em que Francesca volta a ser a mãe, agarrando-se ao medo do fim daquela felicidade, ela transborda a dor do amor que chegou tão tarde e arrebatador, mas que já tem que ir embora. Movida pelo medo da perda, Francesca provoca uma grande discussão. É a dor da separação que já toma conta do seu ser. Pergunta, amargurada, a Robert, se foi mais uma de suas aventuras, ao que ele responde que percorrera todos os caminhos do mundo para um dia estar ali, diante dela. Propõe-lhe que fuja com ele. Mas Francesca sabe que tem dois filhos pequenos e um marido fiel. Diz a Robert que vive dos seus “detalhes” de vida, dos objetos, dos filhos, e que o amor lhe chegara finalmente, mas chegara tarde demais.
Passaram-se apenas quatro dias desde que se conheceram. Mas Francesca conseguira revelar em Robert a sua verdadeira face, escondida na força que o fazia um andarilho solitário, sem nunca enxergar alguém. Também ele revelara em Francesca uma mulher sensual, amante, sonhadora, pronta para viver um grande amor, pronta para ir além da libido apagada pela condição de mãe.
Robert parte. Hospeda-se em um hotel, à espera de Francesca. A família retorna, trazendo os “detalhes” e o cotidiano daquela mulher que ousou a sonhar com o amor e, encontrou-o finalmente. Com o marido de volta, Francesca acompanha-o da fazenda até a cidade. Uma grande tempestade apagava os dias quentes daquele verão. Dentro da caminhonete do marido, Francesca avista Robert. Ele, debaixo da chuva, olha profundamente para Francesca, a esperar que ela parta com ele. Francesca toca na maçaneta do carro do marido, há um momento de tensão, por um instante, ela pensa em sair do carro e correr para os braços de Robert. Não o faz. Robert desaparece entre a chuva. Francesca chora desesperada. O marido nada pergunta. Prefere deixar a mulher envolta em seus segredos. Robert e Francesca jamais se encontrarão outra vez. Teriam a vida inteira para lembrarem dos quatro dias que viveram, ligando-se um ao outro por toda vida.

Cinzas Sobre as Pontes

Francesca renunciou ao amor da sua vida, dedicando-se à família. Mas sua vida jamais foi a mesma. Surpreendentemente, quando Robert partiu, ela procurou a mulher que todos hostilizavam na cidade por causa do adultério, tornando-se para sempre a sua melhor amiga.
Passados os anos, Francesca já velha, torna-se viúva. Acompanhara Robert Kinkaid de longe, através das suas reportagens fotográficas. Um dia recebe em casa uma encomenda de Robert, que morto, deixara-lhe em testamento, as suas máquinas fotográficas, um medalhão que nunca tirou do pescoço, um livro de fotografias intitulado “Quatro Dias”, dedicado a ela. A velha mulher abraça-se àqueles objetos, como se recuperasse um pouco do amor perdido. Nas lágrimas de Francesca (momento sublime da interpretação de Meryl Streep), sente-se que também Robert renunciara a uma vida ao lado de qualquer outra pessoa, para trazê-la definitivamente dentro dele. Francesca chora, abraçada às lembranças e aos seus “detalhes” de vida.
O tempo passou. Também Francesca morreu. Os filhos encontram no baú os objetos de Robert Kinkaid, o vestido que Francesca usara na sua noite de amor e o manuscrito que revelava a sua verdadeira história, a sua verdadeira essência. Francesca explica aos filhos que dedicara a sua vida a eles, que depois de morta, deixasse que ela se presenteasse a Robert. Quer que o seu corpo seja cremado e as suas cinzas sejam jogadas nas pontes de Madison, onde foram jogadas as cinzas do fotógrafo.
Ao descobrir a verdadeira face da mãe, que deixa clara a sua insatisfação diante da vida medíocre que levou no campo, os filhos tomam decisões importantes e corajosas em suas vidas, entre elas, a da filha ter coragem de divorciar-se. Por fim, eles cumprem o último desejo da mãe. Juntos, atiram as cinzas de Francesca de uma das pontes de Madison, a Ponte Roseman. É o momento etéreo que a presença do amor nos faz crer que, um dia aconteceu ou acontecerá na vida de todos nós. Encerra-se esta história de um amor poderoso, que nos afeta em todos os seus detalhes. Mesmo quando este amor vem tão tarde, como veio para Robert e Francesca.

Ficha Técnica:

As Pontes de Madison County

Direção: Clint Eastwood
Ano: 1995
País: Estados Unidos
Gênero: Drama
Duração: 135 minutos / cor
Título Original: The Bridges of Madison County
Roteiro: Richard LaGravanese, baseado no livro de Robert James Waller
Produção: Clint Eastwood e Kathleen Kennedy
Música: Clint Eastwood e Lennie Niehaus
Direção de Fotografia: Jack N. Green
Desenho de Produção: Jeannine Claudia Oppewall
Direção de Arte: Jay Hart
Figurino: Colleen Kelsall
Edição: Joel Cox
Estúdio: Warner Bros. / Amblin Entertainment / Malpaso Productions
Elenco: Clint Eastwood, Meryl Streep, Annie Corley, Victor Slezak, Jim Haynie, Sarah Kathryn Schmitt, Christopher Kroon, Phyllis Lyons, Debra Monk, Richard Lage, Michelle Benes
Sinopse: Após a morte de Francesca Johnson (Meryl Streep), uma proprietária rural do interior do Iowa, seus filhos descobrem, através de cartas que a mãe deixou, do forte envolvimento que ela teve com um fotógrafo (Clint Eastwood) da National Geographic, quando a família se ausentou de casa por quatro dias. Estas revelações fazem os filhos questionarem seus próprios casamentos.

Clint Eastwood

Clint Eastwood nasceu em 31 de maio de 1930, em São Francisco, EUA. É um ator-diretor que galgou por muitos anos, uma imagem de intérprete monossilábico e de poucas expressões faciais, em filmes de western feitos na Itália, ou na pele do inspetor de polícia Harry Callahan, de Dirty Harry. A sua carreira parecia condenada a ser de sucessos fáceis e filmes superficiais de ação e pouca verve dramática, como os filmes de Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger. Mas o tempo e o talento provaram o contrário.
Se nos anos sessenta e setenta Clint Eastwood rendeu-se às limitações de uma imagem comprometida com os filmes de ação, já na década de oitenta vieram as transformações e o reconhecimento, tanto como ator, como diretor de cinema, com grandes filmes como “Bird” e “White Hunter Black Heart”.
Mas o respeito e a consagração final vieram na década de noventa. Em 1993 conquistou o Oscar de melhor diretor, com filme Unforgiven (Imperdoável), que também ganhou a estatueta de melhor filme daquele. Neste filme Clint Eastwood voltava a cavalgar em um western, só que desta vez rompia com a imagem dos westerns italianos que participara no início da carreira. Aparecia como um cowboy envelhecido e quase aposentado, rompendo de vez com a imagem de galã inexpressivo. É desta década um outro grande filme dirigido e interpretado por ele: “A Perfect World”. Em 2004 Clint Eastwood teve outro filme de sucesso, que arrebatou 4 Oscars, incluindo o de melhor diretor e o de melhor filme: “Million Dollar Baby
Clint Eastwood costuma ser discreto em sua vida pessoal, apesar de já se ter casado por cinco vezes. Quando jovem chegou a tocar piano em bares, é famoso por apreciar música e ter uma grande paixão pelo jazz. Chegou a compor a música de “As Pontes de Madison County” em parceria com Lennie Niehaus. Seu amor pelo jazz motivou seu filho Kyle, a ser músico de jazz.
Clint Eastwood tornou-se um diretor respeitável, um dos mais conceituados dentro do cinema norte-americano, responsável por grandes filmes de sucessos e de forte dramaticidade.

Filmografia de Clint Eastwood:

Ator:

1955 – Revenge of the Creature (A Revanche do Monstro)
1955 – Francis in the Navy
1955 – Lady Godiva
1955 – Tarantula
1956 – Never Say Goodbye
1956 – Star in the Dust
1956 – Away All Boats (Barcos ao Mar)
1956 – The First Traveling Saleslady
1957 – Escapade in Japan
1958 – Lafayette Escadrille
1958 – Ambush at Cimarron Pass
1959 – Rawhide
1964 – Per Un Pugno di Dollari (Por Um Punhado de Dólares)
1965 – Per Qualche Dollaro in Più (Por Qualquer Dólar a Mais)
1966 – Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo (O Bom, O Mau e o Vilão ou Três Homens em Conflito)
1967 – The Witches
1968 – Hang ‘Em High – (Território Sem Lei)
1968 – Coogan’s Bluff (Meu Nome é Coogan)
1968 – Where Eagles Dare (Desafio das Águas)
1969 – Paint Your Wagon (Os Aventureiros do Ouro)
1970 – Two Mules For Sister Sara (Os Abutres Têm Nome)
1970 – Kelly’s Heroes (Os Guerreiros Pilantras)
1971 – The Beguiled (O Estranho Que Nós Amamos)
1971 – Play Misty For Me (Perversa Paixão)
1971 – Dirty Harry (Perseguidor Implacável)
1972 – Joe Kidd
1973 – High Plains Drifter (O Estranho Sem Nome)
1973 – Magnum Force (Magnum 44)
1974 – Thunderbolt and Lighfoot
1975 – The Eiger Sanction (Escalado Para Morrer)
1976 – The Outlaw Josey Wales (Josey Wales – O Fora da Lei)
1976 – The Enforcer
1977 – The Gauntlet (Rota Suicida)
1978 – Every Which Way But Loose (Doido Para Brigar.. Louco Para Amar)
1979 – Escape From Alcatraz (Alcatraz – Fuga Impossível)
1980 – Bronco Billy
1980 – Any Which Way You Can (Punhos de Aço – Um Lutador de Rua)
1982 – Firefox (Raposa de Fogo)
1982 – Honkytonk Man
1983 – Sudden Impact (Impacto Fulminante)
1984 – Tightrope
1984 – City Heat
1985 – Pale Rider (O Cavaleiro Solitário)
1986 – Heartbreak Ridge (O Destemido Senhor da Guerra)
1988 – The Dead Pool (Dirty Harry na Lista Negra)
1989 – Pink Cadillac (O Cadillac Cor-de-Rosa)
1990 – White Hunter Black Heart (Caçador Branco Coração Negro)
1990 – The Rookie
1992 – Unforgiven (Imperdoável)
1993 – In the Line of Fire (Na Linha de Fogo)
1993 – A Perfect World (Um Mundo Perfeito)
1995 – The Bridges of Madison County (As Pontes de Madison County)
1997 – Absolute Power (Poder Absoluto)
1999 – True Crime (Crime Verdadeiro)
2000 – Space Cowboys (Cowboys do Espaço)
2002 – Blood Work (Dívida de Sangue)
2004 – Million Dollar Baby (Menina de Ouro)
2008 – Gran Torino

Diretor:

1971 – Play Misty For Me (Perversa Paixão)
1973 – High Plains Drifter (O Estranho Sem Nome)
1973 – Breezy
1975 – The Eiger Sanction (Escalado Para Morrer)
1976 – The Outlaw Josey Wales (Josey Wales – O For a da Lei)
1977 – The Gauntlet (Rota Suicida)
1980 – Bronco Billy
1982 – Firefox (Raposa de Fogo)
1982 – Honkytonk Man
1983 – Sudden Impact (Impacto Fulminante)
1985 – Pale Rider (O Cavaleiro Solitário)
1986 – Heartbreak Ridge (O Destemido Senhor da Guerra)
1988 – Bird
1990 – White Hunter Black Heart (Caçador Branco Coração Negro)
1990 – The Rookie
1992 – Unforgiven (Imperdoável)
1993 – A Perfect World (Um Mundo Perfeito)
1995 – The Bridges of Madison County (As Pontes de Madison County)
1997 – Midnight in the Garden of Good and Evil (Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal)
1997 – Absolute Power (Poder Absoluto)
1999 – True Crime (Crime Verdadeiro)
2000 – Space Cowboys (Cowboys do Espaço)
2002 – Blood Work (Dívida de Sangue)
2003 – Mystic River (Sobre Meninos e Lobos)
2004 – Million Dollar Baby (Menina de Ouro)
2006 – Flags of Our Fathers (A Conquista da Honra)
2006 – Letters From Iwo Jima (Cartas de Iwo Jima)
2008 – Changeling
2008 – Gran Torino

