Desde os mais primórdios dos tempos que a beleza singular, colorida e aromática das flores ilaqueou e encantou os homens. Ainda hoje são usadas para seduzir, como gentileza ou em rituais funerários e de adeus.
Apreciadas pelas culturas antigas, as flores foram usadas para fazer parte de rituais de casamento, iniciação sexual , perfumes e oferendas aos deuses. Do encanto da beleza de algumas flores, surgiram lendas que persistem até os nossos dias. Era como se nas cores e na delicadeza das flores o homem pudesse aliviar as suas fatalidades. Na mitologia grega algumas tragédias e tristezas foram traduzidas na origem das mais belas flores. Elas muitas vezes surgiram do sangue e das lágrimas dos homens e dos deuses. Um sentimento de dor era mitigado na delicadeza de uma flor.
Jacinto e o Amor dos DeusesO belo Jacinto trazia na sua sensualidade de mortal o poder da sedução que despertou a paixão do deus Apolo e de Zéfiro, deus e senhor dos ventos do oeste. Diante da corte dos dois deuses, Jacinto decidiu-se por Apolo, provocando a ira e o ciúme incontrolável de Zéfiro.
Jacinto tornara-se muito amado por Apolo, que passou a segui-lo onde quer que fosse. Corriam pelos campos sob os olhos invejosos de Zéfiro, desfilando sua paixão e corpos perfeitos. Numa tarde de brisa suave, os dois amantes se divertiam com o jogo de arremesso de disco. Apolo arremessou o disco no céu. Jacinto seguiu com os olhos extasiados o vôo daquele disco. Foi neste momento sublime que Zéfiro interviu, mudando a direção dos ventos, fazendo com que o disco arremessado por Apolo atingisse a fronte de Jacinto. Tão logo atingido, o belo Jacinto deu o seu último suspiro, caindo morto sobre os campos. Da sua fronte o sangue jorrou, manchando a terra.
Apolo correu em socorro do amante, tentou ainda ressuscitá-lo, mas nem os seus poderes imortais trouxeram o jovem à vida. Apolo abraçou-se ao corpo do amado. Sentia o tormento da culpa em seu ser imortal. Jurou ao amante que jamais seria esquecido por ele, que todas às vezes que tocasse a sua lira e murmurasse o seu canto, seria uma forma de homenageá-lo e de lembrá-lo. E do sangue de Jacinto que molhava o solo, o deus fez brotar uma flor que trazia o colorido mais belo que a púrpura tíria. Uma flor muito semelhante ao lírio, porém, roxa. Ela traduzia a saudade e o pesar de Apolo. A flor foi chamada de jacinto e renasce toda primavera para lembrar o destino e a beleza perdida de Jacinto.
A flor descrita em nada se parece com o jacinto moderno, talvez seja uma íris ou amor-perfeito. Mas o jacinto como flor ficou a ser o símbolo da dor e da culpa de Apolo. Ou da inveja e da paixão não correspondida de Zéfiro.
Narciso e a Imagem na FonteNarciso era filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. Quando nasceu, o adivinho Tirésias
declarou que ele teria uma longa vida, desde que jamais contemplasse a própria figura. Contemplar a própria imagem na Grécia antiga era vista como agouro e má sorte.
Narciso cresceu belo, orgulhoso e insensível aos sentimentos e às paixões que despertava. Desprezava a todos que lhe apareciam como pretendentes e seguia pela vida sem amar ninguém, quase inatingível pelos sentimentos.
A ninfa Eco apaixonou-se por Narciso, mas só conseguiu do jovem a indiferença. Eco via na beleza do rapaz os traços de um deus como Apolo ou Dionísio. O seu amor não correspondido a faz definhar aos poucos, diante de uma fonte, aonde vai perdendo a voz e só gemendo e repetindo o nome de Narciso. Compadecidos, os deuses do Olimpo a transforma em uma rocha que quando por ali passava alguém e falava alto, ouvia o som da própria voz repetida algumas vezes pelo pela rocha que se tornra Eco.
