Se as palavras descrevem os acontecimentos, a imagem resume todas elas, e muitas vezes o silêncio da película atinge todos os universos da comunicação. Com a evolução da técnica fotográfica, uma nova arte tomou o mundo nos fins do século XIX, consolidando-se no século XX.
Em um mundo cada dia mais globalizado, a imagem adquiriu dimensões de linguagens jornalística e artística, criando verdadeiros emblemas. A história recente e de todo o século XX pode ser contada através da imagem. Muitas fotografias tornaram-se ícones do século que foram feitas, como a de Che Guevara, feita por Alberto Korda, em 1960, que nos tempos da Guerra Fria era símbolo dos militantes de esquerda e, nos tempos da globalização, tornou-se uma das imagens mais vendidas e usadas na comunicação, ironicamente, a imagem do líder guerrilheiro é hoje um dos principais símbolos do consumismo capitalista. Outra imagem ícone é a fotografia de Albert Einstein mostrando a língua para a câmera, feita por Arthur Sasse.
Outras imagens gravaram momentos históricos que chocaram o mundo, mostrando uma face muitas vezes camuflada por guerras ou por regimes ditatoriais. A Guerra do Vietnam deixou imagens dramáticas, como “
A Menina Napalm”, de Nic Ut, que mostra a dor de uma menina correndo nua depois de ter a casa bombardeada por napalm, ou a “
Execução em Saigon”, de Eddie Adams, focando um homem tendo uma arma apontada para a cabeça, momentos antes de ser executado.
Seja qual for a imagem, o seu efeito diante das pessoas é que irá determinar a sua perenidade. Aqui, cinco imagens desnudam um mundo, às vezes cruel, mas que diante da tragédia, deixa a emoção fluir e registrar as suas mazelas. Seja na Ásia, na Europa, na África ou na América, as imagens trazem um retrato denso, às vezes cáustico, um retrato do planeta que o homem faz.
Mãe Migrante, de Dorothea LangeMãe Migrante (
Migrant Mother). –
Dorothea Lange. – Fotografia feita em Nipomo, Califórnia, entre fevereiro e março de 1936. A imagem de Florence Owens Thompson, uma mulher retirante, e dos seus sete filhos, tornaram-se o símbolo da miséria provocada pela grande depressão de 1929.
A miséria dos catadores de ervilhas, dos trabalhadores do campo, é refletida nos olhos de Florence Owens Thompson, aqui amparando nos ombros dois dos seus sete filhos e um terceiro nos braços. A ambição humana explodira a Bolsa de Nova York em 1929, levando o mundo à miséria e à fome. A mulher fotografada traz no rosto o semblante latente da fome, ainda assim, demonstra uma dignidade pulsante, uma força que a faz sobreviver às hostilidades de um mundo cáustico em seu capitalismo desmedido.
Não é a mulher que posa para a fotografia, e sim a mãe, um ser totalmente desprovido das vaidades femininas, com as mãos maltratadas, feitas para afagar a prole no momento da fome. As rugas na testa e em volta dos olhos iluminam a madona, apagando a Eva que um dia transitou nua pelo paraíso de si mesma, a mulher que sobrevive das aves que os filhos caçam, que mora em uma barraca coberta por lona. Aos trinta e dois anos, Florence Owens Thompson traz as marcas profundas do seu tempo, se a juventude esvai-se com a fome que a assombra, a sua beleza agreste traz toda a profundidade do mundo.
“
Mãe Migrante” não nos revela a luz de uma imagem de um país africano, asiático ou do nordeste brasileiro, mas do país mais poderoso e rico do mundo, que na perseguição ambiciosa dos especuladores financeiros, gerou a mais profunda depressão e miséria. A imagem correu os Estados Unidos e o mundo, transformando-se no símbolo da depressão americana. Curiosamente, em 2008 os especuladores financeiros continuam a jogar sobre o mundo a sombra do colapso e da miséria, frutos da ganância de Wall Street.
