Terça-feira, 27 de Outubro de 2009

LEILA DINIZ, A MULHER E O MITO

 

 
Quando se fala nas décadas de 1960 e 1970, Leila Diniz aparece como um ícone incontestável na galeria dos personagens que compuseram e modificaram o país. A construção do mito muito que se deve à contestação da mulher inquieta e libertária que ela foi. Como atriz não desempenhou papéis marcantes, que lhe valesse o estatuto de estrela, mas brilhou como poucas, sendo um objeto de mídia, quando esta ainda era incipiente, com pouco mais de meia dúzia de revistas e jornais de projeção nacional, e uma televisão ainda por encontrar a direção. Esta mídia rendia-se aos encantos de Leila Diniz, à sua espontaneidade, e, principalmente, a sua transgressão comportamental, dilacerante e revolucionária para a época, fazendo dela uma notícia vendável. Leila Diniz foi capa constante das principais revistas do país, não apenas das que cuidavam da vida dos famosos, como das emblemáticas “O Cruzeiro”, “Fatos e Fotos”, “Realidade” e “Manchete”.
Ser Leila Diniz na época em que viveu era caminhar nua diante de uma sociedade conservadora, manipulada e governada por uma burguesia repressiva, composta nas casernas. Leila Diniz falava do amor livre, da mulher que não tinha medo de sentir prazer sexual, muito menos de ter uma vida íntima com quem lhe inspirasse desejo. Falava palavrões como um homem, mostrando-se caçadora como eles, mas sem nunca perder a sensualidade ou a doçura que lhe era peculiar. Era vista pela direita como promíscua, muitas vezes chamada de prostituta pelos mais conservadores; e, estigmatizada como alienada e alienante pela esquerda. Leila Diniz representou o grito da mulher diante de um mundo machista e de voz histórica masculina. Contestou os costumes, atirou-se sem pudores ao amor e à liberdade de amar; foi a primeira mulher a aparecer grávida a trajar biquíni pelas praias cariocas, escandalizando e lançando moda. Não precisou de um grande papel para brilhar como estrela; foi essencialmente os seus impulsos, o seu jeito espontaneamente visceral de ser, foi mulher sem medo de sê-lo. Sua personalidade superou o seu meio e a sua profissão. Não teve tempo ou não quis buscar o seu grande papel no cinema, na televisão ou no teatro, vivendo-o brilhantemente na vida, ser mulher foi a sua maior representação.
Leila Diniz morreu precocemente aos 27 anos, em 1972, em um trágico acidente aéreo que comoveu o Brasil. Uma vez morta, eternizou-se no cenário nacional, deixou de ser a mulher para transformar-se no mito, deixou de ser vista como promíscua para ser exaltada como pioneira da liberação feminina no Brasil. Leila Diniz, o mito, é tão fascinante quanto foi a mulher, e quase quatro décadas depois da sua morte, continua presente no imaginário deste país, nas raízes da existência feminina e na sua luta para ser apenas mulher, sem as amarras de preconceitos e costumes seculares. Leila Diniz vive! Partiu a mulher, mas o mito está presente em cada rosto feminino, e como profetizou Rita Lee, hoje qualquer mulher é mesmo Leila Diniz!

