Terça-feira, 29 de Setembro de 2009

LENDAS DO INTERIOR DO BRASIL

 

 
O Brasil é um país continente, rico em tradições e lendas. Grande parte delas estão ligadas aos costumes herdados dos colonos europeus, dos nativos indígenas e dos negros vindos da África. Neste artigo foram reunidas três lendas de partes opostas do país, como a da Mãe de Ouro, típica do Centro-Oeste, que teve a sua história feita em cima do desbravamento dos bandeirantes e das pedras preciosos ali encontradas; do Vaqueiro Misterioso, mítico personagem do interior nordestino, que tem nas vaquejadas uma das festas mais tradicionais do sertão; e, a lenda das Amazonas, que roubada da mitologia grega, deu origem ao nome do maior rio do mundo em águas, o Amazonas, tornando-se parte do folclore do norte do Brasil.
O Vaqueiro Misterioso é o estereótipo do herói da caatinga, à primeira vista um retirante, como grande parte dos habitantes da chamada região da “Civilização do Couro”, mas que se transforma no mais valente dos homens, um autêntico sobrevivente de todas as diversidades do sertão. O herói incansável aparece e desaparece, sem deixar um nome, a sua identidade é o próprio sertão nordestino.
A Mãe de Ouro nasceu da fantasia dos solitários garimpeiros, que em busca da riqueza, construíram o Brasil central. A lenda corre no rio das Garças, que em outros tempos foi rico em pedras preciosas. O fago-fátuo desprendido das ossadas dos animais mortos causava medo aos garimpeiros, ao mesmo tempo eram vistos como os pingos de luz de uma mulher que trazia as riquezas da região, escondidas em suas grutas e no leito dos seus rios.
As Amazonas, lenda da terra das mulheres guerreiras e sem homens, vem da antiga mitologia grega. Em 1542, os espanhóis chegaram a um imenso rio que chamaram de “Mar Dulce”. Frei Gaspar de Carvajal, escrivão da frota espanhola, revela ter sido atacado por mulheres guerreiras, nuas e com arcos nas mãos. Associou-as ao mito das Amazonas, e a partir de então, o grande rio foi batizado de rio Amazonas, sendo a lenda grega transportada para o imaginário brasileiro.

O Vaqueiro Misterioso

O sol do sertão queima sem piedade o solo. Valentes mandacarus resistem imponentes, tornando-se o único verde no meio de toda a caatinga. No meio do cenário agreste, aparecia a figura misteriosa de um vaqueiro. Surgia do nada, ao longe trazia o retrato do sertão cortante e seco, trajando vestes rotas, chapéu cambaio sobre o rosto queimado. Montava a sua égua esquálida, que trazia um ar de cansaço, sôfrego e sem esperança, como o era o mais valente dos retirantes. Quando surgia no horizonte, o Vaqueiro Misterioso era a própria visão do apocalipse sertanejo.
Conforme se aproximava dos povoados e das fazendas, a imagem do vaqueiro transformava a mais incrédula retina, o seu semblante trôpego dava passagem para os gestos rápidos, para uma vitalidade contagiante. A sua égua dantesca deixava os infernos da seca, mostrando-se a mais valente das bestas, um autêntico e indomável corisco.
E o Vaqueiro Misterioso empregava-se momentaneamente pelas fazendas, tornando-se o mais hábil na lida, com a força de dez homens. Embrenhava-se na caatinga atrás do gado fugitivo, trazia no laço quantos se lhe deparassem, sem mostrar qualquer cansaço ou fatiga. Tão logo encerrava as tarefas, recebia a paga e partia, deixando frustrados os fazendeiros que tudo davam para tê-lo ao seu serviço para sempre, pois sabiam, igual a ele não existia homem algum no sertão. Quem era aquele vaqueiro? De onde vinha? Para onde ia? Ninguém sabia ao certo. Por isto era chamada de Vaqueiro Misterioso. Tão afamado ficou, que os violeiros do sertão cantavam o seu “ABC” nas praças dos vilarejos, e os cordéis das feiras ilustravam as suas façanhas.
Finalizada a apartação do gado, o nordeste iluminava-se para a sua festa mais tradicional, a vaquejada. Homens viris mostravam o canto triste de vaqueiro, que chamavam de aboio. Após o som dos aboios, a vaquejada tinha início. Quando os animais eram soltos, surgia do nada, o Vaqueiro Misterioso. Vinha intrépido montado na sua égua branca. De repente reluzia apenas a sua brava imagem, a derrubar pela cauda, os mais valentes bois. Seu corpo trespassava a gravidade, como se voasse no galope do vento, pondo ao chão o mais feroz dos marruás. Sua sombra entrelaçava-se ao corpo, enfrentando o mais bravio dos bois, domando-o e pondo-lhe o tapa-olho, fazendo-o urrar como um cordeirinho.
Aos aplausos, o Vaqueiro Misterioso encerrava a sua atuação. Era o grande herói da festa. Subia ao palanque, onde recebia a fita amarela de campeão, amarrada ao seu braço. Humildemente sorria, jogando a fita à mais bela das donzelas que por ele suspirava. Todas elas debatiam-se para levar a fita de tão viril herói. Muitas entregavam a ele o seu coração, mas a todas o misterioso andarilho ignorava.
Após ser aclamado por todos, ele comia e bebia como nenhum outro era capaz. Cantava ao lado dos violeiros. Dividia com todos a sua alegria fugaz. Depois do rega-bofe, ele guardava um pouco de carne seca na bolsa de couro que trazia, preparava a sua égua e partia, assim como viera, distanciando-se no horizonte. Ainda ouvia atrás de si, quem lhe gritava, a perguntar-lhe pelo nome. Não respondia. Ninguém sabia. Era o Vaqueiro Misterioso, que desaparecia no meio da caatinga, como a chuva que não caiu no sertão.

A Mãe de Ouro

Maria caminhava pelas beiras do rio das Garças. Todas às vezes que olhava para as águas do rio, seu coração sentia o conforto de que seria feliz, como se a felicidade emergisse das profundezas do seu leito. Caminhava desatenta, quando chegou à gruta onde o rio desaparecia. Ali, diziam os seus antepassados, morava a Mãe de Ouro. Maria sorriu para a gruta, como se sorrisse para a felicidade prometida. Seus olhos de donzela sonhadora miraram no horizonte, quando percebeu que a tarde já ia avançada, e o Sol, muito breve, cederia o seu reinado para a Lua.
Maria pensou em voltar para casa, antes que se fizesse escuro. O frescor da tarde trouxe uma nuvem de pirilampos, ansiosos pela noite. No meio da luz dos insetos surgiu, de dentro da gruta, uma linda mulher, que trazia uma vasta cabeleira reluzente. Era a Mãe de Ouro, a sair para o mundo. Sua beleza fulgurante não poderia ser revelada ao Sol, para que por ele não fosse ofuscada. Só saía da gruta ao torpor da tarde, já pronta para o encontro com a Lua, de quem era irmã gêmea.
O rosto de Maria iluminou-se diante do esplendor reluzente dos cabelos da Mãe de Ouro. Deles caiam pingos de luz, que refletiam todas as cores e, ao contacto com o chão, transformavam-se em pedras preciosas. Maria viu a Mãe de Ouro iniciar a sua trajetória pelo céu. Sua luz refletia um imenso arco-íris, os pingos dos seus cabelos assumiam as sete cores do arco. Maria sabia que, ao ver a Mãe de Ouro, se fizesse um pedido antes que um pingo de luz caísse na terra, seria atendida, tornando-se uma mulher feliz. Assim, cerrou os olhos e fez o seu pedido.
Ao fim da visão, Maria retornou para a sua casa. Desde então passara a pertencer à Mãe de Ouro. Nas noites de lua cheia, ao adormecer, ela, silenciosamente, deixava o seu corpo na cama, e era transportada ao palácio da Mãe de Ouro.
No palácio, escondido nas profundezas da gruta, havia uma luz que reluzia as cores de todas as pedras preciosas. Era lilás nos quartos de ametistas, branco reluzente nos de diamantes, vermelhos nos de rubis, verdes nos de esmeraldas, azuis nos de safira, amarelos nos de topázios...
Ao chegar ao palácio, Maria teve o seu corpo coberto por um traje de pedras preciosas, vistoso, rico e translúcido. Ela foi levada para o salão principal, onde se ouvia as mais belas músicas, cantadas por jovens sereias; danças de belas mulheres e gênios travestidos de belos rapazes; o amor e a alegria transbordavam por todos os cantos do palácio.
Maria passou a usufruir todos os encantos daquele mundo. Ao seu lado estavam outras mulheres que, assim como ela, pertenciam à Mãe de Ouro. Viu quando uma, ao falar com outra, transformou-se em carvão. Uma das regras era que, nenhuma mulher poderia falar ou tocar na outra.
No fim da noite, um gênio encantando, trazendo o corpo viril de um homem, amou e possuiu Maria, fazendo-a a mais feliz das amantes. No meio do leito do rio, as suas águas tomaram forma de uma cama nupcial. Maria transbordou de amor.
Por fim o galo deu o seu primeiro canto. As mulheres encantadas saíram da gruta, em forma de um grande nevoeiro de nuvens brancas. Transformada em uma nuvem leve e alva, Maria voltou para a sua casa, retornou ao seu corpo, vestiu a sua pele e despertou, pronta para viver a sua vida normalmente, até a próxima lua cheia, quando os encantos da Mãe de Ouro virão buscá-la novamente.

As Amazonas

No Reino das Pedras Verdes, no coração da selva amazônica, contam os índios, vivem mulheres guerreiras, que caçam e pescam os seus alimentos, trabalham na roça, onde cultivam a mandioca, tecem redes e tecidos coloridos, fazem vistosas cerâmicas, adornos de penas para os corpos esbeltos. São mulheres que dividem tudo por igual e, naquele reino, não vivem homens. Elas são as Amazonas.
O Reino das Pedras Verdes é governado por uma rainha. Cabe a ela a pajelança e os rituais de purificação aos deuses da mata. A rainha das Amazonas é quem organiza as festas e as tarefas de trabalho. Seu reinado é curto, dura apenas cinco luas cheias de abril. Por isto, de cinco em cinco anos, o reinado é passado a uma virgem de vinte anos.
Para demarcar o reino, as Amazonas fabricam um amuleto, o muiraquitã, uma raridade que nenhum índio de toda a selva amazônica sabe como é feito. A matéria-prima para fabricá-lo só é encontrada na terra das mulheres guerreiras.
Uma vez por ano, no mês de abril, as mulheres guerreiras recebem os homens, para que assim, possam acasalar, garantindo a prole e as tradições. Na noite de lua cheia de abril, uma grande claridade ilumina as águas límpidas do grande lago Jaci-Uaruá. Refletidas pelos raios do luar, as Amazonas mergulham no lago, indo até as suas profundezas, de onde trazem uma grande quantidade de barro. É deste barro limoso que modelam as figuras de rãs, peixes e tartarugas. O barro tem que ser modelado às pressas, ainda debaixo da água, antes que o luar endureça o limo verde.
Dos animais modelados, a rã, símbolo da fertilidade das mulheres guerreiras, transforma-se em um amuleto de acasalamento, que ao ser perfurado, é posto nos seus pescoços. Elas estão prontas para naquela noite, receberem os mais viris e saudáveis índios das tribos vizinhas. É a noite nupcial do luar de abril.
Após uma noite ardente de amor, as Amazonas estão fecundadas. Para os índios que lhe deram uma filha, elas retribuem com o muiraquitã. Os que lhe deram um filho no ano anterior, terão que levar o menino para ser criado em suas aldeias, posto que no Reino das Pedras Verdes só vivem mulheres, são elas as Amazonas, as mulheres sem maridos.

Ilustrações: José Lanzellotti
Adaptação livre de Jeocaz Lee-Meddi para textos de Brasil, Histórias, Costumes e Lendas
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Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009

CICLOPES E GIGANTES

 

 
A primeira geração de deuses, conhecidos como divindades primordiais, representa a própria formação da terra e dos seus elementos de forças indomáveis. Gaia (Terra), a deusa mãe, gera incessantemente, do seu ventre forças primordiais assolam a terra, longe da disciplina e da ordem. Os deuses primitivos manifestam a sua essência através das convulsões dos vulcões que expelem lavas, das tempestades e maremotos, dos terremotos que abrem o solo sem piedade. Filhos de Gaia e Urano (Céu), as mais estranhas divindades da primeira geração são os Gigantes, os Hecatônquiros e os Ciclopes, seres monstruosos e de natureza indomável, trazendo na essência o pensamento selvagem a contrapor-se com a razão da mente.
Os Gigantes são seres que atingem dimensões inimagináveis, alguns são descritos com mais de dezessete metros, outros com a parte inferior do corpo terminadas em serpentes. Os Hecatônquiros são monstros de cem braços e cinqüenta cabeças. Os Ciclopes são divindades indomáveis, gigantescos, que possuem um único olho no meio da testa. Gigantes, Hecatônquiros e Ciclopes são aprisionados no Tártaro por Urano. O Titã Cronos (Saturno) destrona Urano, e as criaturas monstruosas são libertadas por Gaia, mas para conter a fúria selvagem dos irmãos, Cronos encerra-os novamente. Quando Zeus (Júpiter) destrona Cronos e os Titãs, surge a geração dos deuses que irá disciplinar o mundo, encerrar de vez a brutalidade e instaurar a harmonia entre a natureza, os deuses e os homens. A luta pelo poder leva a uma guerra de dez anos, na qual Zeus derrota os Titãs. Na luta contra os Titãs, os Ciclopes e os Hecatônquiros aliaram-se aos deuses olímpicos, contribuindo para a vitória final.
Inconformada pela derrota dos filhos, Gaia incita os Gigantes a lutarem contra os deuses do Olimpo. Iniciava-se uma violenta guerra, chamada de Gigantomaquia. Mais uma vez sobressai a vitória da inteligência sobre a brutalidade, da ordem contra a desordem. Os Gigantes, último obstáculo para que os deuses olímpicos possam reinar, são derrotados. A harmonia renasce, o poder da divindade, da qual o homem está atrelado, triunfou sobre o mal.
Os Gigantes e os Ciclopes, monstruosas criaturas primordiais, representavam o povo bárbaro que assolava a civilização grega primitiva, fustigando-a com a crueldade das guerras e adversidades sobre a sua ascensão filosófica. Juntos, Ciclopes e Gigantes simbolizam a Grécia antes da sua filosofia, antes da harmonia trazida pelos deuses do Olimpo.

Do Caos à Guerra dos Deuses

No início, o Caos gerou Gaia, a Terra, que solitária, gerou Urano, o Céu, com quem se uniu e passou a criar todas as criaturas, mortais ou imortais. Urano, o impetuoso marido de Gaia, é o primeiro senhor do universo. Durante o seu reinado, está mais preocupado em fecundar Gaia e com ela ter todos os filhos, quer deuses, quer monstros, sua função é povoar o mundo, sem a preocupação de uma ordem ou disciplina. Os filhos de Urano e Gaia são seres imortais indomáveis, que sem a disciplina harmônica, geram os terremotos, os cataclismos, os vulcões e todas as forças indomáveis da natureza.
Para evitar que os seus filhos agridam de forma indelével à mãe Terra, Urano encerro-os no Tártaro, parte subterrânea do Érebo. Entre os aprisionados estão os Titãs, os Ciclopes e os Hecatônquiros.
Mas os objetivos de Urano vão além da fúria dos seus filhos. É uma disputa pelo poder, pois sabe muito bem que dentre os Titãs, haverá aquele que poderá destroná-lo. Gaia revolta-se contra o marido, como a grande mãe criadora que é, não se conforma em ver os filhos aprisionados. Liberta-os e engendra ao lado do filho Cronos, um plano para derrubar Urano. Assim é feito, Cronos castra Urano e torna-se o senhor dos deuses. Seu reinado continua a não manter a ordem e harmonia entre os deuses e a natureza.
Uma profecia paira sobre o reinado do Titã Cronos: um dos seus filhos com a mulher Réia (Cibele), irá destroná-lo. Cronos devora um a um, os filhos quando nascem, porém, é enganado por Réia, que ao dar a luz a Zeus, entrega ao marido uma pedra embrulhada em um manto, dizendo ser o filho recém-nascido. Poupado, Zeus cresce, até que chega o momento de enfrentar o pai. Disfarçado, consegue dar uma porção para Cronos ingerir, obrigando-o a vomitar os filhos devorados. Das entranhas de Cronos surgem Poseidon (Netuno), Hades (Plutão), Deméter (Ceres), Héstia (Vesta) e Hera (Juno). Juntos, os irmãos Zeus, Poseidon e Hades iniciam uma batalha contra os Titãs, com o objetivo de terminar com o reinado do tempo destruidor e devorador de Cronos.
A guerra entre Zeus e os Titãs durou dez anos. Nesta luta, o deus contou com a ajuda preciosa dos Ciclopes e dos Hecatônquiros, aprisionados pelo irmão Cronos. Ao derrotar o pai, Zeus dividiu o poder com os seus irmãos, a ele coube o domínio do céu e da terra, a Poseidon o reino dos mares e, a Hades, o reino subterrâneo dos mortos. A paz, a disciplina e a harmonia foram estabelecidas no mundo. Zeus passa a reinar de cima do monte Olimpo. Era a nova geração de deuses a eliminar a brutalidade das forças indomáveis dos deuses primitivos.

A Gigantomaquia

A vitória de Zeus sobre os Titãs estabelecia a ordem do universo. A harmonia e a razão caminhavam juntas no reinado dos deuses do Olimpo. Esta harmonia foi ameaçada pela revolta de Gaia, a deusa mãe. Inconformada em ver os filhos preferidos, os Titãs, aprisionados para sempre no Tártaro, a deusa mãe incita os Gigantes, seus outros filhos, a rebelarem-se contra o governo dos olímpicos. A rebelião dos Gigantes, a Gigantomaquia, seria a última guerra que Zeus iria enfrentar para que o seu governo fosse estabelecido definitivamente sobre os deuses. A última contestação do reinado dos olímpicos.
O mito dos Gigantes surge timidamente entre os gregos antigos. Hesíodo citou-os, mas sem mencionar a guerra contra os olímpicos. Homero aponta os Gigantes como um povo mortal. Também os hebreus citam Gigantes dentre os povos que guerrearam contra Israel. Em algumas versões, os Gigantes teriam sido um dos povos dizimados por Deus durante o dilúvio. Na mitologia, a tradição referente aos Gigantes não é clara, muitas vezes confundidos com os Titãs, formando uma só entidade. Píndaro é quem traz, tardiamente, o mito dos Gigantes para a literatura grega, localizando os campos de Flegra, península de Palena, na Macedônia, como o palco da batalha final da Gigantomaquia, e como local do nascimento dos Gigantes.
No episódio da batalha de Flegra, os Gigantes são dotados por uma força invencível, possuidores de muitos artifícios mágicos, como uma erva mágica dada pela mãe, Gaia, que os fazia invulneráveis aos golpes desferidos pelas mãos dos inimigos. Segundo a tradição, o Destino havia decidido que os Gigantes só poderiam ser mortos quando um deus e um mortal os atacassem simultaneamente.
Zeus, Hades e Poseidon juntam todos os deuses para a batalha final, em Flegra. Para atender à imposição do Destino, que exigia um deus e um mortal para matar os Gigantes, Zeus convoca o herói Héracles (Hércules), seu filho mortal. Há uma grande contradição cronológica na lenda, pois Héracles tinha o seu nascimento posterior aos Gigantes, pertencendo a uma geração posterior. A contradição é superada pela simbologia, era a presença humana ao lado dos deuses na luta pela vitória do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem do mundo, da consolidação da racionalidade e crescimento do espírito imortal e humano.
Em Flegra, Alcioneu, Porfirião, Encélado e Polibotes comandam o ataque dos Gigantes. Utilizando uma força descomunal, os estranhos seres atiravam rochedos contra o céu, fazendo as montanhas tremerem, os rios saltarem dos leitos, ilhas afundarem no mar. A Gigantomaquia fere a terra, matando os humanos que lutam ao lado de Héracles. Porfirião é fulminado por Zeus quando tenta violar Hera, sua esposa. Héracles mata Alcioneu. Um a um os Gigantes sucumbem. Atena (Minerva) mata Encélado. Poseidon e Héracles eliminam Polibotes. Por fim, há um silêncio nos campos de Flegra, banhados em sangue. Os Gigantes estão mortos. Os deuses, exaustos, retornam ao Olimpo. Era o fim da Gigantomaquia.

Outros Mitos dos Gigantes

Outro mito assimilado aos Gigantes é o monstro Tifão. Uma das versões da lenda de Tifão descreve-o como filho de Hera, a ciumenta esposa de Zeus. Ao ver Atena, a bela deusa da sabedoria, nascida do crânio de Zeus, sem a sua participação, Hera implora a Gaia, a deusa mãe, que a faça conceber sem a participação do marido. Assim, engravidara sozinha, dando à luz a Tifão, que nascera um monstro, castigo por tentar conceber sem a participação masculina. Na outra versão, Tifão é filho de Gaia e Urano. Ao ver a derrota final dos Gigantes, Gaia incita Tifão a insurgir-se contra Zeus, com o objetivo de vingar os irmãos. Ao atender aos caprichos da mãe, Tifão declara guerra a Zeus, mas é vencido, aprisionado e submetido a torturas eternas.
Há uma geração de Gigantes que não pertence às divindades primordiais. Trata-se dos Aloídas, Oto e Efialtes, filhos de uma aventura amorosa do deus dos mares Poseidon e Ifimedia. São chamados de Aloídas por ter sido adotados por Aloeu, marido de Ifimedia. Conta a lenda que aos nove anos, os Aloídas já haviam alcançado a altura de dezessete metros.
Assim como os Gigantes filhos de Gaia, os Aloídas rebelam-se contra Zeus, empilhando várias montanhas, preparando uma grande escada que os conduziria ao céu, atingindo o Olimpo. Na rebelião, eles atiram montanhas ao mar, na tentativa de secá-lo. Ao tentar chegar ao céu, os Aloídas traçam como objetivos destronar Zeus e raptar Hera e Ártemis (Diana), deusas pelas quais estavam apaixonados. Os intrépidos Gigantes aprisionam Ares (Marte) num pote de bronze, que só seria libertado por Hermes (Mercúrio), após a derrota dos agressores. Diante de tanta ousadia, Zeus fulmina os dois com um raio, aprisionando-os para sempre nos infernos.
Assim, ao derrotar os Gigantes, Zeus vence as adversidades das forças primordiais, indomáveis e bloqueadoras da evolução da razão, da descoberta da inteligência sobre os impulsos da natureza, da sua essência mais primitiva. É a vitória da filosofia grega sobre a hostilidade das civilizações mais remotas, a vitória da inteligência do homem sobre os seus instintos básicos.