Criança Sudanesa Vigiada pelo Abutre, de Kevin CarterCriança Sudanesa Vigiada pelo Abutre. –
Kevin Carter. – Fotografia feita no Sudão, em 1993. O fotógrafo registra o momento que uma menina, debilitada pela fome, luta para chegar a um centro de alimentação, quando é observada e perseguida por um abutre. A fotografia que correu o mundo, chocando a todos pela crueza da imagem e por uma certa frieza do fotógrafo em esperar vinte minutos para que o abutre abrisse as asas em sinal de ataque, em vez de ajudar a criança. Kevin Carter ganhou o
Prêmio Pulitzer de melhor foto jornalismo, em 1994.
A imagem dantesca da fome paira por todos os ângulos da fotografia. O homem, aqui na figura de uma menina, é reduzido à miséria absoluta. Esquelética, famélica, a criança luta com as últimas forças que lhe restam, na tentativa de chegar a lugar algum. O abutre, em seu instinto animal, fareja a morte, vendo na criança a sua alimentação. É a volta à condição primitiva da sobrevivência, em pleno século da tecnologia. O abutre e a criança, a miséria e a fome, uma luta que se torna desigual diante da debilitação física da menina, mas o abutre não percebe a profanação humana, tão pouco a sua miséria, para a ave de rapina, a criança é apenas um animal prestes a morrer, a ter a carcaça devorada pelas feras da savana africana.
Se para o abutre não há culpa, para nós, pertencentes ao gênero humano, todas as culpas vêm à tona diante da tragédia humana que se evidencia na imagem. Impossível ficar indiferente, não odiar a servidão humana, as injustiças sociais,a guerra, o fotógrafo que se detém, primeiro para registrar o momento, depois para perceber o ser humano que naquele instante, vale menos do que um abutre. Se a culpa da imagem nos impregnou a alma, também Kevin Carter não suportou carregar consigo este momento tão cáustico, suicidando-se, aos trinta e três anos, em 1994, quatro meses depois de receber o
Prêmio Pulitzer.
Mulheres Velam Elshani Nashim, de Georges MerillonMulheres Velam Elshani Nashim. –
Georges Merillon. – Fotografia feita em Nogovac, Kosovo, na antiga Iugoslávia, em 28 de janeiro de 1990. No dia anterior, uma manifestação que protestava contra a decisão da Iugoslávia de abolir a autonomia da província do Kosovo, cuja população era em sua maioria albanesa. Os protestos transformaram-se em motim, que sofreu forte repressão do Estado. Elshani Nashim foi morto durante os protestos. Eleita como a fotografia do ano, em 1990, pelo
World Press Photo.
A fotografia mostra a dor da mulher diante da perda. São elas que velam o morto, como carpideiras das injustiças, pranteiam o ente querido, transformado em cadáver diante da vida, em mártir ante à história. Se o homem gera as guerras, os ódios, as ideologias, cabe às mulheres o preço a ser pago. No centro da fotografia, uma mulher demonstra a dor em todo o seu esplendor, sendo amparada pelas outras. Do lado direito da imagem, a mais jovem das mulheres não verte lágrimas, seu olhar quase que atravessa a objetiva, na intensidade da dor, ela demonstra sofrimento e ódio. É a mulher a conviver com as injustiças humanas, a ser a maior vítima da insensatez da história.
Na imagem não há espaço para os homens, o único que aparece está morto. São as mulheres as personagens principais, afinal cabe a elas chorar os mortos, aos homens resta chorar as ideologias perdidas. Mulheres de vestes camponesas, das aldeias do interior, neste momento tornam-se universais. Mulheres européias, que longe dos centros urbanos do continente e dos seus holofotes, parecem esquecidas no tempo.
A fotografia de Georges Merillon era apenas o prólogo do que estava por vir. A Europa, em 1990 comemorava o fim da Guerra Fria, a queda do muro de Berlim, mas ali perto, na Iugoslávia, uma grande implosão causaria uma guerra que os europeus julgavam impensável depois da Segunda Guerra Mundial. Mais do que um presságio, Merillon registrou na sua fotografia a síntese da dor que viria, tirando para sempre a Iugoslávia do mapa, fragmentada em sangue e em vários países independentes.
