Desde que o cinema foi inventado, luz, imagem e vindo mais tarde, o som, tornaram-se elementos de sedução e paixão que fez sonhar multidões de platéias. O ator deixava os palcos para despontar o seu rosto e interpretação em uma grande tela. Carreiras cinematográficas tornaram-se ícones de um estrelato de atores que se fizeram deuses. Muitas dessas carreiras sublimemente confundiram-se com a vida dos seus ídolos, às vezes essa vida tornava-se maior do que a própria carreira. Uma das maiores lendas do cinema norte-americano, Montgomery Clift, foi um dos atores que a vida pessoal e a carreira travaram lutas muitas vezes diluídas nas angústias da existência. Se a vida privada e trágica de Marilyn Monroe foi maior do que os papéis que ela viveu na grande tela, a de Montgomery Clift desenhou-se na dimensão etérea, e muitas vezes, perdeu para o talento insuperável de um homem errático.
De uma angústia latente, um carisma enigmático, uma tristeza realçada por uma beleza rara, Montgomery Clift passou a vida a tentar equilibrar-se diante dos caminhos por estradas sinuosas que percorreu. O ator pertenceu à geração que revelou Marlon Brando, James Dean e Rock Hudson. Além de uma carreira de sucesso, ele tinha em comum com os três atores citados a homossexualidade que, ao contrário dos outros, ele jamais negou ou tentou lutar contra. Na época exigia-se que um astro de cinema escondesse a sua condição sexual através de um casamento, Clift preferiu ignorar a regra, vivendo a sua essência sem trair a si próprio. Esta condição, uma saúde debilitada, o vício pelo álcool e pelos barbitúricos, fizeram de Montgomery Clift um homem frágil, que despertava nas pessoas um sedutor sentimento de querer protegê-lo, por vê-lo tão vulnerável diante da vida. Esta vulnerabilidade transbordava por todas as personagens que o ator viveu tão bem, transformando-o em um dos maiores atores que o cinema norte-americano, ainda em sua fase criativa, já revelou. Rever os filmes de Montgomery Clift é sempre uma agradável descoberta, um convite ao sublime, ao belo e ao trágico, como foi a vida deste ator desaparecido ao 45 anos.
Primeiros Sucessos na Brodway
Montgomery Clift moldou uma personalidade rebelde, muitas vezes vividas nas esquinas que transitava. Aos treze anos descobriu a sua aptidão para ator, estreando-se na Brodway com a peça “Fly Away Home”. Mostrou-se tão bem sucedido, que a mãe, Ethel Fogg Clift, incentivou-o a abraçar os palcos e a tornar-se ator. Iniciava-se uma das mais magníficas carreiras do século XX. Aos 17 anos, ele ganha o estatuto de grande estrela da Brodway ao protagonizar “Dame Nature”. O sucesso nos palcos continuaria por longos anos, com peças como “There Shall be No Night”, “The Mother” e “Trincheira na Sala”.
Mas a saúde do ator mostrou-se frágil muito cedo. Em 1939, de férias no México, ao lado dos amigos, o compositor Lehman Engel e o ator John Garfield, foi obrigado a interromper a viagem quando acometido de disenteria amébico, doença que seria a responsável por sua dispensa do exército, considerado incapacitado, e que voltaria a incomodá-lo por toda a sua vida, evoluindo para uma colite ulcerosa.
Indicado ao Oscar na Estréia no Cinema

Montgomery Clift passou a ser um dos homens mais assediado e desejado pelas mulheres, fato que lhe constrangia. A fama não o transformou no estereótipo do astro de Hollywood de então. Não adquiriu grandes mansões em Beverly Hills, preferindo os bairros de Nova York, não era um homem receptivo à idolatria e aos cortejos da fama, assim como não se rendeu às extravagâncias da moda ou dos hábitos de quem começava a aparecer constantemente nas revistas e nos jornais, ilustrando as páginas da fama.
Rígido em suas escolhas de personagens, o ator sofreria reveses por isto, como a que aconteceu em 1950, quando assinou contrato para fazer o filme “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard), de Billy Wilder, e faltando duas semanas para o início das filmagens, rescindiu o contrato, sendo substituído por William Holden no papel de Joe Gillis. O filme foi um dos maiores sucessos do cinema, constituindo uma perda para a carreira do ator.
Composição de Personagens Inesquecíveis

