Numa época que o cenário musical brasileiro mostra-se instável e sem direção, que a MPB sobrevive do que se ergueu nos últimos quarenta anos, sem que se apresente criatividade e trabalhos consistentes; que o mercado assiste ao colapso das grandes gravadoras, ultrapassadas pelo fenômeno da era digital, limitadas pela falta de qualidade do que apresentou ao público nos últimos vinte anos, transformando os sertanejos em ais medíocres do brega romântico, a música de raiz afro e seus axés em movimentos vulgares de glúteos e quadris pululantes, visando assim, o lucro fácil e o sucesso instantâneo; eis que surgem trabalhos sinceros, feitos para um mercado fechado, que se nega a abraçar o medíocre, mas que paga o preço de não conseguir patrocínios, condenando boas produções ao ostracismo, sem alcançarem um grande público, mostrando-se fechadas em circuitos restritos, sem que se consiga formar uma vanguarda que dê uma lufada no óbvio.
De tempos em tempos, descobre-se uma Maria Gadu pelos bares da vida e, percebe-se que dentro da carência de uma MPB estagnada no âmago da sua genialidade temporal, existem talentos que se mantêm intactos à corrosão da falta de qualidade e ao declínio de um dos gêneros musicais mais apreciados no mundo.
É neste contexto atribulado que se me aparece Ricardo Machado, cantor carioca, dono de uma voz consistente, de timbre metálico que quando se propõe a desafiar os seus agudos, transforma a palavra dentro da melodia de uma forma estética admirável, alcançado ápices primorosos que nos trazem o puro prazer em se ouvir a boa Música Popular Brasileira.
Com dois álbuns independentes, “Corra e Olhe o Céu” e “Ricardo Machado”, o cantor oferece um trabalho límpido e de sensível sinceridade, sem em momento algum, fugir da proposta ou cair no vão dos projetos pretensiosos. Ricardo Machado propõem-se a cantar a MPB, mostrando que as canções não têm tempo e intérpretes definitivos, e que dentro de um acervo infinito, redescobrir sucessos vestindo uma voz bonita, torna-se novo e único, quase com cheiro de inédito.
Neste artigo, o primeiro álbum de Ricardo Machado se nos será apresentado, proporcionando a quem correr o risco, uma agradável surpresa dentro da arte de cantar, sem os resquícios do compromisso com as exigências do mercado. Singela, sincera, de uma beleza tênue e límpida, a obra de Ricardo Machado é um verdadeiro convite ao bom gosto, ao prazer de ouvir a Música Popular Brasileira.
Abrem-se as Faixas em Suave Romantismo
Ricardo Machado, carioca que se divide entre cantar e a profissão de dentista, traz na bagagem as raízes do cantor lírico, que se deixou seduzir pela música popular, demarcando esta característica na suavização do seu canto. Vindo do Coral da Universidade Gama Filho, foi desde sempre um apaixonado pela MPB, em especial por Gal Costa, uma influência que se estende na interpretação, vincada no lirismo melódico, distanciando-se da latência passional.
O álbum de estréia, aqui renomeado “Corra e Olhe o Céu”, traz um repertório conciso, com canções suaves, feitas por diversos autores, que se interligam em um todo, onde a melodia e a poesia são indivisíveis. Letra e melodia nivelam-se, sem jamais uma sobressair-se à outra, ponto de partida para o estilo pessoal de Ricardo Machado. Poucos como ele pronunciam todas as sílabas da canção, diluindo-as na melodia com clareza, sem arranhar a delicadeza musical, fazendo a felicidade de qualquer letrista, muitas vezes ofuscado pela música, iluminando assim, a poesia que há nas composições da MPB.
“Canção da Manhã Feliz” (Haroldo Barbosa – Luiz Reis), abre o álbum. Canção que exalta o amor, que chega suave depois das tempestades, que entra como uma luz radiante em um coração discreto. Ricardo Machado sabe dosar o lirismo exato da canção, optando por um intimismo lírico, ameaçando, por alguns momentos, lançar-se na beleza metal da sua voz, contendo-se da explosão estética que pode e quer atingir, mas sem se perder da delicadeza do momento. A voz abre-se para a emoção.