Mulher Chora os Mortos pelo Tsunami, de Arko DattaMulher Chora os Mortos pelo Tsunami. –
Arko Datta. – Fotografia feita na Índia, em 28 de dezembro de 2004, quando um tsunami devastou grande parte dos países do sudeste asiático, sendo responsável pela morte de milhares de pessoas. Eleita a melhor fotografia de 2004 pelo
World Press Photo.
Não é só o homem o causador das suas tragédias, também a natureza tem os seus momentos de revolta contra a humanidade, mostrando-se indomável e sem culpas. O tsunami veio do mar, atravessou a terra e ceifou vidas. Após a catástrofe, é o momento de procurar pelos sobreviventes e prantear os mortos. Aqui a mulher é abatida por um momento de desespero e dor, deixando-se tombar no chão, prostrando-se para o infinito de Deus, como se tentasse um consolo, uma redenção que redimisse o vazio, ou talvez, mostrar-se pequena diante do nada do mundo. De costas, sobre a terra molhada pela onda e pela tragédia, ela apenas lamenta as perdas, para depois poder enxergar-se como sobrevivente.
O fotógrafo poderia focalizar a objetiva apenas na mulher, terminando ali o registro da imagem, mas ele percorre um pouco mais do espaço, mostrando um cenário desolador ao apresentar o pedaço do braço de uma vítima. Este detalhe amplia a imaginação, dando a dimensão exata da tragédia, pois ali está não um braço, mas um cadáver, o que nos remete para todos os outros cadáveres ocultados. Também um chinelo solitário faz com que nos lembremos que ele calçou uma vítima que a onda levou. Se a dor da mulher é latente, latejada é a morte no braço cheio de hematomas que se nos salta aos olhos.
Menina Afegã, de Steve McCurryMenina Afegã (
Afghan Girl). –
Steve McCurry. –
National Geographic. – Fotografia feita em 1984, de uma menina afegã, no acampamento de refugiados Nasir Bugh, no Paquistão. Fugitivos da Guerra do Afeganistão, ocasionada pela invasão soviética (1979-1989), que gerou o êxodo de várias famílias para as fronteiras do país vizinho.
No meio dos fugitivos da guerra, estava esta menina de doze anos, que trazia uma beleza bíblica, de um exotismo singular. Rosto lavado, sem maquiagens, delineado pelos enormes olhos verdes, que brilhavam como uma esmeralda rara, lapidada pelos mistérios de um povo marcado por guerras e pela fuga constante da destruição, da fome e da morte.
Sobre a cabeça um lenço vermelho como único adorno, que apesar de roto, com profundos rasgos, faz o contraste com o verde dos olhos, trazendo um magnetismo bíblico à fotografia, realçando a beleza agreste, quase extraída dos livros dos profetas, traduzida pelos ventos da guerra.
A menina mostra a mulher que se lhe desabrocha, traz o impacto de um olhar fulminante, que não se intimida com a objetiva, que no momento do registro, está pronta para eternizar o seu grito silencioso. Só os olhos gritam. E neles há uma beleza de verdades tão profundas, que se irá difundir pelo mundo e conquistar milhões de pessoas. É um momento único de uma beleza que se irá, assim como o seu país, desgastar rapidamente pela poeira do sofrimento e dos ódios seculares.
A fotografia seria capa da revista
National Geographic de junho de 1985, tornando-se a mais famosa da sua história. O impacto da beleza da imagem jamais saiu da lembrança das pessoas de todo o planeta, celebrizando para sempre Steve McCurry. O fotógrafo perseguiu anos pistas que o levassem à menina da fotografia, ansioso de saber o seu nome, o que lhe sucedera, que
caminhos seguira. A resposta viria quase duas décadas depois. Em 2002 McCurry e uma expedição da
National Geographic, partiram para as fronteiras do Afeganistão e do Paquistão, em busca da famosa menina. Encontraram-na com trinta anos, descobrindo que se chamava Sharbat Gula. Encontrada, ela veio, pela segunda vez, a ser capa da
National Geographic, em abril de 2002. Da beleza de outrora nada restara, Sharbat Gula era uma mulher envelhecida, marcada pela guerra civil que se sucedeu após o fim da invasão soviética ao seu país. O brilho latente dos seus olhos verdes já não existia.