Sábado, 1 de Novembro de 2008

AL BERTO


Há pouco mais de dez anos Portugal perdia um dos seus maiores poetas da nova geração, Al Berto. Alberto Raposo Pidwell Raposo, ou Al Berto, como ele assinava a sua obra, partiu no maior feriado religioso de Lisboa, no dia de Santo Antonio, 13 de junho, em 1997.
Dono de uma personalidade singular, amante da noite e do Bairro Alto, foi nas ruas estreitas desse bairro que nos conhecemos. Era um homem amável, de um cavalheirismo que lhe identificava o lado britânico da sua ascendência, de agradável convivência. Por dentro era um poeta em ebulição, muitas vezes acusado de morbidez e de profunda melancolia na forma de escrever os seus versos. Mas como poderia ser diferente em um homem amante da noite lisboeta e das suas armadilhas amorosas? Um poeta de alma portuguesa, tão saudosista quanto a força dos ventos que sopraram as caravelas de Cabral no Restelo, rumo à aventura lusitana pelo mundo. Sua poesia traz a ambigüidade do cotidiano, um olhar sobre a luz e os objetos, a mente e os desejos, fragmentos entre a poesia e a prosa, o mundo e o espanto poético de dele fazer parte.

Antes do Solstício de Verão
 
Conheci Al Berto através de um amigo em comum, o fotógrafo Stanislas Kalimerov. Ali travamos um conhecimento gentil, regado muitas vezes de um bom vinho nos jantares que tivemos pelos restaurantes do Bairro Alto ou nas longas e inesquecíveis noites de diversão no mítico Frágil, ainda quando pertencia ao Manuel Reis. Era um homem apaixonante e apaixonado. Gostava de ter a juventude ao seu redor. Magro, cabelos lisos e compridos, penteados para trás.
Ainda me lembro da noite que o seu amigo Alexandre Matos terminou o curso de estilista, fomos comemorar n’A Brasileira do Chiado. Al Berto sentia um grande orgulho de ter participado daquela conquista do amigo. Agradeceu-me por ter acolhido Alexandre Matos no meu apartamento na Luz Soriano, na noite anterior, quando depois de um jantar, ele tinha bebido demais e não conseguira voltar para casa.
No início de 1996, enviei os originais do romance “Fatal – A Hora Azul” para que ele lesse. Estava em Sines, a escrever aquele que seria o seu último livro em vida “Horto de Incêndio”, que marcaria a sua estréia na Assírio & Alvim. Para minha surpresa e alegria, Al Berto gostou do romance e fez várias anotações sobre o que achara. Combinamos um encontro em outubro de 1996 na A Brasileira, para que me entregasse os originais e comentasse as anotações. Al Berto não apareceu ao encontro. Horas depois, quando cheguei em casa, recebi um telefonema onde ele se desculpava, dizia que estava com um enorme caroço na bochecha, que lhe deformava o rosto e ele não sairia de casa enquanto não sumisse o caroço. Ainda brincou que estava muito feio para ser visto em público. Infelizmente não era um caroço comum. A partir daí Al Berto descobriu um linfoma que o iria matar em pouco mais de sete meses. Ainda no início da primavera de 1997 trocamos correspondência, ele estava em Lisboa na casa da irmã, em tratamento. Combinamos um encontro, mas também eu me envolveria em problemas de ordem amorosa que me consumiriam aquela primavera e o verão. Não teria mais tempo de rever Al Berto com vida, pois ele não sobreviveria àquela primavera. Morreu poucos dias antes do solstício de 1997.
Em agosto daquele ano, encontrei Alexandre Matos (na fotografia colorida ao lado de Al Berto), que na época vivia na Itália. Estava abalado com a morte do amigo. Entregou-me um texto que Al Berto lhe fizera, mais um ensaio fotográfico que fizera de Al Berto pelas ruas de Lisboa. O texto intitulava-se “Lisboa, Alexandre e Eu”. Alexandre queria que eu viabilizasse a publicação do pequeno texto. Mas estava numa roda viva decisiva e inesperada, que me fizeram deixar Lisboa, partindo para a Póvoa de Varzim. Por fim, deixei Portugal, e o texto inédito do Al Berto acompanhou o meu regresso ao Brasil. Curiosamente os meus originais ficaram nos seus pertences, com as suas anotações, e este texto continuou inédito em meu poder, a espera do meu regresso a Lisboa.
Publico aqui, no VIRTUÁLIA, algumas fotografias que Alexandre Matos fez de Al Berto. Nunca elas o definiram tão bem. É como se o visse a brincar e a contar as suas aventuras pelas quentes e infinitas noites do Bairro Alto.
Se estivesse vivo, Al Berto completaria este ano, no dia 11 de janeiro, 60 anos. Aqui a minha homenagem ao Al Berto, ao Alexandre Matos, a Lisboa e ao Bairro Alto, só quem traz a sensibilidade lisboeta na alma, compreende esses ícones que se prendem a nossa alma como uma tatuagem de desenhos existencialistas.

Um Poema de Al Berto


As Mãos Pressentem

As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
vôos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada

CRONOLOGIA


1948 – Nasce em 11 de janeiro, em Coimbra, Alberto Raposo Pidwell Tavares.
1949 – Vai viver em Sines, onde passa parte da infância e da adolescência.
1967 – Cursa em Bruxelas a École Nationale Supérieure d’Architecture et des Arts Visuels (La Cambre), onde faz pintura.
1971 – Abandona a pintura para se dedicar à literatura.
1974 – Regressa para Portugal e escreve o seu primeiro livro totalmente em língua Portuguesa.
1977 – Lança o seu primeiro livro “À Procura do Vento Num Jardim D’Agosto”.
1987 – É editado “O Medo”, uma antologia do seu trabalho de 1974 a 1986, que se tornaria o trabalho mais importante da sua obra.
1988 – Prêmio Pen Club de Poesia pela obra “O Medo”.
1995 – Escreve o texto para a exposição de Stanislas Kalimerov “A Última Cena – Um Olhar Português”.
1996 – Passa grande parte do tempo em Sines, a escrever o seu último livro “Horto de Incêndio”.
1997 – Morre em Lisboa, de linfoma, em 13 de junho.


OBRAS

Poesia:

1977 – À Procura do Vento Num Jardim D’Agosto
1980 – Meu Fruto de Morder, Todas as Horas
1982 – Trabalhos do Olhar
1983 – O Último Habitante
1984 – Salsugem
1984 – A Seguir o Deserto
1985 – Três Cartas da Memória das Índias
1985 – Uma Existência de Papel
1987 – O Medo (Trabalho Poético 1974-1986)
1989 – O Livro dos Regressos
1991 – A Secreta Vida das Imagens
1991 – Canto do Amigo Morto
1991 – O Medo (Trabalho Poético 1974-1990)
1995 – Luminoso Afogado
1997 – Horto de Incêndio
1998 – O Medo
2007 – Degredo no Sul

Prosa:

1988 – Lunário
1993 – O Anjo Mudo
2006 – Apresentação da Noite

Texto: Jeocaz Lee-Meddi
Fotos: Alexandre Matos


 
 

 
 

publicado por virtualia às 03:50
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