Terça-feira, 27 de Janeiro de 2009

OS TEATROS DA SÃO PAULO DOS BARÕES DO CAFÉ

 

 

Em meados do século XIX, São Paulo era uma cidade bucólica, a sua população dormia cedo, e tinha como atração principal da sua vida noturna, os saraus de poesia na casa das moçoilas. Com o poder econômico gerado pelo ciclo do café, e mais tarde, com chegada da luz elétrica, os paulistanos passaram a conhecer novos hábitos noturnos, com uma boemia centrada nos bares e nos cabarés. A época dos barões do café muda drasticamente a arquitetura da cidade, feita de ruas estreitas, iluminadas a gás, transitadas por pequenos bondes carregados por burros. A partir da segunda metade do século XIX, São Paulo atinge o porte de uma cidade média. A cidade cresce culturalmente, procurando assimilar e adaptar para si os modismos internacionais. É a descoberta do teatro e da ópera, que se tornam imprescindíveis na construção cultural de uma nova sociedade ascendente.
É nesta época que São Paulo ganha casas de teatros famosas, que darão forma ao conteúdo da sua nova forma de delinear e de viver a boemia, a noite cultural. Em 1864, no local onde é hoje a Praça João Mendes, nos fundos da catedral da Sé, é aberto o Teatro São José, o mais famoso teatro que a cidade já tinha visto até a inauguração do Teatro Municipal, em 1911. Em 1873, viria o Teatro Provisório, na rua Boa Vista, que deu lugar ao Teatro Santana. O Politeama, na Ladeira do Acu, depois rua São João, e finalmente, avenida São João, surgiu em 1892. O Moulin Rouge, nas imediações do Largo do Paissandu. Em 1908, foi a vez do Teatro Colombo, no largo da Concórdia, no Brás. Com o incêndio do Teatro São José, em 1898, um novo prédio é feito no Morro do Chá, onde o teatro é inaugurado em 1909. Em 1911, o paulistano tem a sua apoteose teatral com a inauguração do Teatro Municipal. Na década dos 1920 surgiria o belíssimo Teatro Santa Helena. Com a vinda do cinema, muitos teatros tornaram-se salas de exibição da sétima arte. Dos velhos teatros paulistanos descritos aqui, apenas o Teatro Municipal sobreviveu até os dias atuais, os outros tiveram os seus prédios demolidos ou incendiados, ou simplesmente desapareceram, engolidos pelo tempo e pela história.

Casa da Ópera, o Primeiro Teatro de São Paulo

A história do teatro em São Paulo está ligada à sua fundação, que remete ao padre Anchieta. O jesuíta fundador utilizava recursos teatrais na catequização dos índios, encenando para eles autos de cunho religioso. As encenações dos autos ocorriam ao ar livre, no local genético da cidade de São Paulo, o Pátio do Colégio. Muitos anos separariam a data da fundação da cidade, as encenações teatrais de Anchieta e a primeira casa de teatro. Relatos apontam para o século XVII, o aparecimento do primeiro prédio de teatro da capital paulista, chamado de Casa da Ópera, localizado no que é hoje a rua de São Bento. Segundo relatos, o prédio ficava entre São Bento e o antigo Largo do Rosário, hoje praça Antônio Prado. Por questões morais e preconceitos da época, em meio aos manifestos contrários ao seu funcionamento, este pequeno teatro foi obrigado a fechar.
No século XVIII, quando dom Luís Antonio de Sousa Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus, era governador general da capitania de São Paulo (1965 a 1775), famoso por conceder em 1767, o título de coronel a Santo Antonio, surgiria aquele que é considerado o primeiro teatro oficial de São Paulo. Seria instalada na Casa da Fundição, nos baixos do Palácio do Governo, no Pátio do Colégio, uma sala de espetáculos para 350 pessoas, chamada de Casa da Ópera.
A Casa da Ópera do Pátio do colégio (local aproximado de onde está instalada a Caixa Econômica Estadual), tinha uma construção rudimentar para uma casa de espetáculos, com três portas no rés do chão e três janelas no primeiro andar. Trazia no interior, à altura do saguão, duas escadas, que davam, uma para o camarim governamental e outra aos 28 camarotes, divididos em três ordens. Na platéia havia bancos simples. A iluminação era feita por velas de cera e candeeiros de azeite doce.
Foi na Casa da Ópera, do Largo do Colégio (na fotografia acima, do Pátio do Colégio, a igreja e o colégio, tendo à esquerda, o prédio da Casa da Ópera, em 1861), que dom Pedro I, ao proclamar a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, foi aclamado pelo povo, rei do Brasil. Com a inauguração do Teatro São José, em 1864, e outras casas de diversão em São Paulo, a Casa da Ópera entrou em decadência, sendo decretado por volta de 1870, que seria demolido o seu prédio. No seu lugar, em 1881, foi lançada a pedra fundamental do prédio da Tesouraria da Fazenda.