 
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Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2009

RETRATOS DE VÊNUS, POR SANDRO BOTTICELLI

 

 

O mito grego de Afrodite, ou Vênus para os romanos, por ter sido eleita a mais bela das deusas, a deusa do amor e da paixão humana, teve diversas representações nas artes através dos séculos. Das esculturas clássicas às pinturas renascentistas, passando pelo expressionismo, Vênus adquiriu vários rostos, vários corpos, mas nenhum foi mais famoso do que a Vênus de Sandro Botticelli, retratada na sua obra mais famosa, “O Nascimento de Vênus”. A imagem nua da sua Vênus de cabelos dourados, emergindo do mar sobre uma concha, correu o mundo e o imaginário das pessoas. Famosa como a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ou o David de Michelangelo, a Vênus nua não foi o único retrato da deusa feita por Botticelli. Outras grandes pinturas não menos famosas, “A Primavera” e “Vênus e Marte”, trazem uma Vênus vestida, menos sensual e com características menos profanas, como no caso do primeiro quadro. Seja qual for o retrato de Vênus que saiu das pinceladas de Botticelli, elas trazem a beleza do renascimento italiano, impregnada pela visão do neoplatonismo.
Aqui os três retratos da deusa do amor na criação de Sandro Botticelli: “A Primavera”, “O Nascimento de Vênus” e “Vênus e Marte”. Nas três obras, Vênus eterniza-se com os seus cabelos longos e dourados, mostrando que o mito foi além da imaginação humana, traduzido na beleza da arte e de um grande artista.

A Primavera

Obra de temática profana mitológica clássica, que com símbolos das divindades pagãs, apresenta-nos a chegada da estação que abre o círculo da vida e da sua renovação, ou seja, a primavera. Na concepção mitológica, Vênus, deusa do amor dos humanos e dos deuses, é a responsável pelo desejo da água, que tudo fecunda e renova. No quadro de Botticelli, Vênus aparece no centro da obra, mas não sendo a principal personagem da pintura. A deusa é representada de forma discreta, trazendo vestimentas recatadas. Esta discrição de Vênus remete-nos a uma compreensão que nesta obra, o artista condensa a representação pagã de Vênus às imagens renascentistas da virgem Maria. Vênus traz gestos nas mãos, como uma madona a abençoar o mundo. À sua cabeça a figura do anjo é substituída pela de Cupido, que com os olhos vendados, aponta a sua seta para a três Graças, que estão do lado esquerdo da deusa do amor.
Quando descortinamos a obra a partir da figura de Aglaia, Tália e Eufrósine, as três Graças, é que começamos a encontrar traços precisos da filosofia neoplatônica. As Graças surgem profanas, virginais, sensuais, trajando vestes transparentes, harmonizando a beleza das cores primaveris, pulsantes pela intervenção dos corpos humanos. Mais a ocidente do quadro está Mercúrio (Hermes), o mensageiro dos deuses, com suas sandálias aladas, trazendo uma túnica vermelha, exaltando-lhe a virilidade. Mercúrio dissipa as nuvens, rompendo com a tristeza do inverno, trazendo o sol de primavera.
Quando voltamos para a direita de Vênus, vamos encontrar Flora, a deusa das florestas e das flores. Flora traja roupas floris, das roupas a deusa espalha as flores pelos campos. Flora é a única personagem da obra a olhar diretamente para o observador, como se fosse atirar as flores além daquela paisagem, colorindo quem contempla a obra.
Ao oriente da obra surge Zéfiro, o vento do oeste. Zéfiro na mitologia é personificado como um vento agradável, uma brisa suave, é ele o mais suave de todos os ventos, o mensageiro da primavera. Zéfiro, retratado aqui como um ser esverdeado, abraça a bela ninfa Clóris. Na mitologia romana Flora é a mulher de Zéfiro, na mitologia grega ela é identificada com Clóris, uma das Alseídas, ninfa das flores. Conta a lenda que Zéfiros viu Clóris num dia de primavera, apaixonou-se fulminantemente por ela, raptando-a. Do amor de Zéfiro e Clóris nasceu Carpo, o deus dos frutos. É no abraço (ou rapto) de Zéfiro a Clóris que termina a obra de Botticelli. Ou começa, conforme o olhar de quem a contempla.

A Primavera
Sandro Botticelli (cerca de 1477-78)
Têmpera sobre madeira, 203 x 314 cm
Galeria Uffizi, Florença

O Nascimento de Vênus

Se em “A Primavera” a figura de Vênus surge recatada, quase como uma virgem católica, na obra mais conhecida de Sandro Botticelli, “O Nascimento de Vênus”, a deusa do amor é retratada nua, absoluta, sensual, totalmente profana, como o seu mito eterno.
Vênus nasceu da espuma do mar. Quando Saturno (Cronos) cortou os testículos do pai, Céu (Urano), destronando-o, atirou-os ao mar. Dos testículos amputados de Urano, uma grande espuma foi formada no mar, de onde nascia Vênus, ou Afrodite, a mais bela de todas as deusas.
É este momento sublime, o nascimento da deusa do amor, que nos retrata a bela obra de Botticelli. Ao nascer no meio do mar, Vênus é amparada por uma grande concha de madrepérolas. Uma Vênus nua, de cabelos longos e dourados, é apresentada no centro da obra, com todo o seu esplendor. Delicadamente, com uma das mãos cobre um dos seios, e com a outra mão, conduz a longa cabeleira dourada a esconder-lhe o sexo divino. Vênus aparece nua e a insinuar a nudez, sutilmente coberta, pronta para ser revelada.
Zéfiro surge à esquerda de Vênus, abraçado à sua eterna companheira, a ninfa das flores, Clóris. Cabe ao vento do oeste soprar a bela deusa para a ilha de Chipre. Clóris sopra sobre a deusa singela e belas violetas. Á esquerda, já na ilha de Chipre, está uma das Horas, que prepara uma túnica imortal para cobrir a deusa do amor.
O Nascimento de Vênus” é ao lado da estátua da Vênus de Milo, a representação mais conhecida do mito de Vênus-Afrodite. Tornou-se uma das obras mais difundidas nos tempos atuais, eternizando o seu criador. É um dos ícones mais representativo do Renascimento.
 


O Nascimento de Vênus
Sandro Botticelli (cerca de 1485)
Têmpera sobre tela, 1,72.5 x 2,78.5 cm
Galeria Uffizi, Florença

Vênus e Marte

O mito de Vênus está ligado ao seu casamento com Vulcano (Hefestos), deus dos vulcões e do fogo, que em um ato de vingança contra a mãe Juno (Hera), aprisionara-a a um trono de ouro. Vulcano exigiu como condição para soltar a mulher de Júpiter (Zeus), que lhe fosse oferecida Vênus em casamento. A deusa nunca aceitou o amor do marido, traindo-o com deuses e mortais. Dos amores adúlteros de Vênus, o mais famoso é o que viveu com Marte (Ares), o deus da guerra.
É o contraste da paixão entre a doçura passional da deusa do amor e a fúria, também ela passional, do deus da guerra, que Botticelli mostra nesta sua obra. “Vênus e Marte” é o momento lúdico de descanso e paz dos amantes após o ato do amor. O repouso traz uma paz passageira, harmoniosa.
Depois da nudez de Vênus em “O Nascimento de Vênus”, Botticelli traz aqui a deusa vestida, desta vez com um peplo debruado com passamanaria de ouro. Em contraste com Vênus, Marte é desnudado, tendo a virilidade coberta por um sutil manto branco. Vênus, debruçada sobre uma almofada, contempla o amante com calma de quem ama, enquanto ele dorme, exausto pela volúpia da paixão, sobre a suas armadura e despojos de guerra.
Entre os amantes surgem os Sátiros, deuses das florestas, de volúpia incontrolável, que aqui aparecem representados como crianças. Um dos sátiros tenta acordar o deus da guerra, soprando-lhe o ouvido com uma concha. Um outro entra na armadura do deus da guerra, e dois deles carregam o elmo e a lança, como se os escondesse. Nenhum dos quatro sátiros perturbam a deusa do amor.
O quadro contrasta a nudez de Marte com as vestes delicadas e sensuais de Vênus. Ambos repousam em uma clareira formada por mirtos, trazendo uma suavidade ao quadro, harmonizando a paixão e o amor, a guerra e a paz, duas vertentes indissociáveis dos mitos dos deuses.
 

Vênus e Marte
Sandro Botticelli (cerca de 1483)
Têmpera sobre madeira, 69,2 x 173,4 cm
National Gallery, Londres

Sandro Botticelli

Alessandro di Mariano Filipepi, passou para a história da arte como Sandro Botticelli. Nascido em Florença, em 1 de março de 1445, época de transição do fim da Baixa Idade Média e o Renascimento. Tinha pouco mais de dez anos quando entrou para o atelier de Filippo Lippi, de quem recebeu influências no estilo elegante de criar as suas obras. Botticelli foi também, ajudante de Andrea Del Verrochio que, ao lado de Piero Pollaiuolo, influenciariam as suas obras.
Botticelli aos 25 anos, já tinha o seu próprio atelier em Florença. Por volta de 1477 pintou, para enfeitar a residência dos Médici, uma das suas obras mais conhecida, “A Primavera”, de temática mitológica, trazendo os deuses Vênus e Mercúrio no centro da temática.
No ano de 1481 foi chamado a Roma pelo papa Sisto IV, para trabalhar ao lado de outros artistas, na decoração da capela Sistina. Ali realizou dois episódios da vida de Moisés: “As Provações de Moisés” e “O Castigo dos Rebeldes”, além de “A Tentação de Cristo”.
O artista voltaria à Florença para trabalhar para a família Médici, fazendo parte do círculo neoplatônico impulsionado por Lorenzo de Médici, o Magnífico. É desta época as suas obras mais famosas: “O Nascimento de Vênus”, de cerca de 1485, além de “Marte e Vênus” e “Minerva e o Centauro”, obras que traziam, novamente, uma temática profana mitológica.
Por volta de 1491 a 1498, Florença foi assolada pelo poder conservador do dominicano Girolamo Savonarola, que com a morte de Lorenzo, o Magnífico, perseguiria os Médici, e condenaria às obras profanas. Sandro Botticelli vê a sua obra afetada pela perseguição de Savonarola, desaparecendo dela a temática mitológica, dando passagem para criações de devoções religiosas e atormentadas. É desta época "A Calúnia de Apelles".
Quando Sandro Botticelli morreu, em 17 de maio de 1510, já Savonarela tinha sido queimado na fogueira por ter ousado confrontar o Vaticano, e os reinos da Itália viviam a plenitude estética do Renascimento. A obra de Sandro Botticelli, devido a sua rara beleza estética, faz parte desse renascimento, pode ser dividida em duas: de temática profana mitológica e de temática devota religiosa.

