Sábado, 30 de Agosto de 2008

LISBOA EM CHAMAS - CHIADO, AGOSTO DE 1988

 

 

Lisboa foi, no decorrer dos séculos, uma cidade marcada por grandes incêndios. Muitos foram os que procederam aos terremotos, consumindo ou levando à ruína diversos prédios históricos, como o Hospital Real de Todos os Santos, no Rossio. Era comum a cidade ser acordada com os sinos a badalar, anunciando que o fogo ardia pelas ruas da capital lusitana. Século após século, a cidade cresceu, mudou a sua face urbana, modernizando-se pouco a pouco, sem perder sua arquitetura histórica. Se a cidade modernizou-se, abrindo novas artérias de bairros, os problemas com fogos no centro histórico continuam os mesmos há trezentos anos. Em pleno século XXI, na noite de 6 para 7 de julho de 2008, um incêndio consumiu inteiramente o prédio número 23 da Avenida da Liberdade, comprometendo os outros ao seu redor. O que parecia solucionado desde 7 de novembro de 1996, quando um incêndio atingiu os Paços do Concelho, prédio que abriga a Câmara Municipal de Lisboa, fechando as catástrofes do século XX que se abateram sobre a cidade, as chamas de fogos voltam à tona em plena Avenida da Liberdade, uma das mais importantes da capital portuguesa.
Mas nenhuma tragédia recente na Olisipo moderna foi pior do que o imenso incêndio que se abateu sobre o Chiado, em 25 de agosto de 1988, transformando uma das áreas mais elegantes e históricas da cidade em ruínas, que assim se estenderiam por mais de uma década. A reconstrução do Chiado após o incêndio, foi lenta, deixando o local à deriva de um futuro incerto, que jamais recuperaria a força que tinha na vida social de Lisboa. Vinte anos após o incêndio que mudou a face histórica de Lisboa, consumindo 18 prédios seculares, ainda podemos ver as marcas da tragédia no edifício situado na Rua do Crucifixo, que acolhe o restaurante Palmeira em seu rés-do-chão, único local do prédio poupado pelo fogo, e que pertence a Câmara de Lisboa. O prédio ainda está por recuperar.

Chiado Histórico e Intelectual

A importância cultural do Chiado para a história de Lisboa e de Portugal, está nas casas emblemáticas como A Brasileira, a Livraria Bertrand, nos teatros seculares que ele abriga, como o Teatro Nacional de São Carlos, o Teatro Municipal de São Luiz, o Teatro da Trindade, nas ruínas do Convento do Carmo, ou no elevador de Santa-Justa, só para citar alguns exemplos.
Historicamente o Chiado, localizado numa das sete colinas de Lisboa, teria surgido no século XII. Tradicional bairro de vida intelectual, foi o sítio que recebeu o primeiro Estudo Geral (universidade) em Portugal, em 1288. O local foi integrado a área urbana da cidade pela Muralha Fernandina, povoando-se de conventos e solares de nobres.
Somente no século XVI a história situa a origem toponímica do bairro. Chiado era a alcunha de Gaspar Dias, um taberneiro do local, e do poeta Antonio Ribeiro, que a recebeu por freqüentar a taberna do primeiro. Antonio Ribeiro passou para a história como o Chiado que apadrinhou o bairro, é em sua homenagem o nome que se deu ao largo, e a estátua ali existente.
O grande terremoto de 1755, que destruiria grande parte de Lisboa, mudaria para sempre a história do Chiado. Após a reconstrução, os nobres dos solares tradicionais deixaram o local. Chegaram os burgueses, os maçons, todos à sombra da influência do Marques de Pombal. Uma zona totalmente reconstruída e de fulgor exuberante surgia no bairro.
Em 1784, o Café Talão, de Nicolau Massa, foi transferido para o número 37 da Rua Larga de São Roque, atual Rua da Misericórdia. A partir de 1800, o Talão mudou várias vezes de proprietários, sendo adquirido, em 1823, pelos irmãos Manoel e António Tavares. Surgia o Café Tavares, que em 1861, transformar-se-ia no restaurante Tavares, mais tarde Tavares Rico. Sendo nos dias atuais, o restaurante mais antigo de Portugal.
Em 1846 foi fundado por Almeida Garret e Alexandre Herculano, entre outros, o Grêmio Literário. Instalou-se então, uma pulsante vida intelectual no bairro, o Chiado passou a ser freqüentado por poetas, escritores, jornalistas, políticos e artistas, ficando repleto de cafés, clubes, teatros e can-cans. O Chiado tornar-se-ia um moderno local do romantismo português. Eça de Queiroz, Guerra Junqueira, Ramalho Ortigão e tantos outros freqüentavam o Tavares, sendo conhecidos como os “Vencidos da Vida”.
Em 1906 foi inaugurada A Brasileira, que a partir da década de 20 do século passado, tornar-se-ia o grande centro de reunião e tertúlia de jornalistas e intelectuais. Pelos salões de A Brasileira desfilariam Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Pacheco e muitos outros representantes do modernismo português.
O Chiado tornou-se o ponto sofisticado e intelectual de Lisboa, local obrigatório para quem queria ser visto na cidade. O comércio será por décadas, o mais requintado e dispendioso da capital. Casas míticas e luxuosas compunham esse comércio, como a Paris em Lisboa, Ramiro Leão, Casa Batalha, Luvaria Ulisses, o Grandela, os Armazéns do Chiado, a Casa Havaneza, a Ferrari, o Martins & Filho.
A Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, sairia do Largo do Carmo, onde Salgueiro Maia fixou a sua companhia, o povo concentrou-se no Chiado, fazendo das suas ruas o símbolo da liberdade da revolução.
Em 1988, um Chiado decadente foi assolado por um grande incêndio, tão profundo quanto o terremoto que o destruíra em 1755. Encerrava-se tragicamente, o glamour do bairro, que de forma indelével, ficaria marcado. Um novo Chiado teria que ser reconstruído. As ruínas do incêndio faziam a passagem do Chiado histórico para o Chiado contemporâneo.

O Chiado em Chamas

O Chiado e toda a Baixa Pombalina, chegaram ao ano de 1988 decadentes. Longe já se ia o requinte do comércio que marcara a história e tradição do bairro. Lisboa modernizara-se, sua população adquirira novas necessidades. Em 1985 um grande centro comercial, o das Amoreiras, fora inaugurado, marcando uma nova fase de comércio e hábitos na cidade. O comércio do Chiado sobrevivia da tradição de muitas das suas casas e das baixas rendas que se pagava pelas lojas. Os belos prédios pombalinos acumulavam, em seu interior, uma degradação camuflada, sem a atualização urbana necessária para a Lisboa que se preparava para entrar no século XXI.
Quem caminhava pelo Chiado à época que se precedeu ao incêndio, podia ver a elegância do bairro. Sentar nos banquinhos postos no meio da Rua do Carmo, uma rua fechada aos carros, com canteiros de cimento no meio, pequenos degraus e esplanadas. Foram justamente estes detalhes existentes naquela rua, feitos recentemente para torná-la um local de trânsito para peões, que se tornaram uma grande armadilha para os bombeiros, quando deflagrado o grande incêndio, dificultando a transposição dos bombeiros às ruas que ardiam.
O grande incêndio aconteceu no auge do verão de 1988. Começou entre às 3 horas e 4h30 da madrugada da quinta-feira de 25 de agosto, no interior dos Armazéns Grandela, na Rua do Carmo. O alarme só seria dado às 5h19, por um vigilante do Grandela. Naquela manhã de verão, as rádios acordavam a população a anunciar: “Lisboa está a arder”. O que se anunciava era pouco diante dos acontecimentos catastróficos. O fogo alastrava-se por toda a rua e adjacências. Enfrentando os obstáculos descritos acima em relação ao acesso à Rua do Carmo, 1680 bombeiros foram envolvidos para controlar o incêndio. Entre às 11 horas e o meio-dia e meio, o fogo foi dado por circunscrito, só declarado definitivamente dominado às 15 horas. O cenário era desolador. Vários feridos, entre eles estavam 60 bombeiros, 10 moradores e 3 policiais. 18 prédios tinham sido destruídos, como o dos Grandes Armazéns do Chiado, o da Valentim de Carvalho e o do Grandela. Quando a noite chegou, quatro quarteirões do Chiado tinham sido transformados em ruínas.

As Ruínas do Chiado

Ainda na tarde de 25 de agosto, o então presidente da Câmara de Lisboa, Krus Abecassis, criava o embrião do futuro Gabinete de Recuperação do Chiado, que prometia uma reconstrução do bairro em três anos. Um grande engano, a reconstrução das ruínas do Chiado seria lenta, sofrível, atravessaria os anos.
Após o grande incêndio, o trabalho de rescaldo dos bombeiros duraria onze dias, e neste período, a tragédia ficaria maior com a morte de um bombeiro. O local ficaria totalmente isolado por cerca de trinta dias.
Após um mês, a Rua do Carmo foi liberada. Para que se pudesse passar por suas ruínas, uma grande passarela de madeira foi posta, ligando-a a Rua Garret. Esta passarela grotesca, sem estética, ficaria por anos fazendo parte das ruínas. O arquiteto Siza Vieira foi chamado para desenhar a reconstrução do Chiado.
Aos poucos um novo Chiado foi surgindo. Prédios da Rua do Carmo foram reconstruídos, a passarela de madeira desapareceria após um novo asfaltamento da rua, que aboliu para sempre os banquinhos, as esplanadas, tornando-se mais ampla e preparada para receber tanques de bombeiros e carros, caso sucedesse uma nova catástrofe.
Quando completou a primeira década do incêndio do Chiado, o comércio local tinha sido esvaziado, devido à lentidão das obras de reconstrução que atravessaram toda a década de 90. Muitos dos novos prédios estavam vazios por causa das rendas exorbitantes que o novo Chiado exigia. Nos prédios reconstruídos, foram feitas galerias, e não estabelecimentos abertos para as ruas, com vitrines rasgadas. Esta nova forma deve-se não a Siza Vieira, mas à ganância dos proprietários, que queriam mais lojas em um mesmo espaço. Em 1998, apesar de uma nova estação do metropolitano ter sido aberta no bairro, dos 18 prédios destruídos, ainda faltava reconstruir três deles, o dos Grandes Armazéns do Chiado, o da Confepele, na esquina da Rua do Ouro, e o do Restaurante Palmeira, na Rua do Crucifixo. Em 1999 o prédio dos Grandes Armazéns do Chiado seria entregue, transformando-se em um grande centro comercial que leva o mesmo nome, trazendo grandes lojas, como a Fnac. Em 2008, vinte anos depois da tragédia, o prédio do Restaurante Palmeira ainda traz marcas do fogo, estando em ruínas, à espera de ser recuperado.Vinte anos depois, o Chiado é a zona mais cara de Portugal para a habitação. Sua vida noturna é inexistente. Estando totalmente adaptado à realidade contemporânea do século XXI, pouco lembra o local decadente antes do incêndio, muito menos o local tradicionalmente pulsante do seu apogeu. Durante o dia o Chiado pulsa com o seu novo fulgor, à noite adormece, desertificam-se as suas ruas, é no silêncio da penumbra noturna que se percebe o quão ainda lateja a cicatriz do grande incêndio que devorou séculos de tradição. O Chiado de Siza Vieira contrasta com o Chiado do Marquês de Pombal. O Chiado do século XXI é a sombra das labaredas da noite de 25 de agosto de 1988. Mesmo reconstruído!
 
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Sexta-feira, 29 de Agosto de 2008

510 ANOS DA MISERICÓRDIA

 

 

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia chegou aos tempos atuais com várias misericórdias espalhadas no Brasil e em Portugal, ricas em prestígio e bens, dedicadas, sobretudo, a vocação hospitalar. O que pouco se sabe é de como surgiu em 1498 a confraria da Misericórdia.
Na Baixa Idade Média o estado tinha a obrigação de justiçar contra os condenados, ou seja, executá-los quando assim sentenciados, ou mantê-los presos se condenados ao cárcere. Não tinha a obrigação de alimentar os seus prisioneiros, que só sobreviviam encarcerados se alimentados pela família ou pela caridade. Também quando executados, os seus corpos eram abandonados pelas ruas, sem que o estado os enterrasse. A confraria da Misericórdia surgiu para recolher os corpos dos condenados ou alimentar os prisioneiros em suas celas, pedindo por eles esmolas e comida.