Teatro São José

Criado para ser um teatro nos molde dos europeus, o Teatro São José, construído no Largo Municipal (atual Praça João Mendes), foi inaugurado na noite de 4 de setembro de 1864, com a apresentação da peça “A Túnica de Nessus”, do estudante de direito Sizenando Nabuco, irmão de Joaquim Nabuco.
O Teatro São José do Largo Municipal, ainda estava inacabado no dia da sua inauguração, só finalizando as obras dez anos depois.
Nos palcos do Teatro São José, grandes espetáculos de óperas e dramas foram encenados, por lá passaram as melhores companhias da época. No seu apogeu, o São José recebeu a famosa atriz de origem portuguesa, Eugênia Câmara e o seu grande amor, o poeta Castro Alves. Por lá também passaram: Sarah Bernhardt, as pregações abolicionistas de Antonio Bento e Arthuro Toscani.
Na noite de 15 de fevereiro de 1898, um grande incêndio destruiu o Teatro São José. São Paulo despertou com os sinos das igrejas a anunciar o grande incêndio, quando o sol nasceu, o Teatro São José já não existia, deixando a cidade desprovida de um grande teatro. A partir do incêndio, o Largo do Comércio passou a ser chamado de Largo do Teatro, mais tarde de Praça João Mendes.
Diante da catástrofe, um novo Teatro São José (foto ao lado) passou a ser construído. Feito do projeto do arquiteto Carlos Eckman, foi inaugurado no dia 28 de dezembro de 1909, em um novo local, no morro do Chá. O novo Teatro São José, ao lado do Viaduto do Chá, trazia um prédio imponente, com um grande salão, dois anos depois, em frente a ele, surgiria o Teatro Municipal. O São José do Viaduto do Chá existiu até 1924, quando foi demolido para a construção do Edifício Alexandre Mackenzie, nova sede da Light & Power, depois Eletropaulo, na esquina da Rua Coronel Xavier de Toledo com o Viaduto do Chá.

Teatro Politeama

Segundo cronistas, a antiga Ladeira do Acu, depois Rua de São João (atual Avenida São João), era uma rua estreita de velhas quitandas e botequins que ladeavam o Teatro Politeama, que trazia a paisagem bucólica de fogareiros de lata de querosene na porta, assando castanhas, costume herdado da colonização portuguesa.
Registra-se sobre o edifício do Teatro Politeama (na foto a segunda porta à direita, entrada do Politeama ao lado do Cassino Paulista), como um grande barracão acaçapado, coberto de zinco, com uma pequena porta de acesso na Rua São João, à altura da Avenida Anhangabaú, outra porta de serviço, na Rua Formosa. O barracão de zinco tinha sido construído para abrigar o circo de Frank Brown. Apesar de seu prédio sem glamour, era o teatro de melhor acústica de São Paulo. O Politeama foi palco dos melhores espetáculos que marcaram culturalmente a cidade, em especial o Vale do Anhangabaú, que a partir dele tornou-se sede da vida noturna da Paulicéia. Nele efetuaram-se os mais diversos gêneros de espetáculos: cafés-concerto, circenses, atuações de grandes companhias estrangeiras de todos os gêneros, dramático, lírico e de opereta. Foi nos palcos do Politeama que a grande Sarah Bernhardt, em outubro de 1905, faria a sua última apresentação em palcos paulistanos. Nessa tournée ao Brasil, a atriz sofreu um acidente nos palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, responsável pela amputação futura da sua perna.
O Politeama foi a casa de espetáculos que mais caracterizou a cultura tipicamente paulistana da época.

