Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2009

JOHN DONNE: NENHUM HOMEM É UMA ILHA

 

 


 

John Donne é um dos maiores poetas de língua inglesa. Incompreendido na sua época, esquecido por muitos séculos, é hoje reverenciado e lido em todo o mundo. Sua obra serviu de inspiração para muitos outros poetas além do seu tempo.
Foi a partir de um belíssimo texto de John Donne, que o escritor norte-americano Ernest Hemingway, encontrou inspiração para o título do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram”. O texto faz parte de “Meditações”, de onde foi extraído o trecho que abre o romance de Hemingway, eternizando-o, fazendo-o um dos textos literários mais conhecidos da atualidade.
O texto é de uma beleza rara, que transporta o homem em um universo que o coloca no centro de um oceano, mas que o revela a fazer parte do mundo, que a grandiosidade da saga humana está na quebra da solidão, porque somos os nossos amigos, o rompimento da nossa solidão. Somos o gênero humano, exaltado pela vida e diminuído apenas pela morte.

Nenhum Homem é uma Ilha Isolada




 


Meditation 17 (original)

 


 

(excerpt)

No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main; if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were; any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.





Meditação 17 (tradução)

(trecho)

Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
 



Uma Vida Angustiada

John Donne nasceu em Londres, em 22 de janeiro de 1572, no seio de uma família aristocrática e católica. Numa época que para chancelar o seu adultério e divórcio, Henrique VIII rompia com a igreja de Roma, fundando a sua própria, a igreja anglicana. Este conflito religioso marcaria a vida de John Donne, que no seu íntimo considerava-se um católico e repudiava o anglicanismo, mas abraçou este último, para sobreviver e dele obter o reconhecimento e ascensão social da sua época.
O poeta perdeu o pai, também chamado John Donne, ainda criança. Freqüentou as universidades de Oxford e Cambridge, estudando direito. Era um homem que gostava da boemia, da noite e das farras, perdendo-se na juventude entre as mulheres e os pequenos prazeres mundanos.
Ainda na juventude, John Donne perdeu o irmão Henry, que morreu na prisão, onde foi parar por abrigar em sua casa um padre condenado pela justiça. A morte do irmão abala profundamente o poeta, que desde então, duvida da fé e da vida.
John Donne viveu uma vida de contradições interiores, dificuldades econômicas e aventuras existencialistas, como a que o levou a casar-se secretamente com Anne More, jovem de 17 anos, sobrinha do seu patrão. O casamento realizado de forma tempestuosa, foi responsável por sua prisão, provocada pela denúncia de George More, pai da sua mulher.
Com Anne teria 20 filhos, a pobre mulher morreria após o nascimento do último filho do casal, deixando John Donne ainda mais perdido no mundo, e sem vontade de viver. Desde então, Donne definhou a saúde, tornando-se um obcecado pela morte. Algumas semanas antes de morrer, em 1631, John Donne declamou em Londres, “Death’s Duel”, que ficou conhecido como o seu sermão funerário.

Uma Obra Eterna

John Donne foi um dos maiores oradores da sua época. Contemporâneo de William Shakespeare, teve a sua obra literária esquecida por quase três séculos.
Redescoberto, influenciou muitos poetas, como T. S. Elliot. A força dramática das suas palavras é quase um soco na existência humana. Muitas vezes o sopro das palavras percorrem universos mórbidos, linhas existenciais de labirintos que desnuda o homem, tornando-o prisioneiro das suas angústias.
A poesia de John Donne é delineada na beleza das palavras, nas angústias da existência humana, que escrita há mais de 300 anos, ainda se reflete nos nossos dias, tornando-se uma elegia no meio da aventura humana. Donne transforma as emoções religiosas numa poesia metafísica única, de uma rara concepção e beleza.


The Ecstasy (original)

Where, like a pillow on a bed
A pregnant bank swell'd up to rest
The violet's reclining head,
Sat we two, one another's best.

Our hands were firmly cemented
With a fast balm, which thence did spring;
Our eye-beams twisted, and did thread
Our eyes upon one double string;

So to'intergraft our hands, as yet
Was all the means to make us one,
And pictures in our eyes to get
Was all our propagation.

