Terça-feira, 29 de Setembro de 2009

LENDAS DO INTERIOR DO BRASIL

 

 
O Brasil é um país continente, rico em tradições e lendas. Grande parte delas estão ligadas aos costumes herdados dos colonos europeus, dos nativos indígenas e dos negros vindos da África. Neste artigo foram reunidas três lendas de partes opostas do país, como a da Mãe de Ouro, típica do Centro-Oeste, que teve a sua história feita em cima do desbravamento dos bandeirantes e das pedras preciosos ali encontradas; do Vaqueiro Misterioso, mítico personagem do interior nordestino, que tem nas vaquejadas uma das festas mais tradicionais do sertão; e, a lenda das Amazonas, que roubada da mitologia grega, deu origem ao nome do maior rio do mundo em águas, o Amazonas, tornando-se parte do folclore do norte do Brasil.
O Vaqueiro Misterioso é o estereótipo do herói da caatinga, à primeira vista um retirante, como grande parte dos habitantes da chamada região da “Civilização do Couro”, mas que se transforma no mais valente dos homens, um autêntico sobrevivente de todas as diversidades do sertão. O herói incansável aparece e desaparece, sem deixar um nome, a sua identidade é o próprio sertão nordestino.
A Mãe de Ouro nasceu da fantasia dos solitários garimpeiros, que em busca da riqueza, construíram o Brasil central. A lenda corre no rio das Garças, que em outros tempos foi rico em pedras preciosas. O fago-fátuo desprendido das ossadas dos animais mortos causava medo aos garimpeiros, ao mesmo tempo eram vistos como os pingos de luz de uma mulher que trazia as riquezas da região, escondidas em suas grutas e no leito dos seus rios.
As Amazonas, lenda da terra das mulheres guerreiras e sem homens, vem da antiga mitologia grega. Em 1542, os espanhóis chegaram a um imenso rio que chamaram de “Mar Dulce”. Frei Gaspar de Carvajal, escrivão da frota espanhola, revela ter sido atacado por mulheres guerreiras, nuas e com arcos nas mãos. Associou-as ao mito das Amazonas, e a partir de então, o grande rio foi batizado de rio Amazonas, sendo a lenda grega transportada para o imaginário brasileiro.

