Quinta-feira, 16 de Outubro de 2008

CARNAVAL - A USURPAÇÃO DO ENTRUDO PELA ELITE

 

 

Uma das festas mais antigas do mundo, com raízes nas festas pagãs da Babilônia e da Roma antiga, fincadas na Idade Média, quando foi cristianizada e adaptada pelos europeus. Nascido do antigo Entrudo português, o carnaval tornou-se a partir do século XX, a maior festa do Brasil, transformando-se em uma das principais características, ao lado do futebol, para um estrangeiro definir o país. Uma festa que nasceu das manifestações populares, que foi pouco a pouco, tendo a adesão da elite burguesa, e a sua completa industrialização através dos trios elétricos em Salvador e dos desfiles das escolas de samba nos sambódromos do Rio de Janeiro e São Paulo. Popular, elitista ou industrializado, o carnaval é uma festa que deu certo em todos os aspectos e para todas as camadas sociais. Talvez porque o Brasil, país de clima quente e de miscigenação raciais complexas e irrestritas, ofereceu campos férteis para um reinado absoluto de Momo.

Do Entrudo ao Carnaval

O carnaval foi incorporado como festa cristã na Idade Média, adaptado das antigas festas da Roma antiga, com as saturnálias. Há uma tradição que diz que a origem etimológica da palavra carnaval vem de carne levare (afastar-se da carne), que traduzia um bem-estar profano antes da entrada na quaresma. No Renascimento são incorporados ao carnaval de Florença os bailes de máscaras, as fantasias e os carros alegóricos.
O Entrudo surgiu na península Ibérica para marcar o período de introdução à quaresma. Como esse período era de penitências, privações e jejuns, fazia-se na terça-feira que precedia à quarta-feira de cinzas, uma comemoração que as pessoas se fartavam de comer alimentos e beber, visitando umas as casas das outras, antes de uma preparação para entrar nos dias de abstinência dos prazeres.
Em 1723 imigrantes portugueses trouxeram dos Açores e da Ilha da Madeira, o Entrudo para o Brasil. Nos seus primórdios encontramos dois tipos de comemoração: o entrudo familiar e o entrudo popular.
O entrudo familiar, comemorado em casa, pelas pessoas da elite brasileira, através de brincadeiras ingênuas com limões de cera cheios de um líquido perfumado, os limõezinhos de cheiro, atirando-os uns aos outros, a cera era rompida e a pessoa ficava perfumada. Uma festa bem-comportada e sem exageros, como sugeria a etiqueta da época.
O entrudo popular, comemorado nas ruas pelos escravos e libertos, com brincadeiras mais agressivas, com gente a jogar urina e todos os tipos de pós naqueles que ousavam passar pelas ruas. Quanto mais arrumados os transeuntes, mais eram vítimas dessas brincadeiras. Esse tipo de manifestação ainda hoje é feito no entrudo português, que mantém a tradição durante o carnaval das crianças atirar ovos, farinhas e outros infortúnios nas pessoas que transitam pelas ruas.
Enquanto a elite brincava dentro das casas, os escravos e libertos brincavam nas ruas, limitando a elite de participar das manifestações espontâneas que explodiam sem uma organização visível, na improvisação de uma festa do povo para o povo. No começo essas manifestações eram geralmente contra a escravidão. Com a abolição e com a chegada dos imigrantes, essas manifestações foram criando elites mais evidentes, pois os imigrantes não iam para as ruas brincar com os libertos. É através da diversificação social que a integração de massas do velho entrudo começa a tomar caráter de festas fechadas.
A partir de fins do século XIX e princípios do século XX, a baixa classe média sai às ruas, mas sem imiscuir-se com o entrudo popular. Começam a se organizar em ranchos. Com a criação dos ranchos, abandona-se o entrudo e abraça-se o carnaval, deixando de ser manifestações espontâneas de ruas para se tornar manifestações organizadas e preparadas por associações. Para passar, os ranchos empurram o povo das avenidas para as calçadas. Na elitização do carnaval, usurpa-se o entrudo ao povo. Os ranchos cantam árias de óperas pelas avenidas, trazem conjuntos que são chamados de orquestras, fantasiam-se como no carnaval italiano. Os ranchos apagam a festa que o povo dava a si mesmo, criando a festa que a elite oferece a si mesma e, conseqüentemente, ao povo. A partir dos ranchos surgem as escolas de samba., Troca-se as árias de óperas pelo samba, que nasce nos antigos cortiços do centro do Rio de Janeiro, que com a sua revitalização, faz a população pobre subir para os morros da cidade, levando o seu samba popular e marginal.
Já denominado carnaval, o antigo entrudo vai dando passagem para uma grande festa cada vez mais organizada, mais industrializada década após década. A partir do Rio de Janeiro, o carnaval vai se espalhando por todo o país, transformando-se numa poderosa manifestação de toda uma nação. Do velho entrudo apenas a exaltação do profano e do sincretismo de um país plural.

