Sábado, 27 de Dezembro de 2008

BELEZA AMERICANA

 

 

Ao contrário do cinema europeu, o cinema norte-americano sempre esteve mais preocupado em exaltar a identidade dos EUA, do que compreender a essência dos seus habitantes, em criar heróis admiráveis do que anti-heróis humanos. As poucas vezes que Hollywood traçou um perfil do desajuste dos americanos, foram feitas com maestria, como em “Táxi Driver” (1976), de Martin Scorsese, ou ainda, “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Copolla. “Beleza Americana” surge como uma ácida e perturbadora crítica à mistificação da “american way of life” como a forma de vida a ser seguida pelo resto do mundo. A desconstrução das personagens atinge a todos os valores tidos como essenciais na sociedade americana: a família, o patriotismo exaltado, a estabilidade econômica, os valores de um país decadente em sua pseudomoral conservadora. Utilizando-se de várias personagens paralelas, todos os valores morais vão sucumbindo, expondo a essência de cada personagem, deixando-a nua das máscaras e à deriva da mesquinhez dos valores seculares. Para conduzir o emaranhado delicado das personagens, foi escolhido o diretor teatral Sam Mendes, um jovem realizador britânico, de origem lusitana, até então um ilustre desconhecido da sétima arte. Com “Beleza Americana”, o cinema americano fechou a década de noventa questionando a sociedade pós Monica Lewinsky e pré World Trade Center, fazendo-o através de um inteligente humor negro, uma dramaticidade à flor da pele, um erotismo latente, de rara beleza estética sensual. O resultado foi um dos melhores filmes da década e de todos os tempos, premiado com cinco Oscars.

Todas as Armas Apontadas Para Lester

Beleza Americana” gira em torno de Lester Burnham, personagem magistralmente vivido por Kevin Spacey. Lester, chega ao 43 anos como um frustrado pai de família, preso a um emprego que odeia, desprezado pela filha adolescente e pela mulher. Na acomodação que vive, Lester encontra mais prazer na masturbação solitária do que em fazer sexo com a mulher, a corretora de imóveis Carolyn (Annette Bening). No marasmo da sua vida, Lester desenvolve um desejo obsessivo pela bela Angela (Mena Suvari), uma ninfeta colega de sua filha Jane (Thora Birch). É esta paixão velada pela adolescente que acende uma chama na vida de Lester. Aos poucos, ele se rebela diante das imposições da vida e da sociedade, na sua rebelião, vai desconstruindo os valores essenciais da sociedade em que vive.
Lester rompe com o emprego medíocre que tem, pedindo demissão, muda a forma de vestir, faz musculação e transforma o corpo desgastado pela idade em atlético, desenvolve uma amizade sustentada pelo ato de fumar haxixe, com o vizinho, o jovem Ricky Fitts (Wes Bentley), ex-dependente químico que lhe fornece as drogas. Quanto mais rompe com a coerência social, mais Lester encontra o equilíbrio e a felicidade, não como um adulto a caminho da meia idade, mas como um adolescente a descobrir o mundo e a beleza que nele existe, mas que a perdemos na construção dos valores que fazem de um cidadão um vencedor diante da opinião pública. Lester descobre os tênues fios da felicidade, mas é tarde para ele. O filme começa e ele já avisa que irá morrer naquele dia.
As mudanças de Lester ferem o mundo de mentiras que há à sua volta. O país que vive é uma mentira, o bairro onde mora é de habitantes infelizes. Ironicamente, dos vizinhos de Lester, somente o casal gay Jim (Scott Bakula) e JB (Sam Robards), têm uma vida normal e familiarmente saudável. Na nova vida de Lester não há espaço para aquele mundo hipócrita. Quanto mais avança em direção de si próprio, mais os que estão à sua volta empunham uma arma, preste a atirar. Todos apontam para Lester, a mulher, a filha e o seu namorado, o vizinho, a sociedade, um deles irá matá-lo. A tragédia americana será consumada, sem beleza alguma. O tiro que mata Lester, atinge o espectador, a sociedade e os seus costumes.