Após “Um Lugar ao Sol”, Montgomery Clift ficaria afastado do cinema por algum tempo. Voltaria em 1953 com três filmes, sob a direção de três grandes diretores: “A Tortura do Silêncio” (I Confess), dirigido por Alfred Hitchcock; “Quando a Mulher Erra” (Indiscretion of an American Wife), de Vittorio de Sica, que seria o primeiro filme de baixa bilheteria do ator; e o clássico e inesquecível “A Um Passo da Eternidade” (From Here to Eternity).
O filme “A Um Passo da Eternidade” tornou-se uma das mais belas incursões do cinema à temática da Segunda Guerra Mundial. Repleto de fatos pitorescos e obscuros, os bastidores da película tiveram, entre tantas curiosidades, a oposição de Harry Cohn, poderoso executivo da Columbia à época das filmagens, ao nome de Montgomery Clift para o papel de Robert E. Lee Prewitt. O ator só ganhou o papel graças à intervenção do diretor Fred Zinnemann, que ameaçou abandonar o projeto caso não tivesse Clift no papel. O filme, composto por grandes estrelas como Burt Lancaster, Deborah Kerr e Frank Sinatra, traz o ápice da interpretação do ator para o cinema, que lhe valeu outra indicação para o Oscar de melhor ator. O consenso de que Clift levaria o prêmio era tão grande, que foi com surpresa e decepção que todos assistiram William Holden conquistar a estatueta pelo desempenho em “Inferno 17”. Culpa-se a aversão de Montgomery Clift a render-se ao glamour de Hollywood a não conquista de nenhum Oscar, apesar das várias indicações durante o percurso da sua carreira no cinema.
A solidão inacessível de um soldado, que vê a sensibilidade fugir diante das imposições de um universo cruelmente feroz, que se recusa a voltar a ser boxeador para preservar-se diante da crueza do mundo, às vésperas das bombas japonesas que se iriam chover sobre Pearl Harbor, abatendo-o de vez. É esta personagem fascinante que toma o rosto e a voz de Montgomery Clift. Assim como a personagem, também o ator seria arrebatado pela crueza de um mundo no qual ele sempre lutou para sobreviver, jamais para percebê-lo ou integrá-lo como um todo.
Depois das filmagens, Montgomery Clift construiu uma amizade com Frank Sinatra, que arrebataria o Oscar de melhor ator coadjuvante, e com James Jones, autor do livro do qual inspirara o filme. Segundo relatos, muitas foram as noites que os três saíram para beber juntos.
O Acidente

Em 1956 Clift aceitou fazer o filme “A Árvore da Vida” (Raintree County), de Edward Dmytryk, sem sequer ler o roteiro, só pelo fato de saber que iria contracenar com a amiga Elizabeth Taylor. Seria uma volta às telas após três anos de ausência.
As filmagens corriam tranqüilas, já iam adiantadas quando Elizabeth Taylor decidiu dar uma festa em sua casa. Clift entrega-se à bebida e, após cansar-se da festa, saiu completamente embriagado, tentando em vão, dirigir o seu automóvel. Sem condições, o ator bateu violentamente o carro em um poste telefônico a poucos metros de distância da casa da amiga. Ao ser informada do acidente, a atriz correu até o local, chegando a tempo de salvar Clift de morrer sufocado pelo próprio sangue e ao tirar dois dentes presos na sua garganta. O resultado do acidente deixou uma profunda mutilação no rosto do ator, que além da falta dos dois dentes, quebrou a mandíbula, o nariz foi esmagado e lacerações faciais o obrigaram a submeter-se a uma cirurgia plástica.
O acidente deixou-o longe das filmagens de “A Árvore da Vida” por oito semanas. Quando se assiste ao filme, percebe-se nitidamente os dois rostos do ator, dantes e depois do acidente. As marcas indeléveis não ficaram gravadas apenas na face de Montgomery Clift, mas também nos seus hábitos, para fugir às dores, ingeria álcool e pílulas, que o deixou dependente de drogas, estimulantes e barbitúricos. A partir de então, a colite, a dependência química e as seqüelas do acidente, contribuíram para que a sua saúde começasse a deteriorar-se gradativamente.
Mesmo diante dos problemas e atrasos nas filmagens que a tragédia do acidente provocara, o diretor Edward Dmytryk, declararia que Clift tinha sido o ator mais criativo com o qual ele já trabalhara, e voltaria a dirigi-lo em 1958, em “Os Deuses Vencidos” (The Young Lion).
A Agonia Existencial do Ator