Origem e História

A primeira Misericórdia que se tem notícia é a de Florença, fundada por São Pedro Mártir por volta de 1240, saída de uma “Società della Fede”. Em 1321 já se chamava “Santa Maria della Misericórdia”. Com o tempo a confraria entrou em decadência e só no século XV é que recupera a sua força. Em 1489 dota-se de novos estatutos e nela se encontram importantes pessoas da vida urbana. Em Roma existiam irmandades de “carcerati” , que se dedicavam a apoiar os presos.
Em Portugal, a rainha Dona Leonor, viúva de Dom João II, influenciada por suas ligações com Florença e Roma, quando rainha regente do irmão, Dom Manuel I, cria a Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia em 15 de agosto de 1498. Com citação de compromisso feita e assinada provavelmente nas capelas da Nossa Senhora da Piedade ou da Terra Solta, na Sé de Lisboa, onde passou a ter a sua primeira sede. Foi nomeado provedor o trinitário espanhol frei Miguel de Contreras. Os primeiros irmãos da nova irmandade citavam o compromisso originário:
“Os justiçados esquartejados cujos quartos são postos às portas da cidade, e assim dos membros daqueles em que se faz justiça e estão no pelourinho ou em quaisquer outras partes; a que depois de feita justiça a três dias irão os ditos oficiais com mais devoção que puderem pelos ditos membros e os tirarão e trarão a enterrar no cemitério da confraria.”
A Misericórdia adotou como símbolo identificador a imagem da Virgem com o manto aberto, protegendo os poderes terrenos (reis, rainhas, príncipes) e os poderes espirituais (papas, cardeais, bispos, clérigos ou membros de ordens religiosas); a proteção estendia-se também a todos os necessitados, representados por crianças, pobres, doentes, presos. Este símbolo passou a ser impresso nos compromissos, desenhado em azulejos, esculpido em diversos edifícios e pintado em telas, designadamente nos pendões, bandeiras ou estandartes que cada Misericórdia possuía.
As atuações dos confrades da irmandade na centúria dos quatrocentos podiam ser vistas na procissão de Quinta-feira Santa, quando marchavam pelas ruas à medida que a noite caía, trajando os seus hábitos e capuzes de penitentes, flagelando-se com chicotes de cordas múltiplas, as disciplinas, enquadradas pelo pendão da Senhora da Misericórdia e pelo crucifixo.
Apoiada por Dom Manuel, o Venturoso, a Misericórdia prolifera não só por Portugal, mas pelas terras que a expansão lusitana chega. Com esta proliferação a confraria apesar de ser de origem italiana, torna-se uma marca portuguesa no mundo. Em 1502 havia misericórdias em Ceuta, Tanger, Arzila e Alcácer Seguer, além de outras onze no Reino Lusitano. Em 1520 já se tem notícia de uma misericórdia ativa em Goa. Quando Dona Leonor de Lencastre morre, em 1525, já existem cerca de sessenta misericórdias.
As novas irmandades promoveram a divulgação e prática das 14 obras de misericórdia:

 
 
7 espirituais, mais orientadas para questões morais e religiosas:

 
· ensinar os simples
· dar bom conselho
· corrigir com caridade os que erram
· consolar os que sofrem
· perdoar os que nos ofendem
· sofrer as injúrias com paciência
· rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos
 

7 corporais, relacionadas sobretudo com preocupações materiais:
 

· remir os cativos e visitar os presos
· curar e assistir os doentes
· vestir os nus
· dar de comer a quem tem fome
· dar de beber a quem tem sede
· dar pousada aos peregrinos
· sepultar os mortos
 

 

Com o passar dos anos as misericórdias vão assumindo o aspecto de centros de assistência aos pobres e aos doentes, que persiste até os dias atuais. Só em 1513 são entregues as rendas do primeiro hospital a uma Misericórdia, a de Barcelos, e só em 1561 é que a regente Dona Catarina lhes permite possuírem bens de raiz.
A expansão da Misericórdia reflete a expansão portuguesa e a sua marca pelo mundo. No Marrocos dedica-se ao resgate dos cativos, concorrendo com a Ordem da Trindade. No Oriente vai garantir ao longo dos séculos, o apoio às órfãs e filhas de pai incógnito que os portugueses iam semeando pelo mundo.

A Misericórdia no Brasil

No Brasil ela chega através de Braz Cubas, fidalgo português e líder do povoado do porto de São Vicente, posteriormente vila de Santos, em 1543. Auxiliado por moradores do povoado, Braz Cubas iniciou em 1542 a sua construção, inaugurando-a em novembro do ano seguinte. A Santa Casa da Misericórdia de Santos é o mais antigo hospital brasileiro, com quase 500 anos de existência. Dom João III concedeu-lhe o alvará real de privilégios em 2 de abril de 1551.
No ano de 1560 foi criada a Confraria da Misericórdia de São Paulo dos Campos de Piratininga, alojada no Pátio do Colégio, depois nos Largos da Glória e Misericórdia, até ser inaugurada na Vila Buarque, em 1884 o Hospital Central - sua sede até os dias de hoje.
No Rio de Janeiro a Santa Casa de Misericórdia foi instalada pelo Padre José de Anchieta para socorrer os tripulantes da esquadra do Almirante Diogo Flores Valdez, aportada à baía de Guanabara em 25 de março de 1582, com escorbuto a bordo. Nesta cidade, responsabilizou-se, secularmente, pela administração dos cemitérios.
Durante anos foi responsável pelo acolhimento das crianças abandonadas pelos pais, acolhendo-as nas suas famosas rodas dos enjeitados.
Por estabelecer um caráter laico diante dos vários choques de interesse que a Igreja e o Estado tiveram ao longo dos séculos, as misericórdias chegam aos dias de hoje espalhadas pelas principais cidades portuguesas e brasileiras. Em Portugal é responsável pela administração dos jogos de loteria, o que lhe proporciona uma ampla obra social e um patrimônio invejável. No Brasil constituem principalmente a vocação hospitalar, sendo responsáveis por grandes hospitais. Esta instituição, mais antiga do que o Brasil, faz parte da história luso-brasileira há mais de 500 anos.
 
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Segunda-feira, 25 de Agosto de 2008

EXALTAÇÕES DE WALT WHITMAN

 


Walt Whitman nasceu em 1819, em West Hills, Long Island, Estados Unidos. Um homem incomum para o seu tempo e para a sua obra. Conseguiu transportar-se de uma vida singular em uma nação incipiente, tornando-se a voz do seu canto em uma época ríspida e de consolidação daquela que seria a maior potência do próximo século.
Whitman segue algumas profissões sem êxito. Ajudante de tipografia, jornalista discreto, ensina em East Norwich, trabalha como enfermeiro durante a Guerra da Secessão.
A poesia de Whitman traz a sua epopéia pessoal e a epopéia de uma América em ascensão. Contrariando as morais vigentes do século XIX, o poeta escreve livremente sobre o amor na forma que ele o sente, o amor entre iguais, o amor do homem pelo homem. Retrata em seus poemas a vida real e cheia de contradições. O seu canto exalta o desejo, o corpo reflete a mente, completa o universo do homem e da sociedade onde está inserido, pois a vida é de desafios e exaltações permanentes.
Na sua poesia sentimos o cheiro das folhas dos plátanos, o vento cortante das brisas de inverno, ouvimos as águas dos riachos mansos como a promessa de vida. Sentimos nos seus poemas a cama quente dos corpos e os abraços acolhedores e entrelaçados dos seus amantes. São poemas que desfazem o erotismo para dar passagem ao lirismo e à simplificação dos sentimentos, vividos como um abraço de boas vindas e companheirismo.
A poesia de Whitman causa repulsa nos mais conservadores da época. É considerada por muitos uma obra maldita, menor e provocante. A América recusa Whitman. Com o passar dos anos e a maturidade da jovem nação evoluindo, a poesia de Whitman vai perdendo os seus opositores e conquistando cada vez mais o espaço merecido. Por fim os ecos que condenavam a sua poesia desaparecem na poeira dos preconceitos seculares. E a América curva-se diante do seu maior intérprete e cantor. Whitman é o canto não dele mesmo, mas da formação dos Estados Unidos.
O poeta morreu em Camden, Nova Jersey, no dia 26 de março de 1889. Foi um homem autodidata, porte atlético e de alma apaixonada e apaixonante. Antes dele, poeta nenhum do Novo Mundo ousou escrever tão abertamente sobre o homossexualismo. Depois dele poucos o fizeram tão espontaneamente.
 

 
A Poesia de Whitman
 
 
 
 
 
When I Heard At The Close Of The Day (original)

When I heard at the close of the day how my name had been receiv’d with plaudits in the capitol, still it was not a happy night for me that follow’d,
And else when I carous’d, oe when my plans were accomplish’d, still I was not happy,
But the day when I rose at dawn from the bed of perfect health, refresh’d, singing, inhaling the ripe breath of autumn,
When I saw the full moon in the west grow pale and disappear, in the morning light,
When I wander’d alone over the beach, and undressing bathed, laughing with the cool waters, and saw the sun rise,
And when I thought how my dear friend my lover was on his way coming, O then I was happy,
O then each breath tasted sweeter, and all that day my food nourish’d me more, and the beautiful day pass’d well,
And the next came with equal joy, and with the next at evening came my friend,
And that night while all was still I heard the waters roll slowly continually up the shores,
I heard the hissing rustle of the liquid and sands as directed to whispering to congratulate me,
For the one I love most lay sleeping by me under the same cover in the cool night,
In the stillness in the autumn moonbeams his face was inclined toward me,
And his arm lay lightly around my breast – and that night I was happy.
 
From “Calamus” – Leaves Of Grass






Quando Soube Ao Fim do Dia (tradução)

Quando soube ao fim do dia que o meu nome fora aplaudido no capitólio, mesmo assim nessa noite não fui feliz,
E quando me embriaguei ou quando se realizaram os meus planos, nem assim fui feliz,
Porém, no dia em que me levantei cedo, de perfeita saúde, repousado, cantando e aspirando o ar fresco de outono,
Quando, a oeste, vi a lua cheia empalidecer e perder-se na luz da manhã,
Quando, só, errei pela praia e nu mergulhei no mar e, rindo ao sentir as águas frias, vi o sol subir,
E quando pensei que o meu querido amigo, meu amante, já vinha a caminho, então fui feliz,
Então era mais leve o ar que respirava, melhor o que comia, e esse belo dia acabou bem,
E o dia seguinte chegou com a mesma alegria e depois, no outro, ao entardecer, veio o meu amigo,
E nessa noite, quando tudo estava em silêncio, ouvi as águas invadindo lentamente a praia,
Ouvi o murmúrio das ondas e da areia como se quisessem felicitar-me,
Porque aquele a quem mais amo dormia a meu lado sob a mesma manta na noite fresca,
Na quietude daquela lua de outono o seu rosto inclinava-se para mim,
E o seu braço repousava levemente sobre o meu peito – nessa noite fui feliz.
 


Tradução José Agostinho Baptista

Outro Poema




 




Full Of Life Now (original)

Full of life now, compact, visible,
I, forty years old the eighty-third year of the Sates,
To one a century hence or any number of centuries hence,
To you yet unborn these, seeking you.

When you read these I that was visible am become invisible,
Now it is you, compact, visible, realizing my poems, seeking me,
Fancying how happy you were if I could be with you and become your comrade,
Be it as if I were with you. (Be not too certain but I am now with you.)

From “Calamus” – Leaves Of Grass

 


 



Pleno de Vida Agora (tradução)

Pleno de vida agora, concreto, visível,
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.

Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível,
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino como serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti.)