A insensibilidade de Narciso faz com que seja amaldiçoado pela deusa Némesis, que o condena a se apaixonar perdidamente pela primeira pessoa que visse. Narciso debruçou-se diante da fonte de Eco para saciar a sede, ao ver o seu reflexo na água apaixona-se desesperadamente pelo que vê. A paixão pela imagem que jamais pode tocar leva-o à loucura. Passa o tempo todo debruçado sobre a fonte, a amar a si mesmo, sem nunca ser correspondido. Narciso deixa-se definhar diante da fonte, a olhar a sua imagem. Não come, não bebe, ama-se em desespero e reflexo. Vive o desalento de amar a si mesmo até que é transformado pelos deuses na bela flor de narciso.
Do Sangue de Adônis as Belas AnêmonasCíniras, rei de Chipre, filho de Apolo, é um soberano amante da arte e o criador de vários
instrumentos musicais, como a flauta. Após um banquete regado de muito vinho e música, o rei recolheu-se nos seus aposentos, totalmente embriagado. A filha Mirra, que nutria uma paixão pelo próprio pai, aproveita da sua embriaguez para viver este amor, deitando-se no leito do pai e com ele tendo uma noite de amor. No dia seguinte, já sóbrio, o rei percebe o ardil. Enfurecido tenta matar a filha, que foge para os bosques. É nos bosques que Mirra irá dar à luz àquele que se tornaria o homem mais belo de toda a Grécia, Adônis, filho incestuoso do amor que sentia pelo próprio pai.
Adônis é de uma beleza perfeita. Tão perfeita que atrai para si a paixão de Afrodite, a deusa do amor e da beleza. Nos braços do amante mortal, Afrodite vive dias de intensa e feliz paixão, despertando a fúria do seu amante, o deus Ares, senhor da guerra e da discórdia. Preterido pelo amor de um mortal, o deus vinga-se da amante, quando Adônis participa de uma caçada de javalis. Ares envia um javali enfurecido que ataca o jovem, ferindo-o mortalmente nas ancas. O sangue de Adônis mancha a erva verde. Afrodite corre em socorro do amante, mas já o encontra dilacerado e morto pelo javali. Do sangue do belo Adônis faz brotar as anêmonas, flores brancas e sem cor. A deusa que se tinha ferido ao correr entre as silvas, vê o próprio sangue respingar sobre as anêmonas, que se tingem de vermelhas. Da sua dor e do sangue do amado foi feita a anêmona, flor da tristeza e do consolo, de raríssima beleza e que floresce e vive por pouco tempo.
Outras Flores... Outras LendasOutra lenda envolve Héracles (Hércules), filho de Zeus e da mortal Alcmena. Ao nascer o herói
não teria herdado a imortalidade do pai, Zeus sabia que se ele fosse amamentado com o leite da mulher, a deusa Hera, tornar-se-ia imortal. Assim, ordena a Hermes que leve Héracles junto ao seio de Hera, quando esta estivesse dormindo. Mas Héracles ao sugar o leite do seio da deusa, faz com tanta violência, que Hera desperta e o atira para longe. O leite derramado do seio da deusa espalha-se pelo céu, onde cria a Via Láctea e pela terra, onde nascem os lírios ou, em uma outra versão, a flor de lis.
As papoulas surgiram das lágrimas da deusa da agricultura Deméter, ao ter a filha Perséfone raptada pelo senhor dos infernos, o deus Hades. Para amenizar a dor de Deméter, Zeus ordena que Perséfone volte à terra por seis meses e os outros seis meses reina nos infernos ao lado de Hades. Assim, quando a filha retorna na primavera, surgem as papoulas, belas e de duração meteórica, para alegrar a deusa da agricultura e das plantações.
Seja qual for a lenda, a tragédia é sempre amenizada pela singularidade das flores. Lendas, como a de Narciso, tornaram-se clássicas e usadas até como forma de expressão da psicanálise do século XX . Estão sempre associadas à beleza humana perdida para a morte e para a tragédia, refletida na beleza perene das flores.