“Eu abri a janela
E este sol entrou
De repente em minha vida
Já tão fria e sem desejos
Estes festejos
Esta emoção
Luminosa manhã
Tanto azul tanta luz
É demais pro meu coração”
“Todo Azul do Mar” (Ronaldo Bastos – Flávio Venturini) chega como um sopro, ampliando o proposto na primeira faixa, transformando a poesia em melodia, sem ela, o canto de Ricardo Machado não faz sentido. Os floreados são salpicados como atenuantes ao convite lírico.
“Quando eu dei por mim
Nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu
Dentro do seu olhar”
Rasgos Viscerais
O amor suave cantado nas primeiras faixas dá passagem para o existencialismo pulsante, à flor da pele de “Resposta ao Tempo” (Aldir Blanc – Cristóvão Bastos). Canção forte, que beira o precipício dos sentidos, num diálogo dilacerante entre o tempo e um sobrevivente das grandes paixões. Aparentemente simples, a canção requer fôlego para que se suba às escadas do diálogo, onde as palavras são mais amplas que a melodia, que muitas vezes mostra-se tolhida dentro das grandes frases. Nana Caymmi atravessou com passionalismo a canção. Ricardo Machado suaviza o diálogo, estreita-se nos seus labirintos e sai com maestria dos becos que se lhe abrem, mantendo o fôlego das palavras, ao contrário da interpretação de Nana, que às vezes o parece perder. A veia passional exacerbada que a canção sugere passa longe da suavidade estética que Ricardo Machado insiste em transformar aquilo que canta. Como discípulo de Gal Costa, prefere transformar o trágico em suportável, a dor em beleza solitária, o desespero em ludismo, a palavra em melodia sincronizada, interligada num poema cantado.
“Respondo que ele aprisiona, eu liberto
Que ele adormece as paixões, eu desperto
E o tempo se rói com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor pra tentar reviver”
Se até o momento o cantor mostrou-se comportado, sedutoramente acadêmico, na quarta faixa, “Me Chama de Chão” (Paulinho Moska – Fernando Zarif – Branco Melo), ele apaga tudo e solta toda a verve escondida, sem qualquer pudor em arriscar o metal da voz em momentos que os agudos expandem as frases mais constrangedoras da música, numa deliciosa malícia. De forma visceral, ousada, ele desnuda a canção, rasga a sua mensagem, fazendo-a adoravelmente crua, desconcertante aos ouvidos mais pudicos e, arrebatadora aos que sabem os vários caminhos que se conduz o amor na sua forma bruta, na sua essência tão primitiva quanto o próprio lapidar do sentimento. Um dos melhores momentos do álbum. E também onde se revela um pouco do potencial da voz que Ricardo Machado sabe guardar tão bem, como uma surpresa em um invólucro súbito.
“Bate que sou tua porta
Bate que sou teu bife
Bate que sou teu homem
Sou teu cão (...)
(...) Me chama de chão
Me chama
Come que eu sou teu rabo
Cospe, que eu sou teu prato”
No Lirismo dos Autores do Clube da Esquina
“Nascente” (Flávio Venturini – Murilo Antunes) restabelece a suavidade, chegando mansa, macia. Se as sereias trazem um canto hipnótico e fatal, os tritões sopram a melodia em um precipício que se nos arremessa aos rochedos dos sentimentos. Ricardo Machado, no seu intimismo domesticado, transforma-se no tritão em alto mar, cantante e solitário!