Cada vez mais isolado dos estúdios de cinema, por influência da eterna amiga Elizabeth Taylor, Clift foi convidado para fazer ao seu lado, em 1959, “De Repente, No Último Verão” (Suddenly, Last Summer), de Joseph L. Mankiewicz, uma versão cinematográfica da peça de Tennesse Williams. Os atrasos constantes às filmagens irritaram o diretor, que por várias vezes quis demitir o ator, só não o fazendo por imposição de Elizabeth Taylor. O sucesso do filme valeu todos os dissabores das filmagens.
Em 1960, Elia Kazan convidou Clift para protagonizar, ao lado da bela Lee Remick, o filme “Rio Violento” (Wild River). A atriz declararia mais tarde sobre Montgomery Clift: “Sua falta de auto-estima era muito comovente, muito comovente, muito triste... Havia um elemento de tristeza nele o tempo todo”.
Em 1960 John Huston reuniu Montgomery Clift, Marilyn Monroe e Clark Gable, naquele que seria o último filme dos dois últimos atores, “Os Desajustados” (The Misfits). A instabilidade emocional de Clift e Marilyn Monroe fez com que as suas cenas fossem refeitas várias vezes, causando atrasos nas filmagens. A atriz comentaria que na vida só Clift estava pior do que ela. Clark Gable morreria dias depois de encerrar as filmagens.
John Huston voltaria a dirigir Clift a interpretar o famoso pai da psicanálise, Sigmund Freud, no filme “Freud – Além da Alma” (Freud). O filme levou John Huston, Montgomery Clift e a Universal aos tribunais, por causa dos constantes atrasos nas filmagens que

Mesmo isolado, o ator faria uma participação brilhante no filme “O Julgamento em Nuremberg” (Judgment at Nuremberg), de Stanley Kramer. Sua participação era inferior a dez minutos, mas tão marcante, que lhe valeu a quarta indicação para o Oscar, desta vez como melhor ator coadjuvante.
Uma Morte Anunciada

Enquanto esperava por Elizabeth Taylor, Montgomery Clift fez “Talvez Seja Melhor Assim” (The Defector), de Raoul Lévy. Este seria o seu último filme, pois morreria dias após a conclusão das filmagens.
No dia 22 de julho de 1966, Montgomery Clift recolheu-se à sua casa, em Nova York. Silencioso e solitário, assim o ator viveu o seu último dia de vida. À noite, o amigo e secretário pessoal, Lorenzo James foi ao seu quarto para desejar boa noite e dizer que a televisão passaria “Os Desajustados”, perguntando se ele queria ver, ao que o ator respondeu: “Absolutamente não!”. Foram as últimas palavras em vida dirigidas pelo ator a alguém. Na manhã seguinte, dia 23, Lorenzo James encontraria Clift nu e de costas sobre a cama, trazia os óculos e os punhos cerrados, sem vida. Uma autópsia ao corpo do ator revelou que a sua morte prematura, a poucos meses de completar 46 anos, não se devia a qualquer ato de suicídio, mas a uma doença arterial coronária, que o levou a um ataque cardíaco, provocando-lhe uma morte súbita.
Montgomery Clift faz parte daqueles homens que tentam sobreviver à sensibilidade fatal de si mesmo. De uma beleza bíblica, olhar de uma solidão latente

Gêmeo de uma irmã, Montgomery Clift não nasceu sozinho, mas assim viveu a vida inteira, mesmo ladeado por uma legião de fãs, de gente que o amava e desejava. Errático na forma de caminhar, punia-se por se sentir culpado e envergonhado diante de seu comportamento com o álcool e da forma que conduzia a verdadeira face da sua sexualidade. Se a sua morte foi lenta, anunciada, a sua obra é eterna, cristalizada em um sublime momento do tempo. Dilacerado por uma sensibilidade comovente, Montgomery Clift morreu assim como viveu, sozinho e nu diante da vida e dos sentimentos.
FILMOGRAFIA E PEÇAS DE TEATRO
Filmes:

