
Dentro da Música Popular Brasileira, há álbuns que se tornaram fundamentais não só pela sua qualidade musical, ou pela beleza das suas canções, mas por ter sido lançado em um determinado momento histórico do país, e as suas canções fizeram parte da trilha sonora deste momento. “Pedaços”, da cantora Simone, é um desses álbuns. Lançado no ano de 1979, teve faixas que acompanharam a construção da história que se fazia naquele momento, tanto política como social. 1979 era o ano da consolidação da abertura política dentro da ditadura militar, que culminou com a Anistia, lei promulgada naquele ano, que possibilitou à volta dos exilados políticos.
Em 1978, o Ato Institucional número 5 (AI-5), teve o seu fim decretado pelo então presidente Ernesto Geisel, em seu último ano de mandato. Com o fim do AI-5, várias canções proibidas durante a ditadura puderam, finalmente, ser gravadas e lançadas, entre elas “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil). A MPB volta a ganhar uma força de conotação política que teve durante os festivais, no fim dos anos sessenta, pré-AI-5. Assim, os álbuns lançados no fim de 1978 e no ano de 1979, já mostram esta nova vitalidade contestatória da MPB. “Chico Buarque 1978”, de Chico Buarque ou “Álibi”, de Maria Bethânia, são exemplos desta nova tendência. “Pedaços” faz parte desses álbuns. Traz Simone, uma cantora com seis anos de carreira, que apesar de muito prestigiada pelos colegas da MPB, nos primeiros anos era pouco conhecida do grande público. Simone teve a sua primeira explosão popular quando gravou “O que Será?”, de Chico Buarque, para a trilha sonora do filme “Dona Flor e os Seus Dois Maridos”. Com “Pedaços” a cantora assume lugar de destaque na MPB, rumando à ascensão meteórica de uma carreira brilhante, que só declinaria no início dos anos noventa. “Pedaços” é um dos álbuns que, a partir de 1978, transformariam a nossa MPB em vozes femininas, tendo até os dias atuais, esta característica.
Em 1978, o Ato Institucional número 5 (AI-5), teve o seu fim decretado pelo então presidente Ernesto Geisel, em seu último ano de mandato. Com o fim do AI-5, várias canções proibidas durante a ditadura puderam, finalmente, ser gravadas e lançadas, entre elas “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil). A MPB volta a ganhar uma força de conotação política que teve durante os festivais, no fim dos anos sessenta, pré-AI-5. Assim, os álbuns lançados no fim de 1978 e no ano de 1979, já mostram esta nova vitalidade contestatória da MPB. “Chico Buarque 1978”, de Chico Buarque ou “Álibi”, de Maria Bethânia, são exemplos desta nova tendência. “Pedaços” faz parte desses álbuns. Traz Simone, uma cantora com seis anos de carreira, que apesar de muito prestigiada pelos colegas da MPB, nos primeiros anos era pouco conhecida do grande público. Simone teve a sua primeira explosão popular quando gravou “O que Será?”, de Chico Buarque, para a trilha sonora do filme “Dona Flor e os Seus Dois Maridos”. Com “Pedaços” a cantora assume lugar de destaque na MPB, rumando à ascensão meteórica de uma carreira brilhante, que só declinaria no início dos anos noventa. “Pedaços” é um dos álbuns que, a partir de 1978, transformariam a nossa MPB em vozes femininas, tendo até os dias atuais, esta característica.
Pedaços, o Álbum

O sucesso de “Começar de Novo” antecipou o lançamento do álbum “Pedaços”, um dos mais belos e consistentes álbuns da cantora Simone. “Pedaços” trazia onze faixas. Iniciava-se com “Começar de Novo”, música que virou hino da liberação feminina proposta pelo seriado “Malu Mulher”. Vista através do tempo, “Começar de Novo” chegou aos dias atuais sem muita relevância, como mais uma bela canção de amor, desgastada pelo tempo. Em 1979 a canção era um hino. “Malu Mulher” trazia no seu conteúdo não só temas tabus à época, como o divórcio, a emancipação feminina, a masturbação da mulher oi o homossexualismo, como também inaugurava uma nova linguagem para as personagens femininas no universo da teledramaturgia brasileira. “Começar de Novo”, na voz de Simone, estava imarcescivelmente ligada ao seriado e àquele momento de transformação na conduta social da mulher brasileira. O seriado originou ao mítico “Mulher 80”, especial dirigido por Daniel Filho, que foi ao ar no fim do ano de 1979, tendo a presença de grandes cantoras como Gal Costa, Elis Regina e Maria Bethânia, além de Simone, a interpretar “Começar de Novo”, a canção principal do programa, que servia para lançar em disco, a trilha sonora do seriado.