Principais Obras de Botticelli

O Nascimento de Vênus
A Primavera
A Adoração dos Magos
O Castigo dos Rebeldes
A Tentação de Cristo
Retrato de Dante Alighieri
Nastagio Degli Onesti
A Coroação da Virgem
O Inferno de Dante
A Virgem Escrevendo o Magnificat
A Virgem de Granada
Virgem Com o Menino e Dois Anjos
As Provações de Moisés
Minerva e o Centauro
Marte e Vênus
Retrato de Giuliano de Médici
A Calúnia de Apelles

 
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Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2009

BENÍCIO: RETRATOS DO CINEMA BRASILEIRO

 

 

O cinema nacional dos anos setenta ficou marcado pelas pornochanchadas. O termo surgiu de chanchada, designação para as comédias do cinema nacional de caráter popular, ingênuo e burlesco que predominou da década de trinta à ao início da década de sessenta. Com a mudança dos comportamentos sociais no mundo, o cinema absorveu novas tendências e uma nova linguagem. No Brasil, as chanchadas, inspiradas nos filmes italianos e franceses, adquiriram nos anos setenta, uma verve mais erótica, com cenas de nudez, que fizeram ser classificadas à época de pornográficas, surgindo o termo pornochanchada. Vistas aos olhos de hoje, as pornochanchadas eram filmes até certo ponto maliciosos, picantes, mas de um humor ingênuo, que nada lembram aos filmes pornôs atuais. Uma das características dos filmes das pornochanchadas era os seus cartazes, todos eles feitos pelo ilustrador José Luiz Benício, conhecido por J.L. Benício, ou simplesmente Benício. É dele a autoria dos famosos cartazes da então rainha das pornochanchadas, Vera Fischer, entre eles, o mais conhecido: “A Super Fêmea”, de 1973. Os cartazes de Benício eram uma marca do cinema nacional nos anos setenta e oitenta, não só os das pornochanchadas, mas de clássicos como “Dona Flor e os Seus Dois Maridos” (1976), “Independência ou Morte” (1972), “O Beijo no Asfalto” (1981), ou “Perdoa-me Por Me Traíres” (1983). Foram mais de 300 cartazes de filmes feitos por Benício, praticamente a produção de uma década. O traçado de Benício hoje faz parte do nosso acervo cultural, tornou-se cult, uma obra pop que reflete a identidade de uma época, que já distante, parece que foi ontem.

Das Mãos de Benício, Belos Rostos das Espiãs dos Livros de Bolsos

Benício é gaúcho de Rio Pardo, nascido em 1936. Iniciou a sua carreira de ilustrador aos 16 anos. Foi no Rio de Janeiro que, trabalhando para a Rio Gráfica Editora, passou a ser conhecido, construindo uma carreira que ilustrava, principalmente, as mulheres. Inspirado no norte-americano Norman Rockwell, é de Benício as ilustrações das mais famosas pin-ups feitas no Brasil.
As mulheres das ilustrações de Benício já eram famosas no Brasil antes dele ilustrar os cartazes do cinema. Sua fama vinha dos livros de bolso, ou pocket book. A partir dos anos cinqüenta os livros de bolsos tornaram-se populares no Brasil, atingindo o ápice nos anos sessenta. Uma geração de brasileiros deliciou-se com os livros de bolsos com histórias do western norte-americano, os famosos livrinhos de cowboys. Além deste tema, a Editora Monterrey criou duas outras séries de sucesso dos livrinhos de bolsos: ZZ7 e FBI. Todas as capas desses livros foram feitas por Benício.
É da série ZZ7 que surgiu a famosa espiã Brigitte Montfort. A imagem de Brigitte, uma morena de olhos azuis e corpo escultural, foi inspirada em uma modelo chamada Maria de Fátima Lins. A série dos livros de Brigitte Montfort tem uma origem curiosa, que muito mexeu com imaginário do brasileiro por mais de duas décadas. Sua origem remota da época em que, para concorrer com Nelson Rodrigues, que publicava o folhetim “Meu Destino É Pecar”, em “O Jornal”, sob o pseudônimo de Suzana Flag, David Nasser inventou uma personagem para o “Diário da Noite”, outra publicação dos “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand. Surgia “Giselle - A Espiã Nua Que Abalou Paris”. Giselle Montfort foi apresentada aos leitores não como uma personagem fictícia, o “Diário da Noite” anunciava que comprara com exclusividade, as memórias da bela mulher que passara de cama em cama dos nazistas, obtendo informações para as forças aliadas. O nome de David Nasser como sendo o autor das memórias de Giselle, só seria revelado muitos anos depois. “Giselle - A Espiã Nua Que Abalou Paris”, fez vender nas bancas, milhares de exemplares do “Diário da Noite”. David Nasser jamais havia posto os pés em Paris, criou a espiã francesa em conversas com Jean Manzon, fotógrafo parisiense dos “Diários Associados”, para dar veracidade à ficção. Conta-se que, inconformado com os salários atrasados, David Nasser invadiu a sala de Assis Chateaubriand e ameaçou: "O senhor deve ter visto que a personagem principal está encostada num muro e vai ser fuzilada no capítulo de amanhã. Chega de trabalhar de graça." O patrão teria pago de imediato os salários atrasados, ressaltando: "Se Giselle aparecer morta, depois de amanhã você acorda desempregado, seu turco ordinário!". No final da história, Giselle era fuzilada pelos nazistas. Foi então que surgiu a idéia de criar a filha da Giselle, nascia a sedutora Brigitte Monrfort. A filha da espiã francesa foi uma das mais belas e famosas criações das ilustrações de Benício. Foram mais de 1500 capas de pocket books criados pelo ilustrador, que além de Brigitte Montfort, deu notabilidade a outro personagem: K. O. Durban.

Os Cartazes Eróticos das Pornochanchadas

Numa época de rigorosa censura moralista que assolava o Brasil, criar cartazes sensuais que atraíssem os telespectadores às telas dos cinemas exigia talento e sensibilidade, além de uma aguçada visão do momento que se vivia. Os cartazes das pornochanchadas eram insinuantes, eróticos, mas estavam longe da vulgaridade, ou tão pouco, eram pornográficos. Benício sabia como ninguém realçar a beleza sensual das atrizes, tornando-as irresistíveis e desejáveis.
Há que se esclarecer que as pornochanchadas não traziam atrizes de filmes pornôs, não eram filmes de sexo explícito, mas insinuado, eram comédias picantes, com uma dose de cenas de nudismo que excitava a platéia. Em um momento tão inóspito para as artes, foram as pornochanchadas que permitiram a sobrevivência do cinema nacional na época da ditadura militar, uma vez que temas políticos eram proibidos. O gênero só desapareceria em 1982, quando a censura da ditadura militar liberou os filmes de sexo explícito, e os filmes pornográficos passaram a ser feitos no Brasil. O primeiro filme pornográfico produzido no país, “Coisas Eróticas” (1982), teve uma grande repercussão, enterrando de vez as pornochanchadas.
Os cartazes de Benício insinuavam a nudez que se iria ver dentro das salas de cinema, mas jamais a visualizava por inteiro. O cartaz teria que ser revelador, sem cair na pornografia, passar a mensagem erótica, sem fazê-la vulgarmente. A respeito desses cartazes Benício declararia:
Eu era o Pitanguy das atrizes. As deixava mais bonitas do que eram realmente. Tirava a celulite, botava cintura. Eu resolvia o que não podia ser feito por fotografia, e elas ficavam felizes.”
Uma geração não se esquece dos anúncios na porta dos cinemas, com cartazes ilustrados por Benício, entre eles: “A Super Fêmea”, “Histórias Que as Nossas Babás Não Contavam”, “O Grande Gozador”, “.. Cada Um Dá o Que Tem” e “Um Soutien Para o Papai”.
Os cartazes de Benício sobreviveram aos próprios filmes, sendo hoje disputados por uma legião de fãs nos sebos e nos sites de leilões. As pornochanchadas cumpriram nos tempos sombrios da ditadura, a missão de não deixar o cinema nacional morrer. Ainda sobre o seu trabalho para os cartazes desses filmes, Benício, hoje com mais de setenta anos de idade, revela-nos:
“Eu tomava cuidado, nunca desenhava o bico do seio, por exemplo. A gente disfarçava, botava florzinha, um brilhante, o que fosse.”

Valiosa Contribuição Para o Cinema Nacional

A importância do trabalho de Benício para o cinema nacional vai além das pornochanchadas. Da sua genialidade criativa saíram os mais belos cartazes para os mais diversos estilos de filmes feitos no Brasil. Foram cerca de 30 cartazes para os filmes de “Os Trapalhões”. Quem foi criança na época de ouro de Os Trapalhões, lembra-se dos cartazes de Benício para os filmes dos comediantes, entre eles: “Simbad o Marujo Trapalhão", “Cinderelo Trapalhão”, ”Robin Hood o Trapalhão da Floresta”, e o clássico “Os Saltimbancos Trapalhões”, que se tornaria capa do álbum do mesmo nome, com músicas de Chico Buarque.
Das mãos de Benício saíram ainda, cartazes para clássicos do cinema nacional, como: “O Ébrio”, com Vicente Celestino; “O Profeta da Fome”, um psicodélico desenho para o filme de José Mojica Marins, o Zé do Caixão; “A Madona de Cedro”, filme com Leonardo Villar e os saudosos Sérgio Cardoso e Leila Diniz; “Independência ou Morte”, filme com Tarcísio Meira e Glória Menezes, feito para as comemorações dos 150 anos de independência do Brasil, em 1972; ou do mítico “Dona Flor e os Seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto, que consagraria Sonia Braga no cinema nacional. Também é de Benício os cartazes de duas adaptações para o cinema da obra de Nelson Rodrigues, feitas nos anos oitenta: “Perdoa-me Por Me Traíres” e “O Beijo no Asfalto”.
José Luiz Benício, que na juventude sonhara ser músico, um pianista, tornou-se um ícone nas artes visuais do país com as suas míticas capas dos livros de bolsos ou com os mais de 300 cartazes para os filmes do cinema nacional.
Convidado por Oswaldo Massaini, em 1969, para ilustrar os cartazes do cinema, Benício só interromperia a sua produção nos anos noventa, quando o então presidente Fernando Collor acabou com a Embrafilme, e, conseqüentemente, com o cinema nacional. Quando foi retomado no fim dos anos noventa, o cinema já usava o computador para a produção dos seus cartazes, que tornam a produção mais barata. E a obra de Benício tornou-se um ícone histórico da sétima arte no Brasil.

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Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2009

SONIA BRAGA & GAL COSTA SOB AS LENTES DE ANTONIO GUERREIRO

 

 
Nos anos setenta e oitenta, as mulheres mais bonitas do país foram fotografas pelas lentes do fotógrafo Antonio Guerreiro, o preferido de nove entre dez celebridades. Fernanda Montenegro, Leila Diniz, Vera Fischer, Lucélia Santos, Tônia Carrero, Zezé Motta, Sandra Bréa, Dina Sfat, Priscila Fantin, Betty Faria e muitas outras, nenhuma mulher famosa escapou aos olhos e à câmera do artista. Dentre tantas beldades, duas estrelas eram as musas preferidas de Antonio Guerreiro: a atriz Sonia Braga, com quem viveu um romance, e a cantora Gal Costa. Estas duas mulheres que têm vários pontos comuns entre si, como a sensualidade e a beleza quente que retrata a mulher brasileira, além das personagens para as quais Sonia Braga emprestou o corpo, e Gal Costa a voz; foram registradas no esplendor da juventude por Antonio Guerreiro.
Belíssimas, míticas, emblemáticas, Gal Costa e Sonia Braga, sob as lentes mágicas do fotógrafo, um momento etéreo de beleza e de ludismo, para sempre eternizados. As fotografias apresentadas neste artigo, com exceção da de Gal Costa e Sonia Braga juntas, são todas de Antonio Guerreiro. Façamos um zoom às musas do fotógrafo.