Os Primeiros Anos e a Estréia Como Atriz

Leila Roque Diniz nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 25 de março de 1945. Filha de um dirigente do Partido Comunista, o seu nascimento coincidiu com o fim do casamento dos pais, que culminou na separação. Com o fim do casamento, a mãe de Leila Diniz entrou em depressão, não tendo condições psicológicas de cuidar da recém-nascida. Com apenas sete meses, a criança foi entregue à avó paterna, para que por ela fosse criada.
A partir dos três anos de idade, Leila Diniz foi separada da avó, indo viver com o pai e com a sua nova esposa. Ela cresceu sem que lhe fosse dito que a madrasta não era a sua mãe, vivendo esta mentira velada até os 15 anos, quando uma tia revelou-lhe a verdade. A revelação afetou-lhe profundamente, fazendo-a deixar a casa do pai e procurar a mãe verdadeira. Confusa, Leila Diniz passa a viver com algumas amigas, recorre à análise para chegar à conclusão que costumava vociferar: “tenho duas mães, a que pariu e a que criou”.
Foi aos 15 anos que começou a trabalhar como professora, ensinando crianças do maternal e do jardim da infância. Sua forma peculiar de ensinar incomodou aos professores e aos pais de alunos. Leila Diniz eliminou a mesa de professora, sentando-se no meio dos alunos, trocava lanches com eles, falava palavrões comuns às crianças, procurando tratá-las com a mesma linguagem. Jamais se adaptou às exigências convencionais dos diretores da escola ou do pai dos alunos, o que a levou a deixar de dar aulas.
Aos 17 anos, ainda professora primária e estudante do segundo grau, Leila Diniz conheceu o diretor de teatro e cinema, Domingos de Oliveira, com quem passaria a viver por três anos. Aos poucos, ela deixou o magistério, indo trabalhar em uma agência de modelos, fazendo anúncios e figuração em filmes. Como atriz, faria a sua estréia fazendo pequenos papéis no Teatrinho Trol e no Grande Teatro Tupi. A quem aponte para a peça infantil “Em Busca do Tesouro”, dirigida por Domingos de Oliveira, como a sua estréia oficial como atriz. Chegou a ser corista em um show do rei da noite, o mítico Carlos Machado.
Leila Diniz considerava a sua estréia como atriz dramática a partir do momento que fez a peça “O Preço de um Homem”, ao lado de Cacilda Becker, em 1964. A atriz nunca teve paixão pelo teatro, dedicando grande parte da sua carreira ao cinema nacional e à televisão.

Leila Diniz Conquista a Televisão

A relação com Domingos de Oliveira desgastou-se com o tempo. Em 1965 ela decidiu pela separação. Foi neste tumultuado ano de dor sentimental, que ela fez a sua estréia na televisão. Ao lado de Reginaldo Faria, protagonizou a primeira telenovela da recém nascida Rede Globo, “Ilusões Perdidas”, produzida em São Paulo, na antiga TV Paulista, comprada naquele ano por Roberto Marinho. Leila Diniz entrava definitivamente para a história da televisão brasileira em exatos 56 capítulos.
Aos poucos, Leila Diniz foi construindo uma carreira na televisão. Ainda em 1965, faria mais duas novelas na emissora de Roberto Marinho, “Paixão de Outono” e “Um Rosto de Mulher”. Simultaneamente, a atriz aparecia em anúncios televisivos de sabonetes e creme dental, e da Coca-Cola.
Em 1966, Leila Diniz viveria a vilã Úrsula, de “Eu Compro Esta Mulher”, novela de Gloria Magadan, baseada no romance “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. A novela seria o primeiro grande sucesso da TV Globo, transformando a autora em uma poderosa e temida novelista. Úrsula projetou Leila Diniz na televisão, o que a levou a ser escalada para “O Sheik de Agadir”, da mesma autora. Sua personagem Madelon, alcançou sucesso nacional. No ano seguinte, em 1967, ela faria outra novela de Gloria Magadan, “A Rainha Louca”. Ainda naquele ano, seria a protagonista de “Anastácia, a Mulher sem Destino”, novela que entrou para a história da teledramaturgia brasileira não pelo seu sucesso, mas pelos conturbados bastidores. Emiliano Queiroz, o autor da trama, perdeu-se depois de criar vários personagens, sendo substituído por Janete Clair, em sua mítica estréia como novelista da Globo. Com a missão de salvar a novela de um imenso fracasso, Janete Clair decidiu começar do zero, enxugando o elenco e recontado a história, para isto ela criou um grande terremoto que mataria quase todo o elenco, só restando quatro sobreviventes. A história dava um salto de vinte anos, Leila Diniz passou a interpretar duas personagens, Anastácia, e a sua filha.
A presença de Leila Diniz nos primórdios da Rede Globo foi uma constante. Em 1968, foi para a TV Excelsior protagonizar a telenovela “O Direito dos Filhos”, grande sucesso da emissora. Além da TV Excelsior e da TV Globo, Leila Diniz atuaria em novelas da TV Rio, “Os Acorrentados”, de Janete Clair, em 1969, e da TV Tupi, onde faria “E Nós, Aonde Vamos?”, em 1970, novela que seria a última da sua carreira e da de Gloria Magadan, a autora.