As Quatro Categorias dos Ciclopes

Na luta dos deuses olímpicos pela supremacia do poder, os Ciclopes, seres gigantes de um só olho na testa, e os Hecatônquiros, monstros de cem braços e cinqüenta cabeças, aliaram-se a Zeus e aos seus irmãos, contribuindo para a sua vitória final.
Os Ciclopes têm em sua essência primitiva, o caráter violento; são movidos pelos instintos básicos e pela irracionalidade compulsiva de apenas sobreviver, ou de sentir prazer. São agrupados tradicionalmente em quatro categorias distintas: os uranianos, os pastores, os ferreiros e os construtores.
Os Ciclopes Uranianos são divindades primitivas, filhos de Gaia e Urano. Tidos como entidades menores, não são deuses, mas também não são mortais, são seres de uma força mágica. Segundo Hesíodo, os filhos Ciclopes de Gaia eram três: Estérope (o raio), Brontes (o trovão) e Argés (o relâmpago). Por trazerem uma força indomável, eles foram aprisionados no Tártaro por Urano, juntamente com os Hecatônquiros. Urano temia ser destronado por criaturas tão monstruosas. Eles só seriam libertados quando Cronos assumiu o poder sobre os deuses. Mas a liberdade foi provisória, o Titã sucessor de Urano voltou a encerrá-los nas trevas do inferno. Ali permaneceriam até que Zeus os libertasse definitivamente. Como agradecimento pela liberdade, os Ciclopes aliaram-se aos olímpicos, forjando-lhes as armas de combate. Para Zeus deram o raio, para Poseidon o tridente, e para Hades, o capacete que o tornava invisível.
Os Ciclopes uranianos fabricaram o raio com o qual Zeus fulminara Asclépio (Esculápio), filho do deus Apolo. Para vingar a morte de Asclépio, Apolo eliminou os três Ciclopes.
Os Ciclopes Ferreiros são entidades inferiores aos uranianos, não sendo mencionada a sua origem, o que nos permite incluí-los na primeira geração de divindades. Os mitos mais famosos dos Ciclopes ferreiros são os de Acamas e Pirácmon. Ligados à metalurgia, são eles que confeccionam as flechas de Ártemis e Apolo, as armas e os adornos dos deuses. Fazem parte da corte de Hefestos (Vulcano), o deus artesão, do fogo e dos metais. Habitavam a oficina de Hefestos, localizada dentro do vulcão Etna, na Sicília.
Os Ciclopes Construtores eram mencionados como hábeis arquitetos e escultores, sendo a eles atribuídos todos os monumentos pré-históricos da Grécia e da Sicília. Entre as construções tidas como feitas pelos Ciclopes, estão as muralhas de Tirinto e Micenas. Eram construções primitivas feitas com gigantescos blocos de pedra, que pareciam à civilização grega impossível ter sido transportadas por humanos, daí ter sido erigidas pelos músculos dos gigantescos Ciclopes. Os mitos dos Ciclopes construtores provinham principalmente, da Lícia.
Os Ciclopes Pastores são os mais brutais de todos eles. Situam-se numa terceira geração de divindades, como é o caso de Polifemo, o mais famoso dos Ciclopes, filho de Poseidon, o deus dos mares. Se os três outros grupos dos Ciclopes destacam-se pelas habilidades de arquitetos, artesãos e construtores, demonstrando uma inteligência criativa, os Ciclopes pastores são rudes, de uma crueldade selvagem, desprovida da moral civilizadora ou limitações diante dos deuses e dos costumes. Têm como única riqueza parcos rebanhos de carneiros. Não plantam, não lavram, não fazem oferendas aos deuses, não têm leis, passeiam nômades pelas montanhas, levando os seus rebanhos, que devoram sem cozinhá-los, vivem em grutas, no alto dos montes. Outra característica dos Ciclopes pastores é o canibalismo. São os mais puros representantes da Grécia mítica e primitiva, antes de alcançar a mais elaborada e evoluída das civilizações antigas, que trazia o fantasma de seres antropófagos, selvagens e que se alimentavam da carne humana. Os gregos temiam à crueldade sanguinária atribuída aos Ciclopes, considerando-os deuses e a eles fazendo sacrifícios em altares que se lhe dedicavam, sendo em Corinto o mais conhecido.

Polifemo e Odisseu

Polifemo é o mais famoso dos Ciclopes. Está incluso na categoria dos Ciclopes pastores. Seu mito suscitou duas grandes lendas: o Polifemo cruel e sanguinário, derrotado por Odisseu (Ulisses), descrito por Homero e Eurípides; e, o Polifemo jovem e apaixonado, que não vendo o seu amor pela bela Galatéia ser correspondido, passa a cantar para esquecer as mágoas do amor rejeitado.
O Polifemo de Homero, descrito na “Odisséia”, e de Eurípides, imortalizado no drama satírico “O Ciclope”, é filho de Poseidon e da ninfa Toosa. É um ser monstruoso, cruel e selvagem, vive em uma gruta da ilha onde habita.
Polifemo vive desconfiado, sem leis ou sentimentos de afeição. Sua condição de ser primitivo incapacita-o de qualquer gesto de comoção ou piedade. Vive com os seus carneiros em uma ilha conhecida como sua. O cotidiano de Polifemo é quebrado quando Odisseu e os seus homens, que retornavam da guerra de Tróia, aportam na ilha. Os guerreiros gregos encontram a caverna de Polifemo, onde vêem espalhados pelo chão, potes de leite e queijos de cabra. Famintos, devoram os alimentos do Ciclope.
Odisseu sabia que a ilha pertencia a Polifemo, sabia também da crueldade secular do Ciclope, espalhada e contada pelos quatro ventos. Mesmo assim, não impede os seus homens de saquearem os mantimentos de tão perigosa criatura. É a devorar-lhe os alimentos, que Polifemo vai encontrar, dentro da caverna, Odisseu e os seus homens. Há um breve diálogo entre Odisseu e Polifemo, marcado pela astúcia do primeiro e pelo sarcasmo do segundo. A conversação é interrompida quando Polifemo, sem demonstrar compaixão, pega dois dos homens, devorando-os em minutos, jogando os seus ossos em um canto da caverna.
Aprisionado na caverna de Polifemo, Odisseu vê todos os dias, dois dos seus homens sendo devorados pelo monstro. O soberano da Ítaca elabora um plano. Pensa em matar Polifemo durante o sono, mas sabe que se o fizer, também ele e os seus companheiros morrerão, pois uma gigantesca pedra fecha a caverna, só podendo ser removida pela força incomum do próprio Ciclope.
Os dias vão passando, e Polifemo vai devorando os homens de Odisseu, comendo-os às vezes crus, às vezes cozidos. Polifemo passa o dia a conduzir o seu rebanho de cabras pela ilha, enquanto deixa os navegantes presos na caverna. Enquanto o Ciclope está fora, Odisseu inspeciona a caverna. Encontra vinho e uma grande madeira. Juntamente com os seus homens, afina a madeira, transformando a sua extremidade em uma ponta aguçada, endurecida ao fogo. Quando Polifemo retorna, Odisseu, gentilmente oferece-lhe uma gamela de vinho. Num só trago, o monstro sorve a bebida. Odisseu oferece-lhe outra gamela, e outra, e outra... Como agradecimento, Polifemo promete devorar-lhe por último. Já embriagado, o Ciclope pergunta a Odisseu como é o seu nome. Ele responde: “Ninguém”. Por fim, embriagado e cansado, Polifemo cai em um sono pesado. Aproveitando-se do momento, Odisseu pega a estaca que afiara a ponta, e em um gesto rápido, fura o único olho de Polifemo.
Polifemo acorda com um urro de dor, o sangue jorra por toda a sua cara. Enfurecido, procura por Odisseu e os seus homens, mas cego, não percebe que eles estão debaixo dos seus carneiros, ao tocá-los, pensa tocar nos animais do seu rebanho. Desesperado, Polifemo afasta a pedra da gruta. Sai correndo pela ilha, a gritar furiosamente e com desespero: “Ninguém me cega. Ninguém quer me matar”. Naquele instante, Odisseu e os que sobreviveram à fúria do monstro, partem da ilha, deixando Polifemo cego do seu único olho.

Polifemo e Galatéia

Na segunda lenda do mito, Polifemo é um pastor jovem e apaixonado pela bela nereida Galatéia. Mas como é feio, portador de um único olho, a jovem repudia e rejeita o seu amor. Polifemo, ser brutal, rude nos seus atos e na sua parca conduta de vida, vê na bela e frágil Galatéia, o redimir da sua essência primitiva, domesticada pelo amor e pelos sonhos da paixão.
Se a beleza da jovem suscita no monstro a delicadeza, o amor verdadeiro, nela ele apenas desperta o medo, o terror. Loucamente apaixonado, ele oferece à jovem as mais belas jóias, belas vestes e moedas de ouro, a tudo ela recusa, sem o mínimo de comoção às súplicas e ao amor do Ciclope.
Sem ter o seu amor correspondido, Polifemo passa o tempo a cantar a beleza de Galatéia, como se assim pudesse fugir da imensa dor que lhe trespassa o coração apaixonado. Este Polifemo que encontra na música o refúgio para afogar a sua mágoa de amor, é retratado por Teócrito num de seus “Idílios”.
Ovídio apresenta uma versão diferente do amor de Polifemo por Galatéia, transformando-o em um ser compulsivo e violento, longe do romantismo lírico da outra versão. Em Ovídio, diante da recusa de Galatéia ao seu amor, o Ciclope desconfia que ela nutre uma paixão por outro. Diante da possibilidade de um rival, Polifemo segue Galatéia, confirmando as suas suspeitas ao vê-la nos braços do belo Acis, entregando-se apaixonadamente.
Polifemo não suporta o que vê. O seu coração magoado enche-se de ódio, transportando-o para uma fúria cega e perigosa. Desesperado, dilacerado pelo ciúme, ao ver o casal entrelaçado na praia, Polifemo solta um grito cortante, como um trovão a rasgar o céu. Assustada, Galatéia foge para o mar, mergulhando na imensidão das águas. Acis, ao tentar acompanhar a amada na fuga, é atingido por um rochedo que lhe atirou Polifemo sobre o corpo. O jovem cai sem vida. Comovidos pelos prantos de Galatéia, ante ao amado morto, os deuses transformaram Acis num rio que corre próximo ao monte Etna. Polifemo sente-se vingado. O ódio aliviou-lhe a angústia do coração apaixonado.
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Sábado, 26 de Setembro de 2009

UM LUGAR AO SOL

 

 

Um Lugar ao Sol” (“A Place in the Sun”) é daqueles filmes que se assiste e jamais se esquece. Sua dimensão humana atravessa as telas, atingindo e perturbando todos nós. Baseado no livro de Theodore Dreiser, “Uma Tragédia Americana” (An American Tragedy), esta versão de 1951, é a segunda feita pelo cinema, conseguindo dar uma visão cinematográfica própria e definitiva à obra de Dreiser. A tragédia de George Eastman, Clyde Griffith no romance de Dreiser,desperta no público a comoção, a indignação e até o desejo do assassínio, quem não se deixou conduzir por ele com a mesma idéia obscura de assassinar a namorada, um acidente em sua vida, que atrapalha o amor verdadeiro e os sonhos da ambição concretizada?
O filme, considerado por Charles Chaplin “... o melhor que assisti na vida. Registra a supremacia do cinema sobre todas as outras forma de arte”; é o desenho mágico dos belos rostos dos atores Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, o casal perfeito, mas impedido pelos erros e opções de vida de alcançar a plenitude do amor e da felicidade; a química sublime entre os dois mudaria para sempre o conceito dos casais românticos do cinema.
Personagens inesquecíveis criados por Montgomery Clift, um dos maiores talentos do cinema americano, cuja insatisfação latente ultrapassa os sentidos, dando vida à personagem; por Elizabeth Taylor, que aqui traz a sua beleza na mais intocável plenitude, como a promessa do verdadeiro éden a quem ganhar o seu amor; por Shelley Winters, na sua beleza discreta, na representação da mulher comum, de vida difícil e sofrida, cujo único sonho é o amor do belo rapaz, afastado dos seus braços pelo desamor pelos ardis da vida.
Montgomery Clift empresta uma angústia comovente à personagem, fazendo dele não um assassino, mas um jovem desprotegido diante dos sonhos e da promessa cruel que a vida faz quando os oferece a alguém que nada possui. Quando dentro do carro, adormece nos ombros da bela Angela, a platéia sente vontade de protegê-lo, de aninhá-lo nos braços como uma criança travessa, não como um homem cuja ambição levou-o a conduzir a namorada indiscreta ao lago, deixando-a para sempre nas profundezas das águas. George era culpado ou inocente? Assassino ou vítima? Sonhador ou cruel? Era tudo isto, era um retrato de todos nós, marionetes perfeitas de uma sociedade que nos cobra o amor, a beleza, a ascensão social, a perfeição, mas que dá apenas a sensação etérea de cada desejo de um lugar ao sol.

O Envolvimento de George com Alice

Trazendo imagens a preto e branco, “Um Lugar ao Sol” abre as suas cortinas de épico, ao focalizar o jovem George Eastman (Montgomery Clift), vindo do interior em uma carona de carro, de onde vê passar um Cadillac branco, dirigido por uma bela jovem. George é deixado à porta de uma fábrica. O jovem traz um olhar sonhador e ambicioso, vendo naquele momento a ruptura com o passado humilde, rumo à ascensão e conquista do sonho americano de prosperidade e enriquecimento. O dono da fábrica é o empresário Charles Eastman (Herbert Heyes), seu tio. Se George vinha de um lar humilde e de forte religiosidade, o tio representava o homem bem sucedido, rico e influente.
Mal chega à cidade e aos lugares que lhe serão comuns, George depara-se com a bela Angela Vickers (Elizabeth Taylor), a mesma do Cadillac branco. Um olhar rápido cruza o destino de ambos, mas a jovem, sempre de passagem, corre antes que se conheçam.
George conquista a simpatia do tio, que o emprega em sua fábrica em uma função modesta, empilhador de trajes de banho. O empresário aconselha ao sobrinho a agir como um Eastman, não se envolvendo com nenhuma das mulheres da fábrica. O conselho surge como um presságio. Naquele instante já os olhos sonhadores da funcionária Alice Tripp (Shelley Winters) não resistem ao fascínio do novo funcionário.
George é inteligente, determinado e ambicioso, aos poucos, vai sugerindo ao tio melhorias na produtividade da fábrica, mostrando grande competência. Enquanto sonha com a ascensão, a solidão do jovem atira-o para o convívio com Alice. Será em uma sessão de cinema que ele encontrará a jovem sentada quase que ao seu lado. Ele aproxima-se da jovem, envolvendo-a com o seu carisma. Após o filme, passeiam juntos. Alice conta detalhes da fábrica que serão fundamentais para George poder ter idéias de melhorias. O momento é de solidão de ambas as partes. George está longe de casa, sem amigos, sem o calor da família, a sua referência na cidade é o tio, mas a influência dele mina a afeição mais cristalina. Alice sobrevive do seu emprego humilde, hospedada em um pequeno quarto, sonha com o amor e dias mais suaves. George vê na jovem um sopro leve na sua solidão, Alice vê no rapaz a paixão ardente e o amor eterno. Em um momento de solidão, beijam-se ternamente. O destino de cada um estará, para o bem e para o mal, entrelaçado para sempre.

Início da Saga Rumo ao Sol

Apesar da recomendação do tio, para que não se envolva com as funcionárias da fábrica, a solidão de George é determinante na sua aproximação com Alice. Após o trabalho, tomam juntos uma bebida. Alice fala dos seus medos, do abismo que há entre ambos, ele é um Eastman, ela uma simples operária da fábrica. Mas George, que se vê sozinho e distante do mundo social de Charles Eastman, diz à jovem que só esteve na mansão do tio uma vez. Começa a chover, George leva Alice para casa, molham-se no seu carro conversível.
Silenciosamente, os dois entram no quarto de Alice, alugado de uma ríspida e exigente senhoria, que não lhe permite receber visitas ou ascender a luz a partir de determinadas horas. A magia que naquele momento une os dois jovens, faz com que rompam as mesquinharias humanas, as suas limitações sociais e econômicas. George a toma nos braços, iludidos pelas armadilhas dos sentimentos, dançam na escuridão do quarto, aliviando a solidão diferente de ambos. George só deixa Alice já de manhã, quando o sol rompe todo o romantismo de uma noite de tempestade.
Se a solidão de George é amenizada, também a vida profissional tece a sua teia da sorte. Charles Eastman promove o sobrinho, em conseqüência, convida-o para uma festa em sua casa. George inicia o seu caminho para o infinito, a trajetória rumo ao sucesso, à ascensão, que desde o início, tende a tragá-lo em suas armadilhas.

Entre o Amor de Duas Mulheres

Nos labirintos por um lugar ao sol, George depara-se novamente com Angela, que vem a descobrir, é namorada do primo Earl Eastman (Keefe Brasselle). A identificação dos dois é imediata. Angela é o símbolo da beleza, da mulher que representa a vitória verdadeira do homem diante do amor e da sociedade. Aos poucos, ambos aproximam-se um do outro, dançam juntos, conversam, decifram as linhas tênues dos sentimentos.
A presença de Alice na vida do rapaz torna-se distante, cada dia menor, em paralelo, os sentimentos por Angela explodem, tornando-se o que ele tem de mais sublime. Angela confessa o seu amor, tudo parece perfeito, um idílio na vida de George.
Alice, por sua vez, sente o amor de George esvair-se. Sofre com a distância, com o abandono. Se para o amado o mundo mostra as estrelas, para ela resta apenas as trevas, a avareza de Deus para com o seu destino. A sua solidão é comovente na interpretação irrepreensível de Shelley Winters.
George, por sua vez, nutre pela namorada um carinho, mas a sua vida mudara. Tornara-se um homem promissor, amava uma bela e fascinante mulher e era por ela amado. O menino pobre, filho de uma mãe missionária e extremamente religiosa, desfruta das delícias da alta sociedade americana. Não há nada que lhe impeça de penetrar neste mundo de glamour que se lhe abre. A ilusão de felicidade de George é ameaçada pela atmosfera do filme, que deixa transparecer que uma terrível verdade cairia sobre o protagonista a qualquer instante.
Seria fácil encerrar a sua relação com Alice. Namoros vão e vêm pela vida. Tudo era contornável, exceto a fatalidade de Alice descobrir-se grávida. George ouve a revelação de Alice, feita aos prantos, seu olhar perturbado oscila entre uma frieza superficial e uma angústia profunda. Os sonhos de uma vida melhor e do amor verdadeiro distanciam-se do rapaz, era preciso segurá-los, não se importando com o preço a ser pago. George leva a jovem a um médico, que se recusa a ajudá-lo, o que se percebe implicitamente que a solução esperada por ele era a de um aborto.
George sente-se acossado. Montgomery Clift conduz com maestria as mudanças que ocorrem na personalidade da personagem durante a evolução do filme. Seus olhos falam durante os silêncios de George. Ele ouve no rádio sobre uma série de afogamentos que se tem dado pelo país. O público advinha na intensidade do olhar de Clift os anseios de George, ele não fala, mas todos na platéia percebem, o jovem ambicioso deseja matar Alice.

Filhos da Depressão Econômica Americana

O peso do mundo cai sobre os sonhos de George. Ele tem a certeza do seu amor por Angela, o que lhe faz ter desprezo por Alice. O rapaz isola-se na aflição de ter que renunciar a este amor para assumir as responsabilidades com Alice. É preciso que se tenha em mente a sociedade que se vivia na época e a sua moral vigente. A solução para uma mulher solteira e grávida, era um aborto clandestino ou o casamento, não se admitia uma mãe solteira. Theodore Dreiser situara a narrativa do seu livro na década de 1920, George Stevens, o diretor do filme, ao adaptar o romance para o cinema, transportara a história para o início da década de 1950, mesmo assim, o preconceito era igual ao de trinta anos atrás.
A transposição da história para a década de cinqüenta ajudou na construção do caráter e na compreensão da ambição de George Eastman. Afinal a sociedade americana era sobrevivente das conseqüências do grande colapso da bolsa de valores, em 1929, o país viu a miséria a assolar os seus cidadãos. Ascender socialmente era mais do que manter vivo o sonho americano, era consolidar uma nação de vencedores, varrendo para debaixo do tapete a imensa depressão que soprou por duas décadas, trazendo a fome e a miséria. George Eastman emergira dos escombros, assim como a maior parte da juventude da época, inclusive o ator, Montgomery Clift.
Acossado, George aceita o convite de Angela para que passem juntos a noite de sexta-feira. A amada sente o pesar nos olhos do rapaz, a sua angustia e melancolia latentes. Aos seus olhos, ele parece distante, imerso em um mundo misterioso e sedutor. George declara o seu amor eterno, dizendo que a amara desde o momento que lhe pusera os olhos. Angela revela sentir o mesmo. Por uns instantes, o jovem estranho adormece no seu ombro. A belíssima química dos atores proporciona um dos momentos mais sublimes do filme, em que se acredita que qualquer atitude de George é válida para que não se interrompa tão belo amor. Inclusive o assassínio.

Morte no Lago

Angela convida George para passar um feriado na sua casa do lago. Seria um pretexto para que o rapaz fosse apresentado oficialmente a sua família e o namoro tornar-se consentido. Não havia porque adiar a felicidade de ambos.
Já não havia mais tempo para George solucionar o seu impasse com Alice. Cada vez mais a idéia de levá-la a um passeio no lago torna-se uma obsessão, uma fria solução. Alice torna-se um fardo em sua vida, aquela que lhe impedia de alcançar a felicidade e o amor, tão próximos; era o entrave para ele prosperar e ser um homem influente. Eclode dentro dele a vontade de tirar Alice da sua vida, engendrando dentro de si um plano macabro.
Mas a vida não espera pelos planos, segue o seu curso sem olhar para trás ou para as mentiras. Alice vê no jornal, uma fotografia do amado ao lado de Angela. Encontra-se em segredo com George, exigindo-lhe que se case com ela imediatamente. O rapaz vê-se preso entre dois caminhos, de um lado estava Angela, o sonho, a esperança de uma vida próspera e de glamour, o amor e a paixão, à sua espera para concretizar o romance diante da família; do outro lado estava Alice, a crueza da vida, a obrigação de assumir um filho que viera de um acidente, de uma armadilha. George teria o feriado para decidir qual dos dois caminhos seguir, já não poderia mais sufocar naquela angústia.
Já na casa do lago, com Ângela e todos os seus convidados, George diz à amada que a mãe está doente, que lhe irá fazer uma visita, voltando mais tarde. Mas o seu corpo segue os pensamentos obscuros da sua mente. Encontra-se com Alice, aluga um barco, leva-a para um passeio no lago. Está silencioso, a falar apenas com os olhos.
Durante o passeio no barco, George distancia-se das margens do lago. Alice fala dos seus sentimentos, enquanto os olhos de George estão envoltos em pensamentos cada vez mais voltados para a solução dos seus problemas. Uma das cenas mais marcantes do filme, não há palavras nos lábios da personagem, mas os olhos de Montgomery Clift revelam as intenções de homicídio, cortando o seu silêncio implícito. Uma estrela cadente cai. George faz um pedido, que não nos é revelado, mas Alice deduz qual teria sido o pedido. Exaltada, acusa o rapaz de desejar à estrela a sua morte. George parece arrependido de ter pedido a morte da namorada, como se mudasse de idéia no último instante. Mas Alice discute com ele, acusa-o de todos os pensamentos ruins que teve em relação a ela, balança o barco, que capota, ela cai no lago e morre.
George não atirou Alice do barco. Mas ela não sobreviveu. Deixara que se afogasse? Tentara salvá-la, o breve momento de hesitação foram suficientes para a sua morte? Teria sido calculada esta hesitação? O filme não nos revela esses detalhes, apenas uma certeza, o desejo de George atirara Alice para as profundezas das águas. Se ele não a empurrara com os braços, fizera-o sem piedade com os pensamentos. O momento de tensão em que o barco capota é assinalado por um longo plano, George Stevens usa de trevas na imagem para desfocar o momento. Não vemos o que aconteceu, sabemos apenas que Alice tinha medo de George, que o seu medo foi responsável pelo barco capotar, na ambivalência dos valores, o público tem medo da fúria final de Alice, não dos planos macabros de George. Sem saber dos fatos do momento final, resta ao público fazer o seu próprio julgamento da culpa ou da inocência de George.

A Breve Conquista do Lugar ao Sol

George nada até as margens do lago. Passa por alguns camponeses, que mais tarde o irão identificar. Se não matara Alice com as mãos, não se sentia um assassino. Voltou para os braços da bela Angela. Ironicamente ele ouve de Anthony Vickers (Shepperd Strudwick), pai de Angela, elogios ao seu caráter, à sua honestidade, por tudo isto, concordava que ele namorasse a sua filha. O jovem recebe elogios de todos à sua volta. George vai passear com Angela no lago, o mesmo lago que escondia o seu mais perverso segredo. Ele relaxa e usufrui daqueles instantes de glamour e de ascensão social. Momentos que, assim como vieram, terminariam tão logo o corpo de Alice emergisse com a fúria da vingança, das profundezas do logo que lhe tragara a vida.
Quando o corpo de Alice é encontrado, começam a ser reveladas as verdades da sua morte e as mentiras da sua vida. A senhoria da morta revela à polícia que ela tinha tido um caso amoroso com George Eastman.
As investigações chegam finalmente, ao jovem rapaz. Angela volta para casa com George, quando são surpreendidos por uma unidade policial à espera. Se para a bela jovem há uma grande inquietude e surpresa, para George a verdade era uma só, tinha sido descoberto. Desesperado, ele foge, correndo pela floresta, mas é capturado pela polícia, sendo preso.
O agente de polícia (Raymond Burr), revela o crime de George à família Vickers, como se desmascarasse as ambições do rapaz. Ao saber da verdade, Angela tem um colapso e entra em choque. Também a vida com ela estava ser cruel, fazendo com que deixasse o destino de glamour, para amar um homem misterioso, possivelmente um assassino. Amor que ela jamais negara, não se importando com o desvio concreto do seu destino diante da sociedade em que estava inserida.