Tradução José Agostinho Baptista


 

 

CRONOLOGIA

1819 – Nasce a 31 de maio em West Hills, Long Island.
1823 – Muda-se com a família para Brooklyn.
1825-30 – Freqüenta a escola oficial.
1830-34 – Aprendiz numa tipografia.
1835 – Trabalha como impressor em Nova York.
1838-39 – Edita o semanário Long Islander, em Huntington.
1842-44 – Edita um jornal diário, o Aurora; edita o Evening Tatler.
1845-46 – Regressa a Brooklyn e escreve para o Long Island Star.
1846-48 – Edita o Daily Eagle de Brooklyn.
1855 – Publica a primeira edição de Leaves of Grass. Morre-lhe o pai.
1856 – Publica a segunda edição de Leaves of Grass.
1860 – É publicada a terceira edição de Leaves of Grass. Pela primeira vez uma edição que não é do autor.
1863-64 – Trabalha como enfermeiro voluntário na Guerra da Secessão.
1865 – Publica Durm-Taps, 53 poemas acerca da Guerra da Secessão. É demitido do Departamento do Interior pelo secretário James Harlan, que considera Leaves of Grass indecente.
1867 – Sai a quarta edição de Leaves of Grass, com 8 novos poemas.
1868 – Publicada em Londres Poems by Walt Whitman.
1870-71 – Quinta edição de Leaves of Grass. Na segunda tiragem dessa edição é incluída Passage to Índia e mais 71 poemas, alguns inéditos.
1873 – Parcialmente paralisado em janeiro. Morre-lhe a mãe em 23 de maio.
1876 – Sexta edição de Leaves of Grass, em dois volumes.
1880 – Sétima edição de Leaves of Grass. Devido às ameaças de um promotor público, a distribuição do livro é interrompida. A edição só é retomada em 1882. Inclui 20 poemas inéditos.
1882 – Publicado Specimen Days and Colect.
1883 – Estudo crítico da poesia de Whitman por Bucke.
1884 – Adquire uma casa em Mickle Street, Camden, Nova Jersey.
1888 – Novo ataque de paralisia. São publicados 62 novos poemas sob o título November Boughs. Publicado Complete Poems and Prose of Walt Whitman.
1889 – Oitava edição de Leaves of Grass. Prepara a edição chamada de “leito de morte” de Leaves of Grass, que seria publicada em 1892. Morre no dia 26 de março e é sepultado no Cemitério de Harleigh, Camden, Nova Jersey. É publicado Complete Prose Works.
1897 – Publicada a décima edição de Leaves of Grass, a que se juntam os poemas póstumos Old Age Echoes.
publicado por virtualia às 23:25
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Sexta-feira, 22 de Agosto de 2008

OS TEMPOS DE JANETE CLAIR NA TV GLOBO

 

 

A Rede Globo tem na produção das suas telenovelas o seu principal produto de venda. É através delas que a emissora mantém a liderança da sua programação diante das outras emissoras. Além do mercado nacional, a teledramaturgia da emissora é exportada para todos os cantos do mundo, com um merecido reconhecimento internacional pela qualidade do produto. Mas essa hegemonia nem sempre pertenceu à emissora fundada pelo jornalista Roberto Marinho, em 1965.
A telenovela apresentada em capítulos diários, surgiu em julho de 1963, com "2- 5499 Ocupado", produção da TV Excelsior, escrita por Dulce Santucci, protagonizada por Tarcísio Meira e Glória Menezes. Era uma produção sem pretensões que jamais pensou que aquela forma de dramaturgia alcançaria tamanha aceitação popular e tornar-se-ia ao lado do carnaval e futebol, uma paixão nacional.
Nos primórdios da televisão brasileira, os textos das telenovelas eram rebuscados e não atendiam a uma lógica psicológica das histórias e das personagens. Tudo era possível. Dramalhões mexicanos, histórias de príncipes, sheiks e castelos, desertos, tudo que a imaginação dos autores pudessem criar. As telenovelas não traziam uma identificação com o público ou com o cotidiano brasileiro. O primeiro grande sucesso de uma telenovela veio em 1965, na TV Tupi, com o dramalhão do cubano Félix Caignet, O Direito de Nascer, adaptado por Teixeira Filho e Talma de Oliveira. O sucesso alcançado deu direito a uma festa de encerramento no Ibirapuera, em São Paulo, e outra no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.
A telenovela tem as suas raízes nas novelas das rádios. México, Cuba e Argentina eram especialistas no gênero, influenciando o gênero no Brasil. Vários foram os autores e atores que migraram da rádio para a televisão. Ivany Ribeiro na TV Excelsior e Glória Magadan na TV Globo, dominavam o dramalhão televisivo. A era Glória Magadan na Globo é marcada pelo sucesso absoluto de tramas passadas nos castelos franceses, no Marrocos, no Japão, enfim, onde a sua fértil imaginação a levasse. Torna-se poderosa na emissora de Roberto Marinho. É ela a responsável pela supervisão da teledramaturgia da casa. Senhora absoluta dos destinos das suas personagens e por conseqüência, das carreiras do atores que dependiam da telenovela para brilhar.
 

Um Terremoto na Estréia

 
Em 1967, o ator Emiliano Queiroz escreve a novela Anastácia, A Mulher Sem Destino, que tinha por protagonista Leila Diniz. Sem habilidade para escrever novelas, o autor cria vários personagens para empregar os amigos e perde-se totalmente. Para resolver o problema da telenovela, Glória Magadan convoca uma novelista da rádio, com alguns trabalhos feitos para a televisão, a pouco conhecida Janete Clair. Dona de uma imaginação fértil e romântica, a jovem autora faz a sua estréia na Globo de forma antológica: cria um terremoto que mata quase todo o elenco da novela, restando apenas quatro personagens. Na confusão mata por descuido, a personagem que trazia o grande segredo da trama. Cria novos personagens e reescreve a história. Assim, com um grande terremoto, estréia na Globo, aquela que seria a grande responsável pela consolidação do gênero da telenovela na emissora.
Em 1969, já na Globo, escrevendo para a emissora “Passo dos Ventos”, Janete Clair escreve em simultâneo “Acorrentados” , para a TV Rio, a pedido de Daniel Filho, que deixara a Globo após se desentender com Glória Magadan.
No princípio Janete Clair, sob a supervisão de Glória Magadan, segue o estilo de teledramaturgia da emissora, criando dramalhões de época como "Sangue e Areia" e "Rosa Rebelde". Mas a fórmula está desgastada. A telenovela está consolidada como forma de diversão do telespectador brasileiro, o que exige renovação da sua linguagem e uma maior aproximação com o público. "Redenção", de Raimundo Lopes, a mais longa telenovela da televisão brasileira (596 capítulos), exibida pela Excelsior de 1966 a 1968, é a primeira telenovela a não ter um texto importado e a tratar de temas imediatos do cotidiano brasileiro. A novela transformaria Francisco Cuoco em galã nacional. Também a Tupi apresenta renovações na linguagem. Em 1968 "Antonio Maria", de Geraldo Vietri e Walter Negrão, a história de um imigrante português vivido por Sérgio Cardoso faz grande sucesso. Mas é com "Beto Rockfeller" de Bráulio Pedroso, de 1969, que a telenovela muda a sua linguagem. Pela primeira vez o protagonista é o herói de caráter duvidoso. Luís Gustavo levaria anos para desassociar a personagem da sua carreira.
Com a mudança de linguagem das telenovelas, a fase dos dramalhões de Glória Magadan na Globo, chega ao fim, e a autora é demitida. Em 1969 Janete Clair escreve "Véu de Noiva". A novela era a ruptura definitiva com os dramalhões de época. Pela primeira vez na história das telenovelas, os cenários são as praias da zona sul carioca, os autódromos de fórmula 1. Há trilha sonora. E as personagens pareciam com os nossos vizinhos. Regina Duarte e Cláudio Marzo são os protagonistas da história. Com "Véu de Noiva" é inaugurada a nova linguagem global, que uma década depois, iria conquistar o mundo com as suas telenovelas.
A sucessora de "Véu de Noiva" é a antológica "Irmãos Coragem", de 1970. A novela, um western tupiniquim, traz o público masculino para frente dos televisores, todos querem saber qual o destino dos irmãos João (Tarcísio Meira), Jerônimo (Cláudio Cavalcanti) e Duda (Cláudio Marzo). O Brasil segue atentamente a novela, única diversão de massas naqueles dias negros da ditadura militar. Com "Irmãos Coragem" a Globo tornar-se-ia a emissora líder de audiência, título que conserva até os nossos dias. E as histórias de Janete Clair são garantias de sucesso de público.

Chega a Televisão Colorida

Em 1972 as cores chegam à televisão brasileira. O primeiro programa colorido feito pela emissora foi o caso especial “Meu Primeiro Baile”, história criada por Janete Clair para inaugurar a tecnologia das cores na telinha, trazia em seu elenco os principais atores da emissora da época (Glória Menezes, Sérgio Cardoso, Tarcísio Meira). Curiosamente a primeira novela colorida da emissora e da televisão brasileira não é de Janete Clair, mas sim "O Bem-Amado", do seu marido, o dramaturgo Dias Gomes, de 1973. A Globo aos poucos vai inaugurando a cor nos seus horários de telenovelas. Na época a emissora tinha três horários distintos para apresentar as suas telenovelas: às 19 horas, às 21 horas (a famosa novela das oito) e às 22 horas. O horário das 22 horas é o escolhido para inaugurar as cores na televisão. O famoso “horário das oito” só teria sua primeira novela colorida em 1975, com "Pecado Capital", também de Janete Clair.
Com "Selva de Pedra", de 1972, Janete Clair consegue uma audiência histórica para a Globo de quase 100%, no famoso capítulo que Rosana Reis/Simone Marques (Regina Duarte) era desmascarada. A novela foi um marco na teledramaturgia brasileira. "Selva de Pedra" era a sétima novela ininterrupta de Janete Clair na emissora.
Até 1975 as novelas não eram transmitidas em simultâneo para todo o país. Um mesmo capítulo poderia ser transmitido em determinado estado brasileiro com até 60 dias de atraso em relação ao capítulo apresentado no Rio de Janeiro, o ponto de partida de transmissão da Globo. No início daquele ano a Globo torna uniforme a retransmissão para as suas associadas, e a telenovela passa a transmitir o mesmo capítulo em simultâneo para todo o território nacional.

A Censura nas Novelas de Janete Clair

A época de Janete Clair na Globo deu-se durante toda a ditadura militar, o que fez com que a autora sofresse com a censura. Devido à atuação da censura, teve que muitas vezes mudar o curso das suas histórias.
Em "O Homem Que Deve Morrer", de 1971, a história original seria uma versão mística adaptada da vida de Cristo. O personagem Ciro Valdez (Tarcísio Meira) trazia um mistério em torno do seu nascimento através de uma mulher virgem. A idéia foi totalmente censurada, o mistério foi resolvido com a personagem sendo filho de um extra terrestre. Em "Selva de Pedra" a censura impediu o casamento de Cristiano (Francisco Cuoco) e Fernanda (Dina Sfat), por o personagem ser casado com Simone (Regina Duarte), mesmo ele a pensar que a mulher tinha morrido em um acidente e estava viúvo. A solução foi a personagem ser abandonada no altar e 22 capítulos foram inutilizados, tendo que ser reescritos.
Em 1973, novamente a censura bateu à porta da escritora. A novela “Fogo Sobre Terra”, que contava a história de uma cidade desalojada pela construção de uma barragem hidrelétrica, algo comum nos anos setenta, foi censurada e a autora teve que improvisar, escrevendo de última hora a telenovela “O Semideus”. Em 1974 a novela censurada foi liberada e Janete Clair a escreveu, tendo Regina Duarte e Juca de Oliveira como protagonistas.
Em 1975 foi a vez de seu marido Dias Gomes, ter a sua novela, "Roque Santeiro", censurada. Dias antes de ir ao ar, os censores de Brasília descobriram que "Roque Santeiro" era uma adaptação da peça "O Berço do Herói", de Dias Gomes, que tinha sido censurada. A Globo ainda tentou negociar a sua liberação, mudando o horário de estréia da novela para o das 22 horas e trazendo "Gabriela", que na época era apresentada nesse horário, para as oito da noite. Chegaram a fazer as chamadas com a alteração, mas a censura foi irredutível e "Roque Santeiro" só seria feita dez anos mais tarde, em 1985. Janete Clair, que à época escrevia a telenovela Bravo! para o horário das 19 horas, foi chamada para criar uma história que pudesse encaixar todo o elenco da telenovela censurada. Ela criou "Pecado Capital" e aproveitou quase todo o elenco de "Roque Santeiro", evitando o desemprego de muitos atores contratados para a novela de Dias Gomes. E assim Francisco Cuoco deixou de ser Roque para se transformar em Carlão, Betty Faria trocou a Viúva Porcina pela Lucinha e Lima Duarte deixou de ser o poderoso Sinhozinho Malta para se transformar no empresário Salviano Lisboa.
Também "Duas Vidas" de 1977, sofreu com a censura. Novamente um tema social, a construção do metropolitano no Rio de Janeiro e a desapropriação de casas para viabilizar a obra. Na época Janete estava proibida de falar nos danos que a obra causava à população. Até a simples menção da poeira causada pelas obras foi censurada.
 