O Vaqueiro Misterioso

O sol do sertão queima sem piedade o solo. Valentes mandacarus resistem imponentes, tornando-se o único verde no meio de toda a caatinga. No meio do cenário agreste, aparecia a figura misteriosa de um vaqueiro. Surgia do nada, ao longe trazia o retrato do sertão cortante e seco, trajando vestes rotas, chapéu cambaio sobre o rosto queimado. Montava a sua égua esquálida, que trazia um ar de cansaço, sôfrego e sem esperança, como o era o mais valente dos retirantes. Quando surgia no horizonte, o Vaqueiro Misterioso era a própria visão do apocalipse sertanejo.
Conforme se aproximava dos povoados e das fazendas, a imagem do vaqueiro transformava a mais incrédula retina, o seu semblante trôpego dava passagem para os gestos rápidos, para uma vitalidade contagiante. A sua égua dantesca deixava os infernos da seca, mostrando-se a mais valente das bestas, um autêntico e indomável corisco.
E o Vaqueiro Misterioso empregava-se momentaneamente pelas fazendas, tornando-se o mais hábil na lida, com a força de dez homens. Embrenhava-se na caatinga atrás do gado fugitivo, trazia no laço quantos se lhe deparassem, sem mostrar qualquer cansaço ou fatiga. Tão logo encerrava as tarefas, recebia a paga e partia, deixando frustrados os fazendeiros que tudo davam para tê-lo ao seu serviço para sempre, pois sabiam, igual a ele não existia homem algum no sertão. Quem era aquele vaqueiro? De onde vinha? Para onde ia? Ninguém sabia ao certo. Por isto era chamada de Vaqueiro Misterioso. Tão afamado ficou, que os violeiros do sertão cantavam o seu “ABC” nas praças dos vilarejos, e os cordéis das feiras ilustravam as suas façanhas.
Finalizada a apartação do gado, o nordeste iluminava-se para a sua festa mais tradicional, a vaquejada. Homens viris mostravam o canto triste de vaqueiro, que chamavam de aboio. Após o som dos aboios, a vaquejada tinha início. Quando os animais eram soltos, surgia do nada, o Vaqueiro Misterioso. Vinha intrépido montado na sua égua branca. De repente reluzia apenas a sua brava imagem, a derrubar pela cauda, os mais valentes bois. Seu corpo trespassava a gravidade, como se voasse no galope do vento, pondo ao chão o mais feroz dos marruás. Sua sombra entrelaçava-se ao corpo, enfrentando o mais bravio dos bois, domando-o e pondo-lhe o tapa-olho, fazendo-o urrar como um cordeirinho.
Aos aplausos, o Vaqueiro Misterioso encerrava a sua atuação. Era o grande herói da festa. Subia ao palanque, onde recebia a fita amarela de campeão, amarrada ao seu braço. Humildemente sorria, jogando a fita à mais bela das donzelas que por ele suspirava. Todas elas debatiam-se para levar a fita de tão viril herói. Muitas entregavam a ele o seu coração, mas a todas o misterioso andarilho ignorava.
Após ser aclamado por todos, ele comia e bebia como nenhum outro era capaz. Cantava ao lado dos violeiros. Dividia com todos a sua alegria fugaz. Depois do rega-bofe, ele guardava um pouco de carne seca na bolsa de couro que trazia, preparava a sua égua e partia, assim como viera, distanciando-se no horizonte. Ainda ouvia atrás de si, quem lhe gritava, a perguntar-lhe pelo nome. Não respondia. Ninguém sabia. Era o Vaqueiro Misterioso, que desaparecia no meio da caatinga, como a chuva que não caiu no sertão.

A Mãe de Ouro

Maria caminhava pelas beiras do rio das Garças. Todas às vezes que olhava para as águas do rio, seu coração sentia o conforto de que seria feliz, como se a felicidade emergisse das profundezas do seu leito. Caminhava desatenta, quando chegou à gruta onde o rio desaparecia. Ali, diziam os seus antepassados, morava a Mãe de Ouro. Maria sorriu para a gruta, como se sorrisse para a felicidade prometida. Seus olhos de donzela sonhadora miraram no horizonte, quando percebeu que a tarde já ia avançada, e o Sol, muito breve, cederia o seu reinado para a Lua.
Maria pensou em voltar para casa, antes que se fizesse escuro. O frescor da tarde trouxe uma nuvem de pirilampos, ansiosos pela noite. No meio da luz dos insetos surgiu, de dentro da gruta, uma linda mulher, que trazia uma vasta cabeleira reluzente. Era a Mãe de Ouro, a sair para o mundo. Sua beleza fulgurante não poderia ser revelada ao Sol, para que por ele não fosse ofuscada. Só saía da gruta ao torpor da tarde, já pronta para o encontro com a Lua, de quem era irmã gêmea.
O rosto de Maria iluminou-se diante do esplendor reluzente dos cabelos da Mãe de Ouro. Deles caiam pingos de luz, que refletiam todas as cores e, ao contacto com o chão, transformavam-se em pedras preciosas. Maria viu a Mãe de Ouro iniciar a sua trajetória pelo céu. Sua luz refletia um imenso arco-íris, os pingos dos seus cabelos assumiam as sete cores do arco. Maria sabia que, ao ver a Mãe de Ouro, se fizesse um pedido antes que um pingo de luz caísse na terra, seria atendida, tornando-se uma mulher feliz. Assim, cerrou os olhos e fez o seu pedido.
Ao fim da visão, Maria retornou para a sua casa. Desde então passara a pertencer à Mãe de Ouro. Nas noites de lua cheia, ao adormecer, ela, silenciosamente, deixava o seu corpo na cama, e era transportada ao palácio da Mãe de Ouro.
No palácio, escondido nas profundezas da gruta, havia uma luz que reluzia as cores de todas as pedras preciosas. Era lilás nos quartos de ametistas, branco reluzente nos de diamantes, vermelhos nos de rubis, verdes nos de esmeraldas, azuis nos de safira, amarelos nos de topázios...
Ao chegar ao palácio, Maria teve o seu corpo coberto por um traje de pedras preciosas, vistoso, rico e translúcido. Ela foi levada para o salão principal, onde se ouvia as mais belas músicas, cantadas por jovens sereias; danças de belas mulheres e gênios travestidos de belos rapazes; o amor e a alegria transbordavam por todos os cantos do palácio.
Maria passou a usufruir todos os encantos daquele mundo. Ao seu lado estavam outras mulheres que, assim como ela, pertenciam à Mãe de Ouro. Viu quando uma, ao falar com outra, transformou-se em carvão. Uma das regras era que, nenhuma mulher poderia falar ou tocar na outra.
No fim da noite, um gênio encantando, trazendo o corpo viril de um homem, amou e possuiu Maria, fazendo-a a mais feliz das amantes. No meio do leito do rio, as suas águas tomaram forma de uma cama nupcial. Maria transbordou de amor.
Por fim o galo deu o seu primeiro canto. As mulheres encantadas saíram da gruta, em forma de um grande nevoeiro de nuvens brancas. Transformada em uma nuvem leve e alva, Maria voltou para a sua casa, retornou ao seu corpo, vestiu a sua pele e despertou, pronta para viver a sua vida normalmente, até a próxima lua cheia, quando os encantos da Mãe de Ouro virão buscá-la novamente.