O Caminho da Cadeira Elétrica

George é levado a julgamento. Várias testemunhas, dos camponeses que o viram, ao homem que lhe alugara o barco, todos confirmam a sua culpa. Um médico legista afirma que a vítima tinha sido espancada, o que não nos foi revelado em momento algum. O promotor acusa George de mentir e ser um frio assassino. Ele traz o barco para o tribunal, causando um grande mal estar no réu, visivelmente mostrado pela interpretação visceral de Montgomery Clift. Num momento de fúria dramática, o acusador bate com o remo sobre o barco, quebrando-o diante do tribunal, como se revelasse a pancada que Alice sofrera na hora da sua morte.
George é considerado culpado, declarado como assassino de Alice Tripp. É condenado à morte na cadeira elétrica. Para George, não ter protegido Alice quando ela estava a afogar-se bastava para que fosse culpado. Para o público, a sua culpa residia em levar Alice ao trágico passeio, o que poderia ter sido um acidente, tornava-se um assassínio não através dos atos de George, mas dos seus pensamentos.
O amor de Angela por George não era fútil, tanto que ela vem visitá-lo momentos antes da sua execução. Mais uma vez ela declara o seu amor. A beleza etérea do casal fica presa na lembrança do público. George Stevens iria eternizar o beijo entre Montgomery Clift e Elizabeth Taylor com uma lente de seis polegadas, em um grande plano, a lembrar um tiro nos sentimentos, intensificando a paixão sensual existente entre o casal, o que jamais ocorrera entre George e Alice. O encontro entre Elizabeth Taylor e Montgomery Clift, um dos mais bem sucedidos da história do cinema americano, repetir-se-ia por mais duas vezes, em 1956, em “A Árvore da Vida” (Raintree County) e em 1959, em “De Repente, No Último Verão” (Suddenly, Last Summer). Uma grande amizade nascia entre os atores, só sendo interrompida pela morte precoce de Montgomery Clift, em 1966.
A última cena do filme mostra George a ser conduzido para a cadeira elétrica, após despedir-se de Angela. Para ele não importa o que tenha acontecido, não importa o seu fim, o seu amor por Angela era maior do que o seu castigo, era a única verdade que conquistar em vida. O único sentido diante da tragédia iminente. Enquanto caminha para morte, ouve-se os versos bíblicos com citações de Jesus Cristo. George Eastman leva consigo os pecados de uma sociedade hipócrita que representa, leva a ilusão de todos aqueles como ele, pobre e de uma educação moralista, que em conflito com a possibilidade de ter sucesso, leva-o à ruína. George caminha para a morte a sonhar com a bela Angela, com a certeza de que estava condenado desde o início a ser assassinado pela sociedade que o criara.

Ficha Técnica:

Um Lugar ao Sol

Direção: George Stevens
Ano: 1951
País: Estados Unidos
Gênero: Drama
Duração: 122 minutos / preto e branco
Título Original: A Place in the Sun
Roteiro: Harry Brown e Michael Wilson, baseado no livro de Theodore Dreiser
Produção: George Stevens
Música: Franz Waxman
Direção de Fotografia: William C. Mellor
Direção de Arte: Hans Dreier e Walter H. Tyler
Figurino: Edith Head
Edição: William Hornbeck
Efeitos Especiais: Gordon Jennings, Loyal Griggs e Farciot Edouart
Estúdio: Paramount Pictures
Distribuição: Paramount Pictures
Elenco: Montgomery Clift, Elizabeth Taylor, Shelley Winters, Anne Revere, Keefe Brasselle, Fred Clark, Raymond Burr, Herbert Heyes, Shepperd Strudwick, Frieda Inescort, Kathryn Givney, Walter Sande, Ted de Corsia, John Ridgely, Lois Chartrand, Paul Frees, Ken Christy, Charles Dayton, Marilyn Dialon, Al Ferguson, Bess Flowers, Ian Wolfe
Sinopse: George Eastman (Montgomery Clift), um jovem ambicioso do interior da Georgia, vai trabalhar na fábrica do tio rico. Ele acredita que alcançará na fábrica do tio um futuro promissor. Na fábrica ele envolve-se com a funcionária Alice Tripp (Shelley Winters), moça humilde que trabalha na linha de montagem. George é introduzido pelo tio na alta sociedade, onde conhece a bela e aristocrática Angela Vickers (Elizabeth Taylor), por quem se apaixona e é correspondido. Distancia-se de Alice, mas ela está grávida e não aceita a situação com passividade. George chega à conclusão de que Alice poderá frustrar os seus planos de ascensão social e o seu relacionamento com Angela. George tem a idéia de matar Alice.

George Stevens

George Stevens nasceu em Oakland, Estados Unidos, em 18 de dezembro de 1904. Era filho de um casal de atores, portanto pisou muito cedo nos palcos
teatrais. Começou a sua carreira cinematográfica aos 17 anos, quando se empregou como assistente de operador de câmera, daí evoluindo para um dos maiores diretores de Hollywood.
George Stevens teve a sua estréia como diretor em 1930, quando dirigiu em simultâneo os curtas-metragens “The Kickoff” e “Ladies Last”. Em 1933 foi contratado pelos estúdios da RKO, realizando o seu primeiro longa-metragem, “The Cohens and Kellys in Trouble”. Desde então, tornou-se um dos diretores mais bem-sucedidos do cinema, realizando vários clássicos de Hollywood.
Entre os grandes sucessos de Stevens está o clássico “Woman of the Year” (A Mulher do Ano), de 1942, que reuniria pela primeira vez um dos maiores casais de Hollywood, Spencer Tracy e Katharine Hepburn; o inesquecível “A Place in the Sun” (Um Lugar ao Sol), em 1951, grande sucesso que reuniu Elizabeth Taylor e Montgomery Clift, consolidando as suas carreiras, o filme arrebataria seis Oscars e Stevens ganharia o seu primeiro Oscar.
Em 1953, criou o western “Shane” (Os Brutos Também Amam), com Alan Ladd, outro grande sucesso. Em 1956 dirigiu aquele que seria considerado a sua obra-prima, “Giant” (Assim Caminha Humanidade), último filme de James Dean, que atuava ao lado de Rock Hudson e Elizabeth Taylor. O filme rendeu-lhe o segundo Oscar.
O último filme de George Stevens foi “The Only Game in Town”, de 1970. Morreu em Lancaster, em 8 de março de 1975, vitimado por um ataque cardíaco.

Filmografia de George Stevens:

Curta-Metragem

1930 – Ladies Last
1930 – The Kickoff
1931 – Blood na Thunder
1931 – High Gear
1931 – Air-Tight
1931 – Call a Cop
1931 – Mama Loves Papa
1932 – Who, Me?
1932 – The Finishing Touch
1932 – Boys Will Be Boys
1933 – Family Troubles
1933 – Rock-a-Bye Cowboy
1933 – Should Crooners Marry
1933 – Room Mates
1933 – Quiet Please!
1933 – Flirting in the Park
1933 – What Fur
1933 – Grin an Bear It
1933 – A Divorce Courtship
1934 – The Undie-World
1934 – Cracked Shots
1934 – Ocean Swells
1935 – Hunger Pains
1945 – That Justice Be Done

Longa-Metragem

1933 – The Cohens and Kellys in Trouble
1934 – Kentucky Kemels
1934 – Hollywood Party
1934 – Bachelor Bait
1935 – Laddie
1935 – The Nitwites
1935 – Alice Adams (Sonhos Dourados)
1935 – Annie Oakley
1936 – Swing Time (Ritmo Louco)
1937 – Quality Street
1937 – A Damsel in Distress
1938 – Vivacious Lady
1939 – Gunda Din
1940 – Vigil in the Night
1941 – Penny Serenade (Serenata Prateada)
1942 – Woman of the Year (A Primeira Dama)
1942 – The Talk of the Town (E a Vida Continua)
1943 – The More the Merrier (Original Pecado)
1945 – Nazi Concentration Camps
1945 – The Nazi Plan
1948 – I Remember Mama
1951 – A Place in the Sun (Um Lugar ao Sol)
1952 – Something to Live For
1953 – Shane (Os Brutos Também Amam)
1956 – Giant (Assim Caminha a Humanidade)
1959 – The Diary of Anne Frank (O Diário de Anne Frank)
1965 – The Greatest Story Ever Told (A Maior História de Todos os Tempos)
1970 – The Only Game in Town (Quando o Jogo é o Amor)



 
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Sexta-feira, 25 de Setembro de 2009

CASSIANO GABUS MENDES - O REI DAS NOVELAS DAS 19 HORAS

 

 

Na história da teledramaturgia brasileira, não se pode esquecer de Cassiano Gabus Mendes, cuja trajetória confunde-se com a da própria televisão no Brasil. Em 1950 a criação da TV Tupi inaugurava a televisão no país, Cassiano Gabus Mendes já lá estava, tornando-se o primeiro diretor artístico da emissora, onde permaneceria por vários anos consecutivos.
Homem de televisão, tornou-se essencial na consolidação da teledramaturgia. Escreveu o seriado “Alô, Doçura!”, que esteve no ar por mais de dez anos, sendo um marco da época. Em 1966 escreveu a sua primeira telenovela, “O Amor Tem Cara de Mulher”. Em 1968 idealizou o roteiro de “Beto Rockfeller” , escrita por Bráulio Pedroso, que revolucionaria para sempre o gênero novelesco no país. Mas foi em 1976 que ele chegou à TV Globo como autor da telenovela “Anjo Mau”, mudando a concepção do gênero da comédia, criando um estilo que se iria tornar padrão às novelas globais do horário das 19 horas, sendo desde então, exaustivamente copiado por outros autores até os dias atuais.
O universo de Cassiano Gabus Mendes é suave, elegante, irônico e aveludado por uma fina camada cômica. Suas personagens não vão além do folhetinesco, mas trazem uma empatia que seduz o mais exigente dos públicos. Memoráveis criações como “Anjo Mau” (1976), “Locomotivas” (1977), “Ti Ti Ti” (1985), “Brega & Chique” (1987) e “Que Rei Sou Eu?” (1989), trouxeram um brilho único às telenovelas, sem em momento algum, criar uma expectativa pretensiosa de uma veia dramática profunda ou complexa, pelo contrário, suas tramas são ágeis e leves, preocupando-se com o entretenimento do público, sem que com isto, perca a qualidade do texto. Responsável por momentos hilariantes e antológicos na história da telenovela, Cassiano Gabus Mendes deixou para sempre o seu nome gravado no gênero, fazendo dos seus textos algo perene, mostrando que se pode ser suave e elegante trazendo a qualidade sincera de um bom texto.

Os Primeiros Trabalhos na TV Tupi

O paulistano Cassiano Gabus Mendes nasceu em 29 de julho de 1929. Filho do famoso radialista Otávio Gabus Mendes, herdou do pai a sensibilidade criativa e o domínio da dramaturgia da rádio transportada para a pequena tela. Foi um dos pioneiros da televisão no Brasil, estando lá desde a sua inauguração, em 1950. Substituindo Lima Duarte, que se recusou a ser o diretor artístico da TV Tupi, assumiu o cargo por mais de uma década. Nos primórdios da televisão, adaptou filmes para “A Vida Por Um Fio”, participou da idealização da “TV de Vanguarda”, um dos maiores marcos da incipiente televisão dos anos cinqüenta.
Em 1953 Cassiano Gabus Mendes criou o seriado “Alô, Doçura!”, uma comédia romântica inspirada em “I Love Lucy”, grande sucesso da televisão norte-americana. No início era exibido apenas um episódio por semana, passando mais tarde a dois. O seriado tinha sido criado para a rádio pelo pai, Otávio Gabus Mendes, com o título de “O Encontro das Cinco e Meia”, sendo protagonizado pelos atores Haydée Miranda e Paulo Maurício. Na televisão, já com o nome “Alô, Doçura!”, Eva Wilma e Mário Sérgio foram os escolhidos para viver as aventuras de diferentes personagens a cada episódio. No ano de 1954 Mário Sérgio foi substituído por John Herbert. O sucesso da nova dupla foi imediato, com grande aceitação do público. A química entre os dois protagonistas foi além da ficção, em 1955 Eva Wilma e John Herbert casaram-se, passando a ser conhecidos como o “Casal Doçura”. Os textos inteligentes e divertidos de Cassiano Gabus Mendes e o carisma do casal protagonista foram responsáveis pela longevidade do seriado, que só chegaria ao fim em 1964. Durante o período, Eva Wilma engravidou duas vezes, aparecendo assim em vários episódios, quando sua gravidez atingia o estado mais avançado, era substituída pela atriz Marly Bueno. “Alô, Doçura!” foi um dos primeiros grandes sucessos da teledramaturgia nacional, ficando para sempre no imaginário e na lembrança do público brasileiro, preparando Cassiano Gabus Mendes para uma carreira futura de novelista de sucesso.
Em 1966 Cassiano Gabus Mendes escreveria a novela “O Amor Tem Cara de Mulher”, baseada no original do argentino Nené Cascallar, que se tornara um grande sucesso na Argentina, Chile e Uruguai. A trama mostrava conflitos entre casais, que se iniciavam a partir de um instituto de beleza. Trazia histórias completas a cada semana. No elenco Eva Wilma, Vida Alves, Cleyde Yáconis, Aracy Balabanian, Luís Gustavo, Walmor Chagas, Dina Sfat e Tony Ramos, entre outros. “O Amor Tem Cara de Mulher” ficou nove meses no ar, mas não alcançou o mesmo sucesso que obtivera no restante da América do Sul, tendo o horário de exibição sido mudado duas vezes.
Em 1968 Cassiano Gabus Mendes idealizou o roteiro daquela que se tornaria a novela que mudaria para sempre o estilo do gênero no Brasil, “Beto Rockfeller”, chamando Bráulio Pedroso para escrevê-la. Lima Duarte, diretor da novela, transpunha para a televisão o texto teatral de Bráulio Pedroso. Assim o trio histórico Cassiano Gabus Mendes, Lima Duarte e Bráulio Pedroso, através de uma história simples, condenavam para sempre os dramalhões mexicanos como linguagem das telenovelas, introduzindo os diálogos coloquiais e o dia a dia do brasileiro em sua teledramaturgia. Luís Gustavo, irmão da esposa de Cassiano Gabus Mendes, foi o ator escolhido para protagonizar a novela. Futuramente, tornar-se-ia o maior intérprete dos textos do cunhado. Bete Mendes, Débora Duarte, Walter Forster, Plínio Marcos, Maria Della Costa, Ana Rosa, Irene Ravache, Marília Pêra, Rodrigo Santiago, Pepita Rodrigues, faziam, entre outros, parte do elenco. Muitos desses atores estavam em início de carreira, tornando-se algum tempo depois, grandes estrelas do cenário artístico brasileiro.

Anjo Mau” Cria o Estilo de Escrever Comédia na Televisão

Em 1976 Cassiano Gabus Mendes chegou a TV Globo, onde permaneceria até a sua morte. Estreou-se no horário das 19 horas, dirigido às comédias, com a novela “Anjo Mau”. A novela trazia uma forte vertente cômica, inaugurando uma nova fase de comédia no horário, que se iria perpetuar como estilo. O gênero comédia às 19 horas na TV Globo havia sido iniciado com Vicente Sesso na novela “Pigmalião 70” (1970), tornando-se característica do horário. “Anjo Mau” confirma o gênero comédia e dá às bases obrigatórias para os demais autores que viriam.
Até então, as protagonistas das telenovelas traziam um caráter integro, que se deparava com as vilanias das suas antagonistas. A novela muda, pela primeira vez, este caráter. Nice, interpretada magistralmente por Suzana Vieira, elevada pela primeira vez à protagonista global, é a anti-heroína, a babá malvada e ambiciosa, que por amor ao patrão Rodrigo (José Wilker), destrói o seu noivado com Paula (Vera Gimenez) e, conseqüentemente, com a doce Léa (Renée de Vielmond). Pela primeira vez na história da televisão a protagonista era má. Mas as características românticas de Nice superaram a sua vilania, e o Brasil apaixonou-se por ela. Rodrigo casa-se com Nice, mas faz com que ela sofra e pague por todas as maldades. Redimida e finalmente amada por Rodrigo, Nice morre ao dar à luz ao filho do seu amor. A sua morte, embora negada por Cassiano Gabus Mendes, teria sido uma imposição da censura da época, servindo de alerta moralista às tantas babás que sonhavam com o patrão. A cena da morte de Nice emocionou o Brasil, gerando a polêmica entre o público de que mais uma vez Suzana Vieira tinha perdido para Renée de Vielmond. Esta polêmica vinha desde a novela “Escalada” (1975), de Lauro César Muniz, em que a doce Cândida (Suzana Vieira) perdia o amor do marido Antonio Dias (Tarcísio Meira) para a bela Marina (Renée de Vielmond).
Durante a novela, a atriz Vera Gimenez sofreu um acidente automobilístico que lhe deixou graves seqüelas no rosto, obrigando-a a um afastamento da novela para uma intervenção plástica. José Wilker e Renée de Vielmond, que iniciaram um romance durante a novela, casando-se por alguns anos, descontentes com as suas personagens, criaram alguns atritos com a direção; em conseqüência ficariam longe das novelas globais por alguns anos. Hortência Tayer, uma linda atriz em início de carreira, teve uma grande ascensão na novela, mas foi interrompida quando exigiu que lhe aumentassem o salário, um dos mais baixos do elenco, ela que viva Ligia, a mulher que conquistara o coração do mulherengo Ricardo (Luís Gustavo), foi excluída da novela, tendo apenas o seu nome mencionado pelas outras personagens. O grande destaque da novela foi para Stela, a ciumenta mulher de Getúlio (Osmar Prado), vivida com maestria por Pepita Rodrigues, em sua estréia na Globo. Outro que vinha da antiga TV Tupi para a emissora carioca era Luís Gustavo.
“Anjo Mau” foi ao ar ainda em preto e branco, já nesta época os demais horários das novelas da TV Globo traziam produções coloridas. A novela teria uma nova versão em 1997, feita por Maria Adelaide Amaral. Nos primeiros capítulos o universo de Cassiano Gabus Mendes foi fielmente recriado, inclusive a elegância do seu texto e ironia da sua comédia. A partir de determinando momento, a história assumiu um aspecto de dramalhão, perdendo-se do original, e a Nice de Glória Pires tornou-se uma sofredora heroína mexicana; não havendo motivos para um castigo no final, a nova Nice não morre. Suzana Vieira é homenageada no último capítulo, aparecendo como a babá do filho de Nice e Rodrigo (Kadu Moliterno). Na primeira versão, a mesma cena era vivida por Débora Duarte, que fechava a trama com a criança no colo, a sorrir para Rodrigo, insinuando um futuro e conturbado romance, já que Nice estava morta.

Locomotivas, Definição do Estilo

A segunda novela de Cassiano Gabus Mendes na TV Globo foi “Locomotivas”, em 1977. Foi a primeira novela totalmente a cores no horário das 19 horas. Em “Locomotivas” o autor elimina os excessos dramáticos de “Anjo Mau”, consolidando de vez o seu estilo elegante, tecendo um folhetim de luxo, com personagens irônicas e cômicas, de um carisma irrepreensível. Conta a história de Kiki Blanche (Eva Todor), uma ex-atriz do teatro de vedete, dona de um luxuoso instituto de beleza, e da sua filha Milena (Aracy Balabanian), que traz um grande segredo, é a verdadeira mãe de Fernanda (Lucélia Santos), criada como sua irmã. Para proteger a filha do preconceito de ser mãe solteira, Kiki cria outros filhos adotivos, Paulo (João Carlos Barroso), Renata (Thaís de Andrade) e Regininha (Gisele Rocha). A partir do instituto de beleza de Kiki partem as tramas principais A idéia foi recuperada de “O Amor Tem Cara de Mulher”, sendo aqui desenvolvida com uma eficácia técnica perfeita. A história toma a sua veia dramática quando Fernanda apaixona-se por Fábio (Walmor Chagas), grande amor de Milena, o impasse só termina com a revelação final de que as duas são mãe e filha.
Um dos grandes destaques da trama foi Netinho (Denis Carvalho) e a sua mãe possessiva Margarida (Miriam Pires), que faz tudo para separar o filho das namoradas, mantendo-o só para ela. Ao som de “Filho Único”, tema cantado por Erasmo Carlos, Netinho e a sua mãe promoveram cenas hilariantes. Outro destaque foi Machadinho, vivido pelo ator português Tony Correia, revelação da novela “O Casarão” (1976), que conquistaria o coração de Fernanda.
Mas o grande destaque da novela foram as atrizes Eva Todor e Lucélia Santos. Kiki Blanche rendeu à primeira o seu melhor papel na televisão, a aceitação do público foi tão grande, que se cogitou criar um seriado com Kiki Blanche e a sua família, mas os planos não vingaram. Lucélia Santos fazia a sua segunda telenovela, vinda do grande sucesso que fora a sua estréia em “Escrava Isaura” (1976), e que vinculara de forma indelével a sua imagem. A atriz fez uma metamorfose, apagando a sofrida escrava, transformando-se em uma Fernanda rebelde, caprichosa e mimada. O público amou Fernanda, Lucélia Santos foi transformada na “Nova Namoradinha do Brasil”, título pertencente à Regina Duarte. Diante do sucesso, a TV Globo incluiu Lucélia Santos no quadro de contratada exclusiva da emissora, transformando-a em uma das suas estrelas por vários anos. “Locomotivas” foi um grande sucesso de Cassiano Gabus Mendes, fazendo-o rei absoluto do horário das 19 horas.