Sonia Braga e Gal Costa, Corpo e Voz de Grandes Personagens



A emblemática parceria que colaria para sempre o corpo de Sonia Braga à voz de Gal Costa aconteceu em 1975, quando a telenovela “Gabriela”, adaptação do romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, foi produzida pela tevê Globo. Centenas de testes foram feitos para que se escolhesse uma atriz para viver Gabriela. No seu livro “O Circo Eletrônico”, Daniel Filho conta-nos sobre a escolha da intérprete da personagem de Jorge Amado:
Quem faria o papel título de Gabriela? Pensei em algo inusitado, afinal tínhamos uma Gabriela no imaginário do público brasileiro: Gal Costa. Ela não aceitou. ‘Sei representar não’, disse com aquela malícia baiana e olhar de Gal/Gabriela.".
Com a recusa de Gal Costa, a escolha recaiu sobre Sonia Braga. Gal Costa ficaria com a interpretação da música “Modinha Para Gabriela”, tema de abertura da novela, feita por Dorival Caymmi especialmente para ela. Todos os dias, durante a exibição da novela, o público ouvia a voz de Gal Costa, que abria os capítulos, e o sorriso sedutor de Sonia Braga, que apaixonou o Brasil.
Em 1983, o romance de Jorge Amado ganhou uma versão para o cinema. Sonia Braga voltaria a viver a personagem e Gal Costa a interpretar a trilha sonora, desta vez feita por Tom Jobim. Na ocasião do lançamento da trilha sonora do filme "Gabriela" (primeira parceria entre Tom Jobim e Gal Costa, compositor que reflete até hoje na carreira da cantora), Jorge Amado declarou:
"O corpo de Gabriela pode ser de qualquer atriz, mas a voz é de Gal Costa".
Em 1984 Jorge Amado declararia, outra vez, em entrevista para à revista Manchete:
Olhe Gal, para mim foi você que botou voz na Gabriela. Eu não botei... "
“...Mas a voz da Gabriela foi Gal quem botou, correndo na praia, cantando pra televisão.”
Gal Costa não interpretou Gabriela como atriz, mas como cantora eternizou a voz da morena com cheiro de cravo e cor de canela. A fusão Sonia Braga-Gal Costa deu-nos a imagem exata e definitiva de uma Gabriela de corpo e voz sensuais, para sempre gravado no imaginário brasileiro, nesta tão bem sucedida união entre imagem-música- literatura.

Outros Encontros de Gal Costa e Sonia Braga

"Tigresa", música de Caetano Veloso, reza a lenda, foi feita para Sonia Braga. Lenda ou fato, há versos que mostram nitidamente fatos afins à carreira da atriz: "Ela me conta que era atriz e trabalhou no Hair". "Hair" foi um musical de grande impacto, encenado em 1970, que tinha, entre outras provocações, os atores atuando completamente nus no palco. Sonia Braga fazia parte do elenco. Também os versos que diz: "íris cor de mel", evidenciam os olhos de Sonia Braga. "Tigresa”, na voz de Gal Costa , foi tema da personagem de Sonia Braga na novela “Espelho Mágico", de Lauro César Muniz, que estreou em horário nobre em junho de 1977, na tevê Globo. Novamente a associação Gal Costa/Sonia Braga foi um sucesso. A voz da cantora traduzia bem a performance da atriz, mesclando canto e interpretação como se fossem apenas uma. "Tigresa" tem na voz da Gal Costa a interpretação sensual, intimista e forte que a música exige.
Esta associação voltaria a acontecer em 1997, quando Sonia Braga viveu nas telas de cinema “Tieta do Agreste”, outra personagem mítica de Jorge Amado, e Gal Costa deu vida à voz e à luz de Tieta, interpretando a trilha sonora composta por Caetano Veloso.

Capas de Discos e Cartazes de Cinema de Antonio Guerreiro

As belezas agrestes, brasileiras, de Sonia Braga e Gal Costa, trespassam as luzes da objetiva. Vistas aos olhos de Antonio Guerreiro, o corpo toma formas mais sedutoras, a nudez é um todo da alma. Os cabelos longos das duas caem como um véu sobre a luz, que contrasta com a pele. As belezas da cantora e da atriz não sofrem as alterações dos Photoshops de hoje, contam com a maquiagem, a luz e o carisma das modelos.
A nudez estonteante de Sonia Braga mostra-nos a beleza fogosa dos seus seios, que derrubam qualquer ilusão de que a mulher nasceu para ter silicone no peito.
Também os seios e as pernas de Gal Costa nos faz caminhar por caminhos agrestes, de uma beleza selvagem, abrandada na sua voz doce de sereia.
O olhar de cada uma das modelos é um convite aos mistérios que as envolvem. Antonio Guerreiro manipula esses doces mistérios das musas, através das lentes de ludismo etéreo, ele extrai a beleza na sua forma mais perfeita, dando a certeza de que a mulher é infinita quando reveladas à luz das suas imagens.
Antonio Guerreiro fez além dos ensaios fotográficos, registros de várias capas míticas dos álbuns de Gal Costa, entre elas, a polêmica capa de “Índia”, de 1973, que trazia a cantora de seios nus, vestida de índia na contra-capa, e em close frontal vestida apenas de uma minúscula tanga. É de Antonio Guerreiro a famosa fotografia da cantora com rosas nos cabelos, do álbum “Gal Tropical”, de 1979, outra capa marcante da carreira da artista. A sofisticação de Gal Costa no auge dos seus 35 anos, é registrada com elegância pelo fotógrafo em “Aquarela do Brasil”, de 1980. Também são de Guerreiro as fotografias das capas dos álbuns: “Fantasia”, de 1981 e “Minha Voz”, de 1982.
A musa Sonia Braga foi fotografada por Antonio Guerreiro para a famosa revista masculina Status, para o calendário da Pirelli. Também foi ele quem fez os famosos cartazes dos filmes “A Dama do Lotação”, de 1978, de Neville de Almeida, e “Eu Te Amo”, de 1981, de Arnaldo Jabor, ambos estrelados pela atriz.

Antonio Guerreiro, Pequena Biografia

Antonio Guerreiro nasceu em Madrid, na Espanha. Filho de pais imigrantes portugueses, veio para o Brasil ainda criança. Saiu de Juiz de Fora, Minas Gerais, mudando-se para o Rio de Janeiro, ainda adolescente. Foi na cidade maravilhosa que começou a sua brilhante carreira. No início, depois de um estágio no “Jornal do Brasil", como colunista, foi convidado pelo fotógrafo David Zingg para trabalhar na revista Setenta, iniciando-se como profissional, em 1967.
Em 1972 foi trabalhar como fotógrafo de moda da Editora Bloch, em Paris. Quando voltou ao país, tornou-se um dos maiores fotógrafos da década de setenta no Brasil. Fotografou com arte e beleza, as celebridades do país, principalmente as mulheres. Virou o fotógrafo preferido das mulheres, que diziam, sob a lente de Antonio Guerreiro, jamais ficavam feias. Trabalhou para a revista Homem, futura Playboy, e para a Status. Nos ensaios para estas revistas, as mais desejadas mulheres foram desnudadas por sua câmera.
Foi das lentes de Antonio Guerreiro que surgiram mais de 50 capas de discos de cantores brasileiros, entre eles, Gal Costa, Simone, Maysa, Alcione, Beth Carvalho, Gonzaguinha, Baby Consuelo, Elba Ramalho, Joanna, Marina, Jorge Benjor, Nelson Gonçalves.
Tido como um bon vivant, Antonio Guerreiro ficou famoso também, pelos romances que viveu com as mais belas mulheres do Brasil, como Sonia Braga, Sandra Bréa, Silvia Bandeira, Denise Dumond, entre tantas. Todas elas passaram por sua objetiva. Sobre as mulheres e a relação com elas e com a sua câmera, ele diz:
Eu amei muitas das mulheres que fotografei, mas muitas também não foram amadas. E Isso não impediu que elas fossem bem fotografadas”.



Exposições de Antonio Guerreiro

1978 - Fotofantasia - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
1980 - Individual - Sheraton Lisboa - PORTUGAL
1981 - Mostra Livre de Slides - Núcleo de Fotografia Funarte RJ
1983 - Individual - GB Arte - Shopping Casino Atlantico RJ
1985 - Quadrienal de Fotografia - Museu de Arte Moderna de São Paulo
1986 - Polaroid - Imagens Instantâneas - Galeria de Fotografia Funarte RJ
1988 - Orquestra de Câmeras - Casashopping RJ
1989 - Orquestra de Câmeras ll - Casashopping RJ
1990- Coletiva de Fotógrafos do The Image Bank em SP
1991 - Shopping Rio Sul - Exposição fotográfica individual nos 4 andares em homenagem à mãe brasileira no mês de maio
1995 - Casa do Arquiteto RJ - Projeção de slides
1996 - Museu Nacional de Belas Artes - 30 anos de Olhar e Paixão - Rio de Janeiro
1997 - Diamond Mall - Belo Horizonte - 100 Portraits
1999 - Palácio das Artes - BH - 30 Anos de Olhar e Paixão
1999 - Diamond Mall - BH - Personas 99
2000 – Tropical Manaus – 30 anos de Olhar e Paixão
2000 – Tropical Manaus – Personas Manaus
2001 – Castro’s Park – Goiânia – 30 anos de Olhar e Paixão
2001 – Beco das Garrafas – Rio de Janeiro – 2001 The Stars



Premiações

1980 - Menção Honrosa da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA)
1981 - Premio Editora Abril - Melhor foto em cores do ano
1983 - Premio Editora Abril - Melhor produção fotográfica do ano



Trabalhos Publicitários

- Faet - Embratur - Dijon - Blu 4 - Hotel Nacional - Du Loren - Jeans Inega
- De Millus - Rio Sul Shopping Center - Petrobras - Raquel Presentes - Canecão
- Gazeta Mercantil - Grendene - Companhia Souza Cruz - Tavares Roupas
- Helena Rubinstein - Walita - TV Globo - Orquestra Sinfonica Brasileira - Dimpus
- Roditi Joias - Hollywood Sports Line - Pierre Cardin - Newman - Maria Bonita - Kendall do Brasil - Rio Grafica e Editora - Jornal O Globo - Jornal do Brasil
- Socila - Wella - Farmitalia Carlo Erba - Chase Manhattan Bank - De Beers - Celular e Celular



Antonio Guerreiro (em uma fotografia em preto e branco de 1972, e em outra colorida, de 2008) pode ser visto em seu site na internet. Além do site, em 2007, criou o blog fotográfico "Antonio Guerreiro - 40 Anos de Fotografia". Visitar a sua obra é sempre uma belíssima e agradável descoberta.

Site: http://www.antonioguerreiro.fot.br/
Blog: http://antonioguerreiro1.blogspot.com/
 


 

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Sábado, 27 de Dezembro de 2008

BELEZA AMERICANA

 

 

Ao contrário do cinema europeu, o cinema norte-americano sempre esteve mais preocupado em exaltar a identidade dos EUA, do que compreender a essência dos seus habitantes, em criar heróis admiráveis do que anti-heróis humanos. As poucas vezes que Hollywood traçou um perfil do desajuste dos americanos, foram feitas com maestria, como em “Táxi Driver” (1976), de Martin Scorsese, ou ainda, “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Copolla. “Beleza Americana” surge como uma ácida e perturbadora crítica à mistificação da “american way of life” como a forma de vida a ser seguida pelo resto do mundo. A desconstrução das personagens atinge a todos os valores tidos como essenciais na sociedade americana: a família, o patriotismo exaltado, a estabilidade econômica, os valores de um país decadente em sua pseudomoral conservadora. Utilizando-se de várias personagens paralelas, todos os valores morais vão sucumbindo, expondo a essência de cada personagem, deixando-a nua das máscaras e à deriva da mesquinhez dos valores seculares. Para conduzir o emaranhado delicado das personagens, foi escolhido o diretor teatral Sam Mendes, um jovem realizador britânico, de origem lusitana, até então um ilustre desconhecido da sétima arte. Com “Beleza Americana”, o cinema americano fechou a década de noventa questionando a sociedade pós Monica Lewinsky e pré World Trade Center, fazendo-o através de um inteligente humor negro, uma dramaticidade à flor da pele, um erotismo latente, de rara beleza estética sensual. O resultado foi um dos melhores filmes da década e de todos os tempos, premiado com cinco Oscars.

