
A vitória de Barack Obama nas eleições para presidente dos EUA em 2008, encerrou uma fase da participação do negro na história daquele país, iniciando outra, que à partida, desencadeou uma grande esperança de florescimento humano e intelectual no mais alto poder político da nação mais poderosa do planeta nos tempos contemporâneos.
Todas as atenções do mundo voltaram-se para a vitória de Obama, que causou comoção pelo inédito na história dos EUA, pela tenaz esperança de um novo tempo que se abre. Não que Obama seja um estadista pronto para mudar uma nação e o mundo, mas a sua eleição é a própria mudança na visão de um povo, que muitas vezes foi intransigente, reacionário e racista na condução da sua política interna e externa. Obama é a vitória de várias vertentes inéditas, primeiro negro a ser presidente do seu país, primeiro homem com raízes islâmicas acentuadas, e com a África histórica recente em seu DNA, distante dos afro-americanos, cuja origem do continente negro perde-se na distância dos séculos.
Quarenta anos antes da eleição de Obama para presidente, o líder negro Martin Luther King era assassinado por um branco furioso, racista e temente que os negros americanos alcançassem os seus direitos. Pregando a luta intensa pelos direitos civis dos negros, o pastor batista seguia os princípios de Gandhi, lutar, mas sem violência, algo quase que impossível numa época que o negro norte-americano não podia votar em alguns estados da união, não se podia sentar nos bancos da frente dos ônibus coletivos, não podiam freqüentar grandes universidades e, eram vítimas da violência de organizações racistas como a Ku Klux Klan.
Se a luta de Martin Luther King começou com a luta pelo direito do negro poder sentar-se em qualquer banco de um ônibus, ela estendeu-se por todas as vertentes da injustiça que se fazia aos seus, tomou proporções de sonhos e vitórias, suas palavras conquistaram o mundo, incomodou os mais radicais racistas e culminou com o seu assassínio em 1968. Quarenta anos depois, o sonho de liberdade e igualdade de Martin Luther King vingou, quando Barack Obama foi eleito presidente, ele negro e filho de pai muçulmano.
O Negro Americano Através da História

No início da Guerra da Secessão, em 1861, havia 19 estados onde a escravidão era proibida e 15 estados onde a escravidão era permitida. Em 1860 Abraham Lincoln venceu as eleições para presidente, durante a campanha discursara contra a escravidão: “Metade livre, metade escrava”, o que levou os sulistas a temer que ele a abolisse de vez. Em 4 de março de 1961, antes que Lincoln assumisse a presidência, 11 estados que mantinham a escravidão declararam secessão da União, formando um novo país, os Estados Confederados da América. No dia 12 de abril, a guerra civil tinha início, só terminando em 1865, com a rendição dos confederados.
Após o fim da guerra civil, que deixaria marcas indeléveis nos estados sulistas, os americanos aprovaram a 13ª Emenda à Constituição, ratificada no fim de 1965, pondo fim oficialmente à escravidão nos EUA. Em 1968, era aprovada a 14ª Emenda, dando ao governo federal poderes amplos para obrigar os Estados a fornecerem proteção igualitárias às leis. Em 1870, a 15ª Emenda dava aos negros americanos do sexo masculino e maiores de idade, o direito ao voto, direito que não se estendeu para todo o país até meados da segunda metade do século XX.
Mesmo libertados, os negros americanos continuaram discriminados, perseguidos e sem um lugar definido na sociedade estadunidense. Com o fim da Guerra da Secessão, o sul continuaria ocupado por tropas do norte até 1877. Empobrecidos pela guerra, acostumados com a escravidão como realidade secular, os sulistas sentiram-se humilhados quando a União pôs, durante a ocupação, diversos negros libertos em importantes posições do governo dos estados do sul. Este desconforto, movido por um ódio racial latente, permitiu que surgissem sociedades secretas que empregavam a violência e a perseguição aos negros americanos, defendendo com veemência a segregação racial. Dessas sociedades, destacaram-se a dos Cavaleiros da Camélia Branca e a Ku Klux Klan.
Um País na África Para os Negros Americanos