As 'twixt two equal armies fate
Suspends uncertain victory,
Our souls (which to advance their state
Were gone out) hung 'twixt her and me.

And whilst our souls negotiate there,
We like sepulchral statues lay;
All day, the same our postures were,
And we said nothing, all the day.

If any, so by love refin'd
That he soul's language understood,
And by good love were grown all mind,
Within convenient distance stood,

He (though he knew not which soul spake,
Because both meant, both spake the same)
Might thence a new concoction take
And part far purer than he came.

This ecstasy doth unperplex,
We said, and tell us what we love;
We see by this it was not sex,
We see we saw not what did move;

But as all several souls contain
Mixture of things, they know not what,
Love these mix'd souls doth mix again
And makes both one, each this and that.

A single violet transplant,
The strength, the colour, and the size,
(All which before was poor and scant)
Redoubles still, and multiplies.

When love with one another so
Interinanimates two souls,
That abler soul, which thence doth flow,
Defects of loneliness controls.

We then, who are this new soul, know
Of what we are compos'd and made,
For th' atomies of which we grow
Are souls. whom no change can invade.

But oh alas, so long, so far,
Our bodies why do we forbear?
They'are ours, though they'are not we; we are
The intelligences, they the spheres.

We owe them thanks, because they thus
Did us, to us, at first convey,
Yielded their senses' force to us,
Nor are dross to us, but allay.

On man heaven's influence works not so,
But that it first imprints the air;
So soul into the soul may flow,
Though it to body first repair.

As our blood labors to beget
Spirits, as like souls as it can,
Because such fingers need to knit
That subtle knot which makes us man,

So must pure lovers' souls descend
T' affections, and to faculties,
Which sense may reach and apprehend,
Else a great prince in prison lies.

To'our bodies turn we then, that so
Weak men on love reveal'd may look;
Love's mysteries in souls do grow,
But yet the body is his book.

And if some lover, such as we,
Have heard this dialogue of one,
Let him still mark us, he shall see
Small change, when we'are to bodies gone.

O Êxtase (tradução)

Onde, qual almofada sobre o leito,
A areia grávida inchou para apoiar
A inclinada cabeça da violeta,
Nós nos sentamos, olhar contra olhar.

Nossas mãos duramente cimentadas
No firme bálsamo que delas vem,
Nossas vistas trançadas e tecendo
Os olhos em um duplo filamento;

Enxertar mão em mão é até agora
Nossa única forma de atadura
E modelar nos olhos as figuras
A nossa única propagação.

Como entre dois exércitos iguais,
Na incerteza, o Acaso se suspende,
Nossas almas (dos corpos apartadas
Por antecipação) entre ambos pendem.

E enquanto alma com alma negocia,
Estátuas sepulcrais ali quedamos
Todo o dia na mesma posição,
Sem mínima palavra, todo o dia.

Se alguém - pelo amor tão refinado
Que entendesse das almas a linguagem,
E por virtude desse amor tornado
Só pensamento - a elas se chegasse,

Pudera (sem saber que alma falava
Pois ambas eram uma só palavra),
Nova sublimação tomar do instante
E retornar mais puro do que antes.

Nosso Êxtase - dizemos - nos dá nexo
E nos mostra do amor o objetivo,
Vemos agora que não foi o sexo,
Vemos que não soubemos o motivo.

Mas que assim como as almas são misturas
Ignoradas, o amor reamalgama
A misturada alma de quem ama,
Compondo duas numa e uma em duas.

Transplanta a violeta solitária:
A força, a cor, a forma, tudo o que era
Até aqui degenerado e raro
Ora se multiplica e regenera.

Pois quando o amor assim uma na outra
Interanimou duas almas,
A alma melhor que dessas duas brota
A magra solidão derrota,

E nós que somos essa alma jovem,
Nossa composição já conhecemos
Por isto: os átomos de que nascemos
São almas que não mais se movem.

Mas que distância e distração as nossas!
Aos corpos não convém fazermos guerra:
Não sendo nós, não convém fazermos guerra:
Inteligências, eles as esferas.