Todas as Armas Apontadas Para Lester

Beleza Americana” gira em torno de Lester Burnham, personagem magistralmente vivido por Kevin Spacey. Lester, chega ao 43 anos como um frustrado pai de família, preso a um emprego que odeia, desprezado pela filha adolescente e pela mulher. Na acomodação que vive, Lester encontra mais prazer na masturbação solitária do que em fazer sexo com a mulher, a corretora de imóveis Carolyn (Annette Bening). No marasmo da sua vida, Lester desenvolve um desejo obsessivo pela bela Angela (Mena Suvari), uma ninfeta colega de sua filha Jane (Thora Birch). É esta paixão velada pela adolescente que acende uma chama na vida de Lester. Aos poucos, ele se rebela diante das imposições da vida e da sociedade, na sua rebelião, vai desconstruindo os valores essenciais da sociedade em que vive.
Lester rompe com o emprego medíocre que tem, pedindo demissão, muda a forma de vestir, faz musculação e transforma o corpo desgastado pela idade em atlético, desenvolve uma amizade sustentada pelo ato de fumar haxixe, com o vizinho, o jovem Ricky Fitts (Wes Bentley), ex-dependente químico que lhe fornece as drogas. Quanto mais rompe com a coerência social, mais Lester encontra o equilíbrio e a felicidade, não como um adulto a caminho da meia idade, mas como um adolescente a descobrir o mundo e a beleza que nele existe, mas que a perdemos na construção dos valores que fazem de um cidadão um vencedor diante da opinião pública. Lester descobre os tênues fios da felicidade, mas é tarde para ele. O filme começa e ele já avisa que irá morrer naquele dia.
As mudanças de Lester ferem o mundo de mentiras que há à sua volta. O país que vive é uma mentira, o bairro onde mora é de habitantes infelizes. Ironicamente, dos vizinhos de Lester, somente o casal gay Jim (Scott Bakula) e JB (Sam Robards), têm uma vida normal e familiarmente saudável. Na nova vida de Lester não há espaço para aquele mundo hipócrita. Quanto mais avança em direção de si próprio, mais os que estão à sua volta empunham uma arma, preste a atirar. Todos apontam para Lester, a mulher, a filha e o seu namorado, o vizinho, a sociedade, um deles irá matá-lo. A tragédia americana será consumada, sem beleza alguma. O tiro que mata Lester, atinge o espectador, a sociedade e os seus costumes.

O Mundo Dúbio de Cada Personagem

No mundo de “Beleza Americana” nada é politicamente correto, tudo é aparência. Todos mentem, todos traem, todos amam a hipocrisia. Cada personagem reflete uma máscara que se lhe veste a sociedade americana, feita para amar a América acima de Deus e da família, e para ser um vencedor de uma complexa sociedade convulsivamente moralista. É a era de Bill Clinton, que ao ser felado pelos lábios carnudos de sua estagiária, e ter deixado o sêmen da decadência dos costumes americanos no vestido azul da parceira, quase foi cassado pelo moralismo da política do seu país.
Carolyn, a insatisfeita mulher de Lester, é o exemplo da saga americana, que sonha com sucesso profissional e financeiro. A falta de ambição de Lester mata o seu apetite sexual por ele. É nos braços de Buddy Kane (Peter Gallagher), o rei dos corretores, que Carolyn vai saciar o seu desejo sexual. Não é o corpo de Buddy que atrai Carolyn, mas sim o seu sucesso profissional. Na sua obsessão cega pela vitória profissional, a mulher de Lester encontra um prazer quase que orgástico quando tem aulas de tiro e adquire uma arma. Este prazer é a imagem da sociedade americana, cada vez mais armada.
Angela, a menina-mulher pela qual Lester desenvolve a sua obsessão romântica e sexual, é o símbolo da beleza perfeita, do desejo, da falsa ingenuidade, da provocação. Angela é a adolescente mais desejada pelos colegas da sua escola. Provocante, ela esconde um doce segredo, ao contrário do que se imagina, a bela mulherzinha é virgem.
Jane, a adolescente que se revolta com o mundo, menospreza o pai por sua passividade diante da vida e pelo seu assédio à amiga Angela. Jane concentra todo o seu ódio em Lester, cogita inclusive matar o pai, contratando o jovem Ricky para fazê-lo.
Ricky é um jovem problemático, ex-dependente químico, que vende drogas para a vizinhança. A mãe (Allison Janney) é uma mulher ausente e submissa ao pai, o coronel Frank (Chris Cooper), homem rude, aposentado do exército, orgulhoso das suas medalhas, exemplo vivo do herói americano. Frank é um homem rígido em seus conceitos, trata o filho com mão pesada, numa agressiva tentativa de deixá-lo longe das drogas. É o porta-voz do pensamento do americano mediano, menospreza o casal gay da sua vizinhança, movido por um grande preconceito. Frank, o honrado aposentado do exército americano, traz surpresas de uma personalidade reprimida. Nos enganos da comédia humana, Frank acredita que o filho está a manter um relacionamento homossexual com Lester. O coronel procura Lester não para proteger o filho do que considera a mais abjeta escolha sexual, mas para revelar o seu desejo escondido pelo vizinho. A revelação gera o repúdio de Lester, rejeição que, um homem como Frank, não supera. Está apertado o gatilho que matará Lester.

Cinco Oscars e Três Globos de Ouro

Kevin Spacey consegue dar a Lester todas as nuances da personagem, desde a imagem do pacato e menosprezado pai de família do início do filme, ao obsessivo e lascivo homem que deseja ardentemente a ninfeta amiga da filha. O ator mostra a virada da personagem de uma forma contundente, sem exageros histriônicos, mas longe de ser intimista. Spacey nos traz na sua composição de Lester, a doce lembrança de Jack Lemmon, o ator que mais representou no cinema a imagem do bom americano. O próprio Spacey confessou que se inspirou em Lemmon para interpretar o emblemático personagem de “Beleza Americana”.
A interpretação de Lester Burnham obrigou Kevin Spacey a submeter-se a rigorosos e pesados exercícios físicos, para que tivesse os músculos que exigiam a segunda fase da personagem. Esta transformação física está explicita nas cenas de nudez da personagem, que se mostra a exercitar o corpo. A recompensa de Kevin Spacey veio com o Oscar de melhor ator, dado pela Academia de Hollywood no ano de 2000.
Além do Oscar de melhor ator, “Beleza Americana” arrebatou mais quatro estatuetas: Oscar de melhor filme, Oscar de melhor diretor para Sam Mendes, Oscar de melhor roteiro original e de melhor fotografia.
Além dos 5 Oscars, o filme ganhou três Globos de Ouro para melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original.

Ficha Técnica:

Beleza Americana

Direção: Sam Mendes
Ano: 1999
País: Estados Unidos
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 121 minutos / cor
Título Original: American Beauty
Roteiro: Alan Ball
Produção: Bruce Cohen, Dan Jinks, Alan Ball e Stan Wlodkowski
Música: Thomas Newman e Pete Townshend
Direção de Fotografia: Conrad L. Hall
Desenho de Produção: Naomi Shohan
Figurino: Julie Weiss
Edição: Tariq Anwar e Christopher Greenbury
Elenco: Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Wes Bentley, Mena Suvari, Peter Gallagher, Chris Cooper, Allison Janney, Scott Bakula, Sam Robards
Sinopse: Lester Burham (Kevin Spacey) não agüenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da adolescente Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia é quando se masturba no chuveiro. Até que conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley).

Sam Mendes

Sam Mendes até dirigir “Beleza Americana”, em 1999, era um conhecido encenador de peças teatrais em Londres. A encenação que Sam Mendes fez de “Cabaret”, foi decisiva para que Steven Spielberg e o produtor Bruce Cohen, que viram o espetáculo nos palcos londrinos, decidissem entregar a ele a direção do filme.
Sam Mendes nasceu em Reading, na Inglaterra, em 1 de agosto de 1965. Seus antepassados eram portugueses da Ilha da Madeira, que vieram de Trinidade e Tobago, quando dali expulsos. Atualmente é casado com a atriz Kate Winslet, estrela de "Titanic", com quem tem um filho.

Filmografia de Sam Mendes:

2005 – Jarhead
2002 – Road of Perdition
1999 – American Beauty
1996 – Company (Filme para a televisão)
 
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Terça-feira, 25 de Novembro de 2008

TRÊS CORES: AZUL - BRANCO - VERMELHO


 

Um dos momentos mais sublimes do cinema dos anos noventa e de toda a história do cinema, é a trilogia Três Cores: Azul, Branco e Vermelho, de Krzysztof Kieslowski. A idéia nasceu da vontade do realizador polonês homenagear a França, inspirou-se nas cores da bandeira daquele país e nos princípios da Revolução Francesa: liberdade (Azul), igualdade (Branco) e fraternidade (Vermelho). A partir desta idéia, mergulhamos no cinema intimista, repleto de simbolismos psicológicos e de imagens que é o universo de Kieslowski. Numa belíssima fotografia que joga com as cores retratadas, este universo é o próprio íntimo inatingível de cada personagem. A imagem revela a personalidade que cada um esconde. O acaso é menor do que o destino, que se vai tecendo até o ponto de cada um cumprir o seu, independente de se querer ou não vivê-lo.
Azul” (1993), “Branco” (1994) e “Vermelho” (1994), para além dos enredos particulares a cada um, trazem entre si, um fio condutor. O local onde todas as histórias se entrelaçam é o tribunal, onde uma mesma cena aparece nos três filmes em perspectivas diferentes. Os três filmes desnudam o universo psicológico de Krzysztof Kieslowski, que joga com as sensações, as cores, os objetos, os presságios, tudo trama para que a ação aconteça, os desencontros cessem, e a vida aconteça, independente das escolhas. Na associação da imagem sofisticada das cores com a interpretação de grandes atores e o encontro de personagens densos e humanos, surge um cinema de forte impacto e agradável descoberta, numa cumplicidade incondicional entre o filme e a platéia. Três Cores é a esperança que temos que a vida aconteça, apesar das dores, dos caminhos desembocarem em becos sem saídas, e com Kieslowski ela acontece, repleta de cores e de marcas indeléveis.

