O território grego é formado por penínsulas recortadas e ilhas do mar Egeu. Devido à posição geográfica, incidia sobre as cidades gregas inúmeros movimentos de ar, os ventos, que definiam a navegação e a agricultura, essências da vida econômica da Grécia. A fúria dos ventos trazia infortúnios às colheitas, que quando por eles arrasadas, provocavam anos de escassez e fome.
Na formação primordial da civilização grega não havia o domínio das técnicas da agricultura, plantar e colher era um esforço desesperado para sobreviver. Era preciso controlar o poder dos ventos, apaziguar a fúria com que caiam sobre as ilhas e o continente, para isto surgiu a necessidade de criar a divindade que representava a força do ar, tão importante em terras muitas vezes de condições naturalmente inóspitas.
Personagens míticas surgiram como representantes do ar, entre elas, Éolo, o deus dos Ventos, senhor absoluto de todas as forças atmosféricas. Seu reinado tinha como súditos, segunda a versão mais persistente da lenda, os quatro ventos regulares: Bóreas, o vento Norte; Zéfiro, o vento Oeste; Euro, o vento Leste; e, Austro, o vento Sul.
Éolo surgiu como divindade abstrata, distanciada da caracterização humana que tinham os deuses olímpicos, sua genealogia e a dos demais Ventos assumiram formas variantes ao longo da antiguidade grega. Há quem lhe atribua Poseidon (Netuno), como pai. Sem uniformidade genealógica, Éolo e os Ventos têm as suas ascendências e origens flutuantes, tal como o ar que representam. Assim como a natureza não controla a força do ar, também os ventos têm profundas oscilações no seu caráter enquanto divindades e nas suas lendas, enquanto mito.
Éolo, o Rei dos Ventos
A força dos ventos representava o equilíbrio entre as plantações e as colheitas, podendo ser benéficos ou destruidores. Essenciais no convívio entre a natureza e o homem, os ventos trazem o poder da vida, da fecundação, já que grande parte da vegetação só fecunda quando tem o pólen transportado por eles.
Se a presença dos ventos definia as colheitas e as plantações, longe do campo eles eram fundamentais para a navegação, já que as tormentas marítimas eram provocadas por ventos cortantes, capazes de afundar grandes frotas. Os navegantes gregos atribuíam a culpa dos naufrágios aos ventos, sempre inconstantes e furiosos. Sem poder explicá-los através da ciência, os antigos tentavam compreendê-los como divindades, dando-lhes forma e vida e cultuando-os, transformando-os em mitos.
O mito de Éolo surge da necessidade do homem de manter diálogo entre a natureza indomável e a sobrevivência que evolui sempre, aperfeiçoando a tecnologia. Enquanto não se avança com este processo evolutivo, o mito resolve a ignorância das trevas, trazendo a luz da fé na divindade. Éolo passou a refletir a ordem dentro da força incontrolável do ar, era ele quem impedia a anarquia dos Ventos, tornando-os disciplinados e benéficos às necessidades humanas. Sob o reinado de Éolo, os ventos só são destrutivos quando provocados pelo homem, sendo a sua fúria resultante de alguma vingança à falha humana ou uma retaliação às disputas das divindades.
Éolo comanda todos os ventos. O seu reino está centrado na Eólia, uma ilha flutuante situada entre a Itália continental e a Sicília. Homero (século IX a.C.) descreve o seu palácio cercado de muralhas de bronze por todos os lados. Para os romanos, o reino do rei dos Ventos encontrava-se na ilha Lípara.
Éolo é descrito em todas as vertentes do mito, como um deus justo e benévolo à humanidade. Tendo grande compaixão para com os homens, ele inventou a vela para ajudá-los a navegar, sendo o guardião perpétuo dos Ventos e das suas investidas furiosas. Mas o poder de Éolo sobre os Ventos não pode evitar catástrofes aos homens, quando a tragédia já foi definida pelo Destino, deus mais poderoso que os próprios deuses do Olimpo.
Apesar de ser o rei dos Ventos, Éolo tem menos representações nas artes e nas lendas do que Zéfiro ou Bóreas, Ventos que são seus súditos. Considerado superior a todas as forças do ar, os gregos cultuavam o à divindade de Éolo de forma indireta, como ele era a soma máxima de todos os Ventos, era preciso abrandar a fúria de cada um deles. Assim, os cultos eram dirigidos a cada um dos Ventos, para que se chegasse de forma indireta ao rei de todos eles, o poderoso Éolo.