O Mundo Dúbio de Cada Personagem

No mundo de “Beleza Americana” nada é politicamente correto, tudo é aparência. Todos mentem, todos traem, todos amam a hipocrisia. Cada personagem reflete uma máscara que se lhe veste a sociedade americana, feita para amar a América acima de Deus e da família, e para ser um vencedor de uma complexa sociedade convulsivamente moralista. É a era de Bill Clinton, que ao ser felado pelos lábios carnudos de sua estagiária, e ter deixado o sêmen da decadência dos costumes americanos no vestido azul da parceira, quase foi cassado pelo moralismo da política do seu país.
Carolyn, a insatisfeita mulher de Lester, é o exemplo da saga americana, que sonha com sucesso profissional e financeiro. A falta de ambição de Lester mata o seu apetite sexual por ele. É nos braços de Buddy Kane (Peter Gallagher), o rei dos corretores, que Carolyn vai saciar o seu desejo sexual. Não é o corpo de Buddy que atrai Carolyn, mas sim o seu sucesso profissional. Na sua obsessão cega pela vitória profissional, a mulher de Lester encontra um prazer quase que orgástico quando tem aulas de tiro e adquire uma arma. Este prazer é a imagem da sociedade americana, cada vez mais armada.
Angela, a menina-mulher pela qual Lester desenvolve a sua obsessão romântica e sexual, é o símbolo da beleza perfeita, do desejo, da falsa ingenuidade, da provocação. Angela é a adolescente mais desejada pelos colegas da sua escola. Provocante, ela esconde um doce segredo, ao contrário do que se imagina, a bela mulherzinha é virgem.
Jane, a adolescente que se revolta com o mundo, menospreza o pai por sua passividade diante da vida e pelo seu assédio à amiga Angela. Jane concentra todo o seu ódio em Lester, cogita inclusive matar o pai, contratando o jovem Ricky para fazê-lo.
Ricky é um jovem problemático, ex-dependente químico, que vende drogas para a vizinhança. A mãe (Allison Janney) é uma mulher ausente e submissa ao pai, o coronel Frank (Chris Cooper), homem rude, aposentado do exército, orgulhoso das suas medalhas, exemplo vivo do herói americano. Frank é um homem rígido em seus conceitos, trata o filho com mão pesada, numa agressiva tentativa de deixá-lo longe das drogas. É o porta-voz do pensamento do americano mediano, menospreza o casal gay da sua vizinhança, movido por um grande preconceito. Frank, o honrado aposentado do exército americano, traz surpresas de uma personalidade reprimida. Nos enganos da comédia humana, Frank acredita que o filho está a manter um relacionamento homossexual com Lester. O coronel procura Lester não para proteger o filho do que considera a mais abjeta escolha sexual, mas para revelar o seu desejo escondido pelo vizinho. A revelação gera o repúdio de Lester, rejeição que, um homem como Frank, não supera. Está apertado o gatilho que matará Lester.

Cinco Oscars e Três Globos de Ouro

Kevin Spacey consegue dar a Lester todas as nuances da personagem, desde a imagem do pacato e menosprezado pai de família do início do filme, ao obsessivo e lascivo homem que deseja ardentemente a ninfeta amiga da filha. O ator mostra a virada da personagem de uma forma contundente, sem exageros histriônicos, mas longe de ser intimista. Spacey nos traz na sua composição de Lester, a doce lembrança de Jack Lemmon, o ator que mais representou no cinema a imagem do bom americano. O próprio Spacey confessou que se inspirou em Lemmon para interpretar o emblemático personagem de “Beleza Americana”.
A interpretação de Lester Burnham obrigou Kevin Spacey a submeter-se a rigorosos e pesados exercícios físicos, para que tivesse os músculos que exigiam a segunda fase da personagem. Esta transformação física está explicita nas cenas de nudez da personagem, que se mostra a exercitar o corpo. A recompensa de Kevin Spacey veio com o Oscar de melhor ator, dado pela Academia de Hollywood no ano de 2000.
Além do Oscar de melhor ator, “Beleza Americana” arrebatou mais quatro estatuetas: Oscar de melhor filme, Oscar de melhor diretor para Sam Mendes, Oscar de melhor roteiro original e de melhor fotografia.
Além dos 5 Oscars, o filme ganhou três Globos de Ouro para melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original.

Ficha Técnica:

Beleza Americana

Direção: Sam Mendes
Ano: 1999
País: Estados Unidos
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 121 minutos / cor
Título Original: American Beauty
Roteiro: Alan Ball
Produção: Bruce Cohen, Dan Jinks, Alan Ball e Stan Wlodkowski
Música: Thomas Newman e Pete Townshend
Direção de Fotografia: Conrad L. Hall
Desenho de Produção: Naomi Shohan
Figurino: Julie Weiss
Edição: Tariq Anwar e Christopher Greenbury
Elenco: Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Wes Bentley, Mena Suvari, Peter Gallagher, Chris Cooper, Allison Janney, Scott Bakula, Sam Robards
Sinopse: Lester Burham (Kevin Spacey) não agüenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da adolescente Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia é quando se masturba no chuveiro. Até que conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley).

Sam Mendes

Sam Mendes até dirigir “Beleza Americana”, em 1999, era um conhecido encenador de peças teatrais em Londres. A encenação que Sam Mendes fez de “Cabaret”, foi decisiva para que Steven Spielberg e o produtor Bruce Cohen, que viram o espetáculo nos palcos londrinos, decidissem entregar a ele a direção do filme.
Sam Mendes nasceu em Reading, na Inglaterra, em 1 de agosto de 1965. Seus antepassados eram portugueses da Ilha da Madeira, que vieram de Trinidade e Tobago, quando dali expulsos. Atualmente é casado com a atriz Kate Winslet, estrela de "Titanic", com quem tem um filho.

Filmografia de Sam Mendes:

2005 – Jarhead
2002 – Road of Perdition
1999 – American Beauty
1996 – Company (Filme para a televisão)
 
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publicado por virtualia às 20:32
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1 comentário:
De Priscilla a 5 de Janeiro de 2009 às 17:58
Para quem adora estar por dentro da 7° arte aí vai uma dica, um site que achei na net que tráz vários assuntos relevantes ao cinema entre outros. O endereço é esse: http://www.ziipi.com/result?pesquisa=cinema

Uma braço a todos!


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