Encerrando a Primeira Fase na TV Globo

Em 1978 foi lançada “Te Contei?”, novela que obedecia a todos os itens do estilo de Cassiano Gabus Mendes, comédia leve, texto elegante, um número que não ultrapassava 30 atores, com tramas que dava igual importância a todos eles em determinados momentos da história, sem concentrar o crescimento das personagens apenas nas protagonistas. Outra característica das tramas de Cassiano Gabus Mendes era o tempo cronológico, um dia durava vários capítulos. As histórias desenvolviam-se à beira da piscina ou na praia. “Te Contei?” teve a sua abertura mudada, já que a primeira não agradara à direção da novela. Era centrada nos amores de Leo (Luís Gustavo), que ficara cego aos 14 anos, divido entre a misteriosa Sabrina (Wanda Stefânia) e a temperamental e bela Shana (Maria Cláudia). Sabrina era uma mulher rica que tinha um terrível segredo, é cleptomaníaca, refugia-se na pensão de Lola (Eva Todor), fazendo-se passar por uma pobre vendedora de cosméticos. Envolve-se com Leo, um homem divertido e alegre, que vive a sua cegueira sem traumas. Shana, a bela filha de Lola, nutre um amor intenso por Leo, mas o reprime diante do envolvimento do rapaz com Sabrina. No meio de todas as tramas, surgem misteriosas cartas de amor dirigidas a todas as mulheres. Só no último capítulo é revelada a autora das cartas, é Mônica (Heloísa Millet). Maria Cláudia vivia a sua primeira protagonista. Wanda Stefânia, uma atriz do elenco fixo da TV Tupi, apesar do grande sucesso da sua personagem (prejudicada pela censura, que limitou as cenas de cleptomania de Sabrina), não renovou contrato com a Globo, voltando para a emissora paulista. A novela trazia um elenco luxuoso, Suzana Vieira, Denis Carvalho, Maria Della Costa (que não apareceu mais em novelas), Esther Góes, Brandão Filho, Mauro Mendonça, Hélio Souto, Ilka Soares (atriz de presença constante nas tramas do autor), Kito Junqueira, Elizangela, Osmar Prado e muitos outros.
Marron Glacé”, de 1979, foi outro grande sucesso de Cassiano Gabus Mendes. Contava a história de Madame Clô (Yara Cortes), dona do bufê Marron Glacé, e das suas filhas Vanessa (Sura Berditchewsky) e Vânia (Louise Cardoso), e dos garçons do bufê, o solitário Oscar (Lima Duarte), o misterioso Otávio (Paulo Figueiredo), o alegre Nestor (Armando Bógus), o ciumento Juliano (Ricardo Blat), o revoltado Luís César (João Carlos Barroso) e o afetado Waldomiro (Laerte Morrone). Após a morte da mãe, Otávio deixa a sua cidade rumo ao Rio de Janeiro, disposto a vingar de Clô e das suas filhas, por achar que no passado, foram os responsáveis pela miséria da família e morte do pai. Mas Otávio envolve-se com as duas filhas de Clô, apaixonando-se por Vanessa, por quem decide esquecer a sua vingança. O grande sucesso da personagem Miguel de “A Sucessora” (1978), elevara Paulo Figueiredo à protagonista de “Marron Glacé”, o mesmo sucedendo a Sura Berditchewsky, que vinha de um bom momento na novela “Dancin’ Days” (1978), os dois atores não voltaram a protagonizar outras novelas na emissora carioca. Yara Cortes, a eterna Dona Xepa, vivia a protagonista que se envolveria com a personagem Oscar, mas, não se sabe se por imposição do ator, da direção, do autor, ou de ambos, decidiu-se que a atriz estava muita envelhecida para par romântico com Lima Duarte, o que levou, já no meio da trama, a aparecer Lola, interpretada pela atriz Tereza Rachel, que se tornaria o amor de Oscar. Primeira novela da atriz Mila Moreira, na época modelo famosa, que usava apenas Mila como nome artístico (na abertura da novela não vinha o Moreira, acrescentado a partir de “Plumas & Paetês”). Mila Moreira passaria a ser uma presença constante nas novelas de Cassiano Gabus Mendes. Outro destaque foi a relação de Oscar com as velhinhas Beá (Ema D´Ávila) e Angelina (Dirce Migliaccio), para quem roubava comida no bufê. Lima Duarte fez cenas hilariantes com as atrizes. Uma cena antológica da novela foi quando Oscar trazia no guarda-chuva, comida da cozinha do bufê, ao encontrar com a patroa, Clô, cai uma grande chuva, ela pede o guarda-chuva emprestado, bolos e comidas caem-lhe sobre a cabeça, sujando-lhe todo o cabelo, recém penteados em um salão de beleza.
Em 1980 Cassiano Gabus Mendes visitou o mundo da moda e das modelos na novela “Plumas & Paetês”. Contava a história de Marcela (Elizabeth Savalla), que viajava com um casal quando o carro sofreu um acidente, sendo ela a única sobrevivente. Marcela é confundida pela família do morto, como a sua noiva, também ela morta no acidente. Grávida e desamparada, ela assume a falsa identidade, sendo acolhida pela família, que pensa que ela traz o herdeiro do morto. Edgar (Cláudio Marzo), o mais velho da família, apaixona-se por Marcela, vivendo com ela um romance. Para complicar a situação da intrusa, aparece Paulo (José Wilker), o verdadeiro pai do seu filho, noivo de Amanda (Maria Cláudia), que se tornara sua grande amiga. No outro núcleo aparecia Rebeca (Eva Wilma), uma viúva milionária, assediada por Márcio (John Herbert), mas que descobriria o amor nos braços de Gino (Paulo Goulart). Após tantos sucessos consecutivos, a fórmula de Cassiano Gabus Mendes sofria uma certa saturação. Para complicar, o autor sofreu um enfarte, sendo obrigado a deixar a novela com pouco mais de cem capítulos escritos. Silvio de Abreu, indicado pelo próprio Cassiano Gabus Mendes, assumiu a história até o fim, elevando o seu índice de audiência. “Plumas & Paetês” marcou a estréia de Eva Wilma na Globo; a atriz era a grande estrela da TV Tupi, que falira naquele ano, fechando as suas portas para sempre. José Wilker, que se afastara das novelas desde “Anjo Mau” (1976), a odiar a sua personagem, ironicamente voltava em uma trama de Cassiano Gabus Mendes. Grandes momentos da novela foram conseguidos através de Veroca, personagem vivida magistralmente por Lúcia Alves. A química entre Cláudio Marzo e Elizabeth Savalla seria repetida em outras novelas que eles protagonizariam, “Pão Pão, Beijo Beijo” (1983) e “Partido Alto” (1984). Com esta novela, Cassiano Gabus Mendes encerrava uma fase de sua carreira de novelista. Ficaria algum tempo longe das laudas criativas, só retornando em 1982. Foi a partir desta novela que as tramas do autor deixaram as praias do Rio de Janeiro e trouxeram os arranha-céus de São Paulo como cenário.

A Estréia no Horário Nobre

Após um descanso forçado, para a recuperação de um enfarte, Cassiano Gabus Mendes voltaria com um grande sucesso, “Elas Por Elas”, em 1982. A história girava em torno de Márcia (Eva Wilma), que após vinte anos, promove um encontro com as suas amigas do colegial Helena (Aracy Balabanian), Wanda (Sandra Bréa), Natália (Joana Fomm), Adriana (Esther Góes), Marlene (Mila Moreira) e Carmem (Maria Helena Dias). Todos comparecem ao encontro, menos Natália, que no passado perdeu o irmão Zé Roberto, caído do alto de uma pedra. Natália suspeita que uma das amigas o atirou do alto, por isto manda, no dia do encontro, um pássaro morto para as amigas. No reencontro, Wanda descobre que o seu amante Átila (Mauro Mendonça) é marido de Márcia. Para complicar a situação, Átila morre em um motel, ao lado de Wanda. Sem desconfiar da amiga, Márcia quer saber quem era a amante do marido, para isto contrata Mário Fofoca (Luís Gustavo), um desastrado e divertido detetive, por quem ela se irá apaixonar. Apesar de tantos mistérios para desvendar-se ao longo da trama, “Elas Por Elas” era uma grande e divertida comédia. Mário Fofoca repetia mais uma vez a bem sucedida dupla Cassiano Gabus Mendes e Luís Gustavo. O sucesso da personagem gerou um longa-metragem para o cinema e um seriado de televisão, que não alcançaram o sucesso da telenovela. O amor do patinho feio, Ieda (Cristina Pereira), pelo galã René (Reginaldo Faria), foi outro grande momento da novela. Tássia Camargo e Cássio Gabus Mendes, filho do autor, marcaram as suas estréias na televisão. O elenco luxuoso garantiu à novela um grande sucesso, além dos atores citados, contava com Carlos Zara, Christiane Torloni, Herson Capri, Nathália Timberg, Mário Lago, Marco Nanini, Suzana Vieira, Norma Blum, Lauro Corona e outros.
Em 1983 a Globo encomendou uma novela para o horário nobre a Cassiano Gabus Mendes. A doença de Janete Clair obrigara a emissora a ressuscitar o horário das 22 horas, uma vez que seria menos complicado, em caso da autora vir a falecer, a substituí-la fora do horário nobre. Cassiano Gabus Mendes aceita o convite, sem prometer criar algo diferente do seu estilo. Pela primeira vez, longe do horário das 19 horas, ele escreve “Champagne”, que estrearia no segundo semestre de 1983. A história girava em torno de um crime que acontecera em 1970, quando a jovem copeira Zaíra (Suzane Carvalho) foi assassinada, tendo como principal suspeito Gastão (Sebastião Vasconcelos), que treze anos depois, ao tentar provar a sua inocência, envolve vários suspeitos. A trama, por ser exibida em horário nobre, perdeu um pouco da leveza característica de Cassiano Gabus Mendes, não acrescentando nada ao autor, muito menos à história da teledramaturgia. Tony Ramos vivia Nil, uma personagem linear e sem grandes atrativos. O melhor da novela ficou por conta de Antônia Regina (Irene Ravache) e João Maria (Antonio Fagundes), uma dupla de ladrões de jóias que se envolviam em grandes e hilariantes confusões. A novela marcou a volta de Marieta Severo às novelas, que devido à censura contra o seu então marido, Chico Buarque, ficara mais de uma década afastada da emissora global. “Champagne” cumpriu apenas a missão de preencher o horário nobre, sem grandes atrativos ou pretensões. O elenco era uma verdadeira constelação, trazendo ainda, Lúcia Veríssimo, Jorge Dória, Mauro Mendonça, Nuno Leal Maia, Carla Camuratti, Louise Cardoso, Isabel Ribeiro, Beatriz Segall, Cláudio Corrêa e Castro, Carlos Augusto Strazzer, Maria Izabel de Lizandra, Cássio Gabus Mendes, Armando Bógus, Ilka Soares, Mila Moreira e outros.

Grandes Obras nos Anos Oitenta

Em 1985 Cassiano Gabus Mendes voltou ao horário das 19 horas, com mais uma obra-prima, “Ti Ti Ti”. A história de Ariclenes (Luís Gustavo) e André (Reginaldo Faria), dois amigos de infância que passaram a vida toda brigando. Adultos, eles virariam Victor Valentin e Jacques L’Eclair, respectivamente, dois costureiros da alta costura, que rivalizavam entre si. A inspiração teria vindo na famosa rivalidade entre Clodovil e Denner, nos anos setenta. Victor Valentin, um malandro que copiava os modelos de vestidos das bonecas de Cecília (Nathália Timberg), conquistava as mulheres com o seu beijo e batom “Boca Loca”. Mais um grande momento de Luís Gustavo, que se tornou imprescindível na obra do autor. Sandra Bréa vivia Jacqueline, uma mulher apaixonada por L’Eclair, papel que herdara de Renée de Vielmond, que não chegara a um acordo com a emissora quanto ao salário, recusando-o. Destaque para Marieta Severo, que vivia Suzana, ex-mulher de Ariclenes. Aracy Balabanian, Myriam Rios, Tânia Alves, Malu Mader, Cássio Gabus Mendes, Lúcia Alves, José de Abreu, Yara Cortes, Paulo Castelli, Adriano Reys e muitos outros, faziam parte do elenco. A novela marcou ainda, a estréia de Tato Gabus, outro filho de Cassiano Gabus Mendes.
Brega & Chique”, de 1987, traz um novo fôlego à obra de Cassiano Gabus Mendes. O autor parece renovado, apesar de utilizar os mesmos truques e a mesma fórmula de contar o seu folhetim, consegue ser original em cenas antológicas da televisão brasileira. “Brega & Chique” é o inverso da lógica, o que deveria ser brega é chique, mostrando o avesso dos costumes. Herbert Alvaray (Jorge Dória), um milionário falido, simula a própria morte para fugir às dividas. Ele tem duas famílias, chamando à mulher oficial Rafaela (Marília Pêra), de Alfa I e à amante Rosemere (Glória Menezes), de Alfa II. Com as duas ele tem filhos. No meio da história aparece Zilda (Nívea Maria), a Alfa III, uma amante menor. Supostamente morto, o malandro deixa a família de Rafaela na miséria, e a sua caixa dois permite presentear Rosemere com alguns milhões de dólares. Rafaela, a chique, entra em decadência, muda de posição, deixando a mansão para viver uma vida modesta em uma casa de vila. Para sobreviver, torna-se cozinheira, fazendo marmitas para as pessoas da vila. Rosemere, a brega, ascende socialmente, mudando-se para uma mansão, tornando-se uma mulher rica. A situação atinge o ápice quando Herbert volta após ter feito várias cirurgias e ter mudado definitivamente a sua aparência física, apresentando-se como Cláudio Serra (Raul Cortez). Na sua nova vida modesta, Rafaela tem o apoio de Montenegro (Marco Nanini), fiel empregado de Herbert. Montenegro nutre uma paixão platônica por Rafaela, ajudando-a em todos os momentos difíceis, ao mesmo tempo sabe de toda a verdade sobre a falsa morte de Herbert e a sua nova identidade.
Brega & Chique” trazia Marília Pêra de volta às novelas, afastada desde “Supermanoela” (1974), interpretando aquele que seria o seu melhor papel na televisão. Momentos inesquecíveis e antológicos foram criados pela dupla Marco Nanini e Marília Pêra, uma parceria que não se repetiria, visto que os atores, por desentendimentos pessoais, afastaram-se um do outro. A cena que Rafaela vai à feira fazer compras, vestida com um casaco de peles, é antológica, um bom momento de criatividade na televisão brasileira. A provocação da abertura da novela, que trazia no final o modelo Vinicius Manne totalmente nu, caminhando com as nádegas descobertas, fez com que a censura obrigasse a direção da Globo a pôr uma folha de parreira sobre a região glútea do modelo, folha que, devido à pressão popular, caiu definitivamente dois dias após ser inserida. “Brega & Chique” tornou-se um dos maiores sucessos de Cassiano Gabus Mendes, trazia ainda no elenco Denis Carvalho, Marcos Paulo, Patrícia Pillar, Cássia Kiss, Cássio Gabus Mendes, Patrícia Travassos, Neuza Amaral, Célia Biar, Cristina Müllins, Fábio Sabag, Hélio Souto, Bárbara Fázio, Percy Aires, Jayme Periard, Tarcísio Filho e outros.
E para quem acreditava que a criatividade de Cassiano Gabus Mendes estava esgotada, ele conseguiu surpreender em 1989, escrevendo aquela que é considerada a sua maior novela, “Que Rei Sou Eu?”. Uma aventura de capa e espada medieval, que refletia o Brasil da época do governo de José Sarney, com todos os erros econômicos, planos falhados e inflação galopante. O reino de Avilan era uma sátira inteligente ao momento político que o país vivia. Uma paródia perfeita de um Brasil que tentava sobreviver após vários anos de ditadura. Tereza Rachel brilhou absoluta no papel da rainha Valentine, fazendo da sua voz aguda uma técnica perfeita para o riso inteligente, deixando as suas risadas como marca inesquecível. Antonio Abujamra criou um insuperável bruxo Ravengar. Edson Celulari e Giulia Gam, Jean Pierre e Aline respectivamente, promoviam excelentes cenas românticas e de esgrima. Com um elenco luxuoso, Marieta Severo, Aracy Balabanian, Natália do Valle, Daniel Filho, Stênio Garcia, Carlos Augusto Strazzer (na sua última novela, o ator já se encontrava doente, vitimado pelo vírus da Aids), Jorge Dória, Ítala Nandi, Cláudia Abreu, Tato Gabus, John Herbert, Mila Moreira, Oswaldo Loureiro, Fábio Sabag, Laerte Morrone, Zilka Salaberry e Dercy Gonçalves entre outros; Cassiano Gabus Mendes encerrava a década de oitenta, senhor absoluto de sua obra.

Últimos Trabalhos

Em 1990 o autor voltava a escrever uma novela para o horário nobre, “Meu Bem, Meu Mal”, um horário que devido ao estilo mais austero, nunca favoreceu ao universo de Cassiano Gabus Mendes, tornando-se uma obra menor. Lázaro Venturini (Lima Duarte), um rico empresário, é obrigado a conviver com a presença incômoda de Ricardo (José Mayer), detentor de uma porcentagem dos seus negócios, e que mantém uma relação de amor e ódio com Isadora (Silvia Pfeifer), casada com o filho de Lázaro, que enviúva nos primeiros capítulos da novela. Responsável pela ruína de Felipe (Armando Bógus), Ricardo é alvo da vingança de sua filha, Patrícia (Adriana Esteves), uma adolescente que se irá apaixonar por ele, apesar da diferença de idade. Silvia Pfeifer estreava em novelas como protagonista do horário nobre, o que lhe rendeu várias críticas negativas sobre a interpretação de Isadora. Adriana Esteves ascenderia com esta novela à protagonista da TV Globo. Lídia Brondi e Cássio Gabus Mendes viviam um romance na trama, estenderam a relação para a vida pessoal, casando-se, a atriz encerrou com esta novela a sua carreira, não voltando mais a interpretar, quer no cinema, teatro e televisão. O grande destaque foi para o mordomo Porfírio (Guilherme Karan) e a sua obsessão pela “Divina” Magda (Vera Zimermann). Entre as estréias promissoras, estava a do ator Fábio Assunção. “Meu Bem, Meu Mal” não representou um grande marco na teledramaturgia da televisão e do seu autor, mas cumpriu a sua função de entretenimento inteligente. O elenco contava ainda com Yoná Magalhães, Thales Pan Chacon, Jorge Dória, Nívea Maria, Marcos Paulo, Luciana Braga, Zilda Cardoso, Mila Moreira, Sérgio Viotti, Isis de Oliveira, Maria Estela, Luma de Oliveira e Mylla Christie, entre outros.
Em 1992 Cassiano Gabus Mendes participou como ator, da novela “Perigosas Peruas”, de Carlos Lombardi, participação que ele confessaria mais tarde, ter detestado, não querendo repetir uma outra vez.
O Mapa da Mina”, de 1993, seria a última novela de Cassiano Gabus Mendes, que voltava ao horário das 19 horas. Elisa (Carla Marins), uma noviça enclausurada, tinha na parte superior das suas nádegas, a tatuagem de um mapa de diamantes feita por seu vizinho Ivo (Paulo José), quando ela era criança. Ivo, um ladrão que é atropelado, revela o segredo do mapa antes de morrer. Inicia-se uma caça ao tesouro. A trama trazia um grande elenco, Luís Gustavo, Malu Mader, Eva Wilma, Fernanda Montenegro, Cássio Gabus Mendes, Bete Mendes, Nair Bello, Gianfrancesco Guarnieri, Mauro Mendonça, John Herbert, Beth Goulart, Antonio Abujamra, Denis Carvalho, Ana Rosa e Mila Moreira, entre outros; mas não conseguiu empolgar os telespectadores, sendo considerada a novela mais fraca de Cassiano Gabus Mendes na TV Globo. No dia 18 de agosto de 1993, algumas semanas antes da novela terminar, Cassiano Gabus Mendes sofreu um enfarto do miocárdio, deixando para sempre a sua magia voltada para a história da televisão brasileira. Ao morrer, ele tinha deixado todos os capítulos de “O Mapa da Mina” escritos. Após ir ao ar a última cena da novela, seu grande amigo Lima Duarte fez um discurso emocionado, despedindo-se do rei das novelas das 19 horas.

OBRAS

Seriados

1953/1964 – Alô, Doçura! – TV Tupi

Novelas

1966 – O Amor Tem Cara de Mulher – TV Tupi
1968/1969 – Beto Rockfeller (argumento) – TV Tupi
1976 – Anjo Mau – TV Globo
1977 – Locomotivas – TV Globo
1978 – Te Contei? – TV Globo
1979/1980 – Marron Glacé – TV Globo
1980/1981 – Plumas & Paetês (terminada por Silvio de Abreu) – TV Globo
1982 – Elas Por Elas – TV Globo
1983/1984 – Champagne – TV Globo
1985/1986 – Ti Ti Ti – TV Globo
1987 – Brega & Chique – TV Globo
1989 – Que Rei Sou Eu? – TV Globo
1990/1991 – Meu Bem, Meu Mal – TV Globo
1993 – O Mapa da Mina – TV Globo
1997 – Anjo Mau - Readaptação de Maria Adelaide Amaral – TV Globo

 
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Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009

ÁGUA VIVA, O ÁLBUM QUE MUDOU A CARREIRA DE GAL COSTA

 

 

Depois de excursionar pela música intrínseca de Dorival Caymmi no incomparável “Gal Canta Caymmi” (1976), Gal Costa dá, definitivamente, adeus ao título de cantora de vanguarda e musa do desbunde, ao lançar “Água Viva” (1978), confirmando as rupturas anunciadas em “Cantar” (1974) e adiadas em “Caras e Bocas” (1977), transformando-se em uma intérprete genuína de todas as fases da MPB, desvinculando-se do estigma de musa do Tropicalismo, sem perder as suas raízes.
"Água Viva" foi produzido por Perinho de Albuquerque, contando com a participação de grandes músicos como Wagner Tiso, Toninho Horta e Sivuca. A capa do álbum traz Gal Costa imersa na água, como se renascesse através dela, limpando o seu canto, transformando-o em cristalino e definitivo. São belas e originais fotografias de Marisa Álvares Lima.
No ano de 1978 a abertura política do regime militar, começava a ser efetuada, ainda que de forma tímida, mas definitiva. O Ato Institucional Nº 5 (AI-5) foi finalmente extinto, passando a não mais vigorar no primeiro dia de 1979. Esta mudança refletiu na música, que teve várias canções outrora censuradas e proibidas, finalmente liberadas. 1978 trazia também, novidades nas vendagens e preferências do público brasileiro pela MPB. Até então, só Roberto Carlos alcançava e ultrapassava a 500 mil cópias vendidas. Maria Bethânia com “Álibi” (1978), alcançava esta marca. “Água Viva” acompanhou a tendência de mudanças, alcançado um grande público, sendo disco de ouro, fato alcançado pela primeira vez na carreira de Gal Costa.

Do Repertório de Dalva de Oliveira a Chico Buarque

Quem viu Gal Costa em 1977, no show “Com a Boca no Mundo”, um flower power tardio, não imaginava que aconteceria no ano seguinte uma mudança tão substancial e indelével na sua carreira e imagem. As mudanças acontecem na primeira faixa do álbum, “Olhos Verdes” (Vicente Paiva), um antigo samba-exaltação sucesso de Dalva de Oliveira, que lhe renderia um clipe no pograma “Fantástico”, da TV Globo. Até então Maria Bethânia era a única que tinha aprovação da crítica para visitar o repertório da intocável Dalva de Oliveira. A música cai com perfeição à voz de Gal Costa e volta às paradas de sucesso. Nos florões da canção, a baiana faz uma homenagem à Dalva de Oliveira, ressuscitando a essência da cantora, lembrando-nos dos seus agudos inesquecíveis e fulminantes. Com esta canção, Gal Costa traz de volta a fase do samba-exaltação, assim como as velhas marchinhas carnavalescas, que foram essenciais para a formação da nossa MPB. Transforma-se na herdeira de Dalva de Oliveira, título até então pertencente à Ângela Maria.
Gal Costa excursiona pela primeira vez no universo de alguns grandes compositores, entre eles Chico Buarque. Sua estréia em disco no peculiar mundo feminino buarqueano é feita magistralmente com “Folhetim” (Chico Buarque), música tema de uma prostituta da peça “A Ópera do Malandro”. Gal Costa, então com 33 anos, estava no auge da sua sensualidade, rompendo de vez com a imagem agressiva do tropicalismo, trazendo um canto límpido. “Folhetim” encontra na interpretação da cantora toda a voluptuosidade necessária àquela que se entrega apenas por um bombom Sonho de Valsa. A canção jamais se desvinculou de Gal Costa, apesar de ter sido interpretada por vários ícones femininos da MPB.
De Onde Vem o Baião” (Gilberto Gil), dá os toques alegre e nordestino, típicos de Gilberto Gil, que mistura um baião intelectualizado com as velhas tradições populares de um mundo às vezes perdido, mas jamais esquecido. A canção parece complementar “Olhos Verdes”, com os seus versos:

“De onde vem a esperança
Assustança espalhando
O verde dos teus olhos
Pela plantação?”

O Bem do Mar” (Dorival Caymmi), canção que foi esquecida no álbum autoral de 1976, mas aqui soberbamente lembrada naquele que é um dos sucessos de Caymmi mais gravado por cantores brasileiros. O mar sempre combinou com a poesia de Caymmi, que rima perfeitamente com a voz de Gal Costa. A cantora empresta o lirismo necessário à música, como uma sereia que revela a angústia de quem enfrenta o mar e os seus perigos.
Mãe” (Caetano Veloso), revela uma interpretação muito particular de Gal Costa para aquela que é considerada pelo autor a música mais brega que ele já fez, mas que emocionou muita gente que discorda de Caetano Veloso. É destas canções únicas na obra do autor, difícil de ser interpretada sem cair no grotesco e vulgar, que revela uma emotividade técnica e compreensão única de Gal Costa a cerca da obra e da mensagem de Caetano Veloso. “Mãe”, independente do que o seu autor a classificou, transformou-se na voz de Gal Costa em um dos momentos mais sublimes da Música Popular Brasileira.
A urbana existencialista “Vida de Artista” (Sueli Costa – Abel Silva) encerrava o lado A do álbum. É uma rara incursão da cantora aos autores, até então constantes das discografias de Maria Bethânia e Simone. A canção encontra um equilíbrio intimista cristalino na voz de Gal Costa, que infelizmente, jamais repetiu o momento na delicada obra de Sueli Costa. O lado A do LP cerrava as cortinas com esta canção delicada, intimista e diferente, fazendo com que o ouvinte ansiasse para virar o disco e recomeçar a ouvir o espetáculo.