Leila Diniz no Cinema Brasileiro

Mas foi no cinema nacional que Leila Diniz alcançou o apogeu da carreira. Uma incursão da atriz que duraria seis anos. A estréia foi em 1966, em “O Mundo Alegre de Helô”, dirigido por Carlos de Souza Barros, filme que ela chamava de alucinante. Logo em seguida, atuou em “Jogo Perigoso” (Juego Peligroso), uma co-produção entre o Brasil e o México, dirigido por Luiz Alcoriza, famoso por seu trabalho de roteirista ao lado de Luis Buñuel.
O sucesso definitivo veio com “Todas as Mulheres do Mundo”, feito em 1966, com estréia no ano seguinte. A direção foi de Domingos de Oliveira, que se inspirou na sua vida com a atriz para criar as personagens. Quando o filme foi feito, Leila Diniz e Domingos de Oliveira já estavam separados, sendo o momento das filmagens a última tentativa do diretor para reconquistar a amada, mas ela preferiu seguir sozinha. Com este filme, Leila Diniz tornou-se a atriz mais famosa do cinema nacional. Foi a partir dele que a sua inquietante personalidade ganhou notoriedade, e passou a ser reconhecida como atriz. Mas a carreira de atriz não ascenderia tão brilhante como a personalidade da mulher. Com este filme, Leila Diniz torna-se um ícone do seu tempo e das mulheres de um Brasil que se desenhava os costumes. “Todas as Mulheres do Mundo” tornou-se um clássico do cinema brasileiro. A atriz voltaria a ser dirigida pelo ex-companheiro em “Edu, Coração de Ouro”.
Apesar de dizer que não se importava em fazer um texto de Shakespeare ou de Gloria Magadan, Leila Diniz encontrou-se nas telas do cinema. O seu amor pela sétima arte fez com que ela atuasse pelo simples prazer de trabalhar com grandes diretores, abrindo mão muitas vezes, de receber salário, como aconteceu quando trabalhou com Nelson Pereira dos Santos em “Fome de Amor”, e ele não lhe podia pagar. Com este filme, considerado pela atriz como um dos seus melhores papéis, foi representar o diretor na Alemanha, no Festival de Berlim, em 1968. Ela voltaria a trabalhar com Nelson Pereira dos Santos em “Azyllo Muito Louco”.
A sua atuação no cinema foi constante até a tragédia que a vitimou, em 1972. Alternou papéis de protagonista, coadjuvante ou simples participações especiais. Fez clássicos como “Madona de Cedro”, baseado no romance de Antonio Callado, ao lado de Sérgio Cardoso, ator que, assim como ela, comoveria o Brasil com a sua morte precoce, em 1972. “Madona de Cedro” teve a direção de Carlos Coimbra, com quem ela voltaria a trabalhar em “Corisco, o Diabo Loiro”.
Por duas vezes, a atriz surgiu nas telas a interpretar ela mesma, em “Os Paqueras”, em 1969, filme considerado o precursor das pornochanchadas dos anos setenta, e em “O Donzelo”, estreado nos cinemas em 1971. Nestas participações, percebe-se nitidamente a dimensão do mito Leila Diniz, mais famosa como ela mesma do que como qualquer personagem que veio a interpretar.
Mãos Vazias”, de 1971, de Luiz Carlos Lacerda, seu amigo íntimo desde a adolescência, foi o responsável pela viagem de Leila Diniz para um festival de cinema na Austrália, onde foi representá-lo. A atriz não voltaria ao Brasil, morrendo em um acidente de avião. No carnaval de 1972, ela filmou a sua última participação no cinema, “Amor, Carnaval e Sonhos”, de Paulo César Saraceni.
Os registros da trajetória da carreira de Leila Diniz foram feitos pela televisão, onde foi protagonista de várias telenovelas, e pelo cinema nacional. Infelizmente um incêndio na TV Globo, ocorrido em 1976, destruiu todas as novelas que ela participou. As outras emissoras, TV Excelsior, TV Tupi e TV Rio, também não deixaram os arquivos dessas produções. Resta o cinema, que além das reportagens históricas da atriz, é o registro vivo do mito Leila Diniz.