Um Horário Para a Despedida de Janete Clair

 
A autora tinha como atores preferidos Francisco Cuoco, Dina Sfat, Regina Duarte e Tony Ramos. A fase de ouro da carreira de Francisco Cuoco deve-se a Janete Clair. Depois da morte da autora, a carreira do galã entrou em declínio.
Vários foram os sucessos da época de ouro das novelas de Janete Clair, entre eles "O Astro", de 1977-1978, que parou o país com a pergunta “Quem Matou Salomão Hayalla?”.
'Pai Herói" (1979), trouxe à televisão o ator Paulo Autran, avesso ao veículo, que possibilitou a criação do antológico Bruno Baldaracci.
No início dos anos oitenta Janete Clair começou a lutar com um câncer. Escreveu a novela “Sétimo Sentido” (1982) já com alguma dificuldade. Ao terminar a novela, já debilitada pela doença, a autora tinha o sonho de fazer a sua última novela das oito. A direção da Globo sabia que a saúde da autora era delicada e não queriam arriscar a investir em uma produção em horário nobre e vir a perder a autora no meio da trama. A solução encontrada foi criar um horário para Janete Clair. Assim foi feito. Em 1983 a Globo ressuscita o horário das 22 horas (extinto desde 1979) para apresentar "Eu Prometo", que seria a última novela da autora. Janete Clair não terminaria a novela, em 16 de novembro daquele ano, o câncer a vencia. Glória Perez, então sua colaboradora, terminou a novela que trazia o par romântico protagonizado por Francisco Cuoco (seu ator fetiche) e Renée de Vielmond. Encerrava-se naquele ano a fase de Janete Clair nos corredores globais.
Devemos a ela a fórmula atual da telenovela. O cotidiano do brasileiro, os seus sonhos, as suas lutas. Janete Clair dizia que as suas novelas eram feitas de capítulos, não um todo. Não via a novela como uma obra completa, mas feita capítulo a capítulo, mesmo que perdessem o fio psicológico das personagens, o importante era prender o telespectador naquele dia. Como ela dizia, se estava triste, escrevia um capítulo triste, se estava alegre, assim seria o capítulo daquela noite. Dias Gomes quando escrevia "Sinal de Alerta", em 1979, estava em dúvida se uma das suas personagens deveria cometer adultério, se fazia lógica com o seu perfil psicológico. Perguntou a Janete Clair o que ela achava. A resposta “Faça não só que cometa adultério, mas que fique grávida do amante.” Era esta intuição fértil de Janete Clair que a fez uma autora ímpar. E só ela sabia trabalhar as emoções das suas tramas. Três telenovelas de Janete Clair ganharam uma segunda versão: “Selva de Pedra” (1986), “Irmãos Coragem” (1995) e “Pecado Capital” (1998) e nenhuma delas atraiu ao público. A manipulação genial das suas personagens só ela sabia fazê-lo.
Sem a presença de Janete Clair na história das telenovelas, talvez não teríamos o produto como o temos hoje. Esta mineira de Conquista, nascida em 1925, revolucionou o conceito da telenovela no país e ajudou na construção de um dos maiores impérios de teledramaturgia do mundo: a Rede Globo.


Telenovelas:

1964 – O Acusador – TV Tupi
1965 – Estrada do Pecado – TV Itacolomi
1967 – Paixão Proibida – TV Tupi
1967 – Anastácia, A Mulher Sem Destino (Co-Autoria Emiliano Queiroz) – TV Globo
1968 – Sangue e Areia – TV Globo
1968/1969 – Passo dos Ventos – TV Globo
1969 – Acorrentados – TV Rio
1969 – Rosa Rebelde – TV Globo
1969/1970 – Véu de Noiva – TV Globo
1970/1971 – Irmãos Coragem – TV Globo
1971/ 1972 – O Homem Que Deve Morrer – TV Globo
1972/1973 – Selva de Pedra – TV Globo
1973/1974 – O Semideus – TV Globo
1974/1975 – Fogo Sobre Terra – TV Globo
1975 – Bravo! (Co-Autoria com Gilberto Braga)
1975/1976 – Pecado Capital – TV Globo
1976/1977 – Duas Vidas – TV Globo
1977/1978 – O Astro – TV Globo
1979 – Pai Herói – TV Globo
1980/1981 – Coração Alado – TV Globo
1981/1982 – Jogo da Vida (Argumento – Escrita por Silvio de Abreu) – TV Globo
1982 – Sétimo Sentido – TV Globo
1983/1984 – Eu Prometo (Terminada por Glória Perez) - TV Globo
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Quarta-feira, 20 de Agosto de 2008

CONSTRUÇÃO - ÁLBUM DE UM GRITO SUSSURRADO

 


 
Chico Buarque é um dos maiores compositores da música popular brasileira. De uma obra extensa e fundamental, é quase que impossível resumi-la. Desde o lançamento do seu primeiro álbum em 1966, que a MPB foi presenteada com uma das carreiras mais ímpares, densas e brilhantes da sua história.
Tendo como mestre Noel Rosa, o início da obra de Chico Buarque reflete os sambas tradicionais, repletos de um lirismo nostálgico. Um estilo que seria muito criticado pelos tropicalistas na fase de rupturas estéticas do movimento. Esta primeira fase acontece nos três primeiros álbuns de carreira: Chico Buarque de Hollanda (1966), Chico Buarque de Hollanda Vol. 2 e Chico Buarque de Hollanda Vol. 3. Uma fase amena, mas que nos deixa clássicos definitivos como “A Rita”, “Pedro Pedreiro”, “Morena dos Olhos D’Água”, “Roda Viva”, “Carolina”, “Quem te Viu, Quem te Vê” e “A Banda”.
Com o endurecimento do regime militar após a promulgação do AI-5 em dezembro de 1968, Chico Buarque exilado-se em Roma com a mulher, a atriz Marieta Severo, em 1969. Um exílio que duraria pouco mais de um ano e meio, mas que refletiria para sempre na sua obra e nos caminhos que ela iria traçar a partir de então. Na Itália grava para a Philips o seu quarto disco Chico Buarque de Hollanda No. 4, álbum de transição, onde já se observa uma nova fase da sua carreira, mais madura e com traços do que seria futuramente.
Mas é em Construção, álbum de 1971 que vamos encontrar um Chico Buarque mais maduro e já com as características de compositor que o acompanharia por toda a carreira. É justamente o álbum Construção que aqui será falado.
Construção é o álbum pós-exílio na Itália. Nessa fase em Roma, também lá estava o compositor e cantor Toquinho. A presença dos dois não passou despercebida pelos italianos, que os receberam com ótima receptividade. Quando Chico Buarque retornou ao Brasil, foi aconselhado por Vinícius de Moraes a voltar sob os holofotes, em meio a uma grande recepção com bastante aparato na sua chegada, convocando imprensa, amigos, promovendo um show na boate Sucata, para o lançamento do seu quarto disco, tudo isto para evitar que o cantor e compositor fosse preso pela ditadura militar tão logo desembarcasse no aeroporto.
Construção reflete uma fase de intensa parceria entre Chico Buarque e Vinícius de Moraes. O Poetinha aparece no álbum em quatro composições em parceria com Chico Buarque, Toquinho e Tom Jobim: “Desalento” (Chico Buarque – Vinícius de Moraes), “Olha Maria” (Tom Jobim – Vinícius de Moraes - Chico Buarque), “Valsinha” (Vinícius de Moraes – Chico Buarque) e “Samba de Orly” (Vinícius de Moraes – Toquinho – Chico Buarque). Nestas quatro canções a influência poética e lírica de Vinícius é latente.

 

Samba de Orly” era a música do exílio, de quando uns voltavam e outros ainda ficavam. Aqui a referência do título ao Aeroporto de Orly, aeroporto a catorze quilômetros ao sul de Paris.

 

 

 
Samba de Orly
(Vinícius de Moraes – Toquinho – Chico Buarque)

Vai meu irmão
Pega esse avião
Você tem razão
De correr assim
Desse frio
Mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão
Pede perdão
Pela duração (Pela omissão)*
Dessa temporada (Um tanto forçada)*
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que eu vou levando
Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa

 


*Os dois versos originais foram vetados pela censura.

Valsinha” é de um lirismo-romântico na combinação de dois poetas de estilos tão distintos, deixando-nos esta obra-prima sublime da MPB. A canção é de um lirismo não nostálgico, mas de um convite ao amor sublime do momento, a surpreender os amantes em seus atos espontâneos de amor.

Valsinha
(Vinícius de Moraes – Chico Buarque)

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

Olha Maria” é de um arroubo doce e melancólico, quase sussurrada. Nota-se não só um Vinícius de Moraes, mas o maestro soberano a conduzir o sussurro, como é todo o grito de Chico Buarque nesta época de censura.

 

Olha Maria
(Tom Jobim – Vinícius de Moraes - Chico Buarque)

Olha, Maria
Eu bem te queria
Fazer uma presa
Da minha poesia
Mas hoje, Maria

Pra minha surpresa
Pra minha tristeza
Precisas partir
Parte, Maria
Que estás tão bonita
Que estás tão aflita
Pra me abandonar
Sinto, Maria
Que estás de visita
Teu corpo se agita
Querendo dançar
Parte, Maria
Que estás toda nua
Que a lua te chama
Que estás tão mulher
Arde, Maria
Na chama da lua
Maria cigana
Maria maré
Parte cantando
Maria fugindo
Contra a ventania
Brincando, dormindo
Num colo de serra
Num campo vazio
Num leito de rio
Nos braços do mar
Vai, alegria
Que a vida, Maria
Não passa de um dia
Não vou te prender
Corre, Maria
Que a vida não espera
É uma primavera
Não podes perder
Anda, Maria
Pois eu só teria
A minha agonia
Pra te oferecer

Desalento” é aquela canção que traz o famoso lirismo nostálgico que tanto fez parte da obra de Chico Buarque, e que felizmente Chico não deixou de fazer quando criticado, aqui suavizado, mas pouco influenciado pela bossa nova de Vinícius de Moraes. É um regresso ao samba-canção no mais doce estilo Ismael Silva – Noel Rosa.
 

Desalento
(Chico Buarque – Vinícius de Moraes)

Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou
Infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos

 


Deixando a poesia de Vinícius, vamos encontrar um Chico Buarque na mais perfeita rima da contestação de sua obra: “Deus lhe Pague” e “Construção”. Chico já vinha da composição de protesto “Apesar de Você”, de 1970, lançada em um compacto que venderia 100 mil cópias e em seguida censurada e retirada do mercado. “Apesar de Você” tornar-se-á o hino contra a repressão durante a ditadura militar.
Deus lhe Pague” abre o álbum. Rasante, desconcertante, pungente, a música mostra a verve dilacerada da alma humana em sua mais tocante essência. A participação do MPB-4 na faixa dá um toque menos claustrofóbico à canção.

Deus lhe Pague
(Chico Buarque)

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague
Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

Construção” é de um brilhantismo no jogo de palavras e na estruturação e composição dos versos, de uma vertente social crua, embebedada pelo jogo das palavras, a refletir uma época em que o Brasil verticalizava as suas metrópoles, os arranha-céus subiam e geravam os mártires que os construíam, pois não havia uma legislação trabalhista que protegesse os trabalhadores da construção civil contra acidentes de trabalho. Muitos foram os operários que sucumbiram nas grandes construções do Brasil megalômano dos militares (mortos nas construções da Ponte Rio Niterói, da Transamazônica e tantas outras). Chico mostra em “Construção” essa triste realidade de desproteção social do cidadão trabalhador brasileiro.

 
Construção
(Chico Buarque)

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

 


 
E a temática social sai das construções e do trabalho e volta para o lar em “Cotidiano”. Aqui o homem em luta com o seu marasmo entre o trabalho e o casamento, entre a vontade de contestar e a realidade de ter que se calar, seguir a vida banal, monótona, cotidiana... A canção seria até tema de abertura de novela (Como Salvar Meu Casamento – Rede Tupi – 1979).

 
 
 


Cotidiano
(Chico Buarque)

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã


Ainda há tempo para um grito sufocado em “Cordão”, um reflexo dos temores aos tentáculos da ditadura e os resquícios de ter que se exilar. Aqui novamente o grito quase que contido de uma época que a repressão se fazia presente na arte, na cultura e na vida do brasileiro.