A primeira idéia, defendida por representantes do governo, queriam que se desse a liberdade aos escravos e que eles fossem reconduzidos à África. Um segundo grupo defendia a idéia de que os negros não tinham condições de se enquadrar no sistema capitalista, e era exaltada pelos cidadãos brancos. Assim, nascia em 1816, a American Colonization Society, organização criada por Robert Finley, cujo objetivo era levar para a África os antigos escravos negros e os negros nascidos livres, eliminando-se o problema do negro nos EUA, evitando-se o “perigo” de casamentos entre raças nos país, ou a criminalidade.
A American Colonization Society adquiriu na África, em 1821, um grande território perto da área do Cabo Mesurado, lugar ideal para enviar os negros livres dos EUA. Em 1824 a colônia foi chamada de Libéria (do latim, terra livre), e nela foram fixados os negros oriundos da América do Norte. Em 1847, a colônia declarou a independência, adotando símbolos norte-americanos na bandeira, lema e brasão de armas, além de uma constituição copiada da dos EUA. O primeiro presidente da Libéria foi Joseph Jenkins Roberts, um negro nascido no estado da Virginia. A Libéria nasceu com o objetivo de abrigar os negros livres dos EUA, ficando no país só os escravos, segregados e sem direitos, até que se abolisse a escravidão, em 1865.
O Protesto de Rosa Parks

O afro-americano teve que conquistar os seus direitos diante de uma sociedade declaradamente racista. Esta luta veio à tona em 1 de dezembro de 1955, quando
Rosa Parks negou-se a ceder o seu assento em um ônibus a um branco. Este ato desencadearia o processo de uma longa luta anti-racista que se travaria nos EUA, com proporções irreversíveis.
O marco da luta anti-racista deu-se em Montgomery, capital do Alabama, onde os primeiros assentos de bancos dos ônibus coletivos eram, por lei, reservados aos passageiros brancos. Os negros só podiam sentar-se nos assentos de trás. No dia 1 de dezembro de 1955, Rosa Parks, ao retornar do trabalho, tomou um desses ônibus de volta para casa. Cansada, Parks, ao lado de outros três negros, sentou-se nos assentos reservados. Quando passageiros brancos entraram, o motorista (também ele branco), exigiu que Rosa Parks e os três negros levantassem dos assentos e desse lugar aos bancos. Os outros obedeceram, mas Rosa Parks negou a cumprir a ordem, continuando a ocupar o assento, sendo por isto detida e levada à prisão.
A coragem de Rosa Parks, o seu protesto silencioso, repercutiu-se rapidamente, desencadeando grandes protestos. O Conselho Político Feminino, em solidariedade a ela, organizou como medida de protesto contra a discriminação racial, um boicote aos ônibus urbanos. A causa ganhou a adesão daquele que, a partir de então, tornar-se-ia o maior defensor dos direitos civis dos negros americanos, Martin Luther King Jr.
Milhares de negros aderiram ao boicote,

Pouco menos de um ano após o protesto de Rasa Parks, no dia 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte dos EUA aboliu a segregação racial nos ônibus coletivos de Montgomery. Algumas semanas depois, a nova lei entrou em vigor na capital do Alabama e, no dia 21 de dezembro daquele ano, Martin Luther King e o sacerdote branco Glen Smiley, entraram juntos em um ônibus, ocupando lugares na primeira fila de assentos.
Rosa Parks seria, em 1999, condecorada pelo então presidente Bill Clinton, com a medalha de ouro do congresso estadunidense. Estava na época com 88 anos de idade.
Martin Luther King Firma-se Como Liderança

A luta de Martin Luther King iniciou-se quando os Estados Unidos, em combate à expansão do poderio soviético pelo mundo, promovia a Guerra Fria. Nação rica e poderosa, concentrava uma população fechada em seus valores e símbolos nacionais, movidos por um patriotismo exacerbado e por um forte sentido de racismo. Contraditoriamente, os americanos consideravam-se o modelo de democracia e liberdade para o mundo, e ao mesmo tempo, classificavam os seus habitantes de acordo com a raça. Na segregação de um país profundamente racista em suas raízes, os negros sofriam discriminações no aspecto social, na economia e na política. Em muitos lugares não podiam votar, tinham os trabalhos de menor remuneração, sendo chamados pejorativamente de “nigger” ou “boy”, as agressões dos brancos era uma rotina que não encontrava um eco para que fosse encerrada, não havendo leis que condenassem a discriminação.
Quando Rosa Parks foi presa por negar a levantar-se de um assento em ônibus destinado a brancos, Martin Luther King, pastor da cidade, conclamou o boicote dos negros aos transportes coletivos. A partir de então, em um ano tornou-se conhecido em todo o país, assumindo a liderança do movimento negro estadunidense. Seguiram-se marchas de protesto, cerceadas pela violação consciente da legislação racista, como freqüentar salas de esperas, restaurantes, lojas, museus, praças e teatros reservados a brancos. Tais protestos geravam uma violenta repressão policial, mas jamais intimidou o movimento de Martin Luther King e as suas lideranças adjacentes. Entretanto, o reverendo não deixava de advertir aos seus seguidores que não deixassem que os protestos degenerassem em violência.
Vitórias e Adversidades