Leila Diniz nas Páginas do Pasquim

O registro mais importante do mito Leila Diniz aconteceu em 1969, quando deu uma entrevista histórica para o jornal “O Pasquim”. A entrevista causaria furor nos fãs e naqueles que ansiavam pela mudança dos costumes, pelo amor livre, tão disseminado pelos movimentos hippies e vanguardas de então; causaria mal-estar nos conservadores e moralistas, tanto da classe média hipócrita, quanto do próprio governo militar, sustentado essencialmente por setores de uma sociedade de costumes rígidos e moralismos esgotados. Após o decreto do Ato Institucional 5 (AI-5), em dezembro de 1968, era feita veladamente uma censura prévia ao que se saía na imprensa. O Pasquim era conhecido pela irreverência intelectual dos seus editores, publicando reportagens com entrevistas na íntegra, preservando a linguagem coloquial do entrevistado.
Em novembro de 1969, o jornal publicou sem retoques, a mítica entrevista de Leila Diniz. A atriz era conhecida no meio que freqüentava pela linguagem escancarada e espontânea que utilizava, os seus palavrões eram famosos pelas mesas dos bares de Ipanema. O Pasquim transcreveu esta linguagem na reportagem, até então desconhecida do público da atriz. Apesar da linguagem chula que às vezes utilizava, Leila Diniz não era uma mulher agressiva, muito menos vulgar, os palavrões ditos por ela soavam aos ouvidos dos amigos e parentes como um charme, uma rebeldia, numa época que se tornara moda ser contestador, derrubar tabus e procurar novos caminhos para os costumes sociais que explodiam.
A partir da reportagem do Pasquim, Leila Diniz tornou-se porta-voz da nova mulher que se construía numa sociedade machista e em ebulição, movida por um regime governamental repressivo e de parcos costumes. Para cobrir a grande quantidade de palavrões, o editor Tarso de Castro substituiu-os por asteriscos, não mudando a essência vulcânica das palavras da atriz. Dois meses após a publicação da polêmica entrevista, ainda indignada, a ditadura militar outorgou um decreto-lei instituído a censura prévia, dizendo que não mais toleraria na imprensa nacional, “exteriorizações contrárias à moral e aos costumes”. O decreto entrou para a história como “Decreto Leila Diniz”.
A repercussão da entrevista deixou marcas indeléveis na carreira e vida profissional de Leila Diniz. Vítima de perseguição moral, ela jamais conseguiria um bom emprego, sendo vetada nas novelas da Globo, casa que ajudou a construir nos primórdios, emprestando o seu talento de atriz. Sem conseguir bons papéis na televisão, ela começou a ter dificuldades em pagar as suas contas.
Lidas com a visão dos tempos atuais, as frases de Leila Diniz soam como as de qualquer adolescente que se expressa através da internet. Mas na época que foram ditas, eram consideradas libertárias, não dignas de uma mulher de moral. A repercussão negativa da entrevista fez da atriz um alvo perfeito de preconceitos e dos preconceituosos. Leila Diniz afirmava que fazia sexo com ou sem amor, que ter prazer não dependia da paixão ou de ser mulher, mas da essência de cada um. Declarar o amor livre em 1969 era um ato de rebeldia, principalmente se a declaração viesse de uma mulher e de uma influente figura pública. Separar sexo do amor era para as prostitutas, não para as esposas e para as mães de família.
A edição do Pasquim que trazia a entrevista de Leila Diniz foi a mais vendida da história do jornal. Também a mais marcante e comentada até os dias de hoje. Para Leila Diniz foi o crepúsculo profissional. Depois que a entrevista saiu, emissoras como a Rede Globo deixaram de contratá-la, alegando razões morais. O diretor Daniel Filho declararia que a novelista Janete Clair vetou Leila Diniz para fazer uma de suas novelas, alegando que a imagem da atriz não condizia com a da heroína do folhetim, o que poderia vir a afetar o desenvolvimento da personagem. O que não deixava de ser uma grande ingratidão, já que Daniel Filho tinha saído temporariamente da TV Globo, indo para a TV Rio, em 1969, convocando Janete Clair para escrever para aquela emissora uma novela, “Os Acorrentados”, na qual Leila Diniz fora a protagonista, emprestando o seu nome para a empreitada do diretor e, representando com maestria a heroína de Janete Clair.
Contrariando a versão de Daniel Filho, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o poderoso Boni, então diretor geral da TV Globo, alegou que Leila Diniz foi vetada na emissora por ter quebrado o contrato para fazer uma novela na TV Excelsior. Boni declararia: “Ficamos decepcionados. Quando quis voltar, estávamos naturalmente tristes com aquela quebra de contrato. Era política da empresa.” Seja qual for a versão verdadeira, o fato é que a TV Globo era extremamente conservadora e de orientação machista, não permitindo inclusive, que as suas atrizes posassem nuas para revistas masculinas, aquela que infringisse as normas da emissora sofria retaliações, esta política só caiu no fim da década de setenta.
Ser verdadeira e espontânea pôs Leila Diniz na contramão do seu tempo, fazendo dela o protótipo da mulher do futuro. A atriz pagou caro por sua irreverência, sendo perseguida pelo conservadorismo dilacerante daquele Brasil reprimido. Nunca quis ser líder de nada, queria apenas ser livre. Conseguia defender o amor livre e o casamento em uma mesma entrevista. Numa época em que as ideologias estavam divididas em dois grupos, o de esquerda e o de direita, e que não pertencer a nenhum dos lados era considerado alienante, numa época que não se podia fugir das idéias pré-concebidas, das dialéticas impostas, Leila Diniz defendia apenas o direito de ser livre, mesmo sendo mulher, não trazia receitas ideológicas, pensamentos intelectuais, mostrando-se como uma incógnita, como a interrogação desconcertante dos tabus que se quebravam dia após dia. A entrevista de Leila Diniz no Pasquim foi a primeira quebra da mulher com as amarras machistas no Brasil, foi o primeiro flash disparado sobre o rosto e o corpo da mulher brasileira do futuro.