 

Cordão
(Chico Buarque)

Ninguém
Ninguém vai me segurar
Ninguém há de me fechar
As portas do coração
Ninguém
Ninguém vai me sujeitar
A trancar no peito a minha paixão
Eu não
Eu não vou desesperar
Eu não vou renunciar
Fugir
Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Ninguém
Ninguém vai me ver sofrer
Ninguém vai me surpreender
Na noite da solidão
Pois quem
Tiver nada pra perder
Vai formar comigo o imenso cordão
E então
Quero ver o vendaval
Quero ver o carnaval
Sair
Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Alguém vai ter que me ouvir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder seguir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir


Para fechar a sua fase italiana de exílio, Chico traz daquele país a marginal-lírica Gesùbambino (Dalla – Palottino), canção da qual ele faz uma belíssima versão rebatizada de “Minha História”. A história do marginal dos cabarés, dos bares, da vida, que se chama ironicamente Menino Jesus. A contestação segue solta. E a música é anexada à nossa MPB como tantas outras versões de sucesso, como se nos pertencesse. Esta música teve problemas com a censura, principalmente da igreja, que a achava ofensiva.
 


Minha História (Gesùbambino)
(Dalla – Palottino – Versão Chico Buarque)

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente
Ele assim como veio partiu não se sabe pra onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido cada dia mais curto
Quando enfim eu nasci minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré
Minha mãe não tardou a alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor
Minha história é esse nome que ainda hoje carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de Menino Jesus


O álbum poderia ter sido encerrado aqui, mas há espaço para encerrá-lo com os versos de ninar de “Acalanto”. Chico tinha se tornado pai recentemente, sua filha Silvia Buarque nascera durante o exílio na Itália. É natural que às sombras da perseguição reflitam nesta pequena canção.
 


Acalanto
(Chico Buarque)

Dorme minha pequena
Não vale a pena despertar
Eu vou sair
Por aí afora
Atrás da aurora
Mais serena


Construção é lançado em um dos períodos mais negro da ditadura militar, o governo do general Emílio Garrastazu Médici. Quase um grito contido e dilacerado de um tempo que parecia cada vez mais distante a volta da democracia. Um tempo que gente era torturada e desaparecia nos porões obscuros do regime militar. Um grito de coragem em canções que transitavam entre o protesto social, a angústia existencialista e o lirismo romântico. Trazia um Chico Buarque mais maduro e definitivo, numa época dura e transitória.




Ficha Técnica:

Construção – 1971

Direção de Produção: Roberto Menescal
Direção de Estúdio: Roberto Menescal
Técnicos de gravação: Toninho e Mazola
Estúdio: Phonogram
Direção Musical: Magro
Participação especial: Tom Jobim, Paulinho Jobim e MPB4
Foto: Carlos Leonam
Capa: Aldo Luz

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Sábado, 16 de Agosto de 2008

A FACE DE EROS

 

 
Conto e Poema de:
JEOCAZ LEE-MEDDI


O barco deslizava calmamente por águas turvas, em que a cor da lama confundia-se com o brilho prateado da Lua. Atravessava cidades, costumes, gente. Em cada margem do rio um cheiro de vida. No barco a solidão dos meus sonhos. Não havia outra voz que não a minha, outro mundo que não o meu. No universo da solidão fria das ideologias, as palavras como magia. O que era eu além das palavras? Se fosse mudo seria poeta? Se fosse surdo seria sábio? Em mim a palavra superava a lógica. Na minha boca elas pareciam exóticas. Navegar entre costumes, seguir o São Francisco do sertão de Minas Gerais até o desembocar no Atlântico. O São Francisco era o rio da vida do sertão seco, em brasa, agonizante, cheio de mistérios. Nele voavam sacis, caiporas, fadas, duendes, gnomos, sátiros de insaciável presença fálica. Atravessar o São Francisco, como um navegante sem a responsabilidade de Cabral. Mas na certeza da agonia dos profetas. A verdade das horas deslizava pelas águas.
Quando entrei naquele barco que trazia na proa as carrancas com mitos antigos, rodei o relógio no tempo. Para frente, para trás, não sabia. Viajava pelo tempo a procura de uma promessa. A Lua queimava o meu rosto, mais forte do que o Sol. Apesar de uivos de lobos, não hesitei em ousar descer do barco, pisar em terra. Nas margens do rio uma sombra. Não lhe via o rosto, mas era um semblante bonito, sorria, mas no rosto a luz não chegava. Tal qual um Eros audacioso, ele estendeu-me a mão, convidou-me para acompanhá-lo:
– Vem. Não tenhas medo.
– Quem és?
– Não sabes? Sou o que sempre esteve, sou o que te queima a verdade, mas gostas das mentiras. Vem, persiga-me porque eu o fiz toda a minha vida.
Persegui-lo? Quem era? Por que não lhe via o rosto? Via-lhe a alma, era quase igual a minha. Via-lhe o sorriso. Sorria-me, estendia-me a mão. Toquei-lhe a mão. O meu corpo flutuou, os meus pés perderam o chão. Flutuei tal qual um Ícaro insaciável. Subi, sempre na direção da luz prateada. Era a Lua a brilhar sobre as águas do mundo. Do São Francisco ao Atlântico, do Atlântico ao norte das encostas frias de um povo, de um sonho.
Para ele era simples voar, para mim era quase um milagre. Tinha medo de cair. Quando o medo assaltou-me a alma fui perdendo altitude, cada vez mais, pousei desajeitadamente no solo coberto de rochas e pedras pontiagudas que feriam os meus pés. Dali via o mar que vinha em forma de ondas em fúria a agredir as rochas, queimando-as com o sal a terra.
– Por que paraste? - Perguntou-me.
– Porque me lembrei que o homem não foi feito para voar. Mas vôo sempre, estou sempre a voar nos meus sonhos, sempre, é quase uma obsessão. Salto dos arranha-céus de uma cidade de pedra, atravesso ruas, pouso em universos de concreto. Vôo, sempre com um pé sobre o chão e outro no precipício dos sonhos.
– Se voas, então por que paraste?
– Medo de cair.
– Cair? Não tens asas de cera, não tens asas, tens sonhos, podes voar que não perdes as asas. Não acreditas que me procuras?
– Sempre, toda uma vida. Mas perco-te nas sombras.
– Toca-me o rosto. Vá, toca-me o rosto.
Toquei-lhe o rosto. Senti-lhe a pele, o sangue, o calor, mas não conseguia ver-lhe o rosto, por mais que tentasse. Era Eros a não querer revelar-se.
– Quem és tu?
– Sou o que te espera no fim da tua solidão. Quanto mais procurares por mim, mais próximo da solidão ficarás. Quando derrubares a sombra do meu rosto, terás que me reconhecer. Eu espero-te há tantos anos. Por favor, reconheça-me, porque não saberei fazê-lo.
– Como farei para reconhecer-te?
– Saberás, perdoa ter chegado assim, uma eternidade antes de ti.
– Uma eternidade antes? Chegaste uma eternidade antes de mim? Não, estás a condenar-me à eternidade da procura prevista?
Olhei para a fúria do mar. Tinha frio. O tempo parecia cruel nas águas daquele mar. Ele abraçou-me, quase como um abraço do tempo. O seu calor fazia com que o frio fugisse do meu ser, com que sentisse um conforto no corpo, quase como uma paz que a vida não dava, mas que nele encontrava.
– O mar parece trazer o sangue dos homens. - Disse-lhe eu.
– Sim, porque banha ilhas cheia de calor humano, mas coberta por duendes, por gnomos, gênios do mal, gênios sanguinários e cruéis. Não reconheces a ilha? Não reconheces a tua poesia? Não reconheces o sangue dos poetas que dela surgiram? São os teus poetas, eles dirão onde me encontrar. Os teus poetas dirão o meu nome, nunca te esqueças. As ilhas, a poesia. Já sentes calor?
– Sim, o frio do mar passou, parece que se acendeu um braseiro.
– Então olha ao teu redor. Olha!
Já não estava na ilha do mar frio, de gênios furiosos e sanguinários. Lá embaixo via uma cidade na qual nunca estive, perdida milhares de anos no tempo. Parecia Atenas. Via as suas ruas sujas. Olhei por detrás de mim. Senti um frio de fogo no meu ser. Era a Acrópole, de cima da colina eu via os gregos e os seus deuses, os antepassados gloriosos nas páginas de Homero, bem antes de navegarem pelas páginas de Luís de Camões.
– Também aqui terás resposta. É aqui que encontraste todos os elementos da tua literatura. És uma tragédia grega, nunca um romance ocidental. Por favor, não me deixas fugir, tens que me reconhecer, só tu o farás.
– Quem és tu? Porque não somos apresentados? Porque tenho que saltar as noites e a eternidade? Que eternidade me resta depois de ti? Eu ainda nem sei que caminho percorrerei para cruzar o teu. Vá, revela-me o teu rosto, revela-me o teu nome. Revela-me porque eu já não me entendo, eu já não sei onde anda toda a minha paz, já não sei nada, estou cansado, cansado e saturado da paixão, mas nunca do amor. Se pelo menos soubesse a diferença entre a paixão e o amor. Mas no meu ser é tudo tão igual, quase natural a força e a paixão.
– Há tantos segredos que aprendi para contar-te. Nem sabes das aventuras que percorri, os ferimentos com os quais arranhei a minha alma para que me trouxesses os ungüentos que aliviariam toda a dor. E continuarei assim, ferindo-me de morte, até que me venhas salvar, porque eu já sou o teu ungüento. Não me deixa agonizar tantos anos, reconheça-me.
– Mas nem sequer sei aonde vou.
– Sabes, vais na direção da minha sombra. Mas se te matas não me acharás. Não ouses a enfrentar a tua sorte, serás infeliz.
– Tal como tu, ainda tenho que surrar a alma para reconhecer-te.
– És teimoso. Nem sabes das poesias que tenho para ler-te nas noites em que teimas em destruir o construído. Não sejas o eterno escorpião. O escorpião que numa margem do rio pediu a uma rã para atravessá-lo até o outro lado. Mas a rã respondeu-lhe que não, porque se o fizesse estaria a suicidar-se, pois o escorpião picar-lhe-ia a cabeça. O escorpião retrucou, argumentou que se picasse a cabeça da rã e ela morresse antes de chegar à outra margem, ele também morreria afogado. A rã achou coerente o argumento e aceitou atravessar o escorpião para o outro lado do rio. No meio da travessia o escorpião não resistiu e picou-lhe a cabeça. Antes de morrer a rã perguntou-lhe porque fazia aquilo. Ele apenas respondeu-lhe que não sabia, estava na sua natureza.
– E o que tem a ver comigo?
– Tem que se picas a cabeça da rã, não atravessas o rio sem ponte onde eu espero-te do outro lado.
– Quanto tempo estarás à minha espera?
– Até a eternidade. Se não chegares, a vida passará por nós sem sal, sem a promessa das horas. Passaremos, como passam as multidões sem nunca chegarem às promessas de vida que lhe são de direito.
– Queria fazer como fizeste, chegar antes. Tenho pressa, tenho sede de decifrar a esfinge, de ver o rosto do Eros.
– Não, se não revelas a sombra, viverás à margem dela. Viverás sem luz. Nem todas as sombras que encontrares terão luzes nos becos sem saída que te irão deixar. Nem todas as sombras escondem a luz, são simples sombras.
– Mais do que sombras, procuro vidas, calores, procuro a revelação dos poetas. Faço da minha vida a promessa de um poema, mas qualquer dia a poesia irá consumir-me e as palavras adormecerão. Vivo uma poesia comprometida com o cansaço da paixão, mas com a certeza do amor. Acho que vivo uma poesia de Yeats...Yeats... A ilha, a poesia, Yeats... O mar furioso, a ilha...
– Não digas o nome, sabes qual é. Tens que aprender com a dor para que me ensines. Reconheça-me, estarei entre ilhas, entre sonhos, entre correntes. Vê o mar, vê o tempo, descobre-me.
Abraçou-me outra vez, beijou-me. A lua refletiu-lhe o rosto. Eros revelado, finalmente. O seu rosto era igual ao meu. Uma vez revelado, ele voou para junto de uma mulher de asas com um cheiro de orquídeas no corpo. A mulher despejava pétalas de rosas na minha cabeça. Rosas azuis, quase infinitas, quase sem fim. Voei pelas ruas de cidades antigas e infinitas, percorri cada canto de ruelas estreitas, enfeitadas de orquídeas. A mulher levou-me a sombra. O calor desapareceu, a correnteza do mar voltou, as águas do Atlântico puxou-me como um zoom, as carrancas do São Francisco tragaram-me. A mulher tal qual Ícaro, perdeu as asas, foi caindo, caindo, afundou-se entre pétalas azuis.
Preso no tempo e pelas horas, perdi o sorriso da sombra. Já não precisa saber o seu nome. Um eco mais fundo levou-me à eternidade da espera. No meu corpo o calor daquele abraço, o calor da paz, do silêncio do mar, dos mistérios da Lua, dos pontos cardeais do planeta. A eternidade perdida entre o ontem e o hoje. Os dias, as noites, os anos, as ilusões. A ilha dos duendes, dos gnomos, dos poetas, de Yeats. As ilhas de Homero, a eternidade da minha agonia.