Azul 

Azul” gira em torno da personagem Julie, magistralmente interpretado por Juliette Binoche. Julie vê a sua vida aparentemente tranqüila, drasticamente mudada por um acidente de automóvel, onde perde o marido e filha de três anos. Viúva de um célebre músico, que deixara uma obra interrompida, uma música para festejar o ato que concretizaria a unificação européia. Julie empenha-se em completar a obra do marido, e para isto, conta com ajuda de Olivier, para que conclua a música do marido.
É neste percurso que a vida desmascara-se para Julie, derrubando-lhe todas as certezas vividas até então. É com muita dor que lhe é revelado o caso de amor que o marido teve durante anos com uma advogada, que lhe confessa, espera um filho do marido morto.
Perdida em suas descobertas, Julie sente-se órfã de uma mãe viva, que velha e sem memória, internada em uma clínica, confunde-a com a irmã, sem se lembrar dela. Sem a mãe, sem a filha, sem o amor do marido, Julie caminha em universo pungente e solitário. Torna-se amiga da sua vizinha prostituta. Provoca a paixão que Olivier sente por ela para que se sinta amada ou desejada, desemboca na mais profunda dor da existência humana.
Após atravessar todas as perdas e descobertas, Julie vai à casa de Olivier e aceita-lhe o amor oferecido. Desiste de vender a casa que o marido lhe deixara, transferindo-a para a amante do marido e o seu futuro filho, herdeiro legítimo do morto. Julie liberta-se finalmente da dor e da solidão. Na sua travessia, decide finalmente explodir em lágrimas. Depois de chorar, sorri para a câmara. Está livre novamente, pronta para a felicidade.
Juliette Binoche tem aqui uma das melhores interpretações da sua carreira. É o rosto suave e angustiado da atriz que empresta as emoções para Julie. Personagem e atriz assumem uma identidade movida por grandes planos, envolvidas nas cores da película, nos simbolismos inerentes de uma vida. A atriz foi premiada com o Cesar em 1994, na França, e com o Copa Volpi em Veneza.
Azul”, é o mais pungente de toda a trilogia. Ele investe no sofrimento mais recôndito da sua personagem, fazendo-a passar pela dor da perda, da traição, da solidão e pela arte de perdoar, libertar-se da depressão. Azul é denso, como o é a estrada que se cruza a caminho da liberdade.
Azul foi premiado com três Cesars: melhor atriz (Juliette Binoche), melhor edição e melhor som; Prêmio Goya, Espanha, de melhor filme europeu; três prêmios no Festival de Veneza: Prêmio Leão de Ouro (Krzysztof Kieslowski), Prêmio de melhor fotografia e Prêmio Copa Volpi de melhor atriz (Juliette Binoche).

Branco 

Dentro da trilogia, Branco é o mais leve e o mais imperfeito, mas não menos genial do que os outros. Sua verve gira em torno da vingança de uma paixão levada ao extremo. A complexidade das personagens é retratada quase que em tom de comédia, com lapsos dramáticos que dão uma passagem hipnótica para as seqüências de final imprevisível.
O filme começa com a separação em tribunal de um casal, ele um polonês, ela francesa. Logo de início a igualdade entre o casal é contestada. Marido e mulher se acusam em tribunal francês, as acusações da mulher são feitas por ela própria, as do marido são feitas por um interprete. Diante das dificuldades da língua do polaco, o juiz dá vantagem à francesa. Divorciado e com dificuldades de voltar para a sua terra, Karol (o polaco) segue para o seu país, leva consigo uma paixão que o consome. O que poderia ser o retrato de uma louca e atormentada paixão, torna-se o espelho que reflete a desigualdade. A narrativa assume uma forma de comédia satírica, interrompida às vezes, por flashs dramáticos. A paixão do polaco pela mulher, faz com que ele arquitete uma situação de vingança, levando-a à Polônia, envolvendo-a em uma teia que a fará passar pelo mesmo que ele passou na França. Essa trama culmina na prisão da mulher amada. E o princípio da igualdade é alcançado por uma velha lei dos povos semitas da antiguidade: Olho por olho, dente por dente”. Branco não empolga como Azul ou Vermelho, mas fascina pela surpresa do desfecho, o argumento poderia resultar em um filme que facilmente cairia no ridículo, mas que a direção genial de Krzysztof Kieslowski encontra um tom ideal, que transforma o princípio da igualdade em uma odisséia do amor que não pode ser esquecido, trazendo conseqüências que quebram fronteiras, mas não derrubam a burocracia das nações e suas leis de xenofobia. A troca final de gestos e olhares entre as personagens consolida a vingança, mas não derruba o amor, literalmente preso nos labirintos caprichosos da metáfora da igualdade.
Não tão premiado quanto Azul e ou indicado para o Oscar como Vermelho, Branco recebeu o Prêmio Urso de Prata no Festival de Berlim, em 1994, para Krzysztof Kieslowski como melhor diretor.

Vermelho 

Vermelho não é somente a concretização de uma trilogia, mas da obra grandiosa do seu autor, que morreria dois anos depois da sua conclusão. Mais do que nunca o universo de Kieslowski abre as portas da alma humana. A primeira imagem que se tem é de alguém a fazer uma chamada telefônica, a câmara segue os cabos que levam a mensagem, atravessa mares e terras, explodindo no telefone da outra pessoa. Há urgência na comunicação entre as pessoas, urgência em atingir o filtro que sorve os sentimentos, é hora das vidas se interligarem e cumprir os seus destinos. Vermelho é de uma imagem poética onde as sensações do ser e do sentir vencem as barreiras do acaso, do destino que não pode ser negado.
Valentine atropela um cão, na coleira descobre o endereço do seu dono, um juiz aposentado (brilhantemente interpretado por Jean-Louis Trintignant), que foge do marasmo e da solidão a ouvir escutas telefônicas dos vizinhos. Valentine, ao descobrir o ato de invasão de privacidade do juiz, sente repulsa por sua atitude, mas tem pena da solidão daquele homem. Inesperadamente os dois descobrem o universo solitário que ambos vivem, desenvolvendo uma sólida amizade, envolta no terno e tênue fio que conduz às raízes da fraternidade.
Enquanto Valentine desenvolve a sua amizade com o juiz, e sofre com a ausência do amor que está longe, não só fisicamente, como também vai se distanciando do seu coração; do outro lado da cidade, um homem luta com as frustrações do amor. Sofre pelas decepções, assim como Valentine. Ambos choram por amores mal vividos, lutam por amores infrutíferos, andam pelas mesmas ruas mas nunca se encontram. Suas almas procuram o mesmo, mas suas vidas distanciam-se rua a rua, mágoa a mágoa, dor a dor. É a vida que passa quando insistimos em não encontrá-la. Com Vermelho sentimos a vida a nos escorrer por bilhetes, telefonemas, desencontros, pelas rodas dos carros. Não há tempo de olhar para o lado e ver que o grande amor está ali, tão próximo, tão presente.
A beleza das imagens, que encontra a sofisticação no vermelho ao fundo. Cada cena, cada objeto, cada plano, formam uma metáfora, que só quem estava a despedir-se do cinema poderia criar tão magnífica obra, densa, bela, solitária, fraterna, resumida na esperança do acaso que a vida tece os seus mistérios.
Por fim Valentine deixa a cidade. O homem que sempre caminha paralelo ao seu destino também parte. Seguem em viagem pelo canal da Mancha. Um grande acidente faz o ferry-boat afundar. Só há 6 sobreviventes. Eles são: Valentine e o homem, que finalmente se encontram dentro daquela tragédia, e os casais dos outros dois filmes, do Azul e do Branco. Krzysztof Kieslowski encerra de maneira apoteótica a sua trilogia, todas as personagens principais dos três filmes encontram-se, são sobreviventes do acidente do canal da Mancha.
De maneira sensível e definitiva, a vida passou pelos filmes das cores, o destino venceu o acaso. Assim como as suas personagens, Krzysztof Kieslowski deixa a cena após vencer as angústias e o destino, como um sopro do acaso, é a beleza do ser humano e das suas infinitas portas abertas para os sentimentos.


Fichas Técnicas:

Três Cores: Azul

Direção: Krzysztof Kieslowski
Ano: 1993
País: França, Polônia, Inglaterra, Suíça
Gênero: Drama
Duração: 97 minutos / cor
Título Original: Trois Couleurs: Bleu
Elenco: Juliette Binoche, Benoît Régent, Florence Pernel, Charlotte Véry, Hélène Vincent, Philippe Volter, Claude Duneton, Hugues Quester, Emmanuelle Riva, Daniel Martín
Sinopse: Após um trágico acidente em que morrem o marido e a filha de uma famosa modelo (Juliette Binoche), ela decide por renunciar à sua própria vida. Após uma tentativa fracassada de suicídio, ela volta a se interessar pela vida ao se envolver com uma obra inacabada de seu marido, que era um músico de fama internacional.


Três Cores: Branco

Direção: Krzysztof Kieslowski
Ano: 1994
País: França, Polônia, Inglaterra, Suíça
Gênero: Comédia - Drama
Duração: 89 minutos / cor
Título Original: Trois Couleurs: Blanc
Elenco: Zbigniew Zamachowski, Julie Delpy, Janusz Gajos, Jerzy Stuhr, Aleksander Bardini, Jerzy Trela, Jerzy Nowak, Michel Lisowski, Cezary Harasimowicz, Juliette Binoche
Sinopse: Segundo episódio da série do diretor polonês Kieslowski dedicada aos ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), e o único da trilogia tratado de forma humorística. Dessa vez, apresenta um olhar irônico sobre como o vazio da vida pode ser profundamente afetado pelo amor. A esposa de Karol (Zbigniew Zamachowski) pede o divórcio e o trata com crueldade, pois ele está impotente. Sem dinheiro e sem ninguém, Karol, que é imigrante na França, retorna à Polônia. Aos poucos ele vai ganhando dinheiro e planeja uma doce vingança.


Três Cores: Vermelho

Direção: Krzysztof Kieslowski
Ano: 1994
País: França, Polônia, Suíça
Gênero: Drama
Duração: 99 minutos / cor
Título Original: Trois Couleurs: Rouge
Elenco: Irene Jacob, Jean-Louis Trintignant, Frédérique Feder, Jean-Pierre Lorit, Samuel Le Bihen, Marion Stalens, Teco Celio, Jean Schlegel, Juliette Binoche, Zbigniew Zamachowski
Sinopse: Valentine (Irène Jacob) atropela um cachorro que tem o endereço do dono na coleira. É dessa forma que ela conhece a pessoa que iria alterar o curso de sua vida: um juiz aposentado que vive espionando as conversas telefônicas de seus vizinhos. Por trás desse comportamento, esconde-se um homem que entra na intimidade das pessoas até saber o desenrolar de seus destinos. Apesar da repulsa que Valentine sente no início pela atitude do juiz, acaba se formando uma amizade. Neste último filme da trilogia das cores de Kieslowski, personagens dos dois filmes anteriores aparecem rapidamente, tendo suas vidas afetadas pela trama central.

Filmografia de Krzysztof Kieslowski:

1966 – Urzad
1966 – Tramwaj
1967 – Koncert Zyczen
1968 – Z Miasta Lodzi
1968 – Zdjecie (TV)
1970 – Bylem Zolnierzem
1971 – Robotnicy 1971 – Nic o Nas Bez Nas
1971 – Przed Rajdem
1971 – Fabryka
1972 – Refren
1972 – Podstawy BHP w Kopalni Miedzi
1972 – Miedzy Wroclawiem a Zielona Gora
1973 – Murarz
1974 – Przeswietlenie
1974 – Pierwsza Milosc (TV)
1974 – Przejscie Podziemme (TV)
1975 – Zyciorys
1975 – Le Personnel (Personel)
1976 – Szpital
1976 – Klaps
1976 – Blizna (A Cicatriz)
1977 – Nie Wiem
1978 – Siedem Kobiet w Róznym Wieku
1978 – Z Punktu Widzenia Nocnego Portiera
1979 – Amator (Amador)
1980 – Spokój (TV)
1980 – Dworzec
1980 – Gadajac Glowy
1981 – Krótki Dzien Pracy (TV)
1985 – Bez Konca (Sem Fim)
1987 – Przypadek (O Acaso)
1988 – Dekalog (TV) (O Decálogo) : série de dez filmes, de duração com aproximadamente 60 minutos
1988 – Siedem Dni w Tygo Dniu
1988 – Krótki Film o Milosci (Não Amarás) : oriundo da série Decálogo, 6º mandamento, expandido para longa metragem
1988 – Krótki Film o Zabijaniu (Não Matarás): filme também expandido para longa metragem
1989 – Dekalog, Dziesiec (TV)
1990 – La Double Vie de Véronique (A Dupla Vida de Véronique)
1990 – City Life
1993 – Trois Couleurs: Bleu (Trilogia das Cores: Azul)
1994 – Trois Couleurs: Blanc (Trilogia das Cores: Branco)
1994 – Trois Couleurs: Rouge (Trilogia das Cores: Vermelho)
 


 
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Terça-feira, 4 de Novembro de 2008

A RAINHA MARGOT

 


Um dos filmes mais densos dos anos noventa, A Rainha Margot, de 1994, trouxe para as telas o romance homônimo de Alexandre Dumas, que nas páginas da literatura relata de forma romanceada, a história Marguerite de Valois, filha de Catarina de Médici, conhecida como rainha Margot.
O filme de Patrice Chéreau abstrai-se totalmente da atmosfera do romantismo que traz o livro de Dumas, para torná-lo coberto de imagens impactantes, movidas por um furor histórico estonteante, onde a nudez e o sangue se interligam em cores fortes, em contraste com a imagem barroca de reconstrução de época. Ao assistirmos ao filme, quase que sentimos o cheiro do sangue, o cheiro dos corpos, prontamente preparados para trazer líquidos seminais no meio da guerra e da intolerância.
Isabelle Adjani é a uma bela e sensual rainha Margot, impregnando ao personagem a malícia, a intriga e o romantismo passional que afloram em tão inesperada personagem, uma sobrevivente de um destino político e dos acordos que revelam os bastidores sórdidos do poder que sustentaram as monarquias absolutistas nos primórdios dos estados modernos.
A Rainha Margot traz para o cinema um jeito psicológico de contar um épico histórico. Fascina pelas personagens ambíguas e desprovidas de uma moral vigente, de uma consciência aquém do poder e da ambição humana.

