Terça-feira, 18 de Agosto de 2009

REVOLUÇÃO CUBANA - OS BARBUDOS DA SIERRA MAESTRA

 

 

Em janeiro de 1959, guerrilheiros liderados por Fidel Castro, desciam da Sierra Maestra, entravam em Havana e derrubavam a corroída ditadura de Fulgencio Batista, fazendo não só uma revolução, mas mudando para sempre a história da América Latina, ignorando a geografia, dando um novo rumo à Guerra Fria.
Mais do que mudar o curso da história de um país pobre e corrompido por sucessivos governos corruptos, a Revolução Cubana rompeu com as elites latifundiárias que sempre dominaram os países latino-americanos, desafiou a hegemonia dos Estados Unidos, em pleno auge da Guerra Fria, formando um país de governo socialista a escassos 150 quilômetros da península da Flórida. A saga de Fidel Castro, Che Guevara e dos guerrilheiros da Sierra Maestra, percorreu o mundo, transformando Cuba no sonho de modelo social com que o povo do Terceiro Mundo se identificava. A imagem mítica de Fidel Castro e Che Guevara como heróis que venceram os opressores, libertando os oprimidos, alimentou os sonhos de muitos dos jovens idealistas dos anos sessenta, alguns deles protagonistas do Maio de 1968 em Paris.
Cinqüenta anos depois, Cuba, moeda de troca entre a extinta União Soviética e os Estados Unidos, é um país devastado pelos embargos sofridos por décadas, pobre e às margens das lembranças da revolução. Com o fim da Guerra Fria, a queda do muro de Berlim, o desmembramento da URSS, o país foi deixado à deriva, isolado em um regime que se extinguiu no mundo.
Fidel Castro manter-se- ia no poder até agosto de 2006, quando uma doença intestinal o afastou provisoriamente, sendo substituído definitivamente em 24 de fevereiro de 2008, pelo irmão Raúl Castro. Quando entrou em Havana, a 8 de janeiro de 1959, mudando parte da história do século XX, Fidel Castro trajava um uniforme verde-azeitona e um boné de guerrilheiro que jamais deixou de usar. Muitos anos no poder e a constante mudança dos ventos históricos, foram aos poucos, tirando a imagem jovial e tenaz do guerrilheiro vencedor, a fumar o seu charuto, sendo substituída pelo semblante do homem envelhecido, visto como o último caudilho da América Latina. Assim como Fidel Castro, a revolução envelheceu, desgastou-se e foi aos poucos, esquecida com as ideologias mortas pela história.

Surge Um Novo Líder Cubano Contra a Ditadura de Fulgencio

Em 1952, um golpe militar em Cuba frustrou todas as esperanças das eleições previstas para aquele ano. Em 10 de março, Fulgencio Batista, à frente do golpe militar, subiria ao poder, construindo um governo corrupto, repressivo e sem qualquer compromisso com os setores populares, favorecendo aos interesses estadunidenses na ilha.
Diante da inércia dos partidos políticos em enfrentar o regime opressivo, eclodiriam movimentos de jovens que se opunham ao ditador. Das fileiras desses movimentos, surgiu um novo líder, Fidel Alejandro Castro Ruz, jovem advogado que desde a época de estudante na universidade de Havana, militava politicamente. Fidel Castro instigou o direito do povo à rebelião contra os tiranos do poder, preconizando a estratégia da luta armada contra a ditadura.
O novo líder preparou a luta armada e, em 26 de julho de 1953, foi proclamada uma insurreição popular, com ataques em simultâneo aos quartéis de Moncada, em Santiago de Cuba e de Carlos Manuel de Céspedes, em Bayamo. A operação resultou em um grande fracasso, com dezenas de combatentes presos, muitos assassinados. Fidel Castro foi preso, julgado e condenado. No julgamento, o jovem revolucionário pronunciou uma frase em sua defesa, que se converteria no programa da revolução: “A história me absolverá”.