Perseguida e Acossada Pelos Preconceitos Morais

A partir da entrevista que deu para O Pasquim, Leila Diniz amargou a pior fase da sua vida. Vetada pela TV Globo, que passava a ser a maior emissora do país, perseguida pelos conservadores e moralistas, ela passou a aceitar papéis menores em sua carreira.
Ignorada pela esquerda, perseguida pela direita, a atriz viu os caminhos profissionais sendo fechados à volta. A verdade é que Leila Diniz era senhora de uma personalidade marcante, maior do que a sua profissão, uma fomentadora de opiniões, que muitos jovens idolatravam e seguiam. Leila Diniz passou a incomodar os poderosos do regime militar, não por ser uma revolucionária de esquerda, ou militante política perigosa, mas por desafiar os costumes sociais estabelecidos. Ela desafiava ao poder do macho, refletido no casaco dos generais, nos olhos sombrios dos militares do poder, que escondiam atrás de óculos escuros o olhar frio dos torturadores. Leila Diniz passou a ser perseguida pelos militares, que a acusaram de ajudar militantes de esquerda, os quais eles chamavam de terroristas, mas a verdade é que a polícia política queria prendê-la por atentado ao pudor. Acossada, ela foi obrigada a viver escondida na casa de campo do apresentador Flávio Cavalcanti, considerado pelos intelectuais e militantes de esquerda como reacionário, sendo visto como a escória da televisão. Naquele momento crucial da vida da atriz, no fatídico ano de 1970, Flávio Cavalcanti não só a abrigou em sua casa de Petrópolis, como deu emprego para ela como jurada no seu programa de televisão. Com a ajuda de Flávio Cavalcanti e da sua família, Leila Diniz pôde respirar um pouco mais naquele momento que ninguém lhe queria dar emprego.
Passado o período mais negro da perseguição após a entrevista no Pasquim, a atriz trouxe de volta aos palcos brasileiros o teatro de revista, considerado extinto na época. Exuberante, ela brilhou nos palcos como vedete, protagonizando “Tem Banana na Banda”, revista feita a partir de textos escritos por Millôr Fernandes, Oduvaldo Viana Filho, Luiz Carlos Maciel e José Wilker, sobre os quais a atriz improvisava com maestria. O sucesso da revista deu a Leila Diniz a vitória no concurso de rainha das vedetes, recebendo o título das mãos da maior vedete do país, Virginia Lane. Para encerrar o período nebuloso pelo qual passara, ela foi eleita a Madrinha da Banda de Ipanema.
Leila Diniz voltava a ser notícia, a trazer novamente, o seu sorriso e comportamento espontâneo. A avalanche causada pelas declarações no Pasquim passara, mas deixara cicatrizes profundas. A carreira da atriz era definida antes e depois da entrevista. Era como se recomeçasse, mas a fatalidade da vida dizia o contrário, era um epílogo de vida que a atriz vivia.

