O fim do século XX tornou o mundo globalizado, cada vez mais estreitado em suas relações através da tecnologia avançada das comunicações em massa. Várias sociedades interligam-se não só economicamente, mas culturalmente, fazendo com que costumes morais diferentes confrontem-se diante da globalização. É neste contexto que os valores morais do ocidente e do oriente são objetos de estudos, e a questão da Ética torna-se essencial para a conduta de uma sociedade mais justa e unida, quer queira-se ou não, através de uma globalização cada vez mais contundente.
No mundo contemporâneo, ser ético tornou-se um elemento de profunda estratégia de convivência pacífica entre as pessoas, quer no trabalho, quer na sociedade, ou mesmo no país que se vive. Ser ético é buscar princípios e valores morais que garantam a própria sobrevivência do homem e do planeta do qual ele explora para satisfazer o seu conforto. Cada vez mais grandes empresas adotam códigos de ética como garantia de conduta exemplar e para sobreviver às concorrências de um mercado volátil e feroz.
O estudo da Ética é tão remoto quanto à evolução dos tempos, surgindo na Grécia clássica, através dos estudos de Aristóteles, considerado o pai da filosofia da Ética. No século atual dividimos a Ética em antiga e moderna. A antiga, ou Aristotélica, é a
Ética das Virtudes, do principio máximo da eudaimonia; a moderna é a ética dos deveres, do bem estar coletivo, da deontologia.
Neste artigo vamos percorrer a Ética Aristotélica, que favorece as escolhas e decisões voltadas para o homem como o seu valor máximo, tendo como objetivo a felicidade do indivíduo dentro de uma sociedade justa, tornando-o um ser virtuoso dentro da Ética das Virtudes.
Ética e MoralMas o que é a Ética? E o que é a moral? São palavras sinônimas, mas de significados muitas vezes paralelos, que se encontram na essência vital que o homem tem em sua consciência de valores. A moral traduz-se em um conjunto de normas, costumes, princípios e preceitos dos quais se veste determinados povos, ou determinadas sociedades. Ela transforma-se diante da evolução do tempo e do pensar do homem, conforme as necessidades de sobrevivência do clã. Quando a moral torna-se injusta, obrigando o homem a pensar na mudança dos seus princípios normativos, surge a consciência ética, que traduz a rebelião contra a injustiça, instaurando-se a indignação ética.
É a partir da conscientização e questionamento dos costumes morais, que surge a Ética, a teoria da moral, o seu estudo, que busca de forma filosófica compreender, explicar, justificar e criticar a moral ou as morais vigentes em uma determinada sociedade. A Ética torna-se filosófica e cientifica, enquanto que a moral é o retrato fiel dos costumes que defendem a sociedade diante da sua própria consciência.
Diversas foram as morais através dos tempos, modificadas quando falidas, quando ameaçavam a própria existência de uma sociedade. Um exemplo de mudança substancial nos valores morais da sociedade ocidental foi a abolição da escravatura, que até o século XIX era vista como um mal necessário e perfeitamente justificado moralmente. A indignação ética tornou possível o fim de tão execrável costume entre os povos.
Se os princípios morais mudam de sociedade para sociedade, a Ética, que torna possível a sua
compreensão, é universal. Se para o ocidente a poligamia é crime, sujeita a punições penais, entre os povos islâmicos ela é aceita e serve para proteger a mulher, já que o marido é quem a dignifica diante do clã, sendo assim, cada homem pode ter quatro esposas, desde que tenha condições econômicas de manter a todas elas por igual.
Se uma pessoa caminhar nua pela avenida principal da sua cidade, não estará ferindo a consciência ética, mas desrespeitando contundentemente às normas e às morais vigentes, o que não aconteceria se fizesse o mesmo diante de uma tribo de índios do interior da floresta amazônica.
“Aquilo que numa época parece mau, é quase sempre um retolho daquilo que na precedente era considerado bom.” (Nietzche)
Portanto, a moral de cada sociedade é justificada por ela mesma, diferindo entre os costumes de cada uma, continuando vigente até que atendam à sobrevivência de um povo ou de um grupo, vigiada por uma consciência ética perene.
Filósofos Morais Antes de AristótelesA sociedade ocidental tem os seus princípios éticos construídos nas bases dos conceitos gregos e judaico-cristãos. A Ética dos povos ocidentais está classificada filosoficamente em cinco grandes tradições: Ética Aristotélica, Ética do Utilitarismo, Ética Kantiana, Ética do Contratualismo e Ética do Relativismo.
Se filosoficamente situamos a Ética dentro das cinco linhas acima, historicamente a Ética ocidental pode ser dividida em Ética grega, Ética judaico-cristã medieval, Ética moderna e Ética contemporânea. Não se pode esquecer que a Ética na história é bem reduzida, pequena diante da moral, que se torna infindável através dos tempos. Cronologicamente a moral modifica-se constantemente, mudando o curso da própria história, enquanto que a Ética permanece mais como filosofia.