Moulin Rouge

O antigo Rinque de Patinação, foi mais tarde transformado no Moulin Rouge, um cabaré que marcou a vida noturna de São Paulo na virada do século XIX e início do século XX. Localizava-se na Avenida São João, nas proximidades do Largo do Paissandu. Funcionava em um casarão onde hoje está o prédio da Secretaria de Cultura, na esquina com a rua Dom José de Barros.
O Moulin Rouge (fotografia ao lado, do casarão do Largo do Paissandu, de um cartão postal do início do séculoXX), devido à sua localização privilegiada, foi de grande importância para a vida noturna do centro de São Paulo, sendo frequentado por grande parte dos paulistanos. Tinha um estilo de café-concerto, inspirado nos cafés parisienses. Gerou personagens míticos da vida noturna paulistana, como Garibaldi, um italiano de longas barbas, taxista amigo de todos, transportava os freqüentadores da boemia da cidade, entre eles, os bêbados e os casais formados na noite.
O casarão do Moulin Rouge tornar-se-ia, em 1905, o Teatro Carlos Gomes, que por sua vez, cederia lugar ao Teatro Variedades. Quando a Rua de São João foi alargada, tornando-se uma avenida, novamente mudou o nome para Teatro Avenida, que finalmente, tornar-se-ia o Cine Avenida, famoso por suas sessões duplas.

Teatro Santana

O poder do café transformava a cidade de São Paulo. O apogeu do ciclo cafeeiro deu-se de 1880 a 1930. Com o dinheiro do café, a burguesia ascendente necessitava de uma lapidação cultural, para firmar-se e ser aceita pelas famílias tradicionais. O paulistano necessitava cada vez mais de abrir novos espaços culturais, que os fizesse similar às grandes culturas européias. O teatro, pouco antes da chegada dos animatógrafos, era uma busca constante da São Paulo dos barões do café.
No dia 23 de agosto de 1873, inaugurou-se mais um teatro, o Teatro Provisório Paulistano, situado em um casarão, na Rua Boa Vista. O teatro traz uma mudança sócio-cultural à rua durante décadas, que nos dias atuais esvaiu-se por completo. O antigo Teatro Provisório Paulistano foi comprado pelo industrial Antonio Álvares Penteado, que o demoliu, para a construção de um outro teatro em seu lugar.
Mal o século XX mostrava o seu alvorecer e, no lugar do Teatro Provisório Paulistano, surge o Teatro Santana, inaugurado na noite de 26 de maio de 1900. Ali permaneceria até 1911. O Teatro Santana, por iniciativa de Antonio Álvares Penteado, foi transferido do casarão da Rua Boa Vista (demolido em 1912), para um edifício com projeto de Max Hehl, situado na Rua 24 de Maio, sendo inaugurado em 25 de abril de 1921. Era um prédio pequeno e elegante, com três bares. Sem fins lucrativos, era alugado por seus donos, o Conde Silvio Álvares Penteado e Armando Álvares Penteado, diretamente para as companhias teatrais, sem empresários. O Teatro Santana da Rua 24 de Maio foi demolido em 1960.

Teatro Colombo

O Teatro Colombo foi uma resposta das classes menos favorecidas à elitização dos teatros paulistanos, e dos preços exorbitantes cobrados pelas bilheterias. Localizado no Largo da Concórdia, no Brás, o Teatro Colombo, foi inaugurado em 19 de fevereiro de 1908. Pertencia à Companhia Dramática Italiana, e resultou da adaptação de um antigo mercado que havia no local. Tinha uma capacidade de 1968 lugares, contando com 39 camarotes e 24 frisas. Tinha ainda, as cadeiras de platéia e três arquibancadas, comportando 260 lugares em pé.
O Teatro Colombo foi palco de grandes manifestações de trabalhadores e grupos de tendência anarquista. Era conhecido como o local de reunião das famílias dos bairros industriais e populosos, por praticar preços ao alcance das classes operárias. Por seus palcos passaram companhias dramáticas, líricas e de operetas. O famoso Caruso apresentou-se para a sua platéia.
Com chegada do cinema, o Teatro Colombo foi transformado em uma grande sala de exibição de filmes. Uma sala que fez parte da história do Brás e da cidade de São Paulo. Em 1966, um incêndio destruiu-o completamente.