“Clareia manhã
O sol vai esconder a clara estrela
Ardente
Pérola do céu refletindo
Teus olhos”
“Travessia” (Milton Nascimento – Fernando Brant), a mais definitiva canção de Milton Nascimento, passou pelas mais diversas vozes da MPB, vestindo desde a densidade claustrofóbica de Elis Regina à interpretação em estilo épico do autor. Foi tão explorada, que por muito tempo tornou-se sem novidades. Ricardo Machado propõe-se em transformar o óbvio em algo seu, conseguindo dar uma identidade própria, o que lhe acentua a intuição e o estilo. Atravessa toda a dor pungente da canção e, quando o desabrochar da melodia eleva a voz no verso “vou soltar o meu pranto” e se espera o ápice de “vou querer me matar”, ele quebra o tom, baixando-o subitamente, fazendo com que o ouvinte desenhe na mente uma imagem a cair no vão de um precipício. Efeito notável, mostrando como o cantor resiste ao passionalismo erguido, optando pelo lirismo poético.
“Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar”
De Paulinho da Viola a Cartola
Deixando o universo dos mineiros do Clube da Esquina, Ricardo Machado mergulha no samba macio de Paulinho da Viola. “Coração Leviano” (Paulinho da Viola), é interpretada com concisão, preservando a delicadeza da beleza estética que o cantor impõe. Discretamente, murmura alguns agudos, retraindo-se para não desconstruir a proposta inicial. Insere no final, um rasgo meteórico de “Insensatez” (Vinícius de Moraes – Tom Jobim), num arremate entre o samba e a Bossa Nova cariocas.
“Ah coração teu engano foi esperar por um bem
De um coração leviano que nunca será de
Ninguém”
“Corra e Olhe o Céu” (Cartola – Dalmo Casteli), amplia a proposta do álbum. A voz mostra-se quente, transitando as possibilidades, arriscando os graves, concebendo um ludismo romântico, vertido nas sílabas melódicas, na percepção da sensibilidade autoral. A canção alinhava toda a proposta do álbum, selando os vários universos de autores diferentes apresentados por Ricardo Machado. É o momento que se identifica com precisão o intimismo do cantor e a expansão da sua sensibilidade, a sofisticação na escolha do repertório e a sua paixão pela genuína MPB.
“Linda!
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia”
Ricardo Machado mostra-se seguro e à vontade no universo de Cartola. Segue o rastro do mestre com a faixa “Acontece” (Cartola). Mais uma vez deixa fluir o timbre metálico, que emerge quase que sufocado dentro do intimismo acadêmico que mantém coerente, sem nunca ferir a beleza exposta e a subtender a que se esconde no mais sublime âmago. Apesar de mais duas faixas, é como se ele se despedisse aqui, encerrando o delicado e sofisticado repertório, no qual transitou com domínio pleno e suavidade envolvente.
“Esquece o nosso amor, vê se esquece
Porque tudo na vida acontece
E acontece que eu já não sei mais amar
Vai chorar, vai sofrer, e você não merece
Mas isso acontece”
A décima faixa talvez seja o grande equívoco do álbum. “Canção da Manhã Feliz” (Haroldo Barbosa – Luiz Reis), volta em um dueto com Márcia Coelho, que apesar da beleza da voz, mostra-se menor quando Ricardo Machado entra, reforçando o tom lírico que impregnou na primeira faixa, fazendo deste curto momento um ápice isolado. Uma terceira voz (Eduardo Coelho), junta-se aos dois, num encerramento bonito, mas que nada acrescenta à sofisticação do repertório e à beleza das interpretações solitárias de uma grande voz.
E o ápice final vem com “Bachianas Brasileiras nº 5” (Heitor Villa Lobos), onde Ricardo Machado acentua as raízes de cantor lírico. A ousadia não torna a proposta do álbum pretensiosa, imprime-lhe o carimbo do bom gosto, afirma toda a sofisticação que se manteve da primeira à última faixa. Encerra um trabalho ímpar, de um cantor que ao penetrar com coragem no universo da MPB, dá ao repertório escolhido uma identidade própria, despindo-o de qualquer estigma que se lhe exija um repertório próprio, feito de inéditas.
Longe de se mostrar “crooner”, Ricardo Machado revela-se um cantor de personalidade arraigada, de timbre agradável e de possibilidades múltiplas. O álbum é acadêmico, por ser o primeiro, aquele em que o cantor quer e precisa acertar. Mas dentro deste academicismo, há uma beleza rara, uma promessa de uma grande voz, um gostinho de quero mais aos ouvintes.