Leila Diniz, a Mulher

Em 1971, Leila Diniz apaixonou-se pelo cineasta Ruy Guerra, com quem passou a viver um tórrido romance. O romance resultou na gravidez da atriz. Leila Diniz parecia atingir a sua plenitude de mulher. Recebeu a gravidez como a mutação perfeita da mulher, a concretização do seu corpo e das paixões.
Leila Diniz voltou para o mar, a sua grande paixão de vida. O único momento que gostava de ser ela, de não ser incomodada pelo assédio dos fãs, era aquele que jogava o seu corpo na areia e banhava-se no mar. Momento que gostava de estar só consigo mesma, a falar com o mar, como se dele obtivesse uma inspiração perene e a força para prosseguir livre. A atriz voltava às praias cariocas, voltava a reinar absoluta nas areias de Ipanema. Mas desta vez não estava sozinha, ela voltava grávida, trazendo uma barriga de oito meses, vestida apenas com um biquíni. Ao ser fotografada a exibir a sua gravidez, a trajar um biquíni, mais uma vez Leila Diniz escandalizava a sociedade. Até então a mulher tinha vergonha de exibir a sua gravidez, disfarçando-a em roupas recatadas até o nono mês. Uma grávida dentro de um biquíni era inconcebível. Mas Leila Diniz ousou, e a partir dela, virou moda a mulher grávida usar biquíni e ir à praia.
Grávida, Leila Diniz mais uma vez foi pioneira, deixando-se fotografar nua, com o ventre crescido, pelo fotógrafo David Drew Zingg. Décadas depois, celebridades como Luma de Oliveira e Demi Moore fizeram o mesmo, mas sem escandalizar como aconteceu com Leila Diniz. A plenitude daquele momento deu à atriz o título de grávida do ano.
Foi do mar que Leila Diniz encontrou inspiração para o nome da sua filha, Janaína, nascida em novembro de 1971. Se hoje é comum em campanhas do governo federal a mulher amamentando o filho, Leila Diniz incomodou a moral do governo militar, quando apareceu em fotografias a amamentar a pequena Janaína.
A descoberta da maternidade apaziguou um pouco os anseios da mulher. Leila Diniz viveu com intensidade os curtos oito meses que a vida lhe deu para ser mãe. Após dedicação total à Janaína, ele retomou a carreira, voltando aos palcos do teatro de revista e ao cinema. Em junho de 1972, ela deixou o Brasil para participar de um festival de cinema na Austrália, com o filme “Mãos Vazias”. Era a primeira separação que tinha da filha desde que ela nascera. A atriz não resistiu à saudade e à distância de Janaína, o que a levou a deixar o grupo de atores com o qual viajara e antecipasse a volta ao Brasil. Infelizmente Leila Diniz não voltou. O avião da Japan Airlines, em que viajava, explodiu no ar, quando sobrevoava Nova Déli, na Índia, no dia 14 de junho de 1972. Apenas sete pessoas sobreviveram. Leila Diniz estava entre os mortos, com o corpo incinerado, sendo reconhecido apenas pela arcada dentária.
Quando morreu, Leila Diniz tinha apenas 27 anos, causou uma grande comoção nacional, mesmo diante daqueles que a perseguiram e que tentaram silenciá-la. A atriz passou de pessoa maldita e promíscua a símbolo da liberação feminina. Mesmo morta, o seu rosto desenhou a face da nova mulher brasileira. Desaparecia a mulher, nascia o mito, do qual Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Soltou as mulheres de vinte anos presas no tronco de uma especial escravidão”. Leila Diniz, a mulher, revive em todas as grávidas que passeiam de biquíni pelas praias, em todas aquelas que não têm medo de sentir prazer. O mito é intocável, eterno, símbolo de uma época.
Se Leila Diniz não teve tempo de viver o seu grande papel nos palcos, cinema ou televisão, ela o viveu na vida, sendo o mito Leila Diniz o seu maior papel nos palcos sociais do Brasil. Irreverente e apaixonada pela vida, ela jamais deixou de se divertir com o seu trabalho, sobre o qual declararia:
Eu sou uma pessoa sem sentido porque o meu sentido é esse: eu gosto de me divertir. Eu escolho os meus trabalhos pela patota.”
Leila Diniz era o símbolo da contradição moral vigente, seu sorriso era contagiante, sua beleza estonteante, cheia de curvas sinuosas numa época em que o padrão de beleza feminino era o que ela trazia no corpo, sua visão naturalista do amor e do sexo era o que ansiava intimamente a mais reprimida das virgens, a mais mal amada das balzaquianas e das suas mães. Leila Diniz jamais pretendeu fazer qualquer revolução, mas terminou por ser o símbolo de uma, a dos costumes, a da independência feminina no trabalho, no amor e no sexo.