Teatro Santa Helena

O Teatro Santa Helena estava localizado no térreo do Palacete Santa Helena, na Praça da Sé. O edifício foi iniciado em 1922, e concluído em 1925. Através do Palacete, podia definir-se a paisagem da arquitetura paulistana da década vinte. Foi projetado pelo arquiteto italiano Corberi, executado pelo escritório técnico de engenharia Luis Asson.
No prédio reuniam-se célebres artistas plásticos, formando o que ficou conhecido como Grupo do Santa Helena, composto por Francisco Rebolo, Di Cavalcanti, Mario Zanini, Alfredo Volpi, Clóvis Graciano, Manuel Martins, Aldo Bonadei, Penacchi e outros, cujo lema era romper com as regras do academismo e retratar temas do cotidiano popular.
Além do Teatro, o prédio abrigou em várias épocas distintas, ateliês, sedes de sindicatos (dos Metalúrgicos, dos Artistas Plásticos, dos Empregados do Comércio), além de uma célula do Partido Comunista Brasileiro.
O Teatro Santa Helena foi transformado em sala de cinema. Nos anos trinta, passear pela Praça da Sé fazia parte do lazer do paulistano. Assistir filmes no cine-teatro Santa Helena, era um salutar e agradável costume da elite. A sala possuía decoração art nouveau, com escadarias de mármore de Carrara, vidros e espelhos franceses. O cine-teatro foi fechado em 1971, pouco antes do Palacete Santa Helena ser demolido para dar lugar à Estação Sé do Metropolitano.

Teatro Municipal

Com o incêndio do Teatro São José, em 1898, a idéia da construção de um grande teatro em São Paulo cresceu, fazendo o paulistano ansiar por uma casa de espetáculos grandiosa, com inspiração no Teatro da Ópera de Paris.
Em 1903, a Câmara Municipal de São Paulo desapropriou o terreno do Morro do Chá, iniciando naquele ano, as obras de um grande teatro, sobre um projeto de Cláudio Rossi, com desenhos de Domiziano Rossi, sendo Ramos de Azevedo o responsável pela construção. As obras finalizariam em 30 de agosto de 1911. Surgia, assim, no coração de São Paulo, um edifício imponente e luxuoso, com armadura de ferro de Düsseldorf; ferro artístico de Frankfurt; bronze artístico de Berlim, Paris e Milão; mosaicos de Veneza; mosaicos de pavimento de Nova York e Berlim; mármores de Siena, Verona e Carrara.
No dia 12 de setembro de 1911, o Teatro Municipal foi inaugurado, com o drama lírico Hamlet, cantado pelo barítono italiano Titta Ruffo. Desde então, grandes artistas passaram pelos palcos do teatro: Enrico Caruso, Isadora Duncan, Anna Pavlowa, Nijinski, Mikhail Baryshnikov, Clara Della Guardia, Itália Fausta, Vivien Leigh, Arthur Rubinstein, Maria Callas, Duke Ellington e Ravi Shankar, entre tantos.
Quase 100 anos depois da sua inauguração, o Teatro Municipal, criado para atender principalmente, às óperas, continua a ser o maior teatro de São Paulo, e um dos melhores do mundo. Assim como no dia da sua inauguração, continua a ser um teatro voltado para a elite, devido ao valor cobrado ao público por seus espetáculos. Grande parte do paulistano nunca entrou no Teatro Municipal.
publicado por virtualia às 01:03
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3 comentários:
De Wagner Woelke a 6 de Maio de 2010 às 18:31
Somente lembrando, e pedindo retificação, que, dentre os sidicatos que mantiveram atividades no Cine Teatro santa Helena, está o mais antigo de Sao Paulo, o Sindicato dos Contabilistas de São Paulo - Sindcont-SP

Wagner Woelke


De Wagner Woelke a 6 de Maio de 2010 às 18:33
erratas no meu comentário: "sindicatos", ao invés de "sidicatos", e "Santa", ao invés de "santa".

Agradecido

Wagner Woelke


De Carlos a 6 de Novembro de 2010 às 01:55
Gostei do seu blog, e gostaria de saber se vc conhece algum lugar que tenham fotos de apresentaçoes e exposiçoes no teatro Politeama de São Paulo.obrigado


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