Ficha Técnica:
Ricardo Machado – Corra e Olhe o Céu
Produção Independente
Produção, Coordenação e Seleção de Repertório: Ricardo Machado
Técnico de Estúdio: Ricardo Calafate
Técnicos de Mixagem e Masterização: Vanderlan Júnior e Cláudio Louro
Arranjos: Vanderlan Júnior
Concepção da Capa: Ricardo Machado
Fotos: Jorshey Stúdio
Arte Final: Cláudio Louro
Gravado no Estúdio Usina
Mixado e masterizado no Estúdio Groove
Agradecimentos Especiais de Ricardo Machado: À minha família, Cláudio Louro, Vanderlan Júnior, Ricardo Calafate, Maurício Capistrano, Maurício Rizzo, Márcia Coelho, Dudu e a todos que apoiaram a realização deste trabalho
Músicos Participantes:
Violão Eletro-Acústico: Ricardo Calafete (Faixas “Canção da Manhã Feliz”, “Todo Azul do Mar”, “Resposta ao Tempo”, “Me Chama de Chão” e “Nascente”) e Maurício Rizzo (Faixa “Acontece”)
Violão Acústico: Maurício Capistrano (Faixas “Travessia”, “Coração Leviano”, “Corra e Olhe o Céu”, e “Bachianas Brasileiras número 5”)
Teclados e Programação de Bateria: Vanderlan Júnior
Vocais: Ricardo Machado
Participações Especiais: Márcia Coelho (voz e vocal em “Canção da Manhã Feliz”) e Eduardo Carvalho – Dudu (vocal em “Canção da Manhã Feliz”)
Faixas:
1 Canção da Manhã Feliz (Haroldo Barbosa – Luiz Reis), 2 Todo Azul do Mar (Ronaldo Bastos – Flávio Venturini), 3 Resposta ao Tempo (Aldir Blanc – Cristóvão Bastos), 4 Me Chama de Chão (Paulinho Moska – Fernando Zarif – Branco Melo), 5 Nascente (Flávio Venturini – Murilo Antunes), 6 Travessia (Milton Nascimento – Fernando Brant), 7 Coração Leviano (Paulinho da Viola), 8 Corra e Olhe o Céu (Cartola – Dalmo Casteli), 9 Acontece (Cartola), 10 Canção da Manhã Feliz (Haroldo Barbosa – Luiz Reis) Participação Especial Márcia Coelho, 11 Bachianas Brasileiras nº 5 (Heitor Villa Lobos)
RICARDO MACHADO - SITES:
http://ricardomachadocantor.blogspot.com/
http://ricardomachadocantor.multiply.com/
O território grego é formado por penínsulas recortadas e ilhas do mar Egeu. Devido à posição geográfica, incidia sobre as cidades gregas inúmeros movimentos de ar, os ventos, que definiam a navegação e a agricultura, essências da vida econômica da Grécia. A fúria dos ventos trazia infortúnios às colheitas, que quando por eles arrasadas, provocavam anos de escassez e fome.
Na formação primordial da civilização grega não havia o domínio das técnicas da agricultura, plantar e colher era um esforço desesperado para sobreviver. Era preciso controlar o poder dos ventos, apaziguar a fúria com que caiam sobre as ilhas e o continente, para isto surgiu a necessidade de criar a divindade que representava a força do ar, tão importante em terras muitas vezes de condições naturalmente inóspitas.
Personagens míticas surgiram como representantes do ar, entre elas, Éolo, o deus dos Ventos, senhor absoluto de todas as forças atmosféricas. Seu reinado tinha como súditos, segunda a versão mais persistente da lenda, os quatro ventos regulares: Bóreas, o vento Norte; Zéfiro, o vento Oeste; Euro, o vento Leste; e, Austro, o vento Sul.