Um Disco Profundo e Alegre

Se o lado A mostrou grandes renovações no repertório da cantora baiana, o lado B não decepcionou, trazendo na primeira faixa, “Paula e Bebeto” (Caetano Veloso – Milton Nascimento), outra novidade na interpretação de Gal Costa, Milton Nascimento. A canção trazia a irreverência de Caetano Veloso e a musicalidade juvenil de Milton Nascimento, revelada na alegria contagiante de Gal Costa. Adolescente, urbana, leve e profunda nas impulsividades das paixões, “Paula e Bebeto” foi transformada pela juventude da época em um hino ao amor livre e sem preconceitos.
Pois É” (Chico Buarque – Tom Jobim), outro presente do álbum, afirma a nova fase da cantora, distanciada das interpretações dos autores de vanguarda, emprestando o seu canto aos mais genuínos representantes da MPB da sua geração. Novamente percorre o universo de Chico Buarque, desta vez dividido com o maestro soberano, Tom Jobim. Se “Folhetim” expõe a mulher no mais complexo da sua sexualidade e caprichos do seu perfil sensual, “Pois É” traz o amor intimista, no momento da ruptura, da explosão aguda da dor. A canção deixa uma sensação de quero mais, que se acabou antes da hora (ela só dura 1:46m), de que os dois compositores encontraram uma grande e definitiva intérprete.
Água Viva” assume uma profundidade musical, sem perder em momento algum a alegria. Alegre e provocante também é “Qual é, Baiana?” (Caetano Veloso – Moacyr Albuquerque), momento juvenil que percorre os lugares pitorescos e da moda dos verões da Salvador dos anos setenta. Se no início daquela década Gal Costa desfilava pelas dunas cariocas que levaram o seu nome, aqui ela volta às raízes, derramando a sua sedução pelas praias baianas. A canção faria parte da trilha sonora da novela “Como Salvar Meu Casamento” (1979), da Rede Tupi.
Cadê” (Milton Nascimento – Ruy Guerra), parece ser a desconstrução contemporânea e romântica dos épicos contos de fadas, mas traz nas entrelinhas verdades que se queria apagar. A canção fazia parte do disco “Milagre dos Peixes” (1973), de Milton Nascimento, a letra tinha sido proibida pela censura militar, entrando no álbum apenas a parte instrumental. Quando os versos da canção questionavam: “E o país maravilhoso de Alice? / Cadê, quem levou?”, procurava-se por um Brasil livre, perdido na opressão da ditadura. A liberação da canção era conseqüência da abertura política incipiente em 1978. Gal Costa não deixou de registrar esta fase de protesto que a MPB começava a recuperar.
O Gosto do Amor” (Gonzaga Jr.), adentra-se na brasilidade nordestina sugerida na faixa “De Onde Vem o Baião”, remetendo-nos aos alegres e tradicionais bailes do interior. Dueto surpreendente, sensual e divertido de Gal Costa e Gonzaguinha, que nos atira a um convidativo forró. Gonzaguinha começava a ser um autor disputado pelas cantoras. Com o dueto, Gal Costa insere-o em sua discografia, visitando-o outras vezes. Maliciosa e provocativa, “O Gosto do Amor” encerrava o álbum assim como começara, com canções alegres e de uma brasilidade espontânea.
Mas será com uma canção de Caetano Veloso, presença obrigatória na obra de Gal Costa, que se irá encerrar este artigo, “A Mulher” (Caetano Veloso), segunda faixa do lado B, pequena canção que o mestre define muito bem o que significaria este álbum no momento apoteótico que Gal Costa iria viver na sua carreira:

“Lá vai ela
Lá vai a mulher subindo
A ponta do pé tocando ainda o chão
Já na imensidão
É lindo
Ela em plena mulher
Brilhando no poço de tempo que abriu-se
Ao rés de seu ser de mulher
Que se abriu
Sem ter que morrer
Todo homem viu”

Foi a partir de “Água Viva” que Gal Costa começou a escalada para o posto de cantora de grande público, passando a ser respeitada por todos como grande intérprete da MPB, longe da imagem de vanguarda e do tropicalismo. “Água Viva” deu origem ao show “Gal Tropical”, que mudaria de vez o rumo da carreira da cantora, transformando-a definitivamente em diva e estrela da MPB, que no início dos anos oitenta a levaria ao título de maior cantora do Brasil.

Ficha Técnica:

Água Viva
Philips
1978

Direção de produção: Perinho Albuquerque
Assistente de produção: Lenia Grillo
Arranjos: Perinho Albuquerque e Wagner Tiso
Técnicos de gravação: Ary Carvalhaes e Paulinho Chocolate
Mixagem: Luigi Hoffer
Montagem: Barroso
Auxiliares de estúdio: Julinho e Vítor
Criação de layout: Aldo Luiz
Arte final: Arthur Fróes
Fotos: Marisa Álvares Lima
Maquiagem: Guilherme Pereira

Músicos participantes:

Piano: Tomás Improta, Wagner Tiso e Antônio Perna Fróes
Guitarra: Perinho Albuquerque, Perinho Santana e Toninho Horta
Baixo Elétrico: Jamil Joanes, Luizão Maia e Moacyr Albuquerque
Bateria: Enéas Costa e Paulinho Braga
Percussão: Bira da Silva, Luna, Marçal, Doutor, Geraldo, Ney Martins e Charles
Saxofone Alto: Jorginho da Flauta
Acordeom: Sivuca
Harpa: Wanda Eichbauer
Sintetizadores: Marcos Resende

Faixas:

1 Olhos verdes (Vicente Paiva), 2 Folhetim (Chico Buarque), 3 De onde vem o baião (Gilberto Gil), 4 O bem do mar (Dorival Caymmi), 5 Mãe (Caetano Veloso), 6 Vida de artista (Sueli Costa – Abel Silva), 7 Paula e Bebeto (Caetano Veloso – Milton Nascimento), 8 A mulher (Caetano Veloso), 9 Pois é (Tom Jobim – Chico Buarque), 10 Qual é, baiana? (Caetano Veloso – Moacyr Albuquerque), 11 Cadê (Milton Nascimento – Ruy Guerra), 12 O gosto do amor (Gonzaga Jr.) Participação: Luiz Gonzaga Júnior
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Segunda-feira, 21 de Setembro de 2009

RASPUTIN, O MONGE LOUCO

 

 

No inicio do século XX a monarquia russa entrou em vertiginosa decadência. A miséria que assolava o país, contrastada com a opulência de uma nobreza voltada para os seus próprios interesses, levaria à revolta popular que encerraria de vez o regime czarista, depondo Nicolau II, o último governante da dinastia Romanov. Foi nos momentos finais da agonizante monarquia russa que Rasputin, o “monge louco”, ascendeu para um poder efêmero, marcado por um misticismo grotesco e por uma profunda deterioração moral.
Rasputin, um monge camponês, vindo de uma estirpe de miseráveis da Sibéria, ladrão na juventude, tomado como homem santo e com poderes de cura na maturidade, iniciou uma trajetória de perambulação mística pela Rússia czarista, que culminaria na corte dos Romanov, em São Petersburgo, a capital do império.
Numa Rússia imersa na miséria econômica do seu povo e nas trevas culturais provocadas pela mesma, os monges de aldeia tornaram-se uma categoria respeitada e difundida. Rasputin, dono de um magnetismo vital, regido por uma pujança sexual quase selvagem, produziu um efeito primitivo inebriante dentro da corte czarista, já afetada pela degeneração de muitos dos seus nobres. Numa época em que a hemofilia, mal genético do qual padecia o filho do czar, o príncipe Aleksei, era considerada uma doença maldita e sem grandes tratamentos, Rasputin consegue controlar as crises hemorrágicas do herdeiro do trono, curando-o das dores e cicatrizes, de uma eficácia que até hoje não se consegue explicar cientificamente como o fez.
É através desse magnetismo vital, que sugere cura para males intratáveis pela ciência e poder de adivinhar o futuro, traduzido numa insólita potência sexual, que Rasputin conquista a corte do czar; obtendo a confiança, agradecimento e dedicação fiel da czarina Alexandra. Adquire poderes de estado, indicando e nomeando ministros, ao mesmo tempo em que a sua vida depravada, regada a sexo e álcool, escandaliza a Rússia, despertando a ira da nobreza e do clero. A ascensão de Rasputin gera-lhe a decadência e o tombo, culminando com o seu assassínio, repleto de lendas e mistérios que fascinaram a imaginação de todos nós. Rasputin, o monge louco, é a imagem eficaz da decadência da Rússia czarista, que levaria à mais famosa das revoluções do mundo contemporâneo, a bolchevique de 1917.
Rasputin é o símbolo do homem envolto na sua mais completa forma primitiva. A sua manipulação do poder, do sexo, da depravação moral, do misticismo; a violência da sua morte, todos estes fatos criaram um dos mais complexos enigmas do caráter humano já relatado pela história.

O Despertar Místico de Rasputin

Grigori Yefimovich Rasputin, nasceu na aldeia de Pokrovskoie, Tobolsk, Sibéria, no dia 22 de janeiro (10 de janeiro no antigo calendário Juliano, ainda utilizado na Rússia da época), o ano do seu nascimento é incerto, normalmente situado entre 1863 a 1873, sendo 1864 e 1872 as datas mais aceitas pelos historiadores. Documentos revelados mais recentemente apontaram ainda, para 1869 a data de nascimento. Segundo algumas versões, Grigori Yefimovich Novykh seria o nome original de Rasputin, trocado durante as suas peregrinações.
Oriundo de uma família camponesa siberiana, cuja pobreza deixou como herança a impossibilidade de ler e escrever, Rasputin tinha dois irmãos, Dmitri e Maria. A irmã teria morrido afogada durante uma crise epilética, e o irmão, teria sido salvo de um afogamento por Rasputin, mas não resistira a uma pneumonia provocada pelo tempo que permanecera na água gelada da lagoa.
Apesar de não se saber muito sobre a infância de Rasputin, reza a lenda que os seus poderes sobrenaturais manifestou-se ainda nesta fase da sua vida, quando ele identificou misteriosamente o homem que teria roubado um cavalo dos que o pai cuidava.
Os poucos dados da juventude de Rasputin apontam para um período que viveu como ladrão, construindo uma má reputação que jamais lhe deixaria, mesmo quando foi visto como um “homem santo” e de poderes místicos. Aos 18 anos, passou três meses no Mosteiro Verkhoturye, possivelmente para cumprir uma penitência por roubo. Este tempo no mosteiro muda-lhe a condução da vida, dizendo-se atingido por uma visão da “Mãe de Deus”, ele torna-se um homem místico, um religioso peregrino.
Após a saída do mosteiro, Rasputin visitou Macariy, um homem tido como santo, que vivia em um pequeno barraco próximo a Verkhoturye. Macariy vê em Rasputin uma santidade e poderes que deveriam ser desenvolvidos. O místico passa a exercer uma grande influência sobre Rasputin, fazendo com que ele começasse a administrar o seu magnetismo místico, despertando-o na essência.
Ainda na juventude plena, Rasputin teria feito parte da seita Khlysty (flagelantes), proibida e banida pela igreja ortodoxa por pregar que todos os desejos do homem deveriam ser realizados. Através desta seita, Rasputin teria combinado a sua religiosidade com a sexualidade, característica maior da sua personalidade. Os rumores eram de que durante os rituais, o êxtase sexual era provocado e alcançado. Nunca se teve a certeza de que Rasputin foi um Khlysty, sendo a versão contestada por muitos historiadores, mas a suspeita jamais lhe abandonou, assombrando-o quando já era o homem mais influente da corte do czar.
Em 1889 casou-se com Praskovia Fyodorovna Dubrovina, teria 19 anos na época, o que não se comprova quando não se sabe ao certo o ano do seu nascimento. Com a mulher teve três filhos, Varvara, Dmitri e Maria, tendo os dois últimos herdado os nomes dos irmãos mortos, uma homenagem intencional. Um quarto filho teria sido fruto com outra mulher.

Rasputin e o Príncipe Aleksei

Em 1901 Rasputin deixou a mulher e a sua casa em Pokrovskoie iniciando uma longa peregrinação por toda a Sibéria. Tornou-se um strannik (peregrino), indo além das terras geladas onde nascera, atingindo a Grécia, e depois Jerusalém. Finalmente, ele chega à capital do império, São Petersburgo, o maior centro urbano eslavo. É na cidade mais poderosa da Rússia que ele vai, aos poucos, adquirindo fama de curandeiro de poderes proféticos, passando a ser visto como starets (homem santo). Muito desta fama era propagada pelo próprio Rasputin.
Em São Petersburgo, o príncipe Aleksei definhava vitima de uma doença pouco explicada pela medicina da época, a hemofilia. A doença, geneticamente transmitida pela mãe somente aos filhos homens, era uma herança dos descendentes da rainha Vitória, que a transmitira para toda a nobreza masculina européia que dela descendia; Aleksei era bisneto dela. Em 1905, o herdeiro dos Romanov sofreu uma queda do cavalo, tendo uma hemorragia interna que o fez ser desenganado pelos médicos. Diante da fatalidade iminente, desamparada pelos médicos da corte, a czarina Alexandra decidiu recorrer ao sobrenatural, tinha ouvido falar na fama de Rasputin como curandeiro, numa tentativa desesperada de salvar a vida do filho, pediu ao czar que trouxesse o monge à presença do enfermo. Apesar de incrédulo, Nicolau II acedeu aos supostos poderes do curandeiro.
Levado à presença do czarevitz enfermo, Rasputin demonstrou total segurança de que iria curá-lo. Assim aconteceu, através de uma oração, que muitos dos médicos classificaram de hipnose, o monge conseguiu a recuperação física do príncipe herdeiro. À luz da ciência, é impossível curar a hemofilia através da hipnose, coincidência, obra do acaso ou poder de cura, o fato é que Rasputin recuperou várias vezes as crises hemorrágicas de Aleksei, tanto as externas como as internas, livrando-o do padecimento que lhe consumia a vida.
A presença de Rasputin tornou-se imprescindível na corte russa. Nicolau II chamava-o de “nosso amigo” e um “homem santo”, confiando-lhe a vida do herdeiro do trono. A gratidão de Alexandra fez dela uma devota de Rasputin, considerando-o um “mensageiro de Deus”. A influência do monge sobre a czarina estendeu-se não só em sua vida pessoal, como política. Alexandra chegou a acreditar que Deus lhe falara através de Rasputin. Há evidências históricas que o poder sedutor e sexual de Rasputin atingiu a czarina, e que ambos tiveram uma ligação amorosa. Verdade ou não, os rumores espalharam-se pela corte czarista, causando constrangimentos diante da população, que não percebia a presença de Rasputin junto à família real, posto que a doença de Aleksei era mantida no mais absoluto segredo.

O Atentado

Rasputin tornou-se um homem poderoso dentro da corte do czar, interferindo diretamente nas decisões políticas de um regime que se deteriorava. A ascensão de um homem considerado rude, praticamente analfabeto, de gostos duvidosos e vida depravada, incomodou grande parte da nobreza russa, ou pelo menos daqueles que não se renderam ao seu magnetismo pessoal.
Paralelamente ao poder adquirido na corte de Nicolau II, Rasputin continuou a levar uma vida mundana, regada à vodka e sexo. As suas orgias atraíam para si os mais diversos repúdios, da nobreza ao clero ortodoxo, dos políticos à população, Rasputin passou a ser o homem mais odiado da Rússia.
No início do verão de 1914, Rasputin foi visitar a mulher e os filhos em Pokrovskoie, na Sibéria. Nesta época deparou-se com a oposição do monge Iliodor, que escandalizado pela vida promíscua e depravada, incitara todas as mulheres que tinham sido por ele prejudicadas em suas reputações, que se juntassem em grupo. Atraído para a igreja, supostamente por um telegrama, ou simplesmente em visita, Rasputin foi atacado pela ex-prostituta Khionia Guseva, sua antiga amiga íntima, convertida em uma fervorosa discípula de Iliodor. Instigada por um sentimento de repulsa ao comportamento de Rasputin e ao seu modo desrespeitoso de falar da família real, Guseva esfaqueou-o profundamente no abdome. Ao ver as entranhas penduradas para fora do corpo do monge, Guseva convencera-se de que o ferira mortalmente, vociferando alto: “Eu matei o anticristo!
Submetido a uma cirurgia intensa, Rasputin recuperou-se do atentado que sofrera, tornando-se alvo da superstição popular, que o achava invencível, protegido pelos demônios. A partir de então, o czar mandou que fosse escoltado por uma guarda que o protegia todo o tempo, em todos os lugares, na tentativa de evitar novos atentados à vida de tão vital protetor da sua família.

Rasputin Torna-se o Homem Mais Odiado da Rússia

Quando explodiu a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rasputin foi contra que a Rússia entrasse no conflito. Teria previsto que se o czar não tomasse ele próprio a frente do seu exército, milhões de russos morreriam em combate, o que se confirmou quando cerca de meio milhão de soldados foram mortos em 1915, forçando o czar Nicolau II a partir para frente de batalha, o que se revelou um profundo desgaste para a monarquia.
Na ausência do czar, o poder de Rasputin aumentou sobre as decisões da corte. A czarina não fazia nada sem que o consultasse. Esta influencia refletia-se nas cartas que ela enviava ao marido, referindo-se sempre ao monge como “nosso amigo”, e relatando o que ele previa para o destino da Rússia. Rasputin passou a aceitar favores e subornos para indicar este ou aquele membro para o governo; usou da sua influência para afastar do poder aqueles que se lhe eram hostis. Os rumores de um romance com Alexandra, a ausência de Nicolau II, e a influência que o deixava cada dia mais poderoso, fez com que Rasputin fosse visto com desconfiança por uma população cada dia mais empobrecida, a chorar os seus mortos na guerra. O monge passou a ser visto como o culpado de todos os males da Rússia, sendo acusado de amigo dos alemães, acusação que respingou na czarina, posto que ela era de ascendência ariana.
A influência de Rasputin sobre os Romanov tornou-se alvo das críticas de políticos e jornalistas, que tinham como função enfraquecer a já combalida integridade da dinastia. O poder de Rasputin na corte voltou-se contra ele, que inconseqüentemente, gabava-se da capacidade que tinha de influenciar na decisão do casal Romanov. Pressionando pela Duma, Nicolau II afastou Rasputin, mas a czarina continuou a mantê-lo por perto, protegendo o monge decadente.
Mesmo afastado, Rasputin continuou a exercer o seu poder nos bastidores, mantendo-o principalmente, através da sua força sexual e magnetismo sobre as mulheres influentes da corte. Cada vez mais odiado, a decadência do monge e a sua queda eram inevitáveis.
Em 19 de novembro de 1916, Vladimir Purishkevich fez um discurso na Duma, acusando Nicolau II e os seus ministros de simples marionetes nas mãos de Rasputin e de Alexandra, evidenciando as raízes germânicas da czarina, inflamando o orgulho russo, ferido pelas baixas e derrotas sofridas na Primeira Guerra Mundial. O príncipe Felix Yusupov assistiu ao discurso de Purishkevich, aplaudindo-o. A seguir procurou o membro da Duma, com quem confabulou o assassínio do monge. A sorte de Rasputin estava lançada.

O Lendário Assassínio do Monge Louco

Se a vida de Rasputin foi coberta de lendas e mistérios, a sua morte tornou-o ainda maior, transformando-se em um ato lendário, que até os dias atuais causa curiosidade, admiração e arrepios em que a ouve contar. Fatos inusitados, muitos deles inventados pelos próprios assassinos, fizeram do assassínio de Rasputin um mistério que jamais será revelado em sua mais completa verdade.
Na segunda metade do mês de dezembro de 1916, membros poderosos da aristocracia russa concordaram que a influência que Rasputin exercia sobre a czarina era um perigo à soberania do império. A conspiração da morte do monge foi engendrada pelo príncipe Feliz Yusupov, pelo grão-duque Dmitri Pavlovich e por Vladimir Purishkevich. Na noite da morte do monge, juntaram-se aos três Estanislau de Lazovert e o capitão Suhotine.
Na noite de 29 para 30 (16 para 17 do antigo calendário Russo) de dezembro de 1916, Yusupov atraiu Rasputin à sua casa, o Palácio Moika. Trazido de carro por Lazovert, Rasputin mostrava naquela noite fatal um humor alegre. Foi recebido na biblioteca do palácio por Yusupov, enquanto os outros conspiradores ocultavam-se em outro compartimento. Para receber o monge, foram postos sobre a mesa bolos e vinhos raros, três tipos de vinho foram envenenados, assim como os bolos.
Rasputin pôs-se sentando sobre uma cadeira, a falar com eloqüência, enquanto devorava os bolos e bebia os vinhos envenenados. As horas foram passando, e, o cianureto ingerido pelo monge, suficiente para matar cinco homens, parecia não fazer efeito. Sem demonstrar quaisquer alterações, Rasputin intimidava o príncipe com os seus olhos negros e fixos, como se lhe adivinhasse os pensamentos. Yusupov começou a desesperar-se. O príncipe era um homem instável, admirado por sua beleza e conhecido pelos conflitos que tinha com a sua sexualidade. Rumores históricos apontam que as razões para Yusupov ter tramado e executado a morte de Rasputin iam além do seu amor pela Rússia. O monge era conhecido por ser possuidor de um grande falo, o que teria atraído o desejo de Yusupov, mas as preferências sexuais de Rasputin caíam apenas sobre as mulheres, o que lhe teria feito recusar o assédio do príncipe.
Com os nervos afetados pela resistência de Rasputin diante do veneno, Yusupov deixa-o sozinho por alguns instantes, indo falar com Purishkevich e o grão-duque. Volta empunhando uma arma, encontra Rasputin em pé, a ameaçar a ir embora. Yusupov desfere um tiro no peito de Rasputin, que depois de soltar um grito terrível, cai agonizante. Os outros dois conspiradores adentram à biblioteca. Ao ver o corpo caído de Rasputin, Vladimir Purishkevich desfere-lhe bastonadas e chutes.
Os demais conspiradores deixam a sala, para providenciar a retirada do corpo. Sozinho, Yusupov, por algum motivo, debruçou-se sobre o corpo inerte do monge. De repente os dois olhos negros de Rasputin abriram-se, a contemplar o príncipe. Tomando por uma força surpreendente, o monge falou ao príncipe: “você é um rapaz mau”, em seguida tentou estrangulá-lo.
Tomado por uma força surpreendente, Rasputin passou pela porta que o levou aos jardins do palácio, tentando alcançar o imenso portão de ferro que dava para fora do cenário macabro. No jardim, passou pelos outros conspiradores, que não acreditavam em vê-lo ainda vivo, parecendo trazer a imortalidade no corpo.
Mesmo cambaleante, com o sangue a manchar-lhe a roupa, Rasputin parecia, aos olhos dos conspiradores, que iria desaparecer na escuridão. Vladimir Purishkevich começou a disparar tiros no monge, atingindo-o duas vezes. O corpo de Rasputin tombou antes que ele atingisse os portões do palácio.
Os assassinos de Rasputin aproximaram-se do corpo caído, concluindo que ele ainda estava vivo, a lutar para se levantar. Por fim pareceu desmaiar. Inconformados e assustados, os seus algozes enfiaram-no em um saco, arremessando-o nas águas geladas do rio Neva, onde o seu corpo, quebrando o gelo que se formara sobre o leito, afundou.
Na manhã seguinte, muitos em São Petersburgo procuraram pelo monge, mas não foi encontrado. Por ordens da czarina, a polícia iniciou uma busca frenética pelas ruas da cidade, encontrando um objeto do monge próximo ao rio. As buscas intensas nas águas do rio Neva só foram encerradas quando o corpo foi encontrado. Uma autópsia revelou que a causa da morte do monge não tinha sido o veneno, tão pouco os ferimentos causados pelas balas, mas sim o afogamento. Rasputin morreu como os seus dois irmãos, afogado pelas águas.
Temendo a ira da czarina, os conspiradores e assassinos de Rasputin fugiram, com exceção do príncipe Yusupov, detido em prisão domiciliar no seu palácio. Yusupov seria posteriormente libertado devido à aprovação da população ao seu ato, considerado por todos como a libertação da Rússia do maior monstro e tirano da sua história.
A czarina prestou as suas homenagens a Rasputin, enterrando o seu corpo. Após a revolução de 1917, que pôs fim à Rússia czarista, a fúria dos revolucionários chegou ao túmulo do monge maldito. Desenterrado, o corpo de Rasputin foi queimado em local público. Reza a lenda que enquanto ardia na fogueira, o seu corpo deu estalos, como se fosse mover e levantar-se.