Os Meandros de Uma Revolução

Exilado no México, Fidel Castro fundou, em 1954, o MR-26 (Movimento Revolucionário 26 de Julho), uma homenagem à data do frustrado ataque ao quartel de Moncada. O movimento propagava a revolta armada contra a repressão do governo cubano.
Em 1955 Cuba foi assolada por grandes movimentos de massas, o que obrigou o governo do ditador Fulgencio Batista a endurecer e a negar a anistia aos presos políticos, entre eles os combatentes de Moncada.
Em 2 de dezembro de 1956, Fidel Castro voltou a Cuba, desembarcando na província do Oriente. Já em terra, conquistaria ao lado de muitos combatentes, o território da Sierra Maestra, concentrando nas montanhas o núcleo inicial do exército rebelde, que rapidamente, aumentaria significativamente.
Em julho de 1957, Frank País foi assassinado, e uma greve em protesto à sua morte, paralisou quase todo o país. O governo cubano terminaria o ano com o fracasso do exército em sua ofensiva contra os guerrilheiros de Sierra Maestra, que a esta altura, já tinha formado duas novas colunas guerrilheiras, comandadas por Raúl Castro, irmão de Fidel, e Juan Almeida.
Em 1958, Fulgencio Batista decidiu exterminar de vez a insurreição dos guerrilheiros, lançando no verão dez mil homens em ofensiva sobre Sierra Maestra. Travaram-se combates ferozes e batalhas sangrentas, que resultaram na vitória dos guerrilheiros contra os homens do governo, que acossados, retiraram-se derrotados.
Outras colunas partiram de diversos pontos do país, entre elas as comandadas por Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Fidel Castro firmava-se como líder por toda a ilha, inclusive diante dos partidos da oposição. Aos poucos, os guerrilheiros conquistaram e tomaram vários povoados e pontos estratégicos.
No dia 1 de janeiro de 1959, Fulgencio Batista abandonava Cuba. Em uma última manobra, a embaixada norte-americana apoiava o general Eulogio Cantillo, que tentou criar uma junta civil e militar para assumir o poder. Fidel Castro pediu à guarnição de Santiago de Cuba que se rendesse, e ao povo que fizesse uma greve geral. A 8 de janeiro os guerrilheiros barbudos entravam em Havana. A Revolução Cubana estava consolidada.

Os Princípios da Revolução Cubana

Aos 32 anos, Fidel Castro entrava em Havana com o seu exército de barbudos, discursando ao país, sendo transmitido pela televisão. O povo cubano assistia deslumbrado àquele homem que sequer tivera tempo de despir o uniforme militar que usou durante os anos da guerrilha. Dono de uma oratória magnífica, o líder passou a ser chamado pelo povo apenas pelo nome de Fidel, sendo transformado em um Robin Hood, um José Martí, transfigurando-se em um herói revolucionário não só dentro de Cuba, mas internacionalmente. Enquanto discursava, uma pomba branca pousou-lhe no ombro.
O eco da vitória da revolução cubana espalhou-se rapidamente pelo mundo, sendo responsável pelo surgimento de movimentos de guerrilha na América Latina, e em alguns países da Ásia e da África. A vitória de um povo sobre a ditadura de Fulgencio Batista justificava a luta armada, a guerrilha, lema que alentou vários povos do mundo que sofriam com ditaduras seculares.
Diante da vitória, Fidel Castro trazia em sua oratória o compromisso da obrigação do novo regime de empreender uma obra social que trouxesse a saúde para todos, a alfabetização, a educação, a distribuição de terras e de casas gratuitas. O não cumprimento dessas obrigações resultaria na perda da legitimidade revolucionária.
Na consolidação da revolução, os guerrilheiros usaram as armas, mas davam mostras de humanidade.

Distanciamento dos EUA, Aproximação com a URSS

A princípio, o novo governo de Cuba furtou-se em abraçar qualquer lado dos dois blocos da Guerra Fria. Washington, apesar de reconhecer o governo castrista, tramava silenciosamente sabotagens a ele, financiando e preparando exilados cubanos para uma ação armada contra Fidel Castro. Uma dessas ações resultou numa força invasora de 2500 exilados cubanos, que desembarcam na baía dos Porcos (praia Girón para os cubanos), entre 17 e 19 de abril de 1961, com a proposta de acabar com a revolução. Fidel Castro esmagou a ação, abatendo oito aviões B-56, afundando dois barcos; a retirada dos invasores terminaria com o saldo de 1189 presos e apenas 14 assaltantes voltando para os EUA.
Logo Fidel Castro percebe que a revolução só iria sobreviver se pendesse para o lado soviético. Em 26 de outubro de 1959, o líder cubano pronuncia, pela primeira vez, um discurso hostil aos americanos. Ainda neste ano, os castristas pedem secretamente armas a Moscou, recebendo-as via Tchecoslováquia e Polônia.
As relações entre Havana e Washington continuam a degradar-se visivelmente em 1960, ano que são confiscadas terras de cidadãos estadunidenses em Cuba (hotéis, bancos, telefones, petróleo), em nome da soberania nacional. A cada retrocesso nas relações com os norte-americanos, o regime cubano aproximava-se dos soviéticos. Em fevereiro, a visita do vice primeiro ministro soviético Anastas Mikoyan a Havana, tornou pública a aproximação dos dois países. Em 8 de novembro daquele ano, pela primeira vez, Fidel Castro proclamava-se marxista, mas sem aceitar as diretrizes ideológicas e doutrinárias de Moscou.
Com a deterioração completa das relações entre Cuba e os Estados Unidos, o governo castrista temia que os norte-americanos tentassem erradicar a revolução, que a esta altura, a União Soviética já se sentia obrigada a defender. Para não correr riscos de retaliações vindas de Washington, Moscou toma a decisão de instalar em solo cubano mísseis soviéticos com ogivas nucleares. Descobertos pela CIA, este episódio tornar-se-ia o mais tenso e famoso da época da Guerra Fria, quando o mundo esteve à beira de uma catástrofe. O presidente John Kennedy, após ameaçar invadir Cuba, iniciando uma guerra nuclear, consegue que os soviéticos retirem os mísseis apontados para o seu país. Khrustchov justificaria em carta a Kennedy:
Se você garantisse que os Estados Unidos não vão invadir Cuba, nem apoiar nenhuma força que possa ter a mesma pretensão, deixaria de existir qualquer motivo que justificasse a presença dos nossos peritos militares em Cuba.”
O presidente norte-americano aceitava a proposta sem que ninguém desse conhecimento dela a Fidel Castro. No furacão da Guerra Fria, Cuba era motivo dos jogos de poder entre as duas potências. Era a única representante no meio das Américas, de um sistema definido por Moscou, portanto, era preciso que os países da cortina de ferro a defendesse.