Éolo surgiu como divindade abstrata, distanciada da caracterização humana que tinham os deuses olímpicos, sua genealogia e a dos demais Ventos assumiram formas variantes ao longo da antiguidade grega. Há quem lhe atribua Poseidon (Netuno), como pai. Sem uniformidade genealógica, Éolo e os Ventos têm as suas ascendências e origens flutuantes, tal como o ar que representam. Assim como a natureza não controla a força do ar, também os ventos têm profundas oscilações no seu caráter enquanto divindades e nas suas lendas, enquanto mito.
Éolo, o Rei dos Ventos
A força dos ventos representava o equilíbrio entre as plantações e as colheitas, podendo ser benéficos ou destruidores. Essenciais no convívio entre a natureza e o homem, os ventos trazem o poder da vida, da fecundação, já que grande parte da vegetação só fecunda quando tem o pólen transportado por eles.
Se a presença dos ventos definia as colheitas e as plantações, longe do campo eles eram fundamentais para a navegação, já que as tormentas marítimas eram provocadas por ventos cortantes, capazes de afundar grandes frotas. Os navegantes gregos atribuíam a culpa dos naufrágios aos ventos, sempre inconstantes e furiosos. Sem poder explicá-los através da ciência, os antigos tentavam compreendê-los como divindades, dando-lhes forma e vida e cultuando-os, transformando-os em mitos.
O mito de Éolo surge da necessidade do homem de manter diálogo entre a natureza indomável e a sobrevivência que evolui sempre, aperfeiçoando a tecnologia. Enquanto não se avança com este processo evolutivo, o mito resolve a ignorância das trevas, trazendo a luz da fé na divindade. Éolo passou a refletir a ordem dentro da força incontrolável do ar, era ele quem impedia a anarquia dos Ventos, tornando-os disciplinados e benéficos às necessidades humanas. Sob o reinado de Éolo, os ventos só são destrutivos quando provocados pelo homem, sendo a sua fúria resultante de alguma vingança à falha humana ou uma retaliação às disputas das divindades.
Éolo comanda todos os ventos. O seu reino está centrado na Eólia, uma ilha flutuante situada entre a Itália continental e a Sicília. Homero (século IX a.C.) descreve o seu palácio cercado de muralhas de bronze por todos os lados. Para os romanos, o reino do rei dos Ventos encontrava-se na ilha Lípara.
Éolo é descrito em todas as vertentes do mito, como um deus justo e benévolo à humanidade. Tendo grande compaixão para com os homens, ele inventou a vela para ajudá-los a navegar, sendo o guardião perpétuo dos Ventos e das suas investidas furiosas. Mas o poder de Éolo sobre os Ventos não pode evitar catástrofes aos homens, quando a tragédia já foi definida pelo Destino, deus mais poderoso que os próprios deuses do Olimpo.
Apesar de ser o rei dos Ventos, Éolo tem menos representações nas artes e nas lendas do que Zéfiro ou Bóreas, Ventos que são seus súditos. Considerado superior a todas as forças do ar, os gregos cultuavam o à divindade de Éolo de forma indireta, como ele era a soma máxima de todos os Ventos, era preciso abrandar a fúria de cada um deles. Assim, os cultos eram dirigidos a cada um dos Ventos, para que se chegasse de forma indireta ao rei de todos eles, o poderoso Éolo.
Os Ventos e as Divindades do Ar
O elemento ar era definido pelos gregos, por quatro divindades básicas e regulares: Bóreas, o vento Norte; Austro, o vento Sul; Zéfiro, o vento Oeste e Euro, o vento Leste. São filhos de Eos (a Aurora) e de Astreu (o céu estrelado).
Outras vertentes dos mitos dos Ventos, costumam apontá-los como oito divindades básicas e regulares: Solano, Austro, Euro (ou Noto), Áfrico, Zéfiro, Cero, Setentrião e Bóreas. Nesta variante da lenda, a genealogia dos Ventos não é atribuída a Eos e Astreu, mas aos Titãs, os filhos de Urano (Céu) e Gaia (Terra), destronados pelos deuses olímpicos.
Quando regulares, os ventos eram considerados benévolos aos homens; quando irregulares, eram tidos como maléficos, de comportamento nocivo ao homem, à navegação e à agricultura. Os ventos maléficos estavam ligados aos mitos das Harpias e da Quimera.