O estudante James Meredith conseguiu através das cortes federais, em 1962, o direito de ingressar na Universidade do Mississipi, o estado racialmente mais conservador dos EUA. Mesmo sendo impedido algumas vezes de entrar no campus, por interferência do próprio governador, Meredith ingressou escoltado por agentes federais, e a corte federal instituiu uma multa diária de 10 mil dólares por cada dia que ele fosse impedido de assistir às aulas. Uma conflagração de civis e estudantes brancos na universidade terminou com a morte de 2 pessoas, 28 agentes federais feridos à bala e 160 feridos entre a população. No dia seguinte, o então presidente John Kennedy, enviou tropas do exército que garantissem a entrada e a permanência de Meridith na universidade.
Foi diante de todas as dificuldades descritas acima, que a liderança de Martin Luther King explodiu por todo o país. O líder negro manteve sempre a filosofia de protestos não violentos, mesmo quando 1100 líderes radicais do movimento negro exigiram, na Black Power Conference, em 1967, a divisão dos EUA em dois, para brancos e para negros.
Em agosto de1963, Martin Luther King organizou ao

Em 1964, Martin Luther King foi galardoado com o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços pacíficos pelo fim da segregação racial e pelos direitos civis dos negros nos EUA. A premiação deu grande visibilidade internacional ao reverendo e à sua luta, o que gerou incômodo e ódios entre os mais conservadores dos seus opositores. No meio do ódio, Martin Luther King escaparia por um triz de dois atentados à sua vida.
Em 1965, Martin Luther King liderou passeatas e manifestação na cidade de Selma, no Alabama, em prol do direito dos cidadãos negros a registrarem-se com votantes. Durante uma manifestação, o pastor e vários manifestantes foram presos. Choques entre negros e brancos resultaram em tumultos com mortos e feridos. As cenas transmitidas pela televisão, causaram grande indignação por todo o país, o que levou o presidente Lyndon Johnson a conseguir aprovar junto ao congresso a Lei do Direito de Voto, de 1965. O direito de voto negro mudou definitivamente a face da política do sul do país, com a eleição de negros já em 1966, nos estados mais racistas da região, como o Mississipi.
Mas se Martin Luther King pregava a não violência em seus protestos, outros grupos negros de luta não pensavam igual. Em 1966 surgiu o movimento Black Power (Poder Negro), um grupo liderado por Storkely Caemichael, que pregava a violência e a necessidade de defesa dos negros diante dos ataques sofridos pela Ku Klux Klan, no sul do país. A partir de então, os negros sulistas passaram a enfrentar de armas nas mãos a violência sofrida, o que levou a Klan a desistir de aterrorizar os habitantes negros da região. Os Black Power enfrentavam a violência através da violência, passaram a difundir o orgulho de ser negro, ganhando maior identidade cultural, exigindo que não mais fossem chamados de negros, mas de afro-americanos.
“Eu Tenho Um Sonho”

Foi neste violento e confuso ano de 1968 que, a 4 de abril, o maior líder negro da história do século XX norte-americano, o Prêmio Nobel da Paz, Martin Luther King, seria definitivamente silenciado, sendo assassinado em Menphis, Tennessee. Vinte e quatro horas antes da sua morte, ele pronunciou o célebre discurso profético, em que anunciava ter avistado a terra prometida:
“Talvez eu não consiga chegar com vocês até lá, mas quero que saibam que o nosso povo vai atingi-la.”
Aos 39 anos, Martin Luther King era morto por um racista branco. Foi abatido a tiros na sacada de um hotel em Menphis. Anos mais tarde, um processo civil que correu no Tennessee, chegou à conclusão de que membros da máfia e do governo norte-americano engendraram o seu assassínio.
A morte de Martin Luther King provocou comoção e consternação internacional. Como conseqüência, as inquietações raciais agravaram-se em Washington e Chicago. Em junho, a mesma violência atingiu Robert Kennedy, candidato à presidência e, também ele, assassinado. Em 1983, a terceira segunda-feira de janeiro (data próxima do nascimento do pastor, 15 de janeiro) foi feita feriado nacional, em homenagem ao reverendo assassinado.
Martin Luther King tornou-se o ícone da luta do negro pelos direitos civis e igualdade, seu célebre discurso entraria para a história da humanidade como um dos mais belos em prol das causas humanistas. Sua frase “Eu tenho um sonho”, ecoou durante quatro décadas, até que Barack Obama, filho de um economista muçulmano queniano e de uma estadunidense, um negro, chegasse à presidência dos Estados Unidos. O sonho de Martin Luther King, a chegada da sua gente à terra prometida, concretizaram-se finalmente.