Cronologia do Carnaval no Brasil

1723
– Imigrantes portugueses das ilhas da Madeira e dos Açores, introduzem o Entrudo no Brasil.
1767 – Construída a Casa da Ópera, primeiro teatro do Rio de Janeiro.
1840 – Primeiro baile carnavalesco aberto ao público, no Hotel Itália, Rio de Janeiro.
1848/1852 – José Paredes, imigrante português, sai às ruas tocando um bumbo, criando o Zé Pereira.
1855 – Fundado o Congresso das Sumidades Carnavalescas, surgindo a primeira sociedade carnavalesca, os Zuavos Carnavalescos, futuros Tenentes do Diabo, no Rio de Janeiro.
1862 – Henrique Fleiuss estampa na Semana Ilustrada desenho do rei Momo.
1878 – Surge a Sociedade Carnavalesca Boêmia, que introduz no carnaval carioca a fantasia chicard (qualidade do chic).
1888 – A princesa Isabel promove em Petrópolis, no carnaval, uma batalha de flores, assumindo publicamente posição contrária à escravidão. Acompanhada pelo marido e filhos, percorre a cidade em um carro aberto promovendo a arrecadação de donativos para a libertação de cativos.
1889 – Surge a Sociedade Carnavalesca Triunfo das Concubinas, primeiro cordão organizado do Rio de Janeiro.
1892 – Carnaval é transferido para junho por ordem do governo, que considera um mês mais saudável. Neste ano o carnaval foi comemorado duas vezes.
1897 – Trazidos da Europa, são introduzidos no carnaval brasileiro os confetes e as serpentinas.
1899Ó Abre-Alas, composta por Chiquinha Gonzaga, é considerada a primeira música de carnaval.
1906 – Os desfiles de carnaval são transferidos da Rua do Ouvidor para a recém-aberta Avenida Central. Chega ao Brasil o lança-perfume.
1907 – Primeiro corso promovido na Avenida Central reúne 30 mil pessoas.
1908 – Primeiros filmes sobre o carnaval.
1912 – Transferido o carnaval para junho, por causa da morte do Barão do Rio Branco. Novamente dois carnavais no mesmo ano.
1917Pelo Telefone, de Mauro de Almeida e Donga, é o primeiro samba gravado.
1925 – Primeiro concurso de sambas e marchinhas, no Teatro de São Pedro, Rio de Janeiro.
1927 – A Gazeta de Notícias realiza a última batalha de confete.
1929 – Cartola, Carlos Cachaça e outros sambistas rebatizam o Bloco dos Arengueiros, chamando-o de Estação Primeira de Mangueira. Realizado no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, primeiro concurso informal de escolas de samba.
1932 – Getúlio Vargas comparece ao primeiro baile de carnaval do Teatro Municipal, no Rio de Janeiro.
1933 – Criada a Associação dos Ranchos Carnavalescos.
1935 – Primeiro concurso oficial de escolas de samba.
1937 – Proibido pelo governo o uso de lança-perfume.
1942 – Orson Welles filma o carnaval carioca.
1946 – Desfile das escolas de samba é organizado pela União Geral das Escolas de Samba, após o Departamento de Turismo da prefeitura negar a fazê-lo.
1949 – Primeira transmissão do carnaval carioca, pela Rádio Continental.
1950 – Dodô e Osmar inventam na Bahia, o duo elétrico, no carnaval seguinte, trio elétrico.
1958 – A ala dos Impossíveis, da Portela, lança os passos marcados.
1961 – Portela e Mangueira passam a cobrar ingressos para o público assistir aos ensaios de quadras.
1962 – Instituído o Dia Nacional do Samba.
1970 – Escolas de samba são obrigadas a enviar croquis de alegorias e fantasias aos censores do governo militar.
1971 – Instituído o tempo dos desfiles das escolas de samba.
1972 – Lei nº 2.079 cria a Riotur, empresa de turismo do Estado da Guanabara.
1981 – A Riotur institui concurso Zé Pereira, para estimular o carnaval de rua.
1984 – Inaugurado o Sambódromo do Rio de Janeiro.
1986 – Instalados relógios eletrônicos no Sambódromo para marcar o tempo do desfile.
1994 – Sambódromo do Rio de Janeiro é tombado como Patrimônio Cultural do Estado.



 
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