Um Cartaz Coberto de Sangue

Patrice Chéreau enche de beleza a paisagem humana, totalmente violada pelas atrocidades da guerra civil e dos envenenamentos provocados pela ambição do poder, onde o corpo perfeito desfaz-se, definha-se ao sabor do veneno.
Com as suas externas gravadas em Portugal, no Convento de Mafra, Chéreau usou vários modelos lisboetas como figurantes, dando uma idéia de perfeição estética aos rostos e corpos atrás dos protagonistas, quase que a vislumbrar ao ideal grego. No famoso convento português, a França do século XVI renasce em uma paisagem barroca.
O uso do sangue a marcar certas cenas pode ser visto já nos cartazes dos filmes, que trazem Isabelle Adjani vestida em trajes de bodas, com o vestido totalmente coberto pelo sangue. Mas o filme não perde o seu fio histórico, muito menos traz cenas de violência sem sentido, pelo contrário, apesar de manchadas de vermelho, as cenas são menores do que a realidade histórica, uma das mais negras do povo francês. A paisagem humana sobressai à paisagem histórica. Não são corpos assassinados pela intolerância religiosa que vemos, mas rostos humanos cobertos de vida psicológica latente.

A Noite de São Bartolomeu

No século XVI a hegemonia da igreja católica é abalada pelo surgimento do protestantismo. A França, que sempre teve a nobreza voltada e complementada pelo poder da igreja, vê a sua população aderir ao protestantismo. A convulsão permanente entre católicos e protestantes cria um clima minado, que pode explodir a qualquer momento. Em 1572, Marguerite de Valois, irmã do rei da França, é dada como esposa para o protestante Henrique de Navarra, em um casamento real feito para que se acalmassem os ânimos entre os huguenotes (como eram conhecidos os protestantes) e os católicos.
Na noite das bodas de Margot e Henrique de Navarra, em 22 de agosto, um agente de Catarina de Médici (no filme magistralmente interpretada por Virna Lisi), mãe do rei da França, Carlos IX (que tinha apenas 22 anos e não detinha verdadeiramente o controle), um católico chamado Maurevert, tentou assassinar o almirante Gaspard de Coligny, líder huguenote de Paris, o que enfureceu os protestantes, apesar de ele ter ficado apenas ferido. Nas primeiras horas da madrugada de 24 de agosto, o dia de São Bartolomeu, dezenas de líderes huguenotes foram assassinados em Paris, numa série coordenada de ataques planejados pela família real. Este massacre, que passou para a história como A Noite de São Bartolomeu, é retratado com extremo realismo por Chéreau, dando às imagens um tom épico, arrancando-lhe a violência crua e sem sentido. O massacre seguiria até outubro, durante o período, cerca de 70 a 100 mil huguenotes foram mortos.

A Paixão no Meio da Luta Pelo Poder

Os meandros da história são cobertos por mistérios e tramas perigosas. Virna Lisi traz uma Catarina de Médici perigosa e fria, que na tentativa de envenenar o genro Henrique de Navarra, outra composição magistral do ator Daniel Auteuil, para impedi-lo de herdar o trono (ele um huguenote), envenena o próprio filho, o rei Carlos IX (vivido pelo ator Jean-Huges Anglades), subindo ao trono o irmão, Henrique III, que seria assassinado futuramente, e Henrique de Navarra subiria ao trono, para desgosto de Catarina de Médici, que não teria a sua descendência no trono da França.
As tramas políticas, as mortes, os assassínios, dão passagem ao amor de Margot pelo moleiro La Molê (Vincent Perez). As cenas de amor entre Margot e La Molê dão o tom passional ao filme. Cobertos de um erotismo contundente (a cena de nudez do ator Vincent Perez causou impacto no nu frontal, devido à condição de bem-dotado do galã), dão sempre a sensação de perigo aos jovens amantes. Quando por fim La Mole é decapitado, acusado de conspiração, uma Margot infeliz e destronada das ambições de ser rainha, leva no colo a cabeça do amado, mais uma vez cobrindo-se de sangue. Esta cena Chéreau inspirou-se em “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal. Imagens definitivas, entre o épico e o psicológico, fazem deste filme um dos melhores da década de noventa e do fim do século XX. O filme arrebatou 5 prêmios César (o César é o prêmio anual do cinema francês) e 2 prêmios no Festival de Cannes.
Isabelle Adjani consegue aqui uma das interpretações mais brilhantes da sua carreira, num dos papéis mais ambíguos da história do cinema francês. No papel da rainha Margot, ganhou o seu quarto César, feito até então inédito de uma atriz francesa. Isabelle Adjani tem uma antagonista à altura, Virna Lisi, que faz da sua Catarina de Médici uma das mais empolgantes e complexas vilãs do cinema, numa interpretação barroca, que lhe concedeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, além do César como melhor atriz coadjuvante. Sem dúvida o encontro de Isabelle Adjani e Virna Lisi é o ponto alto do filme.
Patrice Chéreau, que além de cineasta, é ator de teatro e do cinema francês, conseguiu um momento de genialidade único, difícil de superar. Ficou marcado como o diretor de A Rainha Margot.

Ficha Técnica:

A Rainha Margot

Direção: Patrice Chéreau
Ano: 1994
País: França, Itália, Alemanha
Gênero: Drama
Duração: 136 minutos / cor
Título Original: La Reine Margot
Elenco: Isabelle Adjani, Daniel Auteuil, Virna Lisi, Vincent Perez, Jean-Hugues Anglade, Dominique Blanc, Pascal Gregory, Claudio Amendola, Miguel Bosé, Asia Argento, Julien Rassam, Thomas Kretschmann, Jean-Claude Brialy, Jean-Philippe Ecoffey, Albano Guaetta
Sinopse: Na França de 1572, a guerra religiosa está destruindo o país. Com o objetivo de dar fim aos conflitos, a católica Marguerite de Valois, também conhecida como Margot, e o protestante Henri de Navarre unem-se num casamento arranjado. Mas os resultados dessa união são ainda mais devastadores.

Filmografia de Patrice Chéreau:

Diretor:

1974 - La Chair de l'orchidée
1978 - Judith Therpauve
1983 - l'Homme blessé
1987 - Hôtel de France
1991 - Contre l'oubli (filme coletivo)
1994 - La Reine Margot
1998 - Ceux qui m'aiment prendront le train
2000 - Intimacy (Intimidade)
2003 - Son frère

Ator:

1982 - Danton
1999 - Le Temps retrouvé
2002 - Au plus près du paradis
2003 - Le temps du loup


 

 
 

 

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Quarta-feira, 8 de Outubro de 2008

AMADOR

 

 

Há filmes que se tornam especiais pela qualidade da película, originalidade do roteiro, interpretação dramática dos atores e do momento criativo do diretor, ou tudo isto junto e aquele momento emotivo único pelo qual passamos quando o assistimos. Amateur (traduzido literalmente para Amador) é daqueles filmes que consegue fazer de nós mais que um ardoroso espectador, envolvendo-nos em suas teias, a fazer de nós cúmplices dos seus labirintos quase sem saídas, mas de becos improvisados e escapes inesperados. De uma ação psicológica intensa, o filme vai do humor negro ao drama existencialista, do thriller ao policial, trazendo pistas de quem foi ou de quem é cada personagem. O filme é de Hal Hartley, cineasta americano, nascido em Lindenhurst, em 3 de novembro de 1959, considerado na década de noventa o maior ícone do cinema independente.
Amateur traz diálogos poucos convencionais, uma característica das obras de Hartley, além de um humor envolvente, onde cada ator carimba o aspecto corrosivo e essencial do seu personagem, tornando-os dilacerantes dentro de uma estética fotográfica favorecida por planos generosos. Feito em 1994, o filme foi uma ode à atriz francesa Isabelle Huppert, que escrevera para Hartley revelando-se sua admiradora, propondo-se a trabalhar com ele fosse em que papel ele a quisesse dirigir. O resultado do encontro é um momento brilhante da criação de Hal Hartley e do talento ilimitado de Isabelle Huppert, tornando-o um filme cult do cinema independente americano.
 

Amador em Busca de Uma Identidade
 


A história começa quando Thomas (Martin Donovan) é atirado de uma janela, caindo na rua. Quando desperta, está sem memória, totalmente despido da sua verdadeira personalidade e da sua vida. Envolve-se com a ex-freira Isabelle (Isabelle Huppert), que ganha a vida a escrever pornografia. Isabelle descobre um Thomas totalmente desprotegido e fragilizado pela obscuridade do seu passado. Quanto mais descobre as verdades que esqueceu, mais uma distância se faz entre o novo e o antigo Thomas. O caráter do novo a entrar em confronto com a marginalidade explícita do antigo. No meio do caminho está a ex-mulher Sofia (Elina Löwensohn), que ele transformara em uma famosa atriz de filmes pornôs, a quem explorava financeiramente. Sofia foi quem o atirou pela janela, na tentativa de se libertar dessa exploração e dos maus tratos.
Cada vez que se aproxima das evidências sobre o passado, mais a nova personalidade de Thomas rompe com a antiga. É a tentativa do recomeço, de poder ser alguém melhor. A descoberta do eu verdadeiro de Thomas entra em conflito com o seu caído, que fizera dele um homem violento, brutal no trato à esposa, envolvido com drogas e perseguido pela polícia. Não fosse a perseguição a fazer que ajuste contas com o passado, Thomas tornar-se-ia um homem melhor, renascido e revelado pela amnésia.
Também Isabelle é uma mulher que traz uma desconhecida dentro de si, aflorada na anônima que escreve pornografias. Da antiga freira nascera a ninfomaníaca de sexualidade reprimida, que ainda se mantém virgem. Ao se vestir com as roupas da ex-mulher de Thomas, Isabelle se transforma na mulher de libido efervescente que sempre domou dentro de si. Também ela rompe com a personalidade do antes, abraçando o novo de agora.
Na tentativa de salvar Thomas, Isabelle decide voltar ao seu antigo asilo, local sagrado, onde a busca pelo perdão pode ser alcançada. E é justamente essa busca do novo Thomas, a redimissão do antigo. Na fuga ele se depara com o cerco final às portas do asilo. Ali sente que todos os medos podem ser protegidos, o preço do perdão é a nova vida em prol dos pecados da antiga. O novo Thomas se redime dos pecados e já pode morrer em paz, sendo finalmente perdoado. Isabelle, agachada ao lado do corpo de Thomas, pronuncia as últimas palavras do filme, quando questionada pela polícia se conhecia aquele homem: “Sim, eu conheço este homem”. Aqui a prova de que ela conheceu o redimido e verdadeiro Thomas, apagando de vez o que antes existiu. É um dos momentos mais sublimes do cinema de Hartley, fazendo das ambigüidades da história um dos mais belos filmes da década de noventa. Amador? Inesquecível.
Amateur ganhou o Silver Award no Festival Internacional de Tóquio em 1994.