A Maldição de Rasputin

Mesmo após a sua morte, Rasputin continuou a suscitar as mais insólitas lendas. A fama de ter um imenso falo esteve sempre inerente ao monge. Maria, a filha que lhe herdara boa parte do dinheiro, e sobreviveu à revolução bolchevique, fugindo para o ocidente, declararia anos mais tarde que o pai tinha sido castrado antes de ter o corpo arremessado às águas do rio Neva. Embora a autópsia não tenha deixado registro da amputação da genitália de Rasputin, espalharam-se rumores de que seu o pênis tinha sido conservado em poder de muitos, como um amuleto que trazia potência sexual aos homens e desejo às mulheres; tendo reaparecido em 1967, em poder de uma senhora idosa de Paris. Esta senhora teria vendido o falo de Rasputin ao urologista e sexólogo russo, Igor Kniazkin, por oito mil dólares. Atualmente, Kniazkin exibe a relíquia, em exposição permanente, no Museu Erótico de São Petersburgo. O suposto pênis de Rasputin, conservado em um grande vidro com álcool, chama a atenção por seu tamanho desproporcional. Ao lado do vidro, pode-se ler a descrição do objeto de contemplação:
Pênis de Rasputin, assassinado em São Petersburgo na madrugada de 16 a 17 de dezembro de 1916. 28,5 cm”.
Outra evidência da figura lendária de Rasputin seria uma carta profética que ele teria escrito ao czar poucos dias antes de morrer, onde previa não somente o seu assassínio, como o de toda a família real. Esta carta foi apresentava por seu secretário, Simonovich, contendo terríveis profecias:
“Escrevo esta carta em São Petersburgo. Sinto que irei deixar a vida antes de 1 de janeiro. Gostaria de dar a conhecer ao povo russo, ao Papa, à Mãe Rússia o que eles devem entender. Se eu for morto por assuntos comuns e, especialmente pelos meus irmãos camponeses, você, Czar da Rússia, nada tem a temer por seus filhos, eles reinarão o país por centenas de anos. Mas se eu for morto por políticos, nobres, e se o meu sangue for derramado, por vinte e cinco anos permanecerão as mãos sujas do meu sangue. Eles vão deixar a Rússia. Irmãos matarão irmãos, e eles vão matar uns aos outros, ascenderá o ódio uns aos outros, e por vinte e cinco anos não haverá nobres no país. Czar da terra da Rússia, se você ouvir o som da campainha que lhe irá dizer que Grigori foi morto, você deve saber o seguinte: se foi das suas relações os que forjaram a minha morte, ninguém na sua família, isto é, nenhum dos seus filhos ou os das suas relações permanecerá vivo por mais de dois anos. Eles vão ser mortos pelo povo russo...”
Como sugere a carta, Rasputin foi morto em dezembro de 1916. Pouco tempo depois da sua morte, a terrível profecia foi realizada, em fevereiro uma grande revolução assolou a Rússia, levando o czar a abdicar em março de 1917. Juntamente com toda a família, Nicolau II foi levado aprisionado para Ecaterimburgo, nos Montes Urais. Na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, o czar, a czarina, suas quatro filhas e o príncipe herdeiro, foram executados pelo exército revolucionário russo. A maldição de Rasputin concretizara-se quinze meses depois da sua morte.
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Domingo, 20 de Setembro de 2009

A REVOLUÇÃO ISLÂMICA DO IRÃO

 

 

Em outubro de 1978 o Irã foi assolado por uma grande onda de protestos, culminando em greves e invasão de fábricas. Governado pela monarquia do Xá Reza Pahlavi, o Irã era o segundo produtor de petróleo da região, e ao lado da Arábia Saudita, o maior aliado dos Estados Unidos no mundo árabe. O xá era tido como um governante opressivo, que encarcerava todos os opositores às suas idéias, sendo o seu governo constantemente denunciado pela Federação Internacional dos Direitos Humanos pela tortura praticada aos presos políticos.
Mesmo diante da fama internacional de monarca ditatorial, Reza Pahlavi eliminou o feudalismo do Irã no início dos anos 1960, ação chamada pela população de “Revolução Branca”. Sua fortuna pessoal contrastava com um país de população pobre e fervorosamente arraigada às tradições religiosas islâmicas. A tentativa do xá de ocidentalizar o Irã, foi um dos principais motivos da elevação do povo iraniano.
Uma grande aliança entre líderes religiosos, organizações de esquerda e grupos liberais estava determinada a derrubar o xá. Deslocando-se da cidade “santa” de Quom, o movimento revolucionário alcançou os distritos petrolíferos de Abadan e chegaram à capital, Teerã, suscitando violentos confrontos com a polícia do xá e muitos mortos pelo caminho. A adesão de setores da defesa, a deserção de tantos outros à revolta, fizeram com que Reza Pahlavi deixasse o país no dia 16 de janeiro de 1979. No dia 1 de fevereiro chegava em solo iraniano o aiatolá Khomeini, principal líder de oposição ao regime do xá. A 11 de fevereiro estava consolidada a revolução. Com a chegada dos aiatolás ao poder, encerrava-se 2500 anos de monarquia na Pérsia, criando-se uma república teocrática islâmica, baseada nos conceitos da religião muçulmana.
A Revolução Islâmica, como foi aclamada, aparentemente uma insurreição local, transformou não só a história do Irã, como de todo o planeta. Desde então, o mundo árabe mudou totalmente as relações com o ocidente, fortalecendo os princípios islâmicos tão ameaçados pela ocidentalização dos seus costumes. O rompimento do Irã com os Estados Unidos deixou cicatrizes profundas entre esta nação e a sua diplomacia com os países islâmicos. A revolução serviu como inspiração de como o Estado Islâmico deveria ser implantado, permitindo a proliferação de diversos movimentos radicais, chamados pelo ocidente de fundamentalismo islâmico. Para defender a revolução de um possível golpe do ocidente, o Irã elegeu os Estados Unidos como o grande inimigo, e adotou medidas extremas para sobreviver ao gigante. Neste estreitamento de relações, o mundo árabe muitas vezes incompreendido pelo ocidente, gerou mártires fervorosos, defensores dos seus princípios, muitas vezes travestidos de terroristas, com ataques trágicos ao ocidente. Depois da Revolução Islâmica do Irã, realizada em 1979, os árabes e as grandes potências ocidentais jamais conviveram pacificamente, na radicalização de ambas as partes, o mundo ficou menos seguro e o sangue de inocentes, tanto árabes como ocidentais, continua a ser derramado em nome das contradições e intolerâncias de cada mundo estabelecido, política e teologicamente.

A Dinastia dos Pahlavi

Em 1901 foi descoberto o petróleo no Irã, conhecido internacionalmente como Pérsia. Desde então, a dinastia Qajar, que reinava sobre o país, aceitava a divisão do mesmo em áreas de influência estrangeira, sem uma centralização do poder, desde que pudesse ser soberana.
No fim de 1920, a Rússia, recém transformada no regime socialista bolchevique, ensaiou uma marcha até Teerã, com o objetivo de anexar o país às futuras repúblicas soviéticas. Esta ameaça latente de invasão e outros transtornos, criaram uma crise aguda sobre o país, favorecendo a simulação de um golpe de estado engendrado por Tabatabaee e o militar Reza Khan, em 1921. Tabatabaee tornou-se primeiro ministro e Reza Khan emergiu como ministro da guerra.
A ascensão de Reza Khan ao poder deu-se rapidamente, em 26 de outubro de 1923 ele derrubou a dinastia Qajar, obrigando o jovem monarca Ahmad Shah Qajar a exilar-se na Europa, tornando-se primeiro ministro. Reza Khan impôs a sua supremacia em 1925, submetendo todas as tribos do país. Após forçar o parlamento a depor o jovem Qajar, foi declarado xá (shah) por uma Assembléia Constituinte convocada em 12 de dezembro de 1925. Em 15 de dezembro daquele ano, Reza Khan fez o juramento imperial, mudando o nome para Reza Pahlavi, sobrenome que até então não existia na Pérsia, tornando-se o primeiro xá da dinastia. Em 25 de abril de 1926, recebeu a coração imperial sobre a cabeça.
Reza Khan manter-se-ia no poder até 1941, quando a Grã-Bretanha e a União Soviética invadiram o Irã, obrigando-o a abdicar em favor do seu filho, Mohammed Reza Pahlavi. Esta invasão deveu-se às relações do Irã com a Alemanha nazista. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha era o principal país com o qual o Irã tinha relações comerciais. O medo dos aliados de que o petróleo iraniano servisse para abastecer os nazistas, fizeram com que os invasores garantissem o precioso ouro negro para eles; pesou a simpatia do xá pela causa nazista, apesar de ter declarado o Irã neutro, e, principalmente, a sua recusa de deixar que as forças aliadas usassem o território iraniano como corredor para transportar armas para a União Soviética, fortalecendo-a contra os alemães. Diante da irredutibilidade do xá, os aliados optaram em pôr o seu filho no poder, achando-o mais sensato e mais confiável diante das questões políticas com o ocidente. Reza Khan, ao abdicar, seguiu para o exílio, onde morreu em 1944. Apesar de analfabeto, derrubou uma dinastia, implantando a sua própria, foi responsável por mudanças substanciais no Irã, país que governou com mão pesada e de forma ditatorial.

A Primeira Fase do Governo de Reza Pahlavi

Mohammed Reza Pahlavi tornou-se xá do Irã em 16 de setembro de 1941. Seria o último xá da sua dinastia e da história da Pérsia. O seu reinado teve duas fases: de 1941 a 1953, quando fugiu para Roma, exilando-se por uns dias, até retornar ao poder com a ajuda dos americanos; e, de 1953 a 1979, quando foi deposto pela revolução iraniana.
Reza Pahlavi ascendeu como xá do Irã depois da abdicação do seu pai, Reza Khan, com 22 anos ainda incompletos. A primeira fase do seu governo resumiu-se em aumentar a sua fortuna pessoal, uma das maiores do mundo, graças aos royalties do petróleo. O porte atlético e carisma sedutor fizeram dele um homem com fama de playboy internacional, que aparecia constantemente nos lugares mais badalados de Paris ou nos cassinos de Monte Carlo, enquanto o Irã definhava na pobreza e no analfabetismo.
Em 1951 Mohammed Mossadegh, um político nacionalista influente, que no passado fora veementemente contra o governo de Reza Khan, sendo preso por alguns anos, foi eleito como primeiro ministro. Por causa da imensa popularidade de Mossadegh, Reza Pahlavi teve que aceitar a sua eleição. Em 1 de maio de 1951 o nacionalismo do primeiro ministro vingou, conseguindo aprovar no parlamento a nacionalização do petróleo e da Anglo-Iranian Oil Company, o que deixou a Grã-Bretanha irritada. Como retaliação, os britânicos tentaram embargar o petróleo iraniano nos mercados internacionais, na tentativa de levar a economia do país, movida pelo óleo negro, ao colapso. Os Estados Unidos, temendo a aproximação do Irã com a União Soviética, pôs-se contra o embargo britânico.
Após a nacionalização do petróleo, Mossadegh viu-se cada vez mais fortalecido, ambicionando ter mais poderes como primeiro ministro, instaurando uma crise entre ele e o xá. No cenário político internacional, voltava o fantasma da União Soviética desejar controlar o Irã, transformando-o em uma república soviética. Este argumento convenceu os Estados Unidos a apoiar a Grã-Bretanha no plano de afastar Mossadegh do poder.
Em 15 de agosto de 1953, instigado pelos americanos, o xá demitiu o primeiro ministro, provocando uma grande crise popular no seu governo, assolado por tumultos em favor de Mossadegh. Diante da revolta popular, Reza Pahlavi foi obrigado a deixar o Irã, refugiando-se em Roma. Mossadegh permaneceu no poder até o dia 19 de agosto. Reza Pahlavi, com a ajuda da CIA, que desencadeou um movimento estratégico chamado de Operação Ájax, retornou triunfante ao país, depondo Mossadegh do cargo de primeiro ministro.

O Último Xá do Irã

Ao voltar dos poucos dias de exílio, Reza Pahlavi mudou totalmente a sua postura como líder do Irã. Assumiu uma autoridade plena que até então não tinha, tornando-se um monarca dinâmico, que chegava a trabalhar 18 horas por dia. Estava decidido a transformar o Irã em uma grande civilização e potência industrial, como costumava declarar. A partir de então, revelou-se um autêntico seguidor do seu pai, Reza Khan, decidindo executar um programa de grandes reformas internas.
Durante o governo do xá, o Irã tornou-se um grande aliado dos Estados Unidos, mantendo excelentes relações com os americanos. Reza Pahlavi não hesitou em romper com a organização tradicional do Islã em assuntos como a jogatina, o consumo de álcool e as relações sexuais antes do casamento, recusando-se a banir tais práticas do Irã. Foi qualificado de demagogo pela direita nacionalista, tornando-se incompreendido pelos conservadores.
Em 1960 promoveu a “Revolução Branca”, que aboliu o feudalismo do Irã, referendada pela população, instalando um clima de euforia que se espalhou pelas vilas camponesas que começavam a executar as reformas. Mas o xá freou as ações populares, impondo pessoalmente o plano de ação das reformas, aplicado por agentes governamentais, salvaguardando os interesses de outras classes sociais. Foram criados grupos de trabalhos chamados de “exército do saber, da higiene e do desenvolvimento”, que envolviam médicos, professores e técnicos que levavam às vilas os serviços que não possuíam, evitando assim, a participação popular nas questões políticas e sociais.
Em 1963, o regime de monarquia parlamentar foi instituído no país, mas o xá continuou governando absoluto, com o seu retrato espalhado pelos quatro cantos do país. A sua imagem de pé, junto à família real, atravessaria os anos setenta colada nas paredes, nos hotéis, nos restaurantes e nas vitrines públicas.
Reza Pahlavi também era conhecido pelos tantos amores que viveu com belas mulheres. Casou-se pela primeira vez em 1939, com Fawzia, irmã do rei Faruk do Egito. A mulher deu-lhe uma filha, como não lhe deu um herdeiro, divorciou-se dela em 1948. Voltou a casar com Soraya Esfandiari, numa cerimônia que atraiu todos os holofotes da imprensa mundial, tida como digna das mil e uma noites. Soraya, a princesa dos olhos tristes, construiu uma imagem que conquistou não só o Irã, mas o mundo. O drama de Soraya, que era estéril, foi acompanhando pelos jornais e revistas do mundo inteiro, terminando com o divórcio, em 1958, já que a bela monarca não aceitou uma segunda esposa para o marido, costume perfeitamente admissível nas leis islâmicas. Casou-se pela terceira vez com Farah Diba, que lhe deu, em 1960, o herdeiro esperado, Ciro Reza. Do terceiro casamento, Reza Pahlavi teve três filhos, dois meninos e uma menina. Em 1967, com a dinastia assegurada duas vezes, Reza Pahlavi foi coroado xainxá e, pela primeira vez na história da Pérsia, uma mulher tornou-se imperatriz, com direito a sucessão. Farah Diba acompanharia o marido até a sua morte no exílio, em 1980.

O Poder do Irã do Xá

Com o decorrer dos anos, o governo de Reza Pahlavi passou a ser conhecido como opressivo e corrupto. Qualquer pessoa que se lhe opunha era mandado para o cárcere, originando denúncias de atentados aos direitos humanos e à liberdade, que adquiriam eco dentro do país e na comunidade internacional. Para fiscalizar o território, o xá instalou a polícia secreta Savak, que a tudo controlava, proibindo os estudantes, os intelectuais e os oficiais do governo de participarem de qualquer discussão pública.
Todo governo opressivo gera oposição e revolta. O do xá não foi exceção. Uma crescente oposição, sempre esmagada pela polícia secreta, tornou-se cada vez mais organizada. A oposição religiosa era a principal, oriunda desde a época de Reza Khan, quando líderes religiosos foram presos e até mesmo mortos. A comunidade de estudiosos das leis islâmicas, a Ulema, condenava a opressão do regime, assim como as prisões e a violência física contra os seus opositores; assumiam compromissos de luta contra a pobreza e às diferenças sociais e, principalmente, tentavam preservar a “contaminação” da população pelo modo de vida ocidental, resguardando os princípios islâmicos seculares. Quanto mais o governo reprimia as manifestações contra os costumes ocidentais, mais a oposição religiosa aumentava, espalhando-se por diversos setores da sociedade iraniana.
Um dos maiores opositores do regime do xá era o aiatolá Khomeini, que propagava para os seus seguidores ser Reza Pahlavi um grande tirano demagogo. Khomeini foi preso e enviado para o exílio no Iraque, em 1964, desencadeando uma onda de protestos dos líderes religiosos. O xá enfrentou com violência os protestos dos clérigos, prendendo e matando manifestantes.
A partir da “Revolução Branca”, a economia do Irã cresceu consideravelmente. Os aumentos constantes do petróleo e a exportação de aço foram os principais responsáveis por esse crescimento. Reza Pahlavi gastava grande parte do dinheiro do petróleo adquirindo armas do ocidente. Localizado em uma região estratégica do Oriente Médio, o Irã sempre despertara a cobiça das grandes nações. Numa época de Guerra Fria, o xá achava fundamental investir em armamento para proteger a soberania do país. Em 1974 aplicou 26% da renda nacional em defesa, transformando o exército iraniano no segundo maior da região, perdendo apenas para o de Israel, além de possuir uma marinha moderna e flexível.
Na primeira metade dos anos setenta, Reza Pahlavi emprestou 3 bilhões de dólares para a Itália, 1,2 bilhão para as indústrias britânicas, 7 bilhões de dólares aos povos subdesenvolvidos da África e da Ásia, além de aplicar 4 bilhões de dólares em empresas americanas de comunicações, depositou 1 bilhão no Banco Mundial; comprou 25% das ações da Krupp, empresa alemã de aço. Em março de 1975 o xá contratou aos Estados Unidos a construção de seis usinas nucleares, pelas quais pagaria 15 bilhões de dólares. Paradoxalmente, os Estados Unidos armou o seu futuro grande inimigo, sendo hoje o principal opositor de o Irã ter armas e usinas nucleares.
Em 1975 a renda nacional do Irã chegou a 30 bilhões de dólares. Apesar do grande crescimento econômico, a distribuição de renda não atingiu à população pobre, a classe média urbana não alcançou grandes saltos e melhoras. Contrastando, a elite aumentava cada vez mais a sua riqueza, os estrangeiros que trabalhavam para as companhias ocidentais eram os maiores privilegiados da riqueza iraniana. Os excessos do xá eram vistos como uma afronta à população carente. Um exemplo foi em 1971, quando os 2500 anos de monarquia no Irã foram comemorados com um fausto jamais visto no país. Em Persépolis, primeira cidade real do império aquemênida, onde subsistem vestígios do palácio de Dario I, 250 limusines vermelhas Mercedes-Benz estavam à disposição dos convidados; Lavin desenhou os uniformes dos empregados; o Maxim’s de Paris forneceu os chefs e os cardápios, com exceção do caviar iraquiano, toda a comida das comemorações viera da França. Havia helicópteros para que se pudesse deslocar de um para o outro dos cinco palácios que havia no Irã. A despesa da festa ficou avaliada em 200 a 300 milhões de dólares. O xá convidou todos os poderosos do planeta. Esqueceu-se de convidar o povo iraniano.

Agitações e Revoltas Antecedentes à Revolução

Se a economia iraniana crescia, o país era visto com desconfiança pelo mundo árabe, principalmente na crise gerada pelo embargo de petróleo pelos árabes em 1973, que afetou a economia mundial. Em protesto ao apoio do ocidente à guerra de Israel contra os países da região, os árabes decidiram diminuir a produção de petróleo no mundo, fazendo com que os preços subissem ao topo. O Irã do xá foi contra o embargo, continuando a negociar o seu petróleo com os ocidentais, alegando na época: “... o Irã tem 32 milhões de habitantes... os que se negam a vender petróleo ao ocidente, mas possuem uma população de apenas 700 mil habitantes e tanto dinheiro que poderiam viver três ou quatro anos sem vender uma gota...
Em 1975 o xá aumentou o controle sobre o povo iraniano, tentando diminuir a oposição de líderes religiosos, ressaltando a propaganda a favor da civilização persa antes do islamismo. No ano seguinte alterou o calendário lunar islâmico, trocando-o pelo calendário solar. Ao acabar com o feudalismo iraniano, terras dos líderes religiosos foram divididas, diminuindo o poder das suas rendas. O direito de voto dado às mulheres afrontou os mais conservadores.
Numa época em que imperava a guerra fria, juntou-se à insatisfação dos líderes religiosos os opositores da esquerda iraniana, entre eles o Tudeh, Partido Comunista Iraniano, patrocinado pela União Soviética; os grupos organizados Fedayin do Povo (maoístas) e os Mujahedin do Povo (marxistas islâmicos), muitos dos quais treinados em campos de guerrilha cubanos e palestinos. A estes grupos juntou-se a população pobre do país, principalmente os que viviam nos campos e nos bairros pobres de Teerã.
A população que se educava, o silêncio imposto aos estudantes e aos intelectuais, fizeram com que o regime do xá fosse visto como autoritário e corrupto. A crescente pressão da imprensa internacional às atrocidades do regime, o apoio de intelectuais internacionais à oposição de Khomeini no exílio, tudo isto criou um processo de propaganda negativa ao governo de Teerã. Estava formada a situação de insurreição que antecederia à revolução.

A Queda do Xá

No decorrer da segunda metade dos anos setenta, a população pobre e descontente voltou-se cada vez mais para os valores básicos do islamismo, opondo-se às modernidades ocidentais que não lhes acrescentava melhora de vida, além de distanciá-los dos códigos morais da sua fé. Por outro lado, a repressão da Savak era cada vez mais intensa, tornando as reformas do xá desacreditadas e vazias. A política da reforma agrária atingira os líderes religiosos, enfurecendo-os de forma indelével.
A repressão do regime à medida que se tornava intensa, atraiu para si a curiosidade dos ocidentais, que passaram a denunciar na imprensa internacional o governo autocrata do xá. Vários movimentos dos direitos humanos opuseram-se à opressão do regime de Teerã, fazendo denúncias constantes, foram tantas que obrigaram o governo de Jimmy Carter a ameaçar com embargo, as armas que vendia ao xá. A pressão internacional resultou em um abrandamento na repressão aos opositores do xá, em 1977. 300 presos políticos foram libertados, a censura às idéias oposicionistas foi relaxada, havendo reformas no sistema judicial.
Mas o abrandamento da opressão do regime do xá chegara tarde. Muitas cicatrizes haviam sido criadas. Uma vez abrandada a repressão, os protestos tantos anos calados, aumentaram em voz e expressão. Pensadores, intelectuais, escritores e jornalistas uniram-se em protestos para obter a liberdade de expressão e de pensar.
O fantasma de Khomeini assombrava o regime do xá. Os ataques da imprensa oficial do país ao líder, a pressão do xá para que o governo do Iraque expulsasse Khomeini do seu território, obrigando- a exilar-se em Paris, enfureceram a oposição, deflagrando, em 1978, uma onda crescente de protestos a favor do aiatolá. A partir de então, um vasto movimento dirigido pela hierarquia xiita e por populares, começou em Quom, considerada cidade santa, lugar onde Khomeini era teólogo na época do seu exílio em 1964. De Quom, a revolta ecoou para os campos petrolíferos de Abadan, culminando em uma greve geral em outubro daquele ano.
O movimento de protestos seguiu dos distritos petrolíferos, atingindo Teerã, a capital do império. A pressão contra o xá fortalecia à medida que usava métodos de greve, ocupação de fábricas, mobilizando organizações religiosas e de esquerda, unindo em uma só voz os operários dos pólos petrolíferos e do cinturão industrial de Teerã.
No dia 12 de dezembro de 1978, cerca de dois milhões de pessoas marcharam sobre Teerã, em protesto contra o xá. Diante de tanta gente, setores do exército iraniano negaram-se a atirar contra os manifestantes, outros desertaram, fazendo com que as forças armadas entrassem em colapso, desintegrando-se.
Acossado, Reza Pahlavi passou a fazer concessões, concordando em implementar uma constituição mais moderada, garantindo maior liberdade de expressão. As promessas de mudanças no cenário político da monarquia iraniana vieram demasiadamente tarde. De Paris, sob o apoio de intelectuais europeus e sob os holofotes da imprensa internacional, Khomeini orientava a insurreição do seu povo. A maioria da população iraniana já lhe era fiel. Quando o aiatolá pediu o fim completo da monarquia, não restou alternativa ao xá, senão deixar de vez o Irã, o que aconteceu em 16 de janeiro de 1979.
Antes de deixar o Irã, Reza Pahlavi nomeou Shapour Bakhtiar, da Frente Nacional, antiga oposição burguesa ao Xá, como primeiro ministro. Mas os movimentos operários não permitiram as manobras do regime, suspeitando que uma nova constituição não passasse de uma farsa para conseguir uma passagem pacífica do velho regime para um novo que incluísse algumas frações da burguesia até então preteridas, garantindo uma monarquia constitucional revestida de nova. Khomeini considerava-o traidor e colaboracionista do regime. Bakhtiar esteve no poder por 36 dias, extinguindo a Savak e os jogos de cassino. Temendo o ódio popular e retaliações de Khomeini, partiu para o exílio, em Paris.
No dia 1 de fevereiro de 1979, Ruhollah Khomeini retornou do exílio na França, sendo recebido com honras e euforia pela população iraniana. Convidado pelos revolucionários que puseram o xá em fuga, Khomeini consolidou a revolução no dia 11 de fevereiro de 1979.