“Começar de Novo” é uma das mais belas parcerias de Simone com Ivan Lins. O compositor tem no canto da Cigarra, um apogeu da sua obra. Além desta canção, “Pedaços” traz outra canção belíssima de Ivan Lins, “Saindo de Mim (Dois

Ainda sob a pulsação das dores do amor, e das suas lembranças perenes, Simone regrava um grande sucesso do repertório de Roberto Carlos: “Outra Vez” (Isolda), a música foi lançada pelo rei em 1977. Foi o primeiro sucesso de Isolda sem a parceria do irmão Milton Carlos, morto em acidente de automóvel, no fim de 1976. A interpretação de Simone é econômica, mas sincera. Não acrescenta ao clássico, mas também não lhe causa estragos, pelo contrário. Arremata brilhantemente a proposta do álbum.
Deixando um pouco as angústias do amor, o álbum segue com um dos seus momentos mais altos: “Sob Medida” (Chico Buarque), música feita para a trilha sonora de “A República dos Assassinos”, de Miguel Faria Jr, cantada no filme pela bela e inesquecível Sandra Bréa. Fafá de Belém gravou esta música. Há versos diferentes na versão de Simone e na de Fafá de Belém, como “eu sou seu incesto", cantado apenas pela segunda. A interpretação de Fafá de Belém traz uma sensualidade lasciva que prejudica a ironia a letra. Simone consegue dar o tom vingativo da música, é a melhor interpretação que esta canção tem. A Globo aproveitou a canção para fazer parte da trilha sonora da novela “Os Gigantes” (1979/1980), o que, reza as lendas de bastidores, gerou ciúmes de Fafá de Belém, que queria exclusividade sobre a música. Para compensar a cantora paraense, a Globo fez um clipe com ela no “Fantástico”, na época da novela, em vez de fazê-lo com Simone.
“Povo da Raça Brasil” (Milton Nascimento – Fernando Brant), traz uma brasilidade pulsativa, muito comum na época, quando já se via a ditadura militar em seu limiar. Uma brasilidade que Milton Nascimento perdeu com o tempo, quando deixou a musicalidade jazistica americana tomar conta da sua obra. A música retrata o povo além do litoral, cheio de tradições e esperanças. Simone, que tinha participado de um festival cubano de música em 1979, engajava-se na proposta política que a MPB de então tomou como bandeira. Mais do que um retrato político, “Povo da Raça Brasil” é um retrato do brasileiro.
“Itamarandiba” (Milton Nascimento – Fernando Brant) é uma viagem solitária através das cidades mineiras com nome de pedras. A canção começa com uma versão da famosa frase de Carlos Drumond de Andrade “No meio do meu caminho sempre haverá uma pedra”. A letra segue pelas cidades das pedras: Turmalina, Diamantina, Pedra Azul, retratando o rosto da gente e da vida que as paisagens da canção nos mostra. Delicada interpretação de Simone dentro de um universo de Milton Nascimento que já não existe.
“Vento Nordeste” (Sueli Costa – Abel Silva) é uma canção intimista, introspectiva, que se encaixa com perfeição no repertório bem costurado do álbum, sem lhe impregnar de melancolia. Talvez este seja o grande segredo de “Pedaços”, tocar nas feridas do amor e da existência, sem impregnar-se de melancolia.
“Condenados” (Fátima Guedes), canção de uma sensualidade à flor da pele, traz uma Simone safada, sedutora, verve que ela exploraria à exaustão nos anos oitenta. Fátima Guedes tornar-se-ia uma jovem compositora muito prestigiada, tendo canções gravadas no ano seguinte por Elis Regina. Esta canção jamais foi revisitada, é uma das mais belas da sua autora. Simone deixa aqui, os males do amor, para deliciar-se nos seus prazeres, na sua beleza, sem medo de ser censurada.
“Cordilheira” (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro), é o grande momento do disco. Música de um impacto poético poucas vezes revelado na MPB, a sua inclusão no álbum é resultado do fim do AI-5, pois ela esteve anos proibida pela censura da ditadura militar. A canção foi tocada pelas FMs da época, mas não atingiu as AMs, que eram as rádios mais populares.

