
“Álibi” passaria do milhão de cópias vendidas, sendo o primeiro disco de uma mulher a atingir esta marca no Brasil, um feito até então, exclusivo de Roberto Carlos. “Álibi” não foi revolucionário por sua estrutura musical, mas por derrubar de vez o estigma do elitismo da MPB, provando que qualidade e grande público poderiam caminhar lado a lado, e uma grande cantora poderia ir além de um público exclusivo.
“Álibi” atingiu as grandes massas, fazendo com que o Brasil ouvisse MPB. A partir do sucesso deste álbum, outros cantores passaram a ser ouvidos e a ter os seus álbuns adquiridos por um grande número de pessoas. No final da década de setenta acabava o monopólio da música de língua inglesa, e, pela primeira vez, a MPB passou a ser a música mais consumida no país.
“Álibi” transformou Maria Bethânia, até então uma cantora de elite e de público definido, na mais popular do país. Se Roberto Carlos era o rei, Maria Bethânia passou a ser a rainha, título que sustentaria absoluta por dois anos consecutivos. A repressão sufocara a MPB durante toda a década, sendo o veiculo cultural que mais sofreu com a censura. Em 1978 começou a abertura política, extinguiu-se o AI-5, que no primeiro dia de 1979 passou a não existir. “Álibi” mostra esta vertente da nova fase da MPB, que voltaria a ter força diante da juventude e a conduzir os protestos contra a ditadura. Outra característica do álbum é ser o primeiro a consolidar a importância da mulher no cenário musical, que desde então, destronou os homens, e a nossa MPB passou a ser, principalmente, a voz de várias mulheres, uma voz essencialmente feminina.
Ampliando o Horizonte do Seu Repertório

“Álibi” (Djavan), faixa que dava título ao álbum, trazia uma mensagem sôfrega, de uma latência à flor da pele, suficientes para Maria Bethânia construir o seu teatro musical de forma brilhante. Até então, Djavan era um cantor relativamente conhecido, fazendo razoável sucesso em temas de novelas, com o fenômeno de vendagens que se tornou o álbum de Bethânia, ele passou a ser assediado por várias cantoras e despontou de vez para o sucesso de público. “Álibi” é a angústia dos sentimentos, é o corpo como a tradução do amor, é o desejo em forma de tortura quando não concretizado.
“O Meu Amor” (Chico Buarque), duelo de duas mulheres pelo amor de um homem, saltava dos palcos do teatro para o álbum. A

Explode a Emoção

“Ronda” (Paulo Vanzolini), é uma incursão à noite paulistana, a uma boemia pelas ruas de uma Paulicéia que não mais existe. O amor passional da mulher em busca do amor perdido pelas noites da cidade grande. A interpretação de Maria Bethânia foi duramente criticada por Vanzolini, que declararia em 2004: “Se colocarem batida eletrônica na minha música, tudo bem. Maria Bethânia fez pior com a minha música Ronda. Ela não é uma cantora, é uma declamadora”. Uma injustiça com a cantora, pois foi a partir da sua interpretação que a canção de Vanzolini passou a ser conhecida por todo o Brasil, indo além das noites paulistanas.
Maria Bethânia fechava o lado A do álbum com “Explode Coração” (Gonzaguinha), canção que entrou para o repertório no último momento, e que se tornaria um clássico da cantora. Naquele ano Gonzaguinha deu músicas inéditas para Gal Costa no álbum “Água Viva”, e para Simone, no álbum “Cigarra”, mas foi com “Explode Coração”, magistralmente interpretada por Bethânia, que ele explodiu pelo Brasil, tornando-se o

“Chega de temer, chorar, sofrer
Sorrir, se dar, e se perder, e se achar
Que tudo aquilo que e viver,
Eu quero mais e me abrir
E que essa vida entre assim
Como se fosse o sol
Desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã”
“Explode Coração” é o exemplo da música que se iria tornar comum a partir de então, com letras ousadas e insinuantes, a falar do amor íntimo, da sexualidade da mulher, cada vez mais segura em ter prazer.
Do Bolero à Canção de Protesto