A Revolução Islâmica

Já como líder supremo do Irã, Khomeini afastou os elementos mais moderados, transformando o Irã em uma república islâmica, voltada para os princípios básicos dos ensinamentos seculares do islã. À revolução, passou a chamá-la de “Revolução Islâmica”.
Para que se criasse uma república islâmica, a revolução, uma das poucas manifestações incontestáveis da vontade popular contra um regime político, sofreu algumas mudanças em sua trajetória. O novo governo estabelecido proporcionou o regresso do Irã aos valores tradicionais do Islã. Costumes ocidentais difundidos na cultura iraniana durante o regime do xá foram proibidos, entre eles a proibição às mulheres do uso de maquiagem e de mini-saias; música pop e rock; cinema; jogos e jogatinas. Velhos códigos morais foram ressuscitados, como o açoite e castigos corporais aos que praticassem adultério, aos que praticassem sexo fora do casamento e aos que consumissem álcool.
Para garantir a Revolução Islâmica, muitos dos que a apoiaram foram executados, entre eles os marxistas, os grupos maoístas e de esquerda, por defenderem o estado laico, uma ameaça aos princípios teocráticos do islã. Também foram executados os considerados doentes ou escórias da sociedade, como os homossexuais e as prostitutas. Condenados à morte seriam os defensores do xá e do antigo regime, além dos seus ministros; a execução estendeu-se a membros de outras religiões, como os judeus. Os comitês islâmicos dirigidos por Khomeini iniciaram a repressão aos nacionalistas curdos e turcomanos.
Assim, ao realizar-se um plebiscito (fraudulento segundo alguns historiadores), foi legitimada a implantação de uma república islâmica, fator inédito na história dos povos árabes contemporâneos.

A Revolução Islâmica e o Ocidente

Ao fim da revolução, o regime fechado que se implementou no Irã foi propagado para o ocidente como retrógrado e opressivo, a volta aos costumes islâmicos era pouco ou nada compreendido pelos valores ocidentais.
Mesmo ao perder o seu maior aliado no Oriente Médio, refletido na figura do xá, o Estados Unidos manteve representação diplomática na nova República Islâmica. Mas devido ao passado, em que os americanos proporcionaram a volta do xá em 1953, depondo Mossadegh, as relações com Washington sempre foram vistas com desconfiança.
Exilado e perseguido pelo governo dos aiatolás, Reza Pahlavi e a sua família perambularam por vários países, sendo que a maioria, temendo à retaliação de Teerã, negavam-lhe asilo político. Minado por um câncer, doença que o consumia desde 1974, mas mantida em segredo, o xá entrou em fase terminal. Exilado no México, onde não havia tratamento para a doença, Pahlavi pediu permissão aos americanos para que se pudesse tratar nos Estados Unidos. Após uma grande hesitação, Jimmy Carter concordou em receber o xá, gerando uma crise com Teerã. A desconfiança de que a CIA estaria promovendo a volta do xá e o fim da revolução, fez com que estudantes iranianos invadissem a embaixada americana em Teerã, em 4 de novembro de 1979, tomando como reféns os 52 funcionários que lá se encontravam. Esta crise minou de vez a relação entre os Estados Unidos e o Irã. Esgotadas as negociações diplomáticas, o governo americano decidiu por uma tentativa de invasão aérea à embaixada, mas as operações foram um fracasso, humilhando a mais poderosa nação do planeta.
No decorrer das negociações, apenas 14 reféns foram libertados, os demais permaneceram presos por 444 dias, só sendo libertos quando Ronald Reagan venceu Jimmy Carter nas eleições de 1980, e tomou posse em 1981. A esta altura, Reza Pahlavi já havia morrido, exilado no Egito, em julho de 1980.
Desde a invasão da embaixada em Teerã, os Estados Unidos declarou a República Islâmica do Irã como inimiga da paz e dos americanos. A partir da Revolução Islâmica, o mundo árabe emergiu nos noticiários ocidentais não só pelo poder do petróleo, como pela volta aos princípios islâmicos, numa contraposição à influência corrosiva dos costumes ocidentais.
O modelo de implantação de uma república islâmica feita pelo Irã, serviu de inspiração para o surgimento de vários movimentos de grupos islâmicos radicais. A luta desses grupos gerou hostilidades entre o ocidente e o mundo árabe, que tomou como expoente o conflito entre Israel e os palestinos. Das hostilidades sofridas, as mais terríveis vieram em forma de terrorismo, sendo os Estados Unidos o principal alvo, não só pelo seu apoio ao Estado de Israel, mas por sua política maniqueísta, que teima em ver nos preceitos islâmicos e na sua concretização como força política, uma ameaça à paz e à sua democracia arraigada, transformando em inimigos todos que se lhe opõem, classificando-os como nação do bem ou do mal.
A partir da Revolução Islâmica, o fim da Guerra Fria e da União Soviética, os radicais islâmicos, chamados de fundamentalistas, tornaram-se o novo inimigo dos americanos. Movimentos como a Al-Qaeda de Osama bin Laden, o GIA argelino, o Wahhabismo da Arábia Saudita, o Hamas da Palestina, ou Gama’at Islamiya do Egito, foram responsáveis por ataques terroristas ao ocidente, ou por guerras civis no norte da África. Todos eles são vistos como um perigo às nações ocidentais, e como heróis da causa islâmica por grande parte dos árabes.
Por sua vez, para assegurar a revolução islâmica de um golpe das nações ocidentais, os iranianos fecharam o regime, empunharam armas, radicalizando contra todos os fantasmas possíveis. Hoje, três décadas depois da Revolução, após longas guerras com o Iraque, o Irã é um país solitário no contexto político internacional, sobrevivente das potências e dos conceitos que estabeleceram como forma de governo. Quanto ao destino do regime estabelecido pela revolução de 1979, somente o povo iraniano poderá responder até onde irá e até quando o legitimará. Quanto ao ocidente, há de se aprender a conviver com as diferenças culturais, que se sobrepõem ao poder econômico, seja ele emanado do petróleo ou da força das armas.
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Sábado, 19 de Setembro de 2009

JOGOS DE AZAR - JOSÉ CARDOSO PIRES

 

 

Juntamente com José Saramago, José Cardoso Pires é um ícone na literatura contemporânea portuguesa. Tendo uma vasta obra literária que abrange o romance (“O Delfim” - 1968 - , “Balada da Praia dos Cães” - 1982) , o teatro (“Corpo-Delito na Sala de Espelhos” - 1980), contos (“Os Caminheiros e Outros Contos” - 1949 -, “Histórias de Amor” - 1952 - , “O Burro em Pé” - 1979 - , “A República dos Corvos” - 1988) e ensaios. Em 1997 foi galoardo com o prêmio Pessoa e, em 1998, com um prêmio de reconhecimento por toda a sua obra literária.
Em 1963 foram fundidos os dois livros “Os Caminheiros e Outros Contos” e “Histórias de Amor”, com prefácio do autor, dando origem ao livro de contos intitulado “Jogos de Azar”. É justamente “Jogos de Azar” (6ª edição - Publicações Dom Quixote - 1993), que utilizaremos como análise dos contos de José Cardoso Pires. Considerando as datas dos contos, publicados pela primeira vez em 1949, vamos encontrar uma linguagem que rebuscava os contornos do então dominante neo-realismo (há reflexos evidentes deste estilo no conto “Os Caminheiros”), e a fase final deste. Portanto é uma linguagem de transição de estilos. Na escrita elaborada de José Cardoso Pires o universo proposto é quase marginal, de personagens saltimbancos a fazer do neo-realismo a ilusão dos sonhos. As personagens são descritas em determinado momento das suas vidas, ou seja, o tempo nos contos de José Cardoso Pires surge através de ações sucedidas em breve espaço de tempo do cotidiano da personagem. Pode ser numa tarde quente de verão, como numa noite de amor em um quarto de pensão, num simples momento de discussão banal e eufórica entre duas personagens, ou mesmo dentro de um comboio, ainda que por algumas horas. A personagem está presa no devir temporal do momento da ação, o passado quase nunca é importante, o futuro também não nos será revelado, o momento em que a vida da personagem é transformada é que nos será contado. Aqui o conto assume a sua forma mais tradicional. A personagem é-nos descrita num lapso de tempo em que a sua vida muda bruscamente.

Explorados e Exploradores

No conto “Os Caminheiros”, o mais neo-realista de todos, surge-nos a figura saltimbanco de um cego (Cigarra), que para ganhar a vida, canta com uma caixa de esmolas de terra em terra, é conduzido por um “empresário” (António Grácio), que farto de estar com o cego, consegue “vendê-lo” para um compadre. É a exploração da miséria humana que aqui nos é contada com a crueza do neo-realismo. A história é toda relatada numa caminhada das personagens pelas estradas numa tarde quente, onde é feita a transação. A vida das três personagens irá sofrer uma alteração brusca, o futuro nós podemos imaginar qual será. Cigarra é deixado no meio da estrada pelo amigo António Grácio, que o vende para o compadre Miguel, que cuidará de explorar o cego e o seu destino saltimbanco. O narrador heterodiegético aqui apresentado mostra-nos o estilo transitório de José Cardoso Pires, que nos será familiar mesmo depois do seu rompimento com o neo-realismo.

“Dum modo geral, António Grácio conversava com o companheiro sem o olhar. Assim aconteceu agora. Disse o que tinha a dizer e, depois assoprou duas ou três fumaças desesperadas. Não tardou muito, já estava outra vez a falar mas para dentro, em silêncio. Discutia possivelmente com ele mesmo e com o seu destino traidor. «Vida dum capado», repontava a meio dessa conversa que só ele sabia; e continuava em frente, a cabeça enterrada nos ombros, os olhos fitos nas duas sombras atarracadas que deslizavam no alcatrão.”

No conto “Amanhã, Se Deus Quiser”, vamos encontrar um narrador autodiegético, com as características semelhantes aos das personagens do conto anterior, Miguel e António Grácio. A personagem central, o Chico, conta-nos a sua vida com a irmã Odete e a mãe. A irmã é a figura explorada no conto, a única que trabalha na casa a coser fardas para os militares. O pai é um bêbedo inveterado, sempre perdido pelas tascas. Chico é o jovem que está sempre em busca de emprego, à espera do fim da recessão da guerra (a história passa-se na época da Segunda Guerra Mundial) e das promessas de pessoas conhecidas. A sua vida muda no dia em que a irmã descobre que ele a roubou, sendo o Chico expulso de casa pelo pai, apesar das súplicas da mãe. O drama familiar é visto com ironia, e com o mesmo olhar de José Cardoso Pires para os eternos bons malandros. É comum as suas personagens serem desocupadas, mesmo que as causas sejam exteriores a eles. O Chico, apesar de tomar a figura da personagem sem sorte e arcar com as conseqüências de todo o conflito familiar, tem uma vida mais tranqüila do que a irmã Odete, que para sobreviver sacrifica a saúde fortemente abalada, e a própria vida. A mãe agüenta o alcoolismo do marido e a presença de um hóspede na casa. O Chico simplesmente vive na tranqüilidade psicológica que tem diante da vida, à espera sempre de um amanhã melhor.

“Agora há não sei quantos dias que não vejo a minha velhota. Da última vez que ela me procurou conversámos como duas pessoas que se encontram com mil precauções, ou então como um preso que é visitado pela mãe, estando o preso neste caso em liberdade. Trazia-me alguma roupa, dinheiro e cigarros.”

Jogos Psicológicos da Existência Narrativa

Mais complexo, surge-nos o conto “Dom Quixote, as Velhas Viúvas e a Rapariga dos Fósforos”. O que poderia ter sido um romance, surge-nos como um conto psicológico e de estrutura social cáustica. O narrador autodiegético, transporta-nos para o mundo da rapariga narrada, Esmeralda, uma mulher que vive com uma velha repressora e que tem uma vida dupla. O narrador apaixona-se pela personagem narrada, vê nela a mulher inocente que a vida transforma, mas que não domina. Esmeralda apesar de ter relações (ou não teria?) com homens, nunca se deixa beijar por eles. É a forma de ser possuída sem se deixar possuir, ser amada, sem nunca amar. A personagem do narrador, quase um Dom Quixote, que por coincidências do destino ou por motivos que lhe são superior e inexplicáveis, segue toda a degradação física e psicológica de Esmeralda, culminada pela sua morte violenta. A velha senhora, mesquinha com a idade e com a neta, é quase que alheia a todo o drama. O mais psicológico de todo o conto, a morte de Esmeralda pode ser fantasia do narrador como pode ser real, tudo é visto como uma análise dos comportamentos, a rapariga pode ser uma prostituta, como uma mulher que simplesmente passa pela noite impune, pode ter sido violada, pode ter-se matado, a visão não é do que aconteceu, mas a que o narrador imagina e acredita ter visto. Para ele Esmeralda é eternamente a Zita, a sua miúda, aquela por quem sonhou e rebuscou o retrato. Mas a Zita era a estranha Esmeralda, uma vez revelada, ele próprio fugiu da rapariga, dentro dele o sentimento era o inatingível, o nunca alcançado, uma vez revelado o mistério de Esmeralda, dentro dele também os mistérios do fogo da paixão sucumbiram, e da sua miúda apenas a certeza da lembrança de uma pessoa inadaptada:

“Dona Augusta e a matilha de viúvas que a acompanhava permaneciam de mandíbulas escancaradas para o céu. Mesmo em frente, tinham o esquife branco de Esmeralda, toda de mármore virgem e de palmito enfeitada. “

Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros” traz-nos dois pólos narrativos. O primeiro, a parte romântica de um livro que lê uma das personagens, o segundo é o mundo das mesmas personagens, resumido no espaço do quarto e em uma cama de casal. Enquanto a mulher discute o marasmo do dia e a distância do marido, este lê sobre um outro casal que fazem amor em um quarto de hotel. Enquanto as personagens da leitura do livro estão apaixonadas, a personagem que lê o livro sente-se incomodada pelas lamúrias da mulher. Enquanto o marido sonha com os banhos de mar dos jovens amantes do livro, a mulher pensa apenas na sua insônia, nas persianas da sala, nos colegas do trabalho, na falta de atenção do marido, que prefere estar a ler um livro a falar com ela. Há um desencontro de mundos dentro do quotidiano do casal. O conto é justamente esta comparação entre um e outro casal, a ficção dentro da ficção. A história do livro lida pela personagem é-nos descrita quase com um certo romantismo, enquanto que a história do homem que lê o livro é feita por diálogos. A técnica é perfeita, a forma narrativa adquire duas dimensões, dois espaços de tempo e de focalização narratória. O conto em si é brilhante tecnicamente, apesar de ser banal como ficção, sem uma profundidade no caráter das personagens, sem a veia dramática e literária que faz com que sejamos seduzidos pelas personagens. Os diálogos são simples e pobres psicologicamente e a nível literário. Lemos o conto e quando chegamos ao fim, achamos que nos escapou algo, sem pensarmos que fomos nós os culpados desta lacuna:

“«Quim...»
«Outra Vez?»
«Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido.»
«Lê um bocado, experimenta.»
«Não vale nada de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga... É isso, preciso de mudar de droga.»


Os Costumes Morais na Interpretação das Personagens

No volume ainda podemos voltar a encontrar os saltimbancos malandros de José Cardoso Pires. Aparecem novamente no conto “Ritual dos Pequenos Vampiros”, três homens combinam entre si a violação de uma rapariga que um deles seduziu. Aqui somos confrontados com um estupro, mas que na visão das personagens era apenas um momento de prazer. Um mundo sórdido onde o que conta não é a realidade e a ética dos fatos, mas a interpretação deles na óptica das personagens, a brutalidade do ato é atenuada pela interpretação própria do mundo hostil das personagens.
Também inadaptados, mas desocupados, são os presos militares do conto “Carta a Garcia”, a ação é toda centrada dentro de um comboio que leva dois desertores do serviço militar escoltados pelos colegas de farda. No centro das atenções um melão que traz um dos militares, o leitor é posto em paralelo com as razões pelas quais os prisioneiros desertaram, os jogos de sedução e medo feitos por um dos desertores com uma navalha na mão, teoricamente para cortar um melão.
Jogos de Azar” é um livro de transição de estilos literários na carreira de José Cardoso Pires, uma característica constante da sua obra. Aqui encontramos o escritor em início de carreira e na sua fase neo-realista. O escritor dos anos noventa já traz uma maturidade contemporânea e diferente deste livro. Menos efêmero no devir temporal e mais profundo no perfil psicológico das personagens.

José Cardoso Pires

José Augusto Neves Cardoso Pires, considerado um dos maiores escritores portugueses do século XX, nasceu em 2 de outubro de 1925, na aldeia de São João do Peso, distrito de Castelo Branco. Acompanhou a família, que se mudou para Lisboa quando era criança, vivendo na capital portuguesa até a sua morte.
Em Lisboa, o escritor freqüentou o tradicional Liceu Camões; ingressou no curso de Matemática, na Faculdade de Ciências de Lisboa, mas não o concluiu.
De oficial da Marinha Mercante a jornalista e redator de publicidade, José Cardoso Pires recolheu experiência para a sua obra, tendo debutado esporadicamente por cada uma das profissões acima, dedicando-se definitivamente à arte da escrita, tornando-se um dos maiores nomes da literatura portuguesa, sendo indicado pelos portugueses para receber o Prêmio Nobel de Literatura, sendo preterido por José Saramago, em 1998.
A obra de José Cardoso Pires é marcada pelo seu trajeto pessoal, por suas deambulações na boemia noturna pelas ruas de Lisboa; pela sua inquietação diante da vida. É uma obra que não se identifica com nenhum grupo ou gênero literário português. É sobretudo, um grande romancista. Do seu primeiro trabalho, o livro de contos “Os Caminheiros e Outros Contos”, publicado em 1949, ao último, “Lisboa, Livro de Bordo”, publicado em 1997, o autor relacionou a sua obra com diversos seguimentos, sendo o mais longo com o neo-realismo. Cada livro do autor era um recomeço, uma nova proposta literária.
José Cardoso Pires morreu em Lisboa, em 26 de outubro de 1998, sendo sepultado naquela cidade, no Cemitério dos Prazeres. Em vida, o autor recebeu vários prêmios tanto como escritor quanto pela obra, entre eles o Prêmio Pessoa de 1997.

OBRAS:

Contos

1949 – Os Caminheiros e Outros Contos
1952 – Histórias de Amor
1963 – Jogos de Azar
1979 – O Burro em Pé
1988 – A República dos Corvos

Romance

1963 – O Hóspede de Job
1968 – O Delfim
1982 – Balada da Praia dos Cães
1987 – Alexandra Alpha

Crônicas

1991 – Cardoso Pires por Cardoso Pires
1994 – A Cavalo no Diabo
1997 – De Profundis, Valsa Lenta
1997 – Lisboa, Livro de Bordo

Ensaio

1960 – Cartilha do Marialva
1977 – E Agora, José?

Novela

1958 – O Anjo Ancorado
2008 – Lavagante (edição póstuma)

Teatro

1960 – O Render dos Heróis
1980 – Corpo-Delito na Sala de Espelhos

Sátira

1972 – Dinossauro Excelentíssimo

CRONOLOGIA

1925 – Nasce em São João do Peso, Castelo Branco, no dia 2 de outubro, José Cardoso Pires; filho de José António Neves e de Maria Sofia Cardoso Pires Neves.
1932 – Freqüenta a escola primária nº 14, no Largo do Leão, em Lisboa.
1943 – Publica em “Cidade dos Rapazes”, o ensaio “Loti, o Sonhador”.
1945 – Alista-se na Marinha Mercante como praticante de piloto.
1946 – Publica o conto “Salão de Vintém” no volume “In Bloco, Antologia de Jovens Universitários”.
1947 – Presta serviço militar em Vendas Novas e na Figueira da Foz.
1948 – Torna-se correspondente de inglês e intérprete de uma companhia de aviação.
1949 – Publica o seu primeiro livro, “Os Caminheiros e Outros Contos”. Trabalha como chefe de redação da revista “Eva”. Ao lado de Victor Palla, funda a coleção de bolso “Os Livros das Três Abelhas”.
1952 – Publica “Histórias de Amor”, que é apreendido pela ditadura salazarista, sendo o autor detido.
1953 – Morre-lhe o irmão, em acidente de aviação em cumprimento do serviço militar.
1954 – Publicado em Londres, na revista “Argosy”, o conto “Os Caminheiros”, com o título “The Outsiders”.
1958 – Publica “O Anjo Ancorado”. Participa do Congresso Mundial da Paz, em Estocolmo, Suécia.
1959 – Coordena a redação da revista “Almanaque”. Faz um breve exílio na França e no Brasil.
1961 – Regressa a Portugal, retomando a direção da revista “Almanaque”. Torna-se membro da Sociedade Portuguesa de Escritores.
1963 – Tem o primeiro romance publicado fora de Portugal, “O Hóspede de Job”, que sai em Milão, Itália, com o título “L’Ospite di Giobbe”.
1964 –O Hóspede de Job” recebe o Prêmio Camilo Castelo Branco.
1965 – Estréia no Teatro Império de Lisboa, a peça “O Render dos Heróis”.
1968 – Dirige o “Suplemento Literário” do “Diário de Lisboa”.
1974 – A Revolução dos Cravos põe fim à ditadura salazarista, José Cardoso Pires passa a dedicar-se aos estudos políticos de Portugal.
1975 – Torna-se vereador da Câmara Municipal de Lisboa.
1983 – Grande Prêmio do Romance é atribuído à “Balada da Praia dos Cães”.
1989 – O romance “Alexandra Alpha” recebe o Prêmio Especial da Associação de Críticos de São Paulo, Brasil.
1994 – Reúne as crônicas que escreveu semanalmente para o jornal “O Público”, publicando “A Cavalo no Diabo”.
1996 – É vitimado por um acidente vascular cerebral, que servirá de relato para o livro “De Profundis, Valsa Lenta”, publicado no ano seguinte.
1997 – Publica o seu último livro em vida, “Lisboa, Livro de Bordo”. Recebe o Prêmio Pessoa e o Prêmio Dom Dinis.
1998 – Morre em Lisboa, no dia 26 de outubro. Enterrado no Cemitério dos Prazeres.
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Quinta-feira, 17 de Setembro de 2009

AS DUAS MORTES DE ELIS REGINA

 

 

Na manhã de 19 de janeiro de 1982 o brasileiro tinha o seu almoço interrompido por uma trágica notícia, a cantora Elis Regina estava morta! Emissoras de rádios e televisão interromperam a programação normal para cobrir a tragédia. Elis Regina, 36 anos, no auge da sua vitalidade, com uma carreira de sucesso longe de se esgotar, morria de parada cardíaca no seu apartamento nos Jardins, em São Paulo. A notícia comoveu o Brasil, tendo uma repercussão que surpreendeu muita gente, já que a cantora tinha um público restrito, um repertório denso, apesar de vários sucessos de grande alcance popular. Pobres, ricos, intelectuais, gente humilde, todos choraram Elis Regina. O Brasil vestiu-se de luto.
À tarde, o corpo da cantora foi levado para o Teatro Bandeirantes, onde uma multidão de pessoas fazia uma gigantesca fila na porta, esperando o momento de prestar uma última homenagem. A fila estender-se-ia noite dentro, sendo ainda visível às cinco horas da manhã do dia 20. Diante do grande fluxo de pessoas, a família chegou a pedir à polícia que retirasse a multidão espalhada pelos palcos do teatro, mas a mãe, dona Ercy, abriu mão de velar a filha mais intimamente, cedendo o lugar da família para os fãs. Admiradores e amigos, aglomerados nos palcos do teatro, entoaram músicas da cantora, despedindo-se com “Está Chegando a Hora” (Rubens Campos - Henricão), momento de maior emoção.
No dia seguinte, mais de mil pessoas juntaram-se ao cortejo fúnebre, percorrendo lentamente as ruas da capital paulista, conduzindo o corpo de Elis Regina até o cemitério do Morumbi, onde foi enterrado ao som de “Canção da América”, cantada pela multidão: “... Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”. Era a última homenagem ao ídolo morto.
Ainda a recuperar-se da comoção da tragédia, o Brasil foi surpreendido, 48 horas depois, pela notícia de que a causa da morte tinha sido ingestão de cocaína. Os resultados do laudo ecoaram pelo país. A família, na esperança de preservar a imagem da cantora, negou veementemente o laudo. Eram criadas teorias da conspiração envolvendo o namorado da cantora Samuel Mac Dowell Figueiredo e o médico que emitira o laudo, o obscuro Harry Shibata. Iniciava-se a caça às bruxas, tendo como resultado a difamação da cantora. A imprensa não se limitou a informar as causas de tão súbita morte, mas a fazer uma condenação moral velada da vida de Elis Regina. O Brasil tornou-se moralista. Assim, após a comoção, as lágrimas e o enterro dramático, iniciava-se a depredação da imagem. Elis Regina teve em 1982, duas mortes, a morte física, que lhe tirou a vida, levando milhares de brasileiros às lágrimas; e a morte moral, promovida por uma imprensa preconceituosa e um país de costumes hipócritas. Com o passar do tempo, o mito superou às duas mortes, e Elis Regina continuou mais viva do que quando respirava, cantava e emocionava o Brasil, transpirando sangue nos palcos.