Os Ventos e as Divindades do Ar
O elemento ar era definido pelos gregos, por quatro divindades básicas e regulares: Bóreas, o vento Norte; Austro, o vento Sul; Zéfiro, o vento Oeste e Euro, o vento Leste. São filhos de Eos (a Aurora) e de Astreu (o céu estrelado).
Outras vertentes dos mitos dos Ventos, costumam apontá-los como oito divindades básicas e regulares: Solano, Austro, Euro (ou Noto), Áfrico, Zéfiro, Cero, Setentrião e Bóreas. Nesta variante da lenda, a genealogia dos Ventos não é atribuída a Eos e Astreu, mas aos Titãs, os filhos de Urano (Céu) e Gaia (Terra), destronados pelos deuses olímpicos.
Quando regulares, os ventos eram considerados benévolos aos homens; quando irregulares, eram tidos como maléficos, de comportamento nocivo ao homem, à navegação e à agricultura. Os ventos maléficos estavam ligados aos mitos das Harpias e da Quimera.
As Harpias eram figuras monstruosas, filhas de Taumante e da ninfa oceânida Electra. Tinham o rosto de mulher e corpo de ave. Normalmente são representadas com rostos de mulheres velhas, com orelhas de urso e patas que terminavam em grandes unhas. Simbolizavam os ventos mais tempestuosos, provocadores dos furacões. Por onde passavam causavam a devastação e a destruição. O que não destruíam, contaminavam com os excrementos (ou um fluxo que lhes saía do ventre) que lançavam. Eram imortais, mas não eram deusas, não recebendo cultos especiais.
A Quimera tinha a cabeça de leão, o corpo de cabra e cauda de dragão. Da sua boca saíam grandes chamas. Associada aos Ventos, ela personificava as nuvens negras que trazem as tempestades. Assim como as Harpias, a Quimera não recebeu culto especial dos antigos gregos.
Ao contrário dos Ventos irregulares e maléficos, os regulares e benéficos receberam grandes e freqüentes cultos em toda a Grécia antiga, excepcionalmente em Atenas, onde eram venerados juntos, em um templo octogonal, tendo a figura de um deles em cada ângulo do edifício.
A mitologia romana apresenta outros Ventos além dos quatro regulares descritos pelos gregos. Euro, Bóreas, Austro e Zéfiro são, segundo os romanos, os Ventos principais, sendo Euronoto, Vulturno, Subsolano e Caecias, Ventos que derivam dos primeiros, sem lendas próprias. São tidos como divindades turbulentas, somente Bóreas e Zéfiro são descritos com um caráter simpático e benéfico pelos romanos.
Bóreas, o Impetuoso Vento Norte
Bóreas foi o vento mais cultuado como divindade na Grécia. Geralmente representado como um homem barbudo, maduro e alado, vestido com um manto curto. Era um vento tranqüilo, que não conhecia a dor. Vivia em um fulgente palácio às margens do Estrimão, na Trácia, país frio e úmido.
A serenidade do vento ficou estremecida quando ele apaixonou-se por Orítia, bela princesa de Atenas. Tomado de amor, ele procurou o rei Erecteu, pai da amada, pedindo-lhe em casamento. Mas o monarca recusou-lhe entregar a filha, alegando que a Trácia era muito fria, e a jovem não suportaria lá viver.
Bóreas rogou, implorou, prostrou-se aos pés do rei, como se fosse um simples mortal. Mas nada comoveu Erecteu. Desolado, Bóreas tornou-se um vento indomável, um vendaval sem limites, de força impetuosa. Passou a soprar violentamente do seu palácio, atingindo todos os cantos do mundo. Soprou uma gigante nuvem branca sobre Atenas, que envolveu a bela Orítia, carregando-a pelo ar, até a Trácia.
Bóreas casou-se com Orítia, com quem teve quatro filhos. Em uma outra vertente da lenda, ao apaixonar-se por Orítia, o vento Norte era casado com a ninfa Clóris. Quando raptou a princesa ateniense, passou a ter as duas como esposa, vivendo os três felizes no palácio da Trácia.
O rapto de Orítia é a lenda mais famosa do mito de Bóreas. O casamento do vento com uma princesa ateniense, era cultuado em Atenas como um privilégio à cidade. Relatos históricos contam que quando da invasão do comandante persa Xerxes (519-465 a.C.), em luta contra a Grécia, Atenas estava próxima da rendição, quando o vento Bóreas soprou forte, dispersando a frota inimiga. O fato passou a ser comemorado pelos atenienses com a realização das festas Boreasmas.