Talvez um dia, quem sabe,
Quando menos esperar,
Ou quem sabe até mesmo esperado,
Encontrarei essa porta procurada,
Entrarei brilhante e sorridente,
Como a saída triunfal e alucinante de um parto,
E de dentro um sorriso,
Esse olhar tantas vezes socorrido,
Esse sorriso largo e infantil,
Algumas vezes embaçado pelas lágrimas,
Esse corpo pequeno e louco,
Viajante intempestivo de alguns desejos,
Essas mãos leves e rápidas,
Tremidas na inconstância de ser feliz,
Esses pensamentos discretos e sutis,
Essa cara angelical e distraída,
Essa alma infinita e atormentada,
Esse braço, abraço,
Sim, esse abraço,
Esse velho amigo conhecido,
Como se fôssemos apenas um,
Encontrei a ti do outro lado,
Essa porta mágica que estava em cada esquina,
Em cada sonho, cada bar, cada mágoa,
Cada amor, cada momento fugitivo,
E finalmente a porta aberta,
E tu do outro lado,
Então sorrirei aliviado e direi:
Finalmente encontrei eu mesmo.

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Quinta-feira, 14 de Agosto de 2008

LILITH - A PRIMEIRA MULHER DO MUNDO

 

 

A natureza mística do homem, a sua condição mortal diante da vida, leva-o a acreditar nas mais diversas religiões, a moldá-las diante das necessidades que a evolução cientifica e cultural assim os obriga. A própria razão científica dada às crenças e às suas interpretações, determinou a extinção das mais primitivas religiões, rebaixando os seus deuses à condição de mitos, como foi o caso da religião da Grécia e da Roma antigas. Antes de Apolo ser transformado no mito protetor das artes e da poesia, o seu famoso templo, o oráculo de Delfos, foi palco de uma adoração absoluta, sendo várias vidas sacrificadas em seus altares em nome do deus.
Lilith é hoje um dos mitos mais conhecidos da cultura judaica. Segundo o Talmude (obra que compila discussões rabínicas sobre leis judaicas, tradições, costumes, lendas e histórias), ela é a primeira mulher de Adão. Anterior a Eva, Lilith é a personificação da justificativa do matriarcado ser preterido a favor do patriarcado na cultura judaico-cristã.
 

Lilith, a Mulher Feita do Pó

 
Segundo o Zohar, livro cabalístico criado no século XIII, quando Deus fez o homem, criou-o macho e fêmea, depois o dividiu ao meio e separou as suas almas, lançando-as no universo, para que assim, as almas gêmeas se encontrassem.
Lilith surge como a parte feminina separada de Adão, e é dada a ele como esposa. Assim como o homem, a mulher aqui é criada da mesma essência, do barro. Não é uma coadjuvante do homem, mas igual a ele. Se Deus fez do homem a sua imagem, a mulher reflete esta imagem, já que faz parte da mesma criação dividida. A natureza de Lilith é de rebeldia e de insatisfação. Ao fazer sexo com Adão, questionava-lhe o porque de ter que ficar sempre por baixo, a suportar-lhe o peso, se também ela era feita do pó, por que tinha de lhe ser submissa? Para manter o equilíbrio já estabelecido, Adão recusava-se a inverter as posições (versões aramaica e hebraica do Alfabeto de Ben Sirá, século VI ou VII).
Diante da intransigência do marido, Lilith rebela-se e pronuncia inadequadamente o nome de Deus. Vitupera Adão e o abandona quando o sol se põe, à noite, na mesma hora que Deus fizera vir os demônios ao mundo. Lilith parte para o Mar Vermelho, onde habitam os demônios e espíritos malignos, tornando-se ela mesma um demônio, longe do Éden.
Deus ordena que Lilith retorne. Diante da recusa, envia uma guarnição de três anjos, Sanvi, Sansavi e Samangelaf, para tentar convencê-la. Mas com grande fúria, ela se recusa a voltar.
Abandonado, Adão sente o peso da perda e da solidão. Diante da sua tristeza, Deus faz com que ele adormeça, retira uma das suas costelas e cria Eva, mulher ideal, feita não do pó como o homem, mas da sua carne, do seu sangue e das suas necessidades diante de uma sociedade patriarcal. Ao contrário de Lilith, Eva é submissa e dócil. É o equilíbrio do homem diante do mundo e de Deus.
Lilith torna-se a noiva de Samael, o senhor das forças do mal do SITRA ACHRA (aramaico, significa "outro lado"). Dessa união gera cem demônios por dia, que são destruídos pelos três anjos. Enfurecida, Lilith tenta se vingar na prole de Adão e Eva, jura matar todo filho recém-nascido de Adão e de sua descendência.

Superstições Ligadas ao Mito

 
Antes de ser levada à categoria de mito e fazer parte do folclore judaico, Lilith aparece em relatos da Torah assírio-babilônica e hebraica entre outros textos apócrifos. Durante séculos Lilith foi vista pela comunidade judaica como um temível demônio, principalmente na Idade Média. O parto era feito obedecendo a vários rituais para proteger a mãe e o filho das forças demoníacas de Lilith, que inveja a alegria da maternidade. Ela é uma ameaça ao embrião. Sussurravam sortilégios no ouvido das mulheres para facilitar o trabalho de parto. A porta do quarto das crianças tinha os nomes dos três anjos escritos sobre ela, e cercava-se o quarto com um círculo de carvões ardentes. Ainda hoje há versões modernas de como proteger os partos de Lilith em algumas comunidades judaicas do norte da África.
Lilith muitas vezes é descrita como a Lua Negra, outras vezes como uma vampira, que nos dias de solstício e equinócios lança seu líquido menstrual nas águas, contaminando a todos que bebem o líquido nesses dias. Também o homem perde a razão quando enfeitiçado por seus sortilégios e apaixona-se pelo seu corpo. Também o bebê quando sorri sozinho, está a brincar com Lilith.
Ironicamente o mito de Lilith, antes visto como um demônio, hoje é símbolo das lutas femininas. De acordo com alguns astrólogos, de 1914 a 1938, quando Lilith sofreu influência de Plutão, que fez uma longa volta à sua órbita, as filhas de Eva iniciaram os movimentos de libertação e direitos diante dos homens.
Os questionamentos de Lilith à igualdade por ter sido gerada do pó, assim como Adão, perdem o sentido contestatório quando da explicação de que a parte que lhe coubera do barro era de pó negro, lodo e excrementos, inferior à essência geratriz de Adão, segunda a versão jeovística para o Gênesis, contada no Talmude e oralmente pelos rabinos. Adão tem a sua androgenia sagrada, pois foi criado à imagem de Deus. Lilith ao contestar e reinvidicar para si os mesmos direitos, desequilibra a harmonia do Éden, origina um afastamento do homem e do Criador.
Assim, destituído da primeira mulher, Adão se uniu a Eva, parte da sua carne, feita sob medida para ele e para ser a mãe da humanidade.
 
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Quarta-feira, 13 de Agosto de 2008

ARISTIDES DE SOUSA MENDES - O SCHINDLER LUSITANO

 


Nos períodos negros da história em que há guerra, perseguição e assassínio de pessoas, grupos ou raças, somos confrontados com os valores morais que nos são ensinados no dia a dia, mas que nem sempre conseguimos fazê-los valer. Poucos conseguem aderir às decisões de coragem e de risco em momentos de flagelo da humanidade. Aristides de Sousa Mendes é um desses personagens da história que surgiram para sacrificar a sua vida pessoal em nome de milhares de vítimas da perseguição e intolerância humana. Deve-se a este português a sobrevivência de milhares de judeus durante a perseguição nazista deflagrada na Segunda Guerra Mundial. Ele foi o Schindler ibérico.

Europa em Guerra

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu em 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, próximo a Mangualde e a Viseu, Portugal. Filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes. Licenciou-se ao lado do irmão gêmeo César, em direito pela universidade de Coimbra, aos 22 anos. Em 1908 casa-se com a prima Angelina, com quem iria ter 14 filhos. Ainda muito cedo entra para a carreira diplomática e em 1910 é nomeado cônsul em Demerara, na Guiana Francesa. O jovem cônsul vê o fim da monarquia portuguesa em 5 de outubro daquele ano, quando é proclamada a república. Com fortes convicções monarquistas, Sousa Mendes sofreria com as perseguições durante o governo de Sidónio Pais.
A carreira diplomática de Aristides de Sousa Mendes coincide com vários fatos históricos que mudaram não só Portugal, como o mundo. Passa pelo período da I Guerra Mundial (1914-1918) e pela ditadura de Salazar, iniciada no início da década de trinta e estendida por 41 anos.
Em 1933 Hitler sobe ao poder na Alemanha. Com a ascensão nazista, começa a perseguição aos judeus. Em 1938, com o apoio do povo austríaco, a Áustria é anexada à Alemanha. Dando continuidade à expansão germânica, em setembro de 1939, Hitler invade a Polônia. Em represália a Grã-Bretanha e a França declaram guerra à Alemanha. Está deflagrada a II Guerra Mundial. Em 1940 a Bélgica, a Holanda e a França são invadidas, iniciando o cerco ao povo judeu em todos os estes países sucumbidos. O êxodo de judeus, ciganos e outras minorias, acontece pelas estradas desses países. Em vôos rasantes, caças nazistas metralham as estradas onde se encontravam os grupos de fugitivos. Acossados pela perseguição alemã, restam apenas dois países da Europa ocidental para onde os israelitas ainda podem fugir: Espanha e Portugal, que permanecem neutros no conflito. A Espanha saía de uma sangrenta guerra civil que vitimara milhares de cidadãos. O governo de Franco tinha tido o apoio dos nazistas durante a guerra civil, portanto a sua neutralidade era simpática a Hitler. Franco impediu que os judeus se refugiassem em terras espanholas, não lhes concedendo vistos para entrar no país. Restava Portugal.

Cônsul em Bordéus

Durante a Segunda Guerra Mundial a posição do governo de Salazar sempre foi dúbia, com fortes traços de simpatia ao regime de Berlim. Lisboa tornara-se uma capital aberta aos espiões tanto nazistas como aliados. Dali partiam as fugas para o Marrocos, Américas do Sul e do Norte. A lavagem dos bens confiscados aos judeus (obras de arte, jóias) e aos povos conquistados, foram feitas pelos nazistas através da Suíça e de Portugal, conforme a história revelaria décadas mais tarde. A alta cúpula da igreja católica fecha os olhos para as atrocidades de Hitler. Os exércitos alemães são abençoados pelos clérigos antes de partirem para a guerra. O papa Pio XII seria acusado mais tarde de conviver pacificamente com o governo nazista. O povo israelita é deixado à deriva no continente europeu.
É neste contexto histórico que vamos encontrar, em junho de 1940, Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus, na França ocupada. Pelas ruas de Bordéus milhares de refugiados judeus buscam os consulados de Portugal e da Espanha. A esperança era fugir para estes países e de lá embarcar para a América. O consulado espanhol nega a entrada dos refugiados e, conseqüentemente, nega-lhes os vistos. A esperança está no cônsul português em Bordéus.
Em 16 de junho Sousa Mendes recebe o rabi Kruger, fugitivo da Polônia ocupada. Promete interceder diante do governo de Lisboa a favor dos milhares de judeus à porta do consulado. Não dá muitas esperanças, pois Lisboa não lhe respondera autorizando à concessão de vistos. Naquela noite decisiva acolhe o rabi e a família em sua casa. Na manhã seguinte Lisboa proíbe o cônsul de conceder vistos aos judeus. Sousa Mendes sabe que a recusa desses vistos resultaria no fim da única esperança daquele povo fugir aos trabalhos forçados nas fábricas nazistas, aos campos de concentração e à morte. Inesperadamente Sousa Mendes avisa ao rabi Kruger que dará vistos a todos. Entre os dias 17, 18 e 19 de junho, o cônsul português trabalha exaustivamente na concessão dos vistos. Ao lado de dois dos seus filhos, não pára sequer para comer. Nesses três dias cerca de trinta mil vistos foram concedidos, contrariando as ordens de Antonio Salazar.
Mas a benevolência e a coragem de Aristides de Sousa Mendes não pára por aqui. Em Bayonne o consulado português obedece às ordens de Lisboa, recusando conceder vistos. Intrepidamente Sousa Mendes se desloca até Bayonne, e como é superior ao cônsul dali, ele mesmo passa milhares de vistos a quem ali se dirige. Segue para Hendaye e procede igual. Mais vistos são concedidos.
No dia 24 de junho Aristides de Sousa Mendes recebe um telegrama de Salazar, a ordenar-lhe que se apresente em Lisboa para responder ao ato de indisciplina por ter concedido vistos abusivos aos judeus. Seria demitido sem direito à aposentadoria ou à indenização após mais de três décadas de trabalho à diplomacia do seu país.