Os Últimos Momentos de Vida

Os últimos momentos de vida de Elis Regina foram tensos, com discussões ao telefone e regados de álcool e droga. Após a separação do músico César Camargo Mariano, a cantora passou por um período de romances fugazes, até que estabeleceu uma relação sólida com o advogado Samuel Mac Dowell, com quem construiu planos de casamento.
Elis Regina tinha planos de entrar em estúdio nos próximos dias, para gravar o seu novo disco, já com repertório definido. Jantou com amigos músicos e com o namorado. Nada fazia crer que ela vivia os seus últimos momentos. No fim da noite, já os amigos tinham ido embora, discutiu com Samuel Mac Dowell. Despediram-se em clima de rancor, embora o advogado negasse futuramente qualquer rusga. Com a briga, a cantora entrou em depressão, bebendo toda a noite. Sem dormir, pela manhã atendeu a um telefonema do namorado, pôs-se então, a discutir com ele. Enquanto falava, consumia Campari e cocaína, até que o seu coração não agüentou. Elis Regina silenciou a voz, não só ao telefone, como para a vida. Diante do silêncio repentino, Samuel Mac Dowell, do outro lado da linha, percebeu que alguma coisa de muito grave acontecera. Deixou o seu escritório e rumou para o apartamento da cantora. Foi encontrá-la trancada no quarto, sem responder aos chamados. Desesperado, derrubou a porta do quarto, encontrando-a caída, com o telefone fora do gancho.
Elis Regina foi levada de táxi para o Hospital das Clínicas, mas já estava sem vida. Aos 36 anos de idade, Elis Regina de Carvalho Costa, uma das maiores cantoras do Brasil, encerrava a sua carreira. Deixava três filhos e vários álbuns. Morria a mulher, nascia o mito.

O Adeus de Milhares de Pessoas a Elis Regina

Passado o primeiro impacto da morte da cantora, era hora de preparar a cerimônia final e prestar-lhe a última homenagem. Naquele instante uma enorme dúvida pairava no ar, o que levara uma mulher jovem e de uma vitalidade estonteante a ter uma parada cardíaca? Por que a médica que a recebera no Hospital das Clínicas não pôde ou não quis, fornecer o atestado de óbito, dizendo-se impossibilitada de afirmar ter sido morte natural? E ainda, diante desta dúvida, porque o cadáver foi remetido para o Instituto Médico Legal (IML) para ser autopsiado? Para os preparativos do adeus, as perguntas foram proteladas, mas não esquecidas.
Como local da última homenagem à cantora, foi decidido que o velório seria no Teatro Bandeirantes, no centro de São Paulo, palco do seu mais famoso show, “Falso Brilhante”, de 1976. Seria aberto para familiares e amigos, mas o corpo ainda lá não chegara, e uma grande multidão fazia fila na porta do teatro, à espera de poder dar o último adeus ao ídolo. A fila não parou de crescer, mantendo-se até o dia seguinte, quando seria o enterro.
Numa última homenagem, ficou estabelecido que a cantora vestiria em seu repouso final, uma camiseta branca com a bandeira do Brasil, que no centro trazia escrito “Elis Regina” no lugar da frase “Ordem e Progresso”. A camiseta de malha fora confeccionada para o show “Saudades do Brasil”, de 1980, mas a cantora tinha sido proibida pela censura militar de usá-la durante o espetáculo, que considerara um acinte à bandeira nacional.
Feitos os devidos preparativos, o corpo de Elis Regina chegou ao Teatro Bandeirantes à tarde. Entre a tarde do dia 19 e a manhã do dia 20 de janeiro, mais de vinte e cinco mil pessoas acederam ao velório da cantora, entoando músicas do seu vasto repertório. O corpo seguiu do centro de São Paulo para o cemitério do Morumbi. Mil pessoas acompanharam a cerimônia. Entre aplausos e os versos de “Canção da América” (Milton Nascimento – Fernando Brant), Elis Regina foi enterrada.

Amigos Defendem a Imagem da Cantora Morta

Dois dias depois, os rumores de que a morte da cantora tinha sido provocada por drogas espalharam-se pelo país. Samuel Mac Dowell e a família de Elis Regina, tentaram evitar que lhe fosse feita autópsia, tentando preservar a sua imagem. Esta recusa em esclarecer os fatos, contribuiu para que se aumentassem as suspeitas de uma morte obscura. Também as últimas palavras de Elis Regina ao telefone com Samuel Mac Dowell, suscitaram a imaginação de todos. A briga entre o casal só seria revelada muito tempo depois. Persistindo as dúvidas de que a cantora não morrera de causa natural, não se podia emitir um atestado de óbito, e por lei, a autópsia tornava-se obrigatória.
Entrava em cena a figura do médico Harry Shibata, que declarava ter sido ingestão de barbitúricos ou cocaína com álcool a causa da morte de Elis Regina, descartando a hipótese de morte natural. Uma dúvida punha em questão o laudo de Shibata, se cocaína era ingerida diluída em álcool, já que tradicionalmente era aspirada pelo nariz.
Mas o que pesou realmente foi a credibilidade do legista. Harry Shibata entrou para a história brasileira como colaborador do regime militar e da tortura que se praticou na época. Para justificar as mortes nos calabouços da ditadura, médicos legistas forneciam falsos laudos que apontavam morte natural, jamais tortura. Harry Shibata foi um desses legistas, tendo assinado o histórico laudo da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, que atestava suicídio e não morte por tortura. Na época, Samuel Mac Dowell foi um dos advogados que condenaram a União pela morte de Herzog, escancarando a farsa assinada por Shibata.
Na tentativa de defender Elis Regina, vários amigos, entre eles Edu Lobo, diziam que o laudo de Shibata era uma vingança a Samuel Mac Dowell, o que levantou grande polêmica na época.
Apesar da contestação do laudo, os estragos na imagem da cantora morta tinham sido feitos. Um pernicioso processo moralista assolou o Brasil, trazendo uma tempestade sem fim de preconceito contra a memória de Elis Regina, atingindo inclusive aos seus filhos, então crianças, que tinham que ouvir o escárnio dos colegas da escola. Diante desta difamação e depredação de memória, os amigos mais próximos da cantora partiram em sua defesa. Jair Rodrigues pediu pela preservação dos filhos da amiga, foi à televisão defendê-la com arroubos de emoção, apontando o dedo para “muitos” no meio artístico que se drogavam e ninguém dizia nada. As declarações do cantor criaram polêmicas, e vários famosos sentiram-se ameaçados, iniciando contra ele o tradicional patrulhamento ideológico, responsável pelo fim de tantas carreiras no país. Mas Jair Rodrigues não se intimidou, defendendo a inocência da amiga em relação às drogas até o fim.
Henfil, outro grande amigo de Elis Regina, defendeu-a no programa “TV Mulher”, da Rede Globo, onde tinha o quadro “TV Homem”, no qual apresentava os seus desenhos de animação. Na defesa, ele apresentou um quadro em que se propagava a difamação de Elis Regina pela imprensa, sempre com o tema da cocaína como pano de fundo, no meio da difamação, uma mulher do povo abraçava a fotografia da cantora, enquanto que se ouvia a voz da mesma a cantar “Maria, Maria”(Milton Nascimento - Fernando Brant). A mensagem era clara, enquanto a imprensa difamava Elis Regina, o povo brasileiro abraçava o seu mito e mostrava o seu amor e dor diante da perda.

O Mito Elis Regina

Mas as contestações e afirmações de que Elis Regina não costuma usar drogas não se sustentou por muito tempo, tão pouco a teoria da conspiração que envolvia Harry Shibata e Samuel Mac Dowell foi adiante. O laudo final, divulgado pelo delegado Geraldo Branco de Carvalho, assinado pelos legistas Chibly Hadad e José Luiz Lourenço, deixou claro, no cadáver autopsiado tinha sido encontrado álcool etílico e cocaína, o que lhe revelava embriaguez e estado tóxico, que em combinação tinham sido letais. Além dos três legistas citados, a autópsia foi feita também, pelo médico da família, Álvaro Machado Jr.
Confirmada a verdadeira causa da morte, vários depoimentos começaram a surgir, apontando que nos últimos tempos Elis Regina consumia excesso de álcool e drogas. Que experimentara cocaína e maconha em uma viagem aos Estados Unidos, um ano antes da sua morte. Contraditoriamente, Elis Regina foi a “careta” que morreu de overdose.
O “Fantástico”, TV Globo, levou ao ar o clipe da música “Me Deixas Louca” (A. Manzonero – Paulo Coelho), que a cantora gravara especialmente para tema de Luiza (Vera Fischer), personagem central da novela “Brilhante”, de Gilberto Braga, estreada nos últimos meses de 1981 em horário nobre, somente após a sua morte. O programa justificou que o clipe, última gravação da cantora, feita em 3 de dezembro de 1981, não tinha ido antes ao ar por não ter agradado à direção da emissora, que considerou a cantora visivelmente entorpecida. Visto depois da morte, o clipe emocionou, e percebeu-se que o estado etéreo de Elis Regina corria do sublime ao desespero, não só anunciava o fim da mulher, mas ao grito de um ser humano denso, que se explicava somente através da sua arte.
Elis Regina, carinhosamente chamada de Pimentinha pelos amigos, gaúcha nascida em 17 de março de 1945, atirou-se cedo ao mundo da música. Aos 11 anos já se apresentava no programa de rádio Clube do Guri, em Porto Alegre. Aos 16 anos, em 1961, já tinha o seu primeiro álbum gravado, “Viva a Brotolândia”. Já longe de Porto Alegre, Elis Regina ganhou o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, numa interpretação monumental de “Arrastão” (Edu Lobo), onde movimentava os braços como um moinho de ventos selvagens. Era a cantora na sua essência. Continuou emocionando o Brasil com grandes sucessos. Em vida não vendeu muitos discos, enquanto Maria Bethânia e Gal Costa chegavam ou ultrapassavam as 500 mil cópias, o último álbum em vida, “Elis”, vendeu pouco mais de 52 mil cópias. Mesmo com pouca vendagem, era uma das cantoras mais bem pagas no palco, além de assediada por músicos e emissoras de televisão, estando sempre presente na mídia de então ou em trilhas de novelas. Elis vendeu mais discos depois de morta, e até hoje, é a única cantora brasileira que nunca deixou de ter os seus álbuns comercializados em período algum.
O impacto da morte de Elis Regina pôde ser sentido pela comoção que trouxe milhares de pessoas ao seu velório e enterro. A perda da cantora em 1982 deixou um grande vazio na MPB, justamente quando esta voltava a ter grande força no cenário político e social da nação. A abertura política possibilitou a volta da canção de protesto, tirando das gavetas muitas das que foram censuradas. No álbum “Elis, Essa Mulher” (1979), a cantora gravava a música “O Bêbado e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), que se iria tornar o hino da Anistia. No grande show de MPB, o primeiro programado depois do atentado à bomba do Rio Centro, em 1981, que se daria poucos dias após a sua morte, o momento programado para ela cantar foi preenchido pela apresentação de João Bosco, com a sua fotografia ao fundo.
O vazio deixado por Elis Regina na história da MPB criou o mito, que por sua vez apagou para sempre o período que se seguiu à revelação das causas da sua morte. Período negro da história da intolerância no Brasil. Hoje parece confuso um momento como este, mas à altura, ser drogado no regime militar representava o que havia de mais vil na sociedade repressiva e hipócrita de então. A repressão aos entorpecentes levou Gilberto Gil e Rita Lee à prisão em 1976. O Brasil de 1982 ainda trazia os resquícios do preconceito que levou distintas senhoras de família às ruas, de rosários nas mãos, em 1964, a abraçar o golpe militar. Quase três décadas depois da morte de Elis Regina, ficou na lembrança apenas o carinho e a tristeza do povo brasileiro diante da trágica perda da cantora. A sua segunda morte, movida pelo preconceito ao pó que a matou, foi totalmente apagada, ficando apenas na memória daqueles que viveram o drama na época. Elis Regina, a mulher, deu passagem para o mito, perfeito e intocável na extensão da sua voz e do seu talento.
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Segunda-feira, 14 de Setembro de 2009

A ÉTICA DAS VIRTUDES

 

 

O fim do século XX tornou o mundo globalizado, cada vez mais estreitado em suas relações através da tecnologia avançada das comunicações em massa. Várias sociedades interligam-se não só economicamente, mas culturalmente, fazendo com que costumes morais diferentes confrontem-se diante da globalização. É neste contexto que os valores morais do ocidente e do oriente são objetos de estudos, e a questão da Ética torna-se essencial para a conduta de uma sociedade mais justa e unida, quer queira-se ou não, através de uma globalização cada vez mais contundente.
No mundo contemporâneo, ser ético tornou-se um elemento de profunda estratégia de convivência pacífica entre as pessoas, quer no trabalho, quer na sociedade, ou mesmo no país que se vive. Ser ético é buscar princípios e valores morais que garantam a própria sobrevivência do homem e do planeta do qual ele explora para satisfazer o seu conforto. Cada vez mais grandes empresas adotam códigos de ética como garantia de conduta exemplar e para sobreviver às concorrências de um mercado volátil e feroz.
O estudo da Ética é tão remoto quanto à evolução dos tempos, surgindo na Grécia clássica, através dos estudos de Aristóteles, considerado o pai da filosofia da Ética. No século atual dividimos a Ética em antiga e moderna. A antiga, ou Aristotélica, é a Ética das Virtudes, do principio máximo da eudaimonia; a moderna é a ética dos deveres, do bem estar coletivo, da deontologia.
Neste artigo vamos percorrer a Ética Aristotélica, que favorece as escolhas e decisões voltadas para o homem como o seu valor máximo, tendo como objetivo a felicidade do indivíduo dentro de uma sociedade justa, tornando-o um ser virtuoso dentro da Ética das Virtudes.

Ética e Moral

Mas o que é a Ética? E o que é a moral? São palavras sinônimas, mas de significados muitas vezes paralelos, que se encontram na essência vital que o homem tem em sua consciência de valores. A moral traduz-se em um conjunto de normas, costumes, princípios e preceitos dos quais se veste determinados povos, ou determinadas sociedades. Ela transforma-se diante da evolução do tempo e do pensar do homem, conforme as necessidades de sobrevivência do clã. Quando a moral torna-se injusta, obrigando o homem a pensar na mudança dos seus princípios normativos, surge a consciência ética, que traduz a rebelião contra a injustiça, instaurando-se a indignação ética.
É a partir da conscientização e questionamento dos costumes morais, que surge a Ética, a teoria da moral, o seu estudo, que busca de forma filosófica compreender, explicar, justificar e criticar a moral ou as morais vigentes em uma determinada sociedade. A Ética torna-se filosófica e cientifica, enquanto que a moral é o retrato fiel dos costumes que defendem a sociedade diante da sua própria consciência.
Diversas foram as morais através dos tempos, modificadas quando falidas, quando ameaçavam a própria existência de uma sociedade. Um exemplo de mudança substancial nos valores morais da sociedade ocidental foi a abolição da escravatura, que até o século XIX era vista como um mal necessário e perfeitamente justificado moralmente. A indignação ética tornou possível o fim de tão execrável costume entre os povos.
Se os princípios morais mudam de sociedade para sociedade, a Ética, que torna possível a sua compreensão, é universal. Se para o ocidente a poligamia é crime, sujeita a punições penais, entre os povos islâmicos ela é aceita e serve para proteger a mulher, já que o marido é quem a dignifica diante do clã, sendo assim, cada homem pode ter quatro esposas, desde que tenha condições econômicas de manter a todas elas por igual.
Se uma pessoa caminhar nua pela avenida principal da sua cidade, não estará ferindo a consciência ética, mas desrespeitando contundentemente às normas e às morais vigentes, o que não aconteceria se fizesse o mesmo diante de uma tribo de índios do interior da floresta amazônica.
“Aquilo que numa época parece mau, é quase sempre um retolho daquilo que na precedente era considerado bom.” (Nietzche)
Portanto, a moral de cada sociedade é justificada por ela mesma, diferindo entre os costumes de cada uma, continuando vigente até que atendam à sobrevivência de um povo ou de um grupo, vigiada por uma consciência ética perene.

Filósofos Morais Antes de Aristóteles

A sociedade ocidental tem os seus princípios éticos construídos nas bases dos conceitos gregos e judaico-cristãos. A Ética dos povos ocidentais está classificada filosoficamente em cinco grandes tradições: Ética Aristotélica, Ética do Utilitarismo, Ética Kantiana, Ética do Contratualismo e Ética do Relativismo.
Se filosoficamente situamos a Ética dentro das cinco linhas acima, historicamente a Ética ocidental pode ser dividida em Ética grega, Ética judaico-cristã medieval, Ética moderna e Ética contemporânea. Não se pode esquecer que a Ética na história é bem reduzida, pequena diante da moral, que se torna infindável através dos tempos. Cronologicamente a moral modifica-se constantemente, mudando o curso da própria história, enquanto que a Ética permanece mais como filosofia.
Na Grécia antiga encontramos em diversos filósofos a abordagem de reflexões sobre os problemas morais. Aqui surgem os princípios das chamadas éticas humanísticas, que tomam o ser humano como a medida de todas as coisas, seguindo o conhecido axioma do antigo pensador sofista Protágoras (485-410 a.C).
Mas será em Sócrates (470-399 a.C) que nos vamos deparar com reflexões de caráter ético e de preocupação no entendimento do caráter humano. Sócrates põe a Ética como sendo a disciplina na qual deveriam girar as reflexões filosóficas. Considerava a virtude um princípio da inteligência humana; somente o ignorante pratica o mal, pois desconhece o bem. Ao praticar o bem, o homem torna-se naturalmente feliz. As virtudes seriam identificadas pela inteligência, decodificadas por ações fundamentadas nos valores morais da sociedade.
Além de Sócrates, temos outro grande filósofo grego, Platão (427-347 a.C), que indaga os princípios éticos que conduzem o homem na sociedade em que está inserido. Platão associa a sua Ética à metafísica. O homem possui corpo, que o filósofo divide em cabeça, peito e baixo-ventre; e alma, o princípio que o anima, dividida em razão, vontade e desejo. As virtudes são determinadas pela natureza da alma, concentradas na divisão das suas partes. A alma é elevada através da contemplação final do bem, purificando-se e libertando-se da matéria. Alma e matéria relacionam-se em suas divisões, a razão é manifestada na cabeça; a vontade ou ânimo, flui do peito; o desejo, ou apetite, emana-se do baixo-ventre. Quando as três partes do corpo e da alma agem como um todo, o homem torna-se harmônico, constituindo a justiça.

A Ética Aristotélica

A Ética como princípio filosófico tem a sua origem formal com Aristóteles (384-322 a.C), que a organiza como disciplina, formulando os maiores problemas que serviriam de estudos futuros para os filósofos morais. É através de Aristóteles que surge a relação entre a norma e o bem, entre a vida teórica e a prática, entre a ética individual e a social. O princípio aristotélico classifica a virtudes, privilegiando a justiça, a caridade e a generosidade. É a Ética das Virtudes, através das quais o homem alcança a paz e alegria da sua existência, beneficiando com isto a sociedade onde está inserido.
A Ética das Virtudes harmoniza a natureza do homem e a moralidade da sociedade. O homem ético é um homem virtuoso, sendo a virtude uma força vital. O mais virtuoso é o mais capaz de realizar-se como homem, atingindo a felicidade absoluta. A Ética Aristotélica é a Ética da Eudaimonia, palavra grega que quer dizer felicidade, bem-estar e sucesso, derivadas da harmonia entre os componentes da alma.
Aristóteles une a sua Ética à política. O homem é um ser pensante, que para ser feliz precisa do ar, da comida; precisa viver em sociedade e em ambiente político para que possa exercer os princípios morais, portanto é um animal social e político. O homem só pode viver na cidade ou em comunidades, somente os deuses e os animais selvagens não precisam da comunidade política para viver.
A Ética das Virtudes tem a sua concepção na Grécia antiga, cuja religião é politeísta e os seus deuses têm características humanas. O homem está voltado para a sua natureza.
A Ética das Virtudes tem em paralelo, várias filosofias morais, como o Estoicismo, nome herdado do local onde Zenão de Cítio (340-264 a.C.) costumava fazer os seus encontros filosóficos, a stoá, a parte coberta do mercado de Atenas. No Estoicismo o homem é feliz quando aceita o seu destino com resignação, sem perturbar a harmonia estabelecida. O homem virtuoso é aquele que sabe moderar os seus desejos e aceita o seu destino.
O Epicurismo foi outra filosofia moral que surgiu já na decadência do antigo mundo grego. Sua escola propagava que o homem só alcançaria sentido e significado à vida, se buscasse o que lhe desse prazer ou felicidade. Este movimento filosófico teve como mestre o ateniense Epicuro (341-270 a.C). A partir das suas idéias surgiu o Hedonismo (do grego hedoné, prazer), concepção filosófica moral que assume o prazer como principio dos costumes normativos.
Com a cristianização de Roma no século IV, e conseqüentemente, do mundo ocidental, a Ética Aristotélica, ou das Virtudes, passará a ser conhecida como Ética Antiga. Os deuses greco-romanos são extintos. Deus torna-se único, ser supremo e sem traços da imperfeição humana, sendo apenas Ele digno da adoração humana. O cristianismo concretiza o monoteísmo judaico e dá passagem para a Ética dos Deveres. A exigência moral deixa de questionar como o homem deve viver para atingir a eudaimonia, passando a perguntar como deve fazer para atingir os princípios morais. O critério moral já não é a virtude, mas o dever, e a prioridade intelectual já não é o bem, mas o justo.
publicado por virtualia às 17:35
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