 Ficha Técnica:

Amador


Direção: Hal Hartley
Ano: 1994
País: Estados Unidos, França, Inglaterra
Gênero: Drama, Comédia, Policial, Thriller
Duração: 105 minutos / cor
Título Original: Amateur
Roteiro: Hal Hartley
Música: Hal Hartley, P. J. Harvey, Liz Phair e Jeffrey Taylor
Fotografia: Michael Spiller
Elenco: Isabelle Huppert, Martin Donovan, Elina Löwensohn, Damian Young, Chuck Montgomery, Dave Simonds, Pamela Stewart, Erica Gimpel, Jan Leslie Harding, Terry Alexander
Sinopse: Isabelle é uma ex-freira que ganha a vida escrevendo pornografia. Ela encontra Thomas, que não se lembra da vida que teve e ter transformado a ex-mulher em uma famosa estrela pornô. Juntos Isabelle e Thomas tentam desvendar esse passado.

FILMOGRAFIA DE HAL HARTLEY:

Longa-Metragens:

2006 – Fay Grim (Fay Grim)
2005 – The Girl From Monday (sem título em português)
2001 – No Such Thing (sem título em português)
1998 – The Book of Life (O Livro da Vida)
1997 – Henry Fool (As Confissões de Henry Fool)
1995 – Flirt (Flerte)
1994 – Amateur (Amador)
1992 – Simple Men (Simples Desejo)
1990 – Trust (Confiança)
1989 – The Unbelievable Truth (Uma Relação Muito Perigosa)

Curta-Metragens:

2004 – Sisters of Mercy (sem título em português)
2000 – Kimono (sem título em português)
2000 – The New Math(s) (sem título em português)
1994 – NYC 3/94 (sem título em português)
1994 – Opera No. 1 (sem título em português)
1993 – Iris (sem título em português)
1991 – Ambition (sem título em português)
1991 – Surviving Desire (sem título em português)
1991 – Theory of Achievement (sem título em português)
1988 – Dogs (sem título em português)
1987 – The Cartographer’s Girlfriend (sem título em português)
1984 – Kid (sem título em português)

 
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Segunda-feira, 6 de Outubro de 2008

DAVID DE MICHELANGELO

 

 

Uma das mais belas obras produzidas pela humanidade, a estátua renascentista de David, do genial Michelangelo, completou 500 anos em 2004. Atraído emocionalmente e esteticamente pela perfeição da beleza masculina, Michelangelo nos contempla com uma das mais perfeitas concepções do corpo do homem e a sua incansável ambição de encontrar o ideal grego da beleza, traz um realismo anatômico que parece dar vida à estátua, saltando do mármore uma nudez edênica diluída em veias latejantes, curvas e músculos que quebram a sua frieza de pedra. Nos seus 5,17 m de altura, a juventude e perfeição humana registram aqui um momento de eternidade, como se a degeneração do corpo e do físico estivesse esquecida, muito além do Éden e das suas portas fechadas para a perfeição da obra contestada de Deus.


Genialidade e Perfeição

Inspirada na figura histórica do rei David, conquistador de Jerusalém e responsável pelas promessas messiânicas que atravessariam os séculos e as religiões, a estátua de Michelangelo traz um David momentos antes de enfrentar o gigante Golias. Michelangelo começou a esculpi-la em Florença, em 1501, a partir de um gigantesco bloco de mármore abandonado há quarenta anos em um local pertencente à catedral da cidade. O bloco tinha sido entregue ao escultor Duccio, para que esculpisse nele a estátua de um profeta, mas Duccio morreu logo a seguir. Do imenso bloco de mármore surgiu a colossal estátua de David, apresentada três anos mais tarde, em setembro de 1504.
Por causa da sua realista genialidade anatômica, a criação de Michelangelo sofreu vários ataques numa Europa que deixava aos poucos os pudores da Idade Média, assustando-se com a sua nudez perfeita. Exposta em frente ao Palazzo Vecchio (Palácio Velho), na Piazza Della Signoria (Praça da Senhoria), em Florença, foi recebida com muitos protestos e tentativas de cobri-la com uma tanga, naquele ano de 1504, os florentinos receberam-na com pedradas e, em outra ocasião, um banco foi arremessado contra ela por desordeiros.
Mas a obra resistiu aos protestos e às agressões, e com o passar dos anos passou a ser admirada e venerada, sendo feita símbolo máximo daquela cidade da Toscana. A estátua esteve em frente ao Palazzo Vecchio até 1873, quando foi transferida para o interior da Galleria dell’Accademia (Galeria da Academia), para protegê-la dos desgastes externos. Em 1910 foi feita uma réplica para marcar a entrada do palácio, e as proporções humanas quase perfeitas do original podem ser admiradas na Accademia, que recebe milhares de visitantes todos os anos.
Na comemoração dos seus 500 anos a estátua ganhou o direito a um conturbado e delicado processo de restauração, após um estudo de 11 anos de qual seria a melhor forma de fazer essa restauração sem danificar muito a obra, que sofreu degradação durante os séculos que esteve exposta ao relento.
Vista de todos os ângulos, a estátua revela um homem no esplendor da sua nudez, da sua virilidade anatômica saltitante e pulsativa, da sua juventude inatingível e perene, como se o mármore fosse a vida, e a vida o mármore. Da vasta cabeleira encaracolada, aos pêlos limiares a desvendar o sexo em repouso, dos dedos perfeitos e das veias que das mãos saltam, vamos nos perdendo nos labirintos da perfeição da obra. Momento único da genialidade criativa de Michelangelo. David é a volta ao clássico grego, sem perder a sua identidade e fascínio que seduziu através dos séculos, transformando-se numas das obras mais contempladas do planeta. David é o exemplo de quando a obra transcende ao criador e cria a sua própria história.

 






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Quinta-feira, 18 de Setembro de 2008

AS TENTAÇÕES DE SANTO ANTÃO - O APOCALIPSE DE BOSCH

 

 

Cronologicamente a Idade Média teve seu fim com a tomada de Constantinopla pelo Império Otomano, em 1453. O que viria depois ainda seria chamado pelos historiadores do crepúsculo da Baixa Idade Média. A partir da última década da centúria quatrocentista dar-se-ia no sul da Europa um rompimento com as crendices medievais e um renascimento nas artes e na ciência, inspiradas nos clássicos gregos. Esta tendência é vista principalmente nas obras de Leonardo da Vinci e do então incipiente Michelangelo e nos estudos de Copérnico.
Mas a aproximação de 1500 trouxe a idéia de que o fim dos tempos estava próximo. E o homem europeu passou a conviver com a idéia de que o Apocalipse dar-se-ia muito em breve. Cristóvão Colombo previa a data do Juízo Final para o ano de 1650. Na contramão do jubileu de Roma de 1500 e das grandes descobertas marítimas, os velhos mitos medievais atormentavam a população do continente. É neste contexto místico que surge a mais apocalíptica de todas as obras de arte : o famoso tríptico do pintor Hieronymus Bosch, As Tentações de Santo Antão.

Bosch e Santo Antão

Jeroen van Aeken, que se tornou um pintor famoso com o pseudônimo de Hieronymus Bosch, nasceu na Holanda, em 1450, e faleceu em 1516. O pseudônimo de Bosch veio das últimas letras do nome da sua cidade natal: Hertogenbosch. Contemporâneo de Jan van Eyck, Bosch traz um estilo totalmente diferente dos artistas da sua época. A sua obra é marcada pelo fantástico , com figuras simbólicas, complexas, caricaturais, algumas figuras desconhecidas para a sua época. Traz para o século XVI características do que seria o surrealismo do século XX , inspirando gênios como Salvador Dali.
As obras de Bosch foram muito apreciadas por Filipe II, da Espanha, daí ter um grande acervo delas em terras ibéricas, principalmente no Museu do Prado, em Madri. Da sua vida há poucos registros. Alguns rumores tornam-se lendários dentro da sua biografia, como o suposto envolvimento com a alquimia e o ocultismo, que teria gerado uma perseguição da inquisição. Não há documentos que comprovem tais fatos, o que fazem deles lendas.
As Tentações de Santo Antão, descreve as tentações vividas por Santo Antão, que nasceu no Egito em 251, vivendo grande parte da sua vida no deserto, aonde sofreu terríveis tentações como sofrera Cristo no período de jejum, nos seus quarenta dias no deserto. Conta-se que Santo Antão morreu com 105 anos, em 356. Tem o nome confundido com Santo Antônio de Lisboa (ou de Pádua, na tradição italiana). Para evitar tal confusão, em língua portuguesa é usado o seu nome arcaico: Antão. É conhecido como o Padre do Deserto, e um dos padres mais conhecido e venerado da igreja. Em 1095 foi fundada uma ordem com o seu nome, a ordem dos Antonianos (Canonici Regulares Sancti Antonii).

A Obra do Apocalipse

As Tentações de Santo Antão (1500), é uma obra que se encontra atualmente no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa.
Na obra apocalíptica de Bosch as visões do fim do mundo são materializadas em desenhos e pinturas que nos faz ter a idéia do que nos aguarda as profecias, a fustigação do homem por demônios irados e vingativos. Traz um clima sombrio de um homem que traduz em sua obra todos os tormentos da sua época, todas as crenças de uma formação religiosa rígida, nos moldes da igreja medieval vigente em seu país, a Holanda, que brevemente seria abalada pelo surgimento da Reforma. São painéis que pintam em efeitos desconcertantes o definhar dos homens diante da maldição das profecias. Aqui o mundo é grotesco e sente-se ao seu redor o ar putrefato e corrupto.
A inspiração com certeza veio com a grande crença que assolou a Europa e o mundo cristão naqueles últimos anos que precederam 1500, a certeza da vinda do anticristo e do Juízo Final.
No centro do quadro a figura de Santo Antão, ajoelhado, tranqüilo e impassível diante da fealdade ao redor, olhar confiante nas promessas que irão vencer o mundo satânico que o ladeia, dominado pela essência destrutiva das tentações e das figuras demoníacas e entregues ao pecado e à culpa.
O cenário é do fantástico, do mágico, vislumbra o macabro, traz incêndios e monstros imaginários. Há um demônio com crânio de cavalo a tocar alaúde; um peixe metade gôndola, a engolir um homem; uma mulher com calda de lagarto a cavalgar uma ratazana.
Numa época em que o Renascimento traduzia corpos perfeitos e nos contemplava com imagens do belo, as imagens das pinceladas de Bosch causam asco e o fascínio do homem diante das profecias, da expiação e da culpa. O belo dá passagem para o bizarro. O homem espera o Juízo Final. Não veio em 1500, será aguardado para 2000. Nas imagens de As Tentações de Santo Antão o presságio daquela que seria a obra do Apocalipse.

ALGUMAS OBRAS “FANTÁSTICAS”

O Carro de Feno (Museu do Prado, Madri)
O Jardim das Delícias (Museu do Prado, Madri)
O Juízo Final (Akademie de Bildenden Künste, Viena)
As Tentações de Santo Antão – primeira versão (Museu de Arte de São Paulo, São Paulo)
As Tentações de Santo Antão – versão definitiva (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
Os Sete Pecados Mortais (Museu do Prado, Madri)
Navio dos Loucos ou A Nau dos Insensatos (Museu do Louvre, Paris - foto ao lado)
Morte e o Avarento (Galeria Nacional de Washington, Washington D.C.)
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