Miséria e Desonra

A volta para Portugal é de punição e humilhação para o cônsul. Salazar jamais lhe perdoará o ato de indisciplina. A retaliação aos seus atos é tanta, que Sousa Mendes é impedido de exercer a sua profissão de advogado e os filhos são proibidos de freqüentar a universidade; seu irmão também diplomata, é afastado da profissão. Sem receber pensão do governo, Aristides de Sousa Mendes é remetido à miséria. O palácio do Passal, construído por seus antepassados fidalgos, alberga ainda os refugiados judeus que chegam a Portugal. Mas a miséria o leva a vender os móveis do palácio e a hipotecá-lo. A Comunidade Israelita de Lisboa auxilia o diplomata com alimentos e possibilitam a ajuda a alguns dos seus filhos para que possam ir para os Estados Unidos e para o Canadá. Aristides de Sousa Mendes é condenado à miséria e à desonra.
Com o fim da guerra em 1945, as atrocidades cometidas pelos nazistas ao povo judeu vieram à luz. Salazar recebe da comunidade internacional, todas as honras pela concessão dos vistos que possibilitou a sobrevivência de milhares de vidas. Aristides de Sousa Mendes entra com um pedido de reclamação ao governo português que o reabilitasse. Mas não lhe é concedido a reabilitação. Viúvo desde 1948, morre no dia 3 de abril de 1954, assistido apenas por uma sobrinha. Todos os seus filhos estão a viver nos Estados Unidos e no Canadá. Morre no ostracismo e na miséria, sem jamais obter o perdão do governo português.
Em 1967, em Nova Iorque, a organização israelita para a recordação dos mártires e heróis do Holocausto, Yad Vashem, homenageou Aristides de Sousa Mendes com a sua mais alta distinção: uma medalha comemorativa com a inscrição do Talmude “Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro”.
Salazar impede que a imprensa portuguesa noticie a homenagem. Somente em 1998 o governo português reabilita Aristides de Sousa Mendes. O Palácio Passal, apesar de ter sido tombado recentemente, continua a ruir, a transformar-se em escombros, apesar de todos os projetos portugueses para restaurá-lo.
A função de um cônsul é ser porta-voz do seu governo e do seu país em terras estrangeiras, não importa que tipo de governo ele representa, democrata ou ditatorial. Segundo a ética kantiana, o dever do homem está acima do seu prazer e do seu bem-estar. Ao ir contra uma decisão do governo do qual era porta-voz, Aristides de Sousa Mendes deixou de ser ético para com o governo do seu país, mas foi ético para com a humanidade, o que prova que nem sempre as morais vigentes que formam os conceitos da ética como ciência são dignos do gênero humano.
Aqui a frase de Aristides de Sousa Mendes ao rabi Kruger, quando soube da sua demissão naquele verão de 1940, após conceder mais de 30 mil vistos a refugiados judeus e outras minorias perseguidas:

“Rabi, se tantos judeus sofrem por causa de um demônio não-judeu, também um cristão pode sofrer com o sofrimento de tantos judeus...”

Apesar de algumas biografias apontarem para uma suposta raiz judaica, tomando-o por cristão novo, Aristides de Sousa Mendes era cristão na mais antiga da sua genealogia. Um cristão velho a serviço da humanidade.


CRONOLOGIA

1885: Filhos de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes, os gêmeos César e Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nascem em Cabanas de Viriato, Distrito de Viseu, Portugal.
1907: César e Aristides licenciam-se em Direito na Universidade de Coimbra e depois seguem a carreira diplomática.
1908: Em Portugal, el-Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados. Aristides casa com a sua prima Angelina; o casal virá a ter 14 filhos.
1910: Aristides é nomeado Cônsul em Demerara, Guiana Francesa. Revolução de 5 de Outubro e proclamação da República portuguesa.
1911/16: Aristides Cônsul em Zanzibar, problemas de saúde para toda a família.
1914: Início da I Guerra Mundial.
1916: Portugal entra na I Guerra Mundial a favor dos Aliados.
1918: Termina a I Guerra Mundial com a vitória dos Aliados. Aristides é nomeado Cônsul em Curitiba (Brasil).
1919: Por causa das suas convicções monárquicas, Aristides é castigado pelo governo de Sidónio Pais.
1921/23: Aristides dirige, temporariamente, o Consulado de S. Francisco da Califórnia, cidade onde nasce o seu 10.º filho.
1924: Aristides Cônsul em S. Luís do Maranhão (Brasil). Depois, passa a dirigir, interinamente, o Consulado de Porto Alegre (Brasil).
1926: Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Em Portugal, revolução militar do 28 de Maio conduzida pelo Marechal Gomes da Costa.
1927: A Ditadura Militar portuguesa nomeia Aristides Cônsul em Vigo.
1928: Salazar Ministro das Finanças.
1929: Aristides é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia (Bélgica).
1930: Salazar presidente do Conselho de Ministros.
1936: O rei belga, Leopoldo III, condecora Aristides de Sousa Mendes, decano do corpo diplomático.
1938: Salazar nomeia Aristides de Sousa Mendes Cônsul de Portugal em Bordéus.
1939: A Alemanha de Hitler invade a Polônia, início da II Guerra Mundial.
1940: Contrariando as ordens de Salazar, Aristides de Sousa Mendes, no Consulado de Portugal em Bordéus, passa mais de 30.000 vistos a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazistas. Salazar condena Sousa Mendes a um ano de inatividade e depois o aposenta sem qualquer vencimento.
1945: Termina a II Guerra Mundial. Aristides de Sousa Mendes dirige carta à Assembléia Nacional, reclamando (em vão) contra o castigo que lhe fora imposto pelo governo.
1948: Morre Angelina de Sousa Mendes.
1954: Assistido apenas por uma sobrinha, Aristides de Sousa Mendes morre «pobre e desonrado», no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa.
1967: Yad Vashem, autoridade estatal israelita para a recordação dos mártires e heróis do Holocausto, homenageia Aristides de Sousa Mendes com a sua mais alta distinção: uma medalha com a inscrição do Talmude «Quem salva uma vida humana é como se salvasse um mundo inteiro».
1998: A Assembléia da República e o governo português finalmente procedem à reabilitação oficial de Aristides de Sousa Mendes.
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Quinta-feira, 7 de Agosto de 2008

ENDIMIÃO E JOHN KEATS - UM PENSAMENTO DE BELEZA

 

 

A perseguição à beleza e à juventude vem desde a perda da eternidade da vida por Adão e Eva no jardim do Éden. Nos dias de hoje o homem utiliza-se da tecnologia para preservar um pouco mais a beleza, para transformá-la esteticamente. Já os gregos inseriam em sua cultura a busca latente pela perfeição do belo. Na Grécia clássica os filhos defeituosos eram abandonados. Vários são os mitos gregos que perseguem a beleza, como Afrodite, Narciso, Adônis, Helena ou Endimião. Com o Renascimento, o velho ideal da beleza perfeita é a temática da obra dos artistas como Michelangelo. Também na literatura esta busca é exaustivamente perseguida e quase esteticamente tocada, em versos líricos. Das esculturas renascentistas aos bisturis da cirurgia plástica moderna, o terno sonho do homem de dominar a juventude e a beleza.
 

O Mito de Endimião

 
Endimião faz parte das personagens da mitologia grega que traduzem a perseguição ao ideal de beleza. Na lenda Endimião é um pastor portador de uma beleza perfeita e inatingível. O próprio Zeus, senhor do Olimpo e dos deuses, encantara-se pela beleza do jovem pastor. Prometera-lhe realizar o seu maior desejo. E o belo pastor, quando adulto, pediu a Zeus que não lhe tirasse nunca o que tinha de mais perfeito e valioso, a beleza rara de um simples mortal. O tempo e a beleza eram inimigos mortais, um dilacerava ao outro, até que sucumbisse a mais frágil, a mais delicada, restando apenas os ecos de uma perfeição efêmera, mas ambicionada por todo ser humano.
Zeus realiza o pedido do rapaz com o sortilégio sarcástico dos imortais diante da perecividade humana. Numa tarde de verão Zeus promete ao pastor que naquele dia, quando adormecesse, jamais envelheceria e perderia a beleza. Feliz, Endimião banha o seu belo corpo na fonte. A água molha a perfeição dos contornos dos músculos, delineando os mais recônditos pêlos ao vento em contraste com a pele aveludada e sem cicatrizes. Endimião apalpa o próprio corpo. Sabe que será eternamente jovem. Uma forte tempestade ameaça vir do céu. O belo pastor reúne todo o rebanho para protegê-lo da chuva ameaçadora. Sente o corpo fustigado pelo esforço. À sombra de uma árvore, encosta-se a uma pedra e suspira cansado. Olha para o céu com um leve sorriso. Tão logo adormecesse seria jovem e belo para todo o sempre. Com o seu olhar perdido no horizonte celeste, cansado e feliz, Endimião adormece. Jamais iria acordar. Zeus o envolvera em um sono eterno, poupando-o assim, da velhice e da perda da beleza.
À noite Selene, a Lua, corre o céu em sua carruagem prateada, conduzida por dois cavalos alados. Seu brilho prateado inunda a terra de luz e claridade, amenizando a escuridão da noite. Do céu Selene avista a figura adormecida de Endimião. É o homem mais belo que um dia pousara os seus olhos. Apaixonada, desce do céu e aproxima-se mansamente do jovem, para que não acorde. Emocionada, Selene contempla aquele rosto sorridente e adormecido. Impulsionada pelo amor, ela não resiste, aproxima-se do rapaz, sente o cheiro de Ambrósia a exalar daquele corpo. Beija-lhe os lábios entreabertos e sorridentes. O corpo está quente e pulsa normalmente, mas não desperta. Selene abraça-se àquele homem com paixão. Mas ele não desperta. Por fim ela adormece ao seu lado.
Assim, a Lua todos os dias desce do céu, abraça-se ao seu amor, adormecendo ao seu lado, na esperança de que ele um dia desperte. Mas Endimião adormece para sempre na eternidade da sua beleza e da sua juventude. Sempre com um sorriso nos lábios. A bela Lua contempla aquele amor impossível. E conforme a sua dor pela paixão impossível, em dias diferentes às vezes brilha, às vezes está pálida no céu.

John Keats

 
John Keats nasceu em Londres, em 31 de outubro de 1795. Tornou-se um dos maiores poetas da língua inglesa. Keats perdeu muito cedo os pais, sendo obrigado por seu tutor a aprender o ofício de assistente de cirurgião, que o levaria a trabalhar em dois hospitais. Mas o jovem poeta abandona a medicina e mergulha na literatura.
A obra de Keats é de início, esculpida pelo romantismo e o seu “Poems” de 1817, não foi bem aceito, sendo classificado como um escritor vulgar e de formação inferior. Conhecedor da obra de Homero e apaixonado pela mitologia grega, Keats vai perseguir o ideal de beleza dos gregos, em longos versos que não são épicos, mas líricos, de uma ode à beleza jamais vista na literatura. Com base em leituras mitológicas, concebeu o seu "Endymion" (1818; Endimião), fez de Endimião uma alegoria do amor pela beleza ideal e estética, definiu a beleza no verso magistral que também diz muito de sua atitude para com a vida: “A thing of beauty is a joy for ever” ("Uma coisa bela é uma alegria para sempre").
John Keats apaixonou-se pela vizinha Fanny Brawne, mas teve que fugir dessa paixão, pois ao cuidar do irmão vítima da tuberculose, também ele contraiu a doença, sendo obrigado a ir para a Itália na esperança de ali se vir a curar. Assim como Endimião, não envelheceu, morreu aos 25 anos, em 23 de fevereiro de 1821. Só teria o reconhecimento da sua obra na segunda metade do século XIX, quando é aclamado como um dos maiores poetas do romantismo inglês.
Antes do morrer, Keats pediu que fosse escrito na sua lápide o epitáfio: "Here lies One / Whose Name was writ in Water" ("Aqui jaz alguém / Cujo Nome foi escrito na Água").

From Edymion, by John Keats

 

“A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o’er-darkened ways
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make,
‘Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for th mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven’s brink.”

CRONOLOGIA


1795 – Filho de família modesta, nasce em Londres, John Keats, no dia 31 de Outubro. No dia 18 de dezembro é batizado.
1804 – Aos 8 anos, perde o pai.
1817 – Publica “Poems” (Poemas).
1818 – Concebe “Endymion” (Endimião). Concebe "Hyperion" (Hiperião) para dez cantos.
1819 – Abandona "Hyperion" (Hiperião) com apenas quatro cantos. Cria o belo “The Eve of St. Agnes” (Às Vésperas de Santa Inês), considerado por muitos como o seu melhor poema.
1820 – Embarca para a Itália na esperança de se curar da tuberculose.
1821 – Morre John Keats, em 23 de fevereiro, vítima da tuberculose. É sepultado em 26 de fevereiro.

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Terça-feira, 5 de Agosto de 2008

JOGOS OLÍMPICOS E A POLÍTICA DAS NAÇÕES

 

 

Desde 1896, de quatro em quatro anos, as nações do planeta reúnem-se em alguma parte do mundo, para a realização dos jogos olímpicos. São as chamadas olimpíadas de verão, seguidas pelos eventos menores – as olimpíadas de inverno e os jogos para-olímpicos, para deficientes físicos. A confraternização é feita através da disputa entre as nações, representadas pelos seus maiores atletas. Os jogos olímpicos representam hoje, um poderoso prestígio para os países que deles participam e para o país que recebe o evento. A sua realização tomou dimensões políticas profundas através dos tempos, onde todas as ideologias e regimes políticos do planeta, autoritários ou democráticos, neles respingaram e foram refletidos pelos povos da terra.
Originários na Grécia antiga, desde que foram recriados nos tempos atuais, os jogos olímpicos só deixaram de ser realizados em época de guerra: em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial (1914 -1918), e, em 1940 e 1944, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Não só as duas guerras mundiais deixaram uma nuvem negra sobre os jogos, como também a Guerra Fria (1946 – 1989) e o terrorismo causaram danos irreversíveis à confraternização. Em tempos da globalização, os Jogos Olímpicos de Pequim, realizados em 2008, são marcados pelas manifestações contra as repressões e à anexação do Tibet pela China. Mais de 100 anos se passaram desde que os jogos olímpicos da era moderna foram introduzidos no planeta, ruíram regimes e impérios, mas os problemas das nações estão longe de uma solução.

As Olimpíadas Através dos Tempos

Os primeiros jogos olímpicos surgiram na Grécia, por volta de 2700 a.C., como celebração aos deuses, principalmente a Zeus, o senhor do Olimpo. Eram realizados de quatro em quatro anos, reunindo atletas de todas as cidades gregas em Olímpia, cidade do Peloponeso. Os jogos serviam para manter a paz entre as cidades helênicas, servir e homenagear os deuses e, para manter a perfeição do corpo, que era uma das perseguições do ideal grego. Ao fim das competições, os atletas vitoriosos recebiam uma coroa de louros como prêmio. A partir de 775 a.C., o local de realização dos jogos, Olímpia, cedeu o seu nome para o evento, que passou a ser chamado de jogos olímpicos.
Os jogos olímpicos foram realizados na Grécia até o ano de 394 d.C. Com o surgimento do cristianismo e a conversão do mundo antigo a esta religião, o evento foi tido como resquício das tradições pagãs, os deuses tornaram-se mitos e, naquele ano, o imperador Teodósio II, já feito cristão, ordenou o fim das olimpíadas gregas.
Só no fim do século XIX, o francês Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin, organizou um congresso internacional em 23 de Junho de 1894, na Sorbonne, em Paris, para criar o Comitê Olímpico Internacional (COI). Dois anos depois, em 1896, foram realizados os I Jogos Olímpicos, em Atenas, na Grécia, a pátria das olimpíadas da Antigüidade. Desde então, com exceção dos períodos de guerra, eles acontecem de quatro em quatro anos.

Evolução dos Jogos Atuais

Desde a sua criação, em 1896, os jogos olímpicos da era moderna, sofreram várias transformações, até adquirir o formato atual.
Criado a princípio, para atletas masculinos, em 1900 passou a contar com a participação de atletas do sexo feminino.
A bandeira olímpica, branca com os cinco anéis entrelaçados, que representam os continentes (azul, Europa; amarelo, Ásia; preto, África; verde, Oceania e vermelho, América). Idealizada pelo Barão de Coubertin, em 1913, foi apresentada no congresso olímpico de 1914, em Alexandria (Grécia). Foi içada pela primeira vez nos jogos olímpicos de Antuérpia, em 1920. A mesma bandeira foi usada até 1984, nos jogos olímpicos de Los Angeles. Nas olimpíadas de Seul foi confeccionada uma nova bandeira. A bandeira deve ficar guardada no corredor da cidade anfitriã até os próximos jogos.
Em 1936, as olimpíadas de Berlim instituíram a chegada da tocha olímpica e o acender de uma pisa como parte da cerimônia de abertura.

As Olimpíadas e a Política das Nações

Os reflexos da política dos regimes instituídos pelas nações, tornaram-se claros nas olimpíadas de Berlim, em 1936. A Alemanha nazista estava no seu auge. Hitler queria provar a superioridade da raça ariana diante do mundo. Ele próprio supervisionou os preparativos dos jogos, o evento foi usado como máquina de propaganda do estado nazista. O mundo viu surgir superatletas alemães, e, com mais surpresa, negros americanos a superar os titãs arianos. James Cleveland, o Jesse Owens, ganhou quatro medalhas de ouro. Hitler recusou-se a entregar, através das suas mãos, as medalhas ao atleta, enviando um representante de hierarquia inferior para fazê-lo. Foram os últimos jogos olímpicos até o fim da Segunda Guerra Mundial, que só retornariam em 1948, em Londres.
Com o fim das guerras mundiais, o surgimento da guerra fria, onde Estados Unidos e União Soviética lutavam pelo poder no mundo, marcou e caracterizou os jogos até as olimpíadas de Seul, em 1988, um ano antes da queda do muro de Berlim. Os dois países disputaram medalha a medalha, fazendo de cada uma delas a propaganda e símbolo do poder dos regimes que representavam no planeta.
O terrorismo deixou marcas indeléveis nos jogos olímpicos. A maior tragédia aconteceu nos jogos olímpicos de Munique, na então Alemanha Ocidental, em 1972 . Em 5 de setembro, terroristas árabes do Movimento Setembro Negro, invadiram a vila olímpica, mataram dois membros da equipe de Israel e fizeram outros nove de reféns, resultando na morte de 11 israelenses (David Berger, Ze'ev Friedman, Joseph Gottfreund, Eliezer Halfin, Joseph Romano, Andrei Schpitzer, Amitsur Shapira, Kahat Shor, Mark Slavin, Yaakov Springer e Moshe Weinberg). Os jogos olímpicos foram paralisados por 34 horas devido ao "Massacre de Munique".
Nas olimpíadas de Montreal, no Canadá, em 1976 , atletas de Camarões, Egito, Marrocos e Tunísia competiram antes de seus países se retirarem dos jogos olímpicos, devido ao boicote anti-Apartheid. 28 países (26 países, além de Iraque e Guiana) boicotaram os jogos olímpicos devido à participação da Nova Zelândia. A seleção da Nova Zelândia de rugby union (All Blacks) realizou uma excursão à África do Sul, país banido pela política racial do Apartheid.
Em 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão. As conseqüências políticas desta invasão vieram nas olimpíadas de Moscou, ex-União Soviética, em 1980. 70 países liderados pelos Estados Unidos, boicotaram os jogos, em protesto à invasão soviética do Afeganistão. Atletas da Libéria desfilaram na cerimônia de abertura, mas o país se retirou dos jogos. França, Portugal, Reino Unido e outros países ocidentais, aderiram ao boicote, mas não proibiram seus atletas de disputar as competições, enviaram delegações menores e competiram sob a Bandeira Olímpica.
Em 1984, nas olimpíadas de Los Angeles, EUA, foi a vez do boicote soviético, que afastou 15 países socialistas das competições. A União Soviética alegou que a autoridades norte-americanas fazia dos jogos uma arena política que não garantiam a segurança dos seus atletas.
1988, quando a União Soviética e os regimes socialistas europeus entravam no crepúsculo da sua existência, a guerra fria, já agonizante, atingia os jogos olímpicos de Seul, Coréia do Sul: em solidariedade à Coréia do Norte, que se afastou dos jogos por não lhe ser permitindo sediar parte deles, Cuba boicotou o evento. A Nicarágua declinou do convite devido à sua situação política interna. É a ultima olimpíada da União Soviética, que voltaria ainda em 1992, em Barcelona, já desfeita e com o nome de Comunidade de Estados Independentes (CEI).
Mas para quem pensou que os conflitos encerrar-se-iam com o fim da guerra fria, surpreendeu-se quando, em 1996, no aniversário dos 100 anos dos jogos, quando as olimpíadas de Atlanta, Estados Unidos, foram marcadas pela volta do terrorismo, com a explosão de uma bomba no Parque Olímpico, que matou duas pessoas, trazendo a sombra do medo de volta ao cenário olímpico.
Agora, em 2008, nas olimpíadas de Pequim, na China, a tocha olímpica foi impedida de dar a volta aos continentes pacificamente. Em Paris, Londres e São Francisco, violentas manifestações a favor do Tibet, impediram que o tradicional desfile da tocha seguisse tranqüilamente a sua volta ao mundo. Mudam-se os tempos, mas o autoritarismo das nações continua a ser a grande mancha negra da confraternização dos jogos olímpicos.

Cronologia das Olimpíadas:

1896 - I Olimpíada - Atenas, Grécia
1900 - II Olimpíada - Paris, França
1904 - III Olimpíada - Saint Louis, Estados Unidos
1908 - IV Olimpíada - Londres, Reino Unido
1912 - V Olimpíada - Estocolmo, Suécia
1916 - VI Olimpíada - Não realizada
1920 - VII Olimpíada - Antuérpia, Bélgica
1924 - VIII Olimpíada - Paris, França
1928 - IX Olimpíada - Amsterdã, Holanda
1932 - X Olimpíada - Los Angeles, Estados Unidos
1936 - XI Olimpíada - Berlim, Alemanha
1940 - XII Olimpíada - Não realizada
1944 - XIII Olimpíada - Não realizada
1948 - XIV Olimpíada - Londres, Reino Unido
1952 - XV Olimpíada - Helsinque, Finlândia
1956 - XVI Olimpíada - Melbourne, Austrália
1960 - XVII Olimpíada - Roma, Itália
1964 - XVIII Olimpíada - Tóquio, Japão
1968 - XIX Olimpíada - Cidade do México, México
1972 - XX Olimpíada - Munique, Alemanha Ocidental
1976 - XXI Olimpíada - Montreal, Canadá
1980 - XXII Olimpíada - Moscou, União Soviética
1984 - XXIII Olimpíada - Los Angeles, Estados Unidos
1988 - XXIV Olimpíada - Seul, Coréia do Sul
1992 - XXV Olimpíada - Barcelona, Espanha
1996 - XXVI Olimpíada - Atlanta, Estados Unidos
2000 - XXVII Olimpíada - Sydney, Austrália
2004 - XXVIII Olimpíada - Atenas, Grécia
2008 - XXIX Olimpíada - Pequim, China
 
 
 
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