Na Grécia antiga encontramos em diversos filósofos a abordagem de reflexões sobre os problemas morais. Aqui surgem os princípios das chamadas éticas humanísticas, que tomam o ser humano como a medida de todas as coisas, seguindo o conhecido axioma do antigo pensador sofista Protágoras (485-410 a.C).
Mas será em Sócrates (470-399 a.C) que nos vamos deparar com reflexões de caráter ético e de preocupação no entendimento do caráter humano. Sócrates põe a Ética como sendo a disciplina na qual deveriam girar as reflexões filosóficas. Considerava a virtude um princípio da inteligência humana; somente o ignorante pratica o mal, pois desconhece o bem. Ao praticar o bem, o homem torna-se naturalmente feliz. As virtudes seriam identificadas pela inteligência, decodificadas por ações fundamentadas nos valores morais da sociedade.
Além de Sócrates, temos outro grande filósofo grego, Platão (427-347 a.C), que indaga os princípios éticos que conduzem o homem na sociedade em que está inserido. Platão associa a sua Ética à metafísica. O homem possui corpo, que o filósofo divide em cabeça, peito e baixo-ventre; e alma, o princípio que o anima, dividida em razão, vontade e desejo. As virtudes são determinadas pela natureza da alma, concentradas na divisão das suas partes. A alma é elevada através da contemplação final do bem, purificando-se e libertando-se da matéria. Alma e matéria relacionam-se em suas divisões, a razão é manifestada na cabeça; a vontade ou ânimo, flui do peito; o desejo, ou apetite, emana-se do baixo-ventre. Quando as três partes do corpo e da alma agem como um todo, o homem torna-se harmônico, constituindo a justiça.
A Ética AristotélicaA Ética como princípio filosófico tem a sua origem formal com Aristóteles (384-322 a.C), que a organiza como disciplina, formulando os maiores problemas que serviriam de estudos futuros para os filósofos morais. É através de Aristóteles que surge a relação entre a norma e o bem, entre a vida teórica e a prática, entre a ética individual e a social. O princípio aristotélico classifica a virtudes, privilegiando a justiça, a caridade e a generosidade. É a Ética das Virtudes, através das quais o homem alcança a paz e alegria da sua existência, beneficiando com isto a sociedade onde está inserido.
A Ética das Virtudes harmoniza a natureza do homem e a moralidade da sociedade. O homem ético é um homem virtuoso, sendo a virtude uma força vital. O mais virtuoso é o mais capaz de realizar-se como homem, atingindo a felicidade absoluta. A Ética Aristotélica é a Ética da Eudaimonia, palavra grega que quer dizer felicidade, bem-estar e sucesso, derivadas da harmonia entre os componentes da alma.
Aristóteles une a sua Ética à política. O homem é um ser pensante, que para ser feliz precisa do ar, da comida; precisa viver em sociedade e em ambiente político para que possa exercer os princípios morais, portanto é um animal social e político. O homem só pode viver na cidade ou em comunidades, somente os deuses e os animais selvagens não precisam da comunidade política para viver.
A Ética das Virtudes tem a sua concepção na Grécia antiga, cuja religião é politeísta e os seus deuses têm características humanas. O homem está voltado para a sua natureza.
A Ética das Virtudes tem em paralelo, várias filosofias morais, como o Estoicismo, nome herdado do local onde Zenão de Cítio (340-264 a.C.) costumava fazer os seus encontros filosóficos, a
stoá, a parte coberta do mercado de Atenas. No Estoicismo o homem é feliz quando aceita o seu destino com resignação, sem perturbar a harmonia estabelecida. O homem virtuoso é aquele que sabe moderar os seus desejos e aceita o seu destino.
O Epicurismo foi outra filosofia moral que surgiu já na decadência do antigo mundo grego. Sua escola propagava que o homem só alcançaria sentido e significado à vida, se buscasse o que lhe desse prazer ou felicidade. Este movimento filosófico teve como mestre o ateniense Epicuro (341-270 a.C). A partir das suas idéias surgiu o Hedonismo (do grego
hedoné, prazer), concepção filosófica moral que assume o prazer como principio dos costumes normativos.
Com a cristianização de Roma no século IV, e conseqüentemente, do mundo ocidental, a Ética Aristotélica, ou das Virtudes, passará a ser conhecida como Ética Antiga. Os deuses greco-romanos são extintos. Deus torna-se único, ser supremo e sem traços da imperfeição humana, sendo apenas Ele digno da adoração humana. O cristianismo concretiza o monoteísmo judaico e dá passagem para a Ética dos Deveres. A exigência moral deixa de questionar como o homem deve viver para atingir a eudaimonia, passando a perguntar como deve fazer para atingir os princípios morais. O critério moral já não é a virtude, mas o dever, e a prioridade intelectual já não é o bem, mas o justo.