Eu quero crer na solução dos evangelhos, obrigando os nossos moços ao poder dos nossos velhos
Eu quero ler o coração dos comandantes, condenando os seus soldados pela orgia dos farsantes”
Com os seus versos pungentes, refletindo uma rebeldia latente, “Cordilheira” retratava a juventude que conquistara a Anistia e estava pronta para derrubar definitivamente, a ditadura militar. É um hino cáustico, de uma beleza quase cruel.
“Tô Voltando” (Maurício Tapajós – Paulo César Pinheiro), agradável samba, foi outra canção que fez parte da trilha sonora da história do Brasil da época. Com a consolidação da anistia, tornou-se o hino dos anistiados:
"Pode ir armando o coreto
E preparando aquele feijão preto
Eu tô voltando
Põe meia dúzia de Brahma pra gelar
Muda a roupa de cama
Eu tô voltando"
Permeada de símbolos nacionais, como o feijão preto, o defumador, a marca da cerveja, a canção caía como uma luva aos sofridos exilados, que obrigados pela ditadura, estavam espalhados pelo mundo. Curiosamente, com o tempo, esta canção, hino da anistia, foi esquecida, preterida à “O Bêbedo e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), graças à grande popularidade de Betinho (o irmão do Henfil da canção) e à morte de Elis Regina.
“Pedaço de Mim” (Chico Buarque), canção que deu nome ao disco, escolhida para encerrá-lo, é o momento mais frágil do álbum. Esta mesma canção, no mesmo ano, além do álbum de Simone, deu título ao álbum de Zizi Possi “Pedaço de Mim”. Canção da peça “A Ópera do Malandro”, feita para ser cantada em dueto, tem, em 1979, as interpretações solitárias de Zizi Possi e Simone. A primeira dá uma interpretação lírica à canção, de uma beleza ímpar. Simone optou por uma interpretação dramática, ao som de sinos e de um órgão, dá a sensação de estarmos em uma igreja, a assistir a um funeral do amor. Torna-se pungente. É o único momento de pouco brilho de “Pedaços”.
“Pedaços” deu origem ao famoso show que Simone estrearia no Canecão, no fim de 1979. O show seria registrado no álbum “Simone Ao Vivo” (1980). Além de grande parte das canções citadas, no show Simone ressuscitou um velho sucesso proibido pela ditadura militar: “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” (Geraldo Vandré). No seio da ditadura, a abertura política estava consolidada, já não tinha volta. A MPB tornar-se-ia a porta-voz da abertura. A carreira de Simone estava consolidada. Com “Pedaços” nascia a superestrela Simone, que depois de “Pedaços”, trocou o pingo do i do nome por uma estrela.
Ficha Técnica:
Pedaços

Emi-Odeon
1979
Direção de produção: Renato Corrêa
Foto: Fernando Carvalho
Capa: Noguchi
Produtor Fonográfico: EMI-ODEON
Arranjos e Regências: Nelson Ayres e Gilson Peranzzetta
Guitarra: Alemão (Olmir Stocker)
Percussão: Chico Batera
Piano: Gilson Peranzzetta
Baixo Elétrico: Ivani Sabino
Violinos: Pareshi (Spala), Vidal, Walter Hack, Carlos Eduardo Hack, Lana, Francisco Perrotta, Piersanti, Luiz Carlos, Astrogildo, Marcelo Pompeu, Wilson Teodoro, Virgílio Arraes
Violas: Penteado, Nelson Macedo, Stephany, Nathércia
Cellos: Watson, Alceu de Almeida Reis, Iura, Bariola
Faixas:
1 Começar de Novo
(Ivan Lins-Vitor Martins)
2 Sob Medida
(Chico Buarque)
3 Povo da Raça Brasil
(Milton Nascimento - Fernando Brant)
4 Condenados
(Fátima Guedes)
5 Cordilheira
(Sueli Costa - Paulo César Pinheiro)
6 Outra Vez
(Isolda)
7 Vento Nordeste
(Sueli Costa - Abel Silva)
8 Saindo de Mim (Dois Gumes)
(Ivan Lins - Vítor Martins)
9 Tô Voltando
(Maurício Tapajós - Paulo César Pinheiro)
10 Itamarandiba
(Milton Nascimento - Fernando Brant)
11 Pedaço de Mim
(Chico Buarque)