Ao contrário, devemos ser-lhes gratas
Por nos (a nós) haverem atraído,
Emprestando-nos forças e sentidos.
Escória, não, mas liga que nos ata.

A influência dos céus em nós atua
Só depois de se ter impresso no ar.
Também é lei de amor que alma não flua
Em alma sem os corpos transpassar.

Como o sangue trabalha para dar
Espíritos, que às almas são conformes,
Pois tais dedos carecem de apertar
Esse invisível nó que nos faz homens,

Assim as almas dos amantes devem
Descer às afeições e às faculdades
Que os sentidos atingem e percebem,
Senão um Príncipe jaz aprisionado.

Aos corpos, finalmente, retornemos,
Descortinando o amor a toda a gente;
Os mistérios do amor, a alma os sente,
Porém o corpo é as páginas que lemos.

Se alguém - amante como nós - tiver
Esse diálogo a um ouvido a ambos,
Que observe ainda e não verá qualquer
Mudança quando aos corpos nos mudamos.

Tradução: Augusto de Campos


Cronologia

1572 – Nasce em Londres, em 22 de janeiro, John Donne.
1576 – Morre subitamente, o pai de Donne.
1583 – Aos 11 anos, John Donne e o irmão, Henry, entram para a Hart Hall, na Universidade de Oxford, onde estudou por três anos. Estudaria os próximos três anos na Universidade de Cambridge.
1591 – Estuda direito, como membro da Thavies Inn.
1592 – Ingressa na Lincoln’s Hill, para estudar leis.
1593 – Morre na prisão, o irmão Henry, condenado por ter escondido um padre foragido em sua casa.
1596 – Ingressa na expedição marítima de Robert Devereux, o II Conde de Essex, em direção a Cádiz, Espanha.
1597 – Dirige-se em mais uma expedição, desta vez pata os Açores, onde escreveu “The Calm”.
1598 – Torna-se secretário particular de Sir Thomas Egerton.
1601 – Casa-se secretamente com a sobrinha de Sir Egerton, Anne More, com 17 anos na época. O pai de Anne, George More, manda prender John Donne e os seus amigos cúmplices por duas semanas. Manda-o libertar a seguir, mas rompe com ele.
1607 – John Donne recusa receber as ordens anglicanas. O rei James I persistiu, alegando que Donne não receberia qualquer título de nobreza senão da igreja Anglicana.
1609 – Reconcilia-se com o sogro, Sir George More, que se habilita a pagar-lhe o dote da sua filha.
1615 – John Donne entra para o ministério, tornando-se naquele ano, Capelão Real.
1617 – Morre a mulher Anne, em 15 de agosto, aos 33 anos, após ter dado a luz a vinte filhos, tendo o último nascido morto.
1618 – Vai em viagem, como capelão junto do Visconde Doncaster até a embaixada dos príncipes germânicos.
1620 – Retorna a Londres.
1621 – É nomeado reitor da St. Paul’s Cathedral. Destaca-se no cargo e estabiliza-se financeiramente.
1624 – Publicadas as reflexões que Donne escrevera enquanto estivera gravemente doente, com o nome de “Devotions Upon Emergent Occasions”. Ainda neste ano, foi intitulado vigário de “St Dunstan’s-in-the-West”.
1625 – Morre James I, Donne declama um sermão em seu funeral.
1630 – Devido ao estado frágil da sua saúde, é impedido de tornar-se bispo.
1631 – Morre em Londres, em 31 de março, John Donne.
 
publicado por virtualia às 04:25
link | comentar | favorito

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Janeiro 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
14
15
16
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29
30
31


.posts recentes

. DOMINGO - GÊNESIS DE GAL ...

. RICARDO MACHADO VOLUME 2 ...

. CORRA E OLHE O CÉU - RICA...

. ÉOLO E OS VENTOS

. A NOITE, O CÉU, A LUA, AS...

. YESHUA BEN YOSSEF, O JUDE...

. O MONTE DOS VENDAVAIS - E...

. O MUNDO E A CRISE DO PETR...

. OVOS FABERGÉ - O ÚLTIMO E...

. O GRANDE CIRCO MÍSTICO - ...

.arquivos

. Janeiro 2015

. Maio 2010

. Março 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub