Já nos anos oitenta a propaganda de cigarros sofria restrições na Europa e em países de outros continentes, sendo obrigatório que o produto trouxesse em sua embalagem um selo de alerta de que aquele produto causava danos irreversíveis à saúde, mas no Brasil não existia esta preocupação e o cigarro era comercializado livremente, sem advertências e promovido por campanhas publicitárias que fascinavam uma geração, que embriagada pelo marketing, sonhava com a virilidade selvagem do cowboy da Marlboro, ou com os modelos elegantes e bem sucedidos das campanhas da marca Hollywood.
David McLaren, o Marlboro Man
No século XX ,com o surgimento do cinema como meio de comunicação de massas no planeta, surge a glamourização do tabaco. Os galãs de Hollywood são belos, heróicos e fumam. Alguém consegue imaginar o mito Humphrey Bogart sem o seu companheiro de solidão, o cigarro? (Alguém se lembra de definhar e ser morto por um câncer?) A indústria tabagista aproveita-se do cigarro como “acessório” de imagem bem sucedida e cria em seus anúncios, um estilo de vida que reflete o sucesso, a beleza e o poder. Este estigma ainda hoje, no século XXI, faz parte desta indústria da morte.
A Marlboro criou em 1954 o Marlboro Man, personagem que fez parte das suas campanhas publicitárias até 1999. O personagem foi criado por John Landry, da agência Leo Burnett, como parte de uma campanha (Delivers the Goods on Flavor) de redirecionamento da marca, que na época era direcionada para o público feminino. O brilhantismo da campanha foi tanto que o cigarro Marlboro se tornou um ícone do mundo masculino. Os anúncios destacavam o homem em situações de impetuosa virilidade explícita ou velada, domando cavalos belíssimos, atingido o clímax e volúpia final com a frase: “Terra de Marlboro, aonde os homens se reúnem”, criando um mundo masculino a insinuar que o homem que fumasse o cigarro seria viril e pai de uma prole saudável. Dois dos modelos que representaram a figura apoteótica do cowboy da Malrboro, Wayne McLaren e David McLean morreram de câncer devido ao uso contínuo do cigarro. Wayne McLaren teria no leito de morte, em 1992, aos 49 anos, pronunciado as suas últimas palavras: “Eu sou a prova morta de que o cigarro vai matar vocês.” As imagens do ex-cowboy agonizando foram vinculadas nas campanhas internacionais antitabagistas, em nada lembram a virilidade do homem sobre o seu cavalo indomável.
No Brasil, a presença das marcas de cigarros na mídia influenciaram a história recente deste país. O maior exemplo dessa influência foi o termo “A Lei de Gerson”, termo criado para designar as várias crises de identidade pelo qual o país passou nos últimos trinta anos do século XX. O termo serviu para identificar a malandragem em contraponto com o trabalhador dedicado. Identificava o astuto e esperto que vivia de “expediente”, como se dizia na época, e sabia dar um “jeitinho”. O que pouca gente sabe ou não se lembra, é que o termo surgiu com o comercial do cigarro Vila Rica, onde o jogador Gerson, herói do tri-campeonato brasileiro de futebol em 1970, ao acender e tragar um cigarro da marca, solta o seu famoso bordão: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?” E a ter como ponto de partida um anúncio de cigarro ironicamente a ética do país foi discutida, a Lei de Gerson tornou-se um elemento de definição da identidade nacional.
Outros bordões de cigarros tornaram-se ícones do cenário nacional da propaganda, como o da campanha dos cigarros LS: “O fino que satisfaz”, feita pelo modelo Pedro Aguinaga no fim dos anos setenta. Ou as marcas voltadas para a mulher, que traziam comerciais mais sensíveis e de forte apelação emotiva do universo feminino, como os da Charm, “O Importante é ter charme” e os do cigarro Ella: “Ela sou eu”.
Mais que uma influência, os reclames da marca Hollywood ditaram um estilo de vida que atingiu a juventude dos anos oitenta. De 1973 a 1998 as propagandas desta marca de cigarro foram todas voltadas para o esporte radical. Trazia clipes que se tornaram cult de toda uma geração que viveu intensamente os anos oitenta. Até hoje esses clipes são distribuídos pela internet, vistos e consumidos por milhares de pessoas saudosistas daqueles anos. Vários foram os álbuns de músicas das propagandas do Hollywood lançados no mercado. Os adolescentes de então sonhavam em ser como os homens das propagandas dos cigarros Hollywood, e fumar, trazer na mão um cigarro, para esta geração era estar na moda, era ser um homem vencedor.
Era comum ver as celebridades a fumar durante entrevistas, como é o caso da cantora Elis Regina, que deu a última entrevista da sua vida em 10 de janeiro de 1982, para o programa “Jogo da Verdade”, da TV Cultura, a fumar um cigarro Charm. Ou os atores das telenovelas, como Tarcísio Meira e Aracy Balabanian, que no auge das suas carreiras nos anos setenta como protagonistas das novelas da Globo, apareciam fumando em pleno horário nobre. Em 12 de outubro de 2007, as últimas palavras do ator Paulo Autran foram dirigidas à esposa, a atriz Karin Rodrigues, a pedir para que as pessoas não fumassem. O ator fumou a vida inteira, saiu de cena vítima de um câncer causado pelo tabaco.
As campanhas publicitárias de tabaco foram banidas da televisão já no segundo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, através de uma campanha mais agressiva contra o tabaco, numa guerra comprada pelo Ministério da Saúde e pelo então ministro José Serra, contra a indústria tabagista. Mesmo depois de banidas da mídia através de uma lei federal, as marcas de cigarros continuaram a vincular o seu produto às grandes revistas nacionais, ou camufladas na produção de espetáculos culturais como o Free Jazz Festival, ou ainda, nas corridas de Fórmula 1 (com propagandas nos carros, nos capacetes e nas roupas dos pilotos). Além dos cigarros, a Marlboro é dona de uma marca de roupas cara e famosa, muito apreciadas por jovens desportistas estilo montanhês.
O poder da indústria tabagista domina grande parte do planeta. É uma indústria enraizada em todos os meios de comunicação, diretamente ou de forma implícita. Através do glamour das suas propagandas, o seu produto causa câncer. Traz a morte. Pense nisto ao consumir vídeos de propagandas tabagistas na rede.