1948 – Red River (Rio Vermelho)
1948 – The Search (Perdidos na Tormenta)
1949 – The Heiress (Tarde Demais)
1950 – The Big Lift (Ilusão Perdida)
1951 – A Place in the Sun (Um Lugar ao Sol)
1953 – I Confess (A Tortura do Silêncio)
1953 – Indiscretion of an American Wife (Quando a Mulher Erra)
1953 – From Here to Eternity (A Um Passo da Eternidade)
1957 – Raintree County (A Árvore da Vida)
1958 – Lonleyhearts
1958 – The Young Lions (Os Deuses Vencidos)
1959 – Suddenly, Last Summer (De Repente, no Último Verão)
1960 – Wild River (Rio Violento)
1961 – Judgment at Nuremberg (O Julgamento de Nuremberg)
1961 – The Misfits (Os Desajustados)

1962 – Freud (Freud – Além da Arma)
1966 – The Defector (Talvez Seja Melhor Assim)
Teatro:
1934 – Fly Away Home
1935 – Jubilee
1938 – Your Ibedient Husband
1938 – Eye on the Sparrow
1938 – The Wind and the Rain
1938 – Dame Nature
1939 – The Mother
1940 – There Shall be No Night
1942 – Mexican Mural
1942 – The Skin of Our Teeth
1944 – The Searching Wind
1945 – Foxhole in the Parlor
1945 – You Touched Me!
1954 – The Seagull
CRONOLOGIA

1929 – Colapso na bolsa leva William Brooks Clift, pai de Montgomery, à falência.
1934 – A família muda-se para Sharon, Massachusetts. Estréia aos 13 anos, na Brodway em “Fly Away Home”.
1938 – Ao fazer “Dame Nature”, torna-se, aos 17 anos, grande astro da Brodway.
1939 – É vitimado por uma doença, disenteria amébico, que o perseguiria para o resto da vida, evoluindo para colite crônica. Por este motivo, é dado como incapaz para servir o exército.
1948 – Estréia no cinema, ao lado de John Wayne, no filme “Rio Vermelho”, de Howard Hawks. Faz o filme “Perdidos na Tormenta”, de Fred Zinnemann, que lhe valeria uma indicação para o Oscar de melhor ator.
1950 – Rescinde contrato e desiste de fazer “Crepúsculo dos Deuses”, sendo substituído por William Holden.
1951 – Protagoniza “Um Lugar ao Sol”, de George Stevens, ao lado de Elizabeth Taylor, com quem inicia uma longa e comovente amizade, que o acompanharia até a sua morte. É indicado para o Oscar de melhor ator.
1953 – Trabalha com o mestre Alfred Hitchcock no filme “A Tortura do Silêncio”. É dirigido por Vittorio de Sica no filme “Quando a Mulher Erra”. Volta a trabalhar com Fred Zinnemann no mítico “A Um Passo da Eternidade”. É indicado para o Oscar de melhor ator por esta atuação.
1954 – Volta aos palcos com “The Seagull”.
1956 – Após alguns anos de afastamento, volta a filmar “A Árvore da Vida”, ao lado de Elizabeth Taylor. Durante as gravações sofre um grave acidente, ao dirigir bêbedo um automóvel. Tem parte do rosto desfigurado, sendo obrigado a uma cirurgia corretiva para reconstrução do mesmo.
1959 – Volta a contracenar com Elizabeth Taylor, no filme “De Repente, no Último Verão”, filme de Joseph L. Mankiewicz, inspirado na peça de Tennesse Williams. No elenco a presença luxuosa da atriz Katharine Hepburn.
1960 – Protagoniza “Rio Violento”, de Elia Kazan, ao lado de Lee Remick. Faz “Os Desajustados”, filme que iria estrear em 1961, ao lado de Clark Gable e Marilyn Monroe, que se tornaria o último filme destes atores.
1961 – Faz uma participação especial no filme “O Julgamento de Nuremberg”, de Stanley Kramer, que lhe valeria a quarta indicação para o Oscar.
1962 – Protagoniza o tumultuado “Freud – Além da Alma”, de John Huston, que terminaria com grandes atrasos nas filmagens e em tribunal.
1966 – Convidado para fazer o filme “O Pecado de Todos Nós”, de John Huston, ao lado de Elizabeth Taylor. Enquanto aguardava a volta da atriz, que estava filmando na Europa, para iniciar as filmagens, fez o último filme da sua vida, “Talvez Seja Melhor Assim”. Morre a 23 de julho, pouco depois de encerrar as filmagens, vítima de uma doença arterial da coronária, que lhe causou parada cardíaca e morte súbita. Da sua vida, a frase pronunciada por ele, definiu a sua visão de ser ator: “Olha, eu não sou esquisito. Só estou a tentar ser um ator, não um ator de cinema, mas um ator.”