As Harpias eram figuras monstruosas, filhas de Taumante e da ninfa oceânida Electra. Tinham o rosto de mulher e corpo de ave. Normalmente são representadas com rostos de mulheres velhas, com orelhas de urso e patas que terminavam em grandes unhas. Simbolizavam os ventos mais tempestuosos, provocadores dos furacões. Por onde passavam causavam a devastação e a destruição. O que não destruíam, contaminavam com os excrementos (ou um fluxo que lhes saía do ventre) que lançavam. Eram imortais, mas não eram deusas, não recebendo cultos especiais.
A Quimera tinha a cabeça de leão, o corpo de cabra e cauda de dragão. Da sua boca saíam grandes chamas. Associada aos Ventos, ela personificava as nuvens negras que trazem as tempestades. Assim como as Harpias, a Quimera não recebeu culto especial dos antigos gregos.
Ao contrário dos Ventos irregulares e maléficos, os regulares e benéficos receberam grandes e freqüentes cultos em toda a Grécia antiga, excepcionalmente em Atenas, onde eram venerados juntos, em um templo octogonal, tendo a figura de um deles em cada ângulo do edifício.
A mitologia romana apresenta outros Ventos além dos quatro regulares descritos pelos gregos. Euro, Bóreas, Austro e Zéfiro são, segundo os romanos, os Ventos principais, sendo Euronoto, Vulturno, Subsolano e Caecias, Ventos que derivam dos primeiros, sem lendas próprias. São tidos como divindades turbulentas, somente Bóreas e Zéfiro são descritos com um caráter simpático e benéfico pelos romanos.
Bóreas, o Impetuoso Vento Norte
Bóreas foi o vento mais cultuado como divindade na Grécia. Geralmente representado como um homem barbudo, maduro e alado, vestido com um manto curto. Era um vento tranqüilo, que não conhecia a dor. Vivia em um fulgente palácio às margens do Estrimão, na Trácia, país frio e úmido.
A serenidade do vento ficou estremecida quando ele apaixonou-se por Orítia, bela princesa de Atenas. Tomado de amor, ele procurou o rei Erecteu, pai da amada, pedindo-lhe em casamento. Mas o monarca recusou-lhe entregar a filha, alegando que a Trácia era muito fria, e a jovem não suportaria lá viver.
Bóreas rogou, implorou, prostrou-se aos pés do rei, como se fosse um simples mortal. Mas nada comoveu Erecteu. Desolado, Bóreas tornou-se um vento indomável, um vendaval sem limites, de força impetuosa. Passou a soprar violentamente do seu palácio, atingindo todos os cantos do mundo. Soprou uma gigante nuvem branca sobre Atenas, que envolveu a bela Orítia, carregando-a pelo ar, até a Trácia.
Bóreas casou-se com Orítia, com quem teve quatro filhos. Em uma outra vertente da lenda, ao apaixonar-se por Orítia, o vento Norte era casado com a ninfa Clóris. Quando raptou a princesa ateniense, passou a ter as duas como esposa, vivendo os três felizes no palácio da Trácia.
O rapto de Orítia é a lenda mais famosa do mito de Bóreas. O casamento do vento com uma princesa ateniense, era cultuado em Atenas como um privilégio à cidade. Relatos históricos contam que quando da invasão do comandante persa Xerxes (519-465 a.C.), em luta contra a Grécia, Atenas estava próxima da rendição, quando o vento Bóreas soprou forte, dispersando a frota inimiga. O fato passou a ser comemorado pelos atenienses com a realização das festas Boreasmas.
Outra lenda poética envolve o mito de Bóreas: certa vez o vento Norte transformou-se em um cavalo alado, fecundando doze éguas do rei Erisícton, figura mitológica conhecida por ter devorado a si próprio quando tomado por um incontrolável ataque de fome. Da fecundação de Bóreas nasceram doze potros, que corriam esguios pelas colheitas, sem que se lhes destruísse. É através dos potrinhos filhos de Bóreas, que acontece o movimento ondulatório que o vento suave provoca sobre a vegetação.