As Amazonas

No Reino das Pedras Verdes, no coração da selva amazônica, contam os índios, vivem mulheres guerreiras, que caçam e pescam os seus alimentos, trabalham na roça, onde cultivam a mandioca, tecem redes e tecidos coloridos, fazem vistosas cerâmicas, adornos de penas para os corpos esbeltos. São mulheres que dividem tudo por igual e, naquele reino, não vivem homens. Elas são as Amazonas.
O Reino das Pedras Verdes é governado por uma rainha. Cabe a ela a pajelança e os rituais de purificação aos deuses da mata. A rainha das Amazonas é quem organiza as festas e as tarefas de trabalho. Seu reinado é curto, dura apenas cinco luas cheias de abril. Por isto, de cinco em cinco anos, o reinado é passado a uma virgem de vinte anos.
Para demarcar o reino, as Amazonas fabricam um amuleto, o muiraquitã, uma raridade que nenhum índio de toda a selva amazônica sabe como é feito. A matéria-prima para fabricá-lo só é encontrada na terra das mulheres guerreiras.
Uma vez por ano, no mês de abril, as mulheres guerreiras recebem os homens, para que assim, possam acasalar, garantindo a prole e as tradições. Na noite de lua cheia de abril, uma grande claridade ilumina as águas límpidas do grande lago Jaci-Uaruá. Refletidas pelos raios do luar, as Amazonas mergulham no lago, indo até as suas profundezas, de onde trazem uma grande quantidade de barro. É deste barro limoso que modelam as figuras de rãs, peixes e tartarugas. O barro tem que ser modelado às pressas, ainda debaixo da água, antes que o luar endureça o limo verde.
Dos animais modelados, a rã, símbolo da fertilidade das mulheres guerreiras, transforma-se em um amuleto de acasalamento, que ao ser perfurado, é posto nos seus pescoços. Elas estão prontas para naquela noite, receberem os mais viris e saudáveis índios das tribos vizinhas. É a noite nupcial do luar de abril.
Após uma noite ardente de amor, as Amazonas estão fecundadas. Para os índios que lhe deram uma filha, elas retribuem com o muiraquitã. Os que lhe deram um filho no ano anterior, terão que levar o menino para ser criado em suas aldeias, posto que no Reino das Pedras Verdes só vivem mulheres, são elas as Amazonas, as mulheres sem maridos.

Ilustrações: José Lanzellotti
Adaptação livre de Jeocaz Lee-Meddi para textos de Brasil, Histórias, Costumes e Lendas
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publicado por virtualia às 03:50
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