Cuba Treina Guerrilheiros

Mesmo diante da influência de Moscou, Fidel Castro aceita a sua ajuda econômica e a sua proteção, mas nega que segue a sua diretriz. Em 1963, Cuba cria um sistema de preparo e apoio às guerrilhas de toda a América Latina.
Em 1967, esta via castrista para a revolução é proclamada em uma conferência de solidariedade latino-americana, realizada no verão, em Havana. Na conferência o líder cubano afirma: “O dever de todo o revolucionário é fazer a revolução”.
Espalhados pelas selvas da Bolívia, vários guerrilheiros treinados em Cuba seriam mortos em combate, logo a seguir à conferência. Em outubro, Che Guevara, o único guerrilheiro cujo carisma rivalizava com o de Fidel Castro, seria morto nas selvas bolivianas, pondo fim simbolicamente, ao sonho da revolução pelas armas na América Latina, pretendida pelos barbudos guerrilheiros.
Nos anos setenta, Fidel Castro volta o seu apoio às guerrilhas na África, especificamente em Angola, para onde envia vários guerrilheiros do seu exército. Será em Cuba que os líderes brasileiros da esquerda, perseguidos pela ditadura militar, refugiar-se-ão, tendo por lá treinamento militar e prática de guerrilhas, obtendo após esses preparos, apoio logístico e econômico para retornarem clandestinamente ao Brasil. Este apoio estender-se-ia ao longo da década de setenta, até a abertura política e à promulgação da lei da anistia.

A Revolução Cubana no Século XXI

Isolada pelos embargos econômicos promovidos pelos Estados Unidos, Cuba sobrevivia graças ao apoio soviético. A ilha do Caribe servia de paraíso turístico para os países do bloco soviético, sendo muito procurada por eles.
Nos primeiros vinte anos da revolução, o castrismo erradicara da ilha o analfabetismo, a prostituição, a miséria e a desigualdade social. Cuba transformara-se num sonho e exemplo para os países do Terceiro Mundo.
Com o a queda do muro de Berlim em 1989, a Guerra Fria começou a agonizar, sendo a sua morte uma realidade iminente. Desfez-se o bloco soviético, desmoronou-se a própria União Soviética. Sem a proteção econômica de Moscou, isolada do mundo pelo embargo americano, a fartura esvaiu-se da ilha de Fidel Castro. Os ventos da miséria, da desigualdade social, a mão pesada do castrismo para combater os seus opositores, tudo isto tirou a legitimidade da revolução cubana diante da história e da comunidade internacional. Em 1993, no apogeu da crise econômica cubana, Fidel Castro foi obrigado a legalizar o dólar, moeda do seu maior inimigo, proporcionando a primeira reforma econômica que contradisse todos os princípios da revolução.
Cinco décadas no governo de um país desfaz qualquer utopia, porque meio século é muito tempo diante da história. Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana, morreu em combate, jovem e no fulgor dos sonhos dos seus ideais, tornando-se um ícone para o mundo, ironicamente um mito dentro dos símbolos capitalistas que tanto repudiou. A Fidel Castro restou a passagem dos anos, o envelhecimento, a luta para manter viva a revolução, ou o seu espírito revolucionário. Ironicamente o castrismo ficou sozinho num despovoado campo socialista. A imagem do herói cubano jovem deu passagem ao velho combalido pela doença e pela história. A revolução cubana, hoje, ultrapassada pelos tempos, foi sem dúvida um marco que mudou a história da Guerra Fria.
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publicado por virtualia às 04:41
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