Mas o grande risco está no samba “Sonho Meu” (Yvone Lara - Délcio Carvalho), dueto histórico com Gal Costa. As duas vozes contemplam-se, tornando-se o dueto mais famoso das cantoras, que se transformam aqui em exímias sambistas. Dueto pensando à partida para ser feito com Alcione, mas que Bethânia em um momento de sensível intuição, inverteu o jogo. “Sonho Meu” foi a faixa mais tocada do álbum, um momento sublime de dois grandes nomes da nossa MPB, que seduziu para sempre o Brasil.
“De Todas as Maneiras” (Chico Buarque), arremata a canção “Álibi”, com o amor e o desejo a desdenhar os sentimentos, a deixar o corpo nu e dilacerado diante da coragem de expor a verdades da paixão. Bethânia é passional, sem correr o risco de entrar para um patamar de torpor sofrível, típico de Maysa e Elis Regina.
“Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), era a grande promessa do disco, visto que a canção estava proibida desde 1973, quando Chico Buarque e Gilberto Gil, ao cantá-la no festival “Phono 73”, tiveram os microfones desligados. Havia uma grande expectativa em torno da música, conhecida apenas nos bastidores de um público engajado. Uma revista anunciara que Roberto Carlos iria gravar a música, o que seria a primeira incursão do rei ao repertório de Chico Buarque; a notícia não se concretizou, mas gerou maior ansiedade do público em torno da canção. Foi Maria Bethânia quem a lançou no “Fantástico”, mostrando que a censura política na MPB começava a ser uma página virada. Chico Buarque, em um dueto luxuoso com Milton Nascimento, também gravou “Cálice” no seu disco de 1978. Sua interpretação foi apoteótica, com corais viscerais a dar plenitude dimensional à música. Bethânia usou apenas a sua voz, levando a canção ao mais alto palco do seu teatro, fazendo uma interpretação corajosa. Na época a cantora sentia-se extremamente confortável em interpretar Chico Buarque, declarando inclusive que ela era a cantora brasileira que mais sabia interpretar o autor. “Cálice” era o próprio grito dos torturados nos calabouços da ditadura. O verso que se refere à fumaça de óleo diesel, era uma alusão à morte de Stuart Angel Jones, militante da

“Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça”
Depois de passar por canções dramáticas e viscerais, por boleros românticos e amores passionais, Maria Bethânia encerra o álbum com a bucólica “Interior” (Rosinha de Valença), uma canção suave, com gosto de saudade de uma tranqüilidade do interior, perdida nas correrias das cidades grandes, e com um agradável aroma de terra molhada. Uma das mais belas canções do álbum, que se encerra com uma sublime suavidade momentânea. “Álibi” cumpre não só o objetivo de emocionar, mas de mudar o conceito da MPB, mostrando que grandes vendas e qualidade podem ser convergentes, e que a MPB é, magicamente, a força das vozes femininas.
Ficha Técnica:
Álibi

Philips
1978
Direção de produção: Perinho Albuquerque e Maria Bethânia
Arranjos e Regências: Perinho Albuquerque
Técnico de gravação: Ary Carvalhaes
Auxiliares técnicos: Vitor e Julinho
Mixagem: Ary Carvalhaes
Montagem: Barroso
Corte: Ivan Lisnik
Capa: Oscar Ramos e Luciano Figueiredo
Foto da capa: Marisa Álvares Lima
Fotos do encarte: Januário Garcia
Agradecimentos: Roberto Menescal e Lenia Grillo
Músicos participantes:
Piano: Tomás Improta e Perna Fróes
Violão: Rosinha de Valença
Baixo: Jamil Joanes, Moacyr Albuquerque e Luizão Maia
Bateria: Enéas Costa, Tuty Moreno e Paulinho Braga
Flauta: Mauro Senise
Trombone: Ed Maciel
Guitarra: Perinho Albuquerque
Gaita: Maurício Einhorn
Cavaquinho: Rosinha de Valença
Percussão: Djalma Corrêa e Tuty Moreno
Faixas:

1 Diamante verdadeiro (Caetano Veloso), 2 Álibi (Djavan), 3 O meu amor (Chico Buarque) Participação: Alcione, 4 A voz de uma pessoa vitoriosa (Caetano Veloso – Wally Salomão), 5 Ronda (Paulo Vanzolini), 6 Explode coração (Gonzaguinha), 7 Negue (Adelino Moreira – Enzo de Almeida Passos), 8 Sonho meu (Yvone Lara – Délcio Carvalho) Participação: Gal Costa, 9 De todas as maneiras (Chico Buarque), 10 Cálice (Chico Buarque – Gilberto Gil), 11 Interior (Rosinha de Valença)