Frases Emblemáticas de Leila Diniz

“Não sei se foi loucura ou coragem minha, mas sempre me expus muito. De certa forma, acho que é isso que ainda sustenta essa coisa engraçada chamada mito.”

“Não morreria por nada deste mundo, porque eu gosto realmente é de viver. Nem de amores eu morreria, porque eu gosto mesmo e de viver de amores.”

“Quebro a cara toda hora, mas só me arrependo do que deixei de fazer por preconceito, problema e neurose.”

“Tem-se que brigar com o passado, ou melhor, estudá-lo. Arrancar de dentro da gente as raízes burguesas e mesquinhas, as tradições, o comodismo e a proteção...”

“Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para a cama com outra. Já aconteceu comigo.”

“Não sou contra o casamento, Mas, muito mais do que representar ou escrever, ele exige dom.”

“Cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco.”

“Todos os cafajestes que conheci na vida são uns anjos de pessoas.”

“Eu posso dar para todo mundo, mas não dou para qualquer um.”

“Eu trepo de manhã, de tarde e de noite.”

“Sempre andei sozinha. Me dou bem comigo mesma.”

“Só quero que o amor seja simples, honesto, sem tabus e fantasias que as pessoas lhe dão.”

“Viver intensamente é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz. Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente.”

“Quando eu estou representando em teatro, tenho vontade de parar e fazer careta para a platéia e dizer: o que é que vocês estão aí me olhando, o que é isso?”

“Eu durmo com todo mundo! Todo mundo que quer dormir comigo e todo mundo que eu quero dormir.”

“No fundo, eu sou uma mulher meiga, adoro amar, não quero brigar nunca, e queria mesmo é fazer amor sem parar.”

OBRA:

Televisão

1965 – Ilusões Perdidas – TV Paulista
1965 – Paixão de Outono – Rede Globo
1965/1966 – Um Rosto de Mulher – Rede Globo
1966 – Eu Compro Esta Mulher – Rede Globo
1966/1967 – O Sheik de Agadir – Rede Globo
1967 – A Rainha Louca – Rede Globo
1967 – Anastácia, a Mulher Sem Destino – Rede Globo
1968 – O Direito dos Filhos – TV Excelsior
1969 – Os Acorrentados – TV Rio
1969 – Vidas em Conflito – TV Excelsior
1969/1970 – A Menina do Veleiro Azul – TV Excelsior
1969/1970 – Dez Vidas – TV Excelsior
1970 – E Nós, Aonde Vamos? – TV Tupi

Cinema

1966 – O Mundo Alegre de Helô
1966 – Todas as Mulheres do Mundo
1967 – Juego Peligroso (Jogo Perigoso)
1967 – Mineirinho, Vivo ou Morto
1968 – Edu, Coração de Ouro
1968 – O Homem Nu
1968 – A Madona de Cedro
1968 – Fome de Amor
1969 – Corisco, o Diabo Loiro
1969 – Os Paqueras
1970 – Azyllo Muito Louco
1971 – O Donzelo
1971 – Mãos Vazias
1972 – Amor, Carnaval e Sonhos
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