Outra lenda poética envolve o mito de Bóreas: certa vez o vento Norte transformou-se em um cavalo alado, fecundando doze éguas do rei Erisícton, figura mitológica conhecida por ter devorado a si próprio quando tomado por um incontrolável ataque de fome. Da fecundação de Bóreas nasceram doze potros, que corriam esguios pelas colheitas, sem que se lhes destruísse. É através dos potrinhos filhos de Bóreas, que acontece o movimento ondulatório que o vento suave provoca sobre a vegetação.
Zéfiro, o Vento das Brisas Suaves
Zéfiro, o vento Oeste, era irmão de Bóreas, habitando também na Trácia. A lenda descreve-o como um vento primitivamente violento, que destruía com o seu sopro indomável, às plantações, provocava naufrágios, causando grandes danos aos homens.
A súbita paixão de Zéfiro por Clóris (Flora), irá transformar o caráter mitológico do vento, dando-lhe a versão final regular e benéfica. Clóris é a rainha da primavera, era quem espargia a beleza das flores ao mundo, dando-lhes as cores e o perfume. O contraste entre Zéfiro, o vento que ao soprar destrói a beleza das flores, e Clóris, que pincela esta beleza, faz com que a rainha da primavera rejeite aquele amor inesperado. Mas o amor de Zéfiro é sincero, pleno e construtivo. Para conquistar Clóris, ele transforma a sua personalidade. Rejeita o seu lado tempestuoso e destrutivo, tornando-se um vento suave, passando a soprar levemente, para não danificar as flores.
A lenda de Zéfiro e Clóris reflete o momento de equilíbrio da natureza. O vento suave não destrói as flores, pelo contrário, leva o seu pólen, fazendo com que ela fecunde e renasça em outra vegetação. Zéfiro passa a ser o vento dos namorados. Será ele que levará Psiquê ao palácio de Eros, para que se dê o encontro entre o Amor e Alma. Será ele que verá Afrodite (Vênus), a deusa do amor e da beleza, emergir das espumas do mar, soprando-a e conduzindo-a suavemente até a ilha de Chipre.
Zéfiro é o vento do Ocidente, que ameniza o clima grego, vivificando a natureza. Na estrada entre Atenas e Elêusis, era venerado como uma entidade fecundadora. É representado com uma fisionomia serena e terna, trazendo asas, muitas vezes em forma de asas de borboletas, e, coroas coloridas nas mãos.
Em Roma Zéfiro era venerado ao lado da mulher, Flora. Foram construídos dois templos de culto à deusa, um no Circo Máximo e outro no Quirinal. As festas Florais celebravam a primavera em Roma. No início, as Florais eram solenidades religiosas com rituais que pediam aos deuses boas colheitas. Com o passar do tempo, transformaram-se em celebrações licenciosas e obscenas, dando lugar à orgia floral.
Euro, o Vento Leste e Austro, o Vento Sul
Euro, ou Noto, é o vento do Oriente. É um vento descrito diferentemente pelos poetas, com contrastes acentuados de uma versão para a outra. Enquanto muitos escritores atribuem-lhe uma fisionomia tranqüila e benévola, Horácio (65 -8 a.C.) transforma-o em um vento furioso. É representado com asas e cabelos revoltos, trazendo muitas flores nas mãos. Euro chega ao mundo trazido pelos cavalos da mãe, Eos, a Aurora. O mito não gerou grandes lendas, como Zéfiro e Bóreas.
Austro é o vento Sul. É o vento que traz as chuvas, por isto costuma ser representado com um regador nas mãos. Ovídio (43 a.C. – 18 d.C.) descreveu-o como um velho de cabelos brancos, de estatura elevada, portador de um ar sombrio e de uma nuvem ao redor da cabeça, indicando a chegada das chuvas. Tido como um vento básico e regular, não foi uma divindade com grandes cultos, não gerando grandes lendas enquanto mito.
Em outra vertente mais antiga da lenda, os ventos passavam o tempo em guerra entre si, causando destruição e morte aos homens. Para aplacar a fúria de tão incontidas forças, Zeus encerrou-os em uma caverna, fechando-a com imensos rochedos e montanhas. A seguir, o senhor do Olimpo pediu a Éolo que vigiasse os prisioneiros. Assim, Éolo tornou-se o rei dos Ventos. Noite e dia Éolo ouve o rugido dos prisioneiros, vindos do alto das montanhas, clamando pela liberdade. Mas Éolo não os liberta jamais.
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