Zéfiro, o Vento das Brisas Suaves
Zéfiro, o vento Oeste, era irmão de Bóreas, habitando também na Trácia. A lenda descreve-o como um vento primitivamente violento, que destruía com o seu sopro indomável, às plantações, provocava naufrágios, causando grandes danos aos homens.
A súbita paixão de Zéfiro por Clóris (Flora), irá transformar o caráter mitológico do vento, dando-lhe a versão final regular e benéfica. Clóris é a rainha da primavera, era quem espargia a beleza das flores ao mundo, dando-lhes as cores e o perfume. O contraste entre Zéfiro, o vento que ao soprar destrói a beleza das flores, e Clóris, que pincela esta beleza, faz com que a rainha da primavera rejeite aquele amor inesperado. Mas o amor de Zéfiro é sincero, pleno e construtivo. Para conquistar Clóris, ele transforma a sua personalidade. Rejeita o seu lado tempestuoso e destrutivo, tornando-se um vento suave, passando a soprar levemente, para não danificar as flores.
A lenda de Zéfiro e Clóris reflete o momento de equilíbrio da natureza. O vento suave não destrói as flores, pelo contrário, leva o seu pólen, fazendo com que ela fecunde e renasça em outra vegetação. Zéfiro passa a ser o vento dos namorados. Será ele que levará Psiquê ao palácio de Eros, para que se dê o encontro entre o Amor e Alma. Será ele que verá Afrodite (Vênus), a deusa do amor e da beleza, emergir das espumas do mar, soprando-a e conduzindo-a suavemente até a ilha de Chipre.
Zéfiro é o vento do Ocidente, que ameniza o clima grego, vivificando a natureza. Na estrada entre Atenas e Elêusis, era venerado como uma entidade fecundadora. É representado com uma fisionomia serena e terna, trazendo asas, muitas vezes em forma de asas de borboletas, e, coroas coloridas nas mãos.
Em Roma Zéfiro era venerado ao lado da mulher, Flora. Foram construídos dois templos de culto à deusa, um no Circo Máximo e outro no Quirinal. As festas Florais celebravam a primavera em Roma. No início, as Florais eram solenidades religiosas com rituais que pediam aos deuses boas colheitas. Com o passar do tempo, transformaram-se em celebrações licenciosas e obscenas, dando lugar à orgia floral.
Euro, o Vento Leste e Austro, o Vento Sul
Euro, ou Noto, é o vento do Oriente. É um vento descrito diferentemente pelos poetas, com contrastes acentuados de uma versão para a outra. Enquanto muitos escritores atribuem-lhe uma fisionomia tranqüila e benévola, Horácio (65 -8 a.C.) transforma-o em um vento furioso. É representado com asas e cabelos revoltos, trazendo muitas flores nas mãos. Euro chega ao mundo trazido pelos cavalos da mãe, Eos, a Aurora. O mito não gerou grandes lendas, como Zéfiro e Bóreas.
Austro é o vento Sul. É o vento que traz as chuvas, por isto costuma ser representado com um regador nas mãos. Ovídio (43 a.C. – 18 d.C.) descreveu-o como um velho de cabelos brancos, de estatura elevada, portador de um ar sombrio e de uma nuvem ao redor da cabeça, indicando a chegada das chuvas. Tido como um vento básico e regular, não foi uma divindade com grandes cultos, não gerando grandes lendas enquanto mito.
Em outra vertente mais antiga da lenda, os ventos passavam o tempo em guerra entre si, causando destruição e morte aos homens. Para aplacar a fúria de tão incontidas forças, Zeus encerrou-os em uma caverna, fechando-a com imensos rochedos e montanhas. A seguir, o senhor do Olimpo pediu a Éolo que vigiasse os prisioneiros. Assim, Éolo tornou-se o rei dos Ventos. Noite e dia Éolo ouve o rugido dos prisioneiros, vindos do alto das montanhas, clamando pela liberdade. Mas Éolo não os liberta jamais.
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