
Mas nenhuma tragédia recente na Olisipo moderna foi pior do que o imenso incêndio que se abateu sobre o Chiado, em 25 de agosto de 1988, transformando uma das áreas mais elegantes e históricas da cidade em ruínas, que assim se estenderiam por mais de uma década. A reconstrução do Chiado após o incêndio, foi lenta, deixando o local à deriva de um futuro incerto, que jamais recuperaria a força que tinha na vida social de Lisboa. Vinte anos após o incêndio que mudou a face histórica de Lisboa, consumindo 18 prédios seculares, ainda podemos ver as marcas da tragédia no edifício situado na Rua do Crucifixo, que acolhe o restaurante Palmeira em seu rés-do-chão, único local do prédio poupado pelo fogo, e que pertence a Câmara de Lisboa. O prédio ainda está por recuperar.
Chiado Histórico e Intelectual

Historicamente o Chiado, localizado numa das sete colinas de Lisboa, teria surgido no século XII. Tradicional bairro de vida intelectual, foi o sítio que recebeu o primeiro Estudo Geral (universidade) em Portugal, em 1288. O local foi integrado a área urbana da cidade pela Muralha Fernandina, povoando-se de conventos e solares de nobres.
Somente no século XVI a história situa a origem toponímica do bairro. Chiado era a alcunha de Gaspar Dias, um taberneiro do local, e do poeta Antonio Ribeiro, que a recebeu por freqüentar a taberna do primeiro. Antonio Ribeiro passou para a história como o Chiado que apadrinhou o bairro, é em sua homenagem o nome que se deu ao largo, e a estátua ali existente.
O grande terremoto de 1755, que destruiria grande parte de Lisboa, mudaria para sempre a história do Chiado. Após a reconstrução, os nobres dos solares tradicionais deixaram o local. Chegaram os burgueses, os maçons, todos à sombra da influência do Marques de Pombal. Uma zona totalmente reconstruída e de fulgor exuberante surgia no bairro.
Em 1784, o Café Talão, de Nicolau Massa, foi transferido para o número 37 da Rua Larga de São Roque, atual Rua da Misericórdia. A partir de 1800, o Talão mudou várias vezes de proprietários, sendo adquirido, em 1823, pelos irmãos Manoel e António Tavares. Surgia o Café Tavares, que em 1861, transformar-se-ia no restaurante Tavares, mais tarde Tavares Rico. Sendo nos dias atuais, o restaurante mais antigo de Portugal.
Em 1846 foi fundado por Almeida Garret e Alexandre Herculano, entre outros, o Grêmio Literário. Instalou-se então, uma pulsante vida intelectual no bairro, o Chiado passou a ser freqüentado por poetas, escritores, jornalistas, políticos e artistas, ficando repleto de cafés, clubes, teatros e can-cans. O Chiado tornar-se-ia um moderno local do romantismo português. Eça de Queiroz, Guerra Junqueira, Ramalho Ortigão e tantos outros freqüentavam o Tavares, sendo conhecidos como os “Vencidos da Vida”.
Em 1906 foi inaugurada A Brasileira, que a partir da década de 20 do século passado, tornar-se-ia o grande centro de reunião e tertúlia de jornalistas e intelectuais. Pelos salões de A Brasileira desfilariam Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Pacheco e muitos outros representantes do modernismo português.
O Chiado tornou-se o ponto sofisticado e intelectual de Lisboa, local obrigatório para quem queria ser visto na cidade. O comércio será por décadas, o mais requintado e dispendioso da capital. Casas míticas e luxuosas compunham esse comércio, como a Paris em Lisboa, Ramiro Leão, Casa Batalha, Luvaria Ulisses, o Grandela, os Armazéns do Chiado, a Casa Havaneza, a Ferrari, o Martins & Filho.
A Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, sairia do Largo do Carmo, onde Salgueiro Maia fixou a sua companhia, o povo concentrou-se no Chiado, fazendo das suas ruas o símbolo da liberdade da revolução.
Em 1988, um Chiado decadente foi assolado por um grande incêndio, tão profundo quanto o terremoto que o destruíra em 1755. Encerrava-se tragicamente, o glamour do bairro, que de forma indelével, ficaria marcado. Um novo Chiado teria que ser reconstruído. As ruínas do incêndio faziam a passagem do Chiado histórico para o Chiado contemporâneo.
O Chiado em Chamas

Quem caminhava pelo Chiado à época que se precedeu ao incêndio, podia ver a elegância do bairro. Sentar nos banquinhos postos no meio da Rua do Carmo, uma rua fechada aos carros, com canteiros de cimento no meio, pequenos degraus e esplanadas. Foram justamente estes detalhes existentes naquela rua, feitos recentemente para torná-la um local de trânsito para peões, que se tornaram uma grande armadilha para os bombeiros, quando deflagrado o grande incêndio, dificultando a transposição dos bombeiros às ruas que ardiam.
O grande incêndio aconteceu no auge do verão de 1988. Começou entre às 3 horas e 4h30 da madrugada da quinta-feira de 25 de agosto, no interior dos Armazéns Grandela, na Rua do Carmo. O alarme só seria dado às 5h19, por um vigilante do Grandela. Naquela manhã de verão, as rádios acordavam a população a anunciar: “Lisboa está a arder”. O que se anunciava era pouco diante dos acontecimentos catastróficos. O fogo alastrava-se por toda a rua e adjacências. Enfrentando os obstáculos descritos acima em relação ao acesso à Rua do Carmo, 1680 bombeiros foram envolvidos para controlar o incêndio. Entre às 11 horas e o meio-dia e meio, o fogo foi dado por circunscrito, só declarado definitivamente dominado às 15 horas. O cenário era desolador. Vários feridos, entre eles estavam 60 bombeiros, 10 moradores e 3 policiais. 18 prédios tinham sido destruídos, como o dos Grandes Armazéns do Chiado, o da Valentim de Carvalho e o do Grandela. Quando a noite chegou, quatro quarteirões do Chiado tinham sido transformados em ruínas.
As Ruínas do Chiado

Após o grande incêndio, o trabalho de rescaldo dos bombeiros duraria onze dias, e neste período, a tragédia ficaria maior com a morte de um bombeiro. O local ficaria totalmente isolado por cerca de trinta dias.
Após um mês, a Rua do Carmo foi liberada. Para que se pudesse passar por suas ruínas, uma grande passarela de madeira foi posta, ligando-a a Rua Garret. Esta passarela grotesca, sem estética, ficaria por anos fazendo parte das ruínas. O arquiteto Siza Vieira foi chamado para desenhar a reconstrução do Chiado.
Aos poucos um novo Chiado foi surgindo. Prédios da Rua do Carmo foram reconstruídos, a passarela de madeira desapareceria após um novo asfaltamento da rua, que aboliu para sempre os banquinhos, as esplanadas, tornando-se mais ampla e preparada para receber tanques de bombeiros e carros, caso sucedesse uma nova catástrofe.
Quando completou a primeira década do incêndio do Chiado, o comércio